BRASÍLIA - O empresário Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos, contratada pelo Ministério da Saúde para fornecer a vacina indiana Covaxin, levou à Índia uma comitiva de empresários com os quais sua rede de empresas fez transações milionárias consideradas suspeitas. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, do Senado, apura se alguma dessas movimentações financeiras serviram para lavagem de dinheiro. Francisco Maximiniano depõe nesta quinta-feira, 19, à CPI.
Os senadores já aprovaram requerimentos para que cinco integrantes do grupo prestem depoimento. Um dos últimos pedidos de convocação aprovados é o de Raphael Barão Otero de Abreu, dono da Barão Tur, uma agência de turismo de Santa Maria (RS). Em pouco mais de um ano, três empresas de Max, como é conhecido o dono da Precisa, pagaram R$ 1,8 milhão à agência de Barão.
Os senadores também aprovaram requerimentos para ouvir os empresários Danilo Berndt Trento, Leonardo Ananda Gomes, Elson de Barros Gomes Júnior e José Clovis Batista Dattoli. Os dados em posse da CPI mostram que a comitiva viajou na classe executiva, aquela com maior nível de conforto, em três oportunidades entre dezembro do ano passado e junho deste ano.
As idas e vindas da “comitiva de Max”, ao longo do primeiro semestre, seguiram o mesmo roteiro. O grupo que acompanhou Max antes e depois da assinatura do contrato da Covaxin viajava em dias próximos, mas separadamente.
A primeira viagem começou em 30 de dezembro do ano passado, quando o empresário Danilo Berndt Trento saiu de São Paulo para Dubai. No dia 3 de janeiro, o dono da Precisa, seu filho, Felipe Maximiano, e o empresário Raphael Barão seguiram da capital paulista para Délhi. Em 4 de janeiro, viajaram Leonardo Ananda Gomes e Elson de Barros Gomes Júnior. No dia seguinte, a diretora da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, acompanhada de José Clovis Batista Dattoli.
A comitiva retornou da Índia entre os dias 9 e 10 de janeiro. Parte da comitiva saiu de Hyderabad, onde fica a sede da Bharat Biotech, produtora da Covaxin. Outros integrantes da comitiva deixaram Mumbai com direção a São Paulo.
Em depoimento à CPI, Emanuela Medrades explicou o papel dos membros da comitiva de Max. Segundo a diretora, Felipe Maximiano atua na parte financeira da Precisa e José Clóvis Batista Dattoli Júnior é consultor de mercado exterior da empresa desde 2017. Felipe Maximiano não foi alvo de requerimento para prestar depoimento à CPI.
Aos senadores, Emanuela Medrades relatou que Danilo Trento é diretor Institucional da Precisa. "Ele responde diretamente à presidência. As ações de um diretor institucional são ações institucionais. Eu não consigo te definir agora o caráter, o detalhe", afirmou a diretora, respondendo ao relator, Renan Calheiros (MDB-AL), durante seu depoimento em julho.
Danilo Trento e sua avó são sócios da empresa Primarcial Holding e Participações, cujo capital social é de R$ 1 milhão. O escritório é compartilhado com duas empresas de Max, a SaúdeBank e a Primares Holding e Participações, na avenida Brigadeiro Faria Lima.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) registrou como atípicas duas transações entre a 6M Participações, outra empresa controlada por Max, e a Primarcial, de Danilo Trento. O documento analisou a movimentação milionária da 6M, entre setembro do ano passado e fevereiro deste ano, mas não citou a data em que os pagamentos ocorreram. Apenas indicou que a 6M enviou R$ 8,9 milhões à Primarcial de maneira suspeita. De maneira inversa, a Primarcial pagou R$ 3,8 milhões à 6M.
Viagens. No depoimento de Emanuela Medrades à CPI, o relator Renan Calheiros também perguntou à diretora da Precisa qual era o papel de Raphael Barão, da Barão Tur, nas viagens à Índia. Medrades afirmou que a agência do empresário cuida de todas as viagens nacionais e internacionais da empresa.
"Ele atua como se fosse um concierge. Então, por exemplo, a última vez que eu fiquei lá, eu passei 60 dias lá, ele ficou justamente para me apoiar", disse. "É um país diferente, eu precisava focar na questão técnica e eu precisava de alguém que me respaldasse, se eu precisasse, enfim, me alimentar, sair, andar, precisasse de carro. Ele atua como um concierge para a companhia."
O total de R$ 1,8 milhão à agência foi pago entre fevereiro do ano passado e abril deste ano. As transações estão registradas em relatórios do Coaf e em quebras de sigilo bancário da Precisa Medicamentos, obtidos pela CPI.
