Relatório final de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) apresentado em dezembro de 2023 na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) já apontava necessidade de uma intervenção da União na empresa Enel Distribuição SP, diante dos problemas no atendimento aos consumidores da capital paulista e da região metropolitana no fornecimento de energia elétrica. O pedido, no entanto, ficou no esquecimento até agora. Na avaliação dos deputados estaduais que participaram da comissão, uma auditoria nas contas da Enel