A agência de viagens afirma, em seu site, que "trabalha com uma proposta diferenciada no mercado". A especialidade da Barão Tur é o atendimento corporativo.
O Coaf identificou dois repasses atípicos de duas empresas de Max, a 6M e a BSF Gestão em Saúde, para a Barão Tur. Os pagamentos somaram R$ 825 mil.
O relatório registrou uma transferência de 6M para a agência de turismo de R$ 711.582,13. O Conselho também apontou que a BSF Gestão em Saúde repassou R$ 114 mil para a Barão Tur.
"Identificamos a realização de pagamento sem fundamentação econômico-financeira à empresa Barão Turismo Eireli, empresa atuante com atividade diferente da proponente agência de viagem, localizada em Camobi, Santa Maria-RS, região que difere da localização e atuação da proponente São Paulo", apontou o relatório.
Brasil-Índia
Dois outros membros da “comitiva de Max” são ligados a organizações que afirmam promover a relação comercial entre Brasil e Índia. Leonardo Ananda Gomes é presidente da Câmara de Comércio Índia-Brasil e Elson de Barros Gomes Jr é cônsul honorário da Índia em Belo Horizonte.
Ambos participaram de uma reunião com o embaixador brasileiro na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, na sede da representação, em 6 de janeiro. O encontro foi registrado pelo embaixador em telegrama diplomático do Itamaraty.
Documentos em posse da CPI registraram três pagamentos da Precisa Medicamentos para a Câmara de Comércio Índia-Brasil. O primeiro, em 22 de dezembro, de R$ 16,5 mil.
As transferências seguintes ocorreram às vésperas da assinatura do contrato da Covaxin. Em 17 e 23 de fevereiro, a Precisa pagou R$ 1 milhão ao órgão, em duas parcelas de R$ 500 mil. Este repasse foi revelado pelo jornal O Globo e confirmado pelo Estadão.
Francisco Maximiano tem um histórico polêmico de negociações. Por meio da Global Gestão em Saúde, outra empresa que controla, ele ganhou contrato de R$ 20 milhões com o Ministério da Saúde, em 2017, para fornecer medicamentos de alto custo. As drogas não foram entregues, apesar do pagamento antecipado. O episódio rendeu um processo na Justiça também respondido pelo ex-ministro Ricardo Barros (Progressistas-PR), atual líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Além disso, como o Estadão mostrou, uma transação de R$ 1 milhão, por meio da 6M, ligou Max a um empresário suspeito de distribuir propinas a políticos. O pagamento seria um empréstimo contratado junto a uma empresa de Luziânia (GO) criada no ano passado.
A compra da Covaxin é investigada pela CPI, pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O contrato para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana, por R$ 1,6 bilhão, foi assinado em 25 de fevereiro deste ano. O Ministério da Saúde encaminhou o cancelamento do acordo em 29 de julho após suspeita de falsificação de documentos apresentados pela Precisa.
Ao Estadão, Elson de Barros Gomes Jr disse que não fez parte da comitiva de Max. O cônsul honorário da Índia em Minas Gerais declarou que apenas esteve na Índia nos mesmos períodos em que o dono da Precisa.
Gomes Jr declarou que vai diversas vezes no ano à Índia e confirmou que esteve no encontro na embaixada brasileira em janeiro. O cônsul disse que é amigo "de longa data" do embaixador brasileiro.
"Meu trabalho é aproximar empresas privadas indianas de empresas privadas brasileiras", disse Gomes Jr. "Sempre quando a gente vai à Índia, a gente faz um encontro na embaixada brasileiro com o atual embaixador."
O cônsul honorário afirmou não ter sido remunerado pela Precisa e disse que suas passagens aéreas não foram pagas pela empresa. Gomes Jr declarou que os valores pagos pela Precisa foram um patrocínio. “Os eventos que a Câmara faz têm patrocínio das empresas que fazem negócios com a Índia", afirmou.
"Existe um contrato no qual essas empresas patrocinam. Tem várias empresas que fazem esses patrocínios. A Precisa, talvez por esse fato de estar querendo fazer negócio com empresas indianas, esse ano, ela fez esse patrocínio para a Câmara."
O empresário Raphael Barão Otero de Abreu não respondeu aos contatos feitos por telefonema e mensagem. A reportagem enviou perguntas a Danilo Berndt Trento, mas não obteve retorno.
A Precisa Medicamentos não retornou o contato. A reportagem não localizou José Clóvis Batista Dattoli e Leonardo Ananda Gomes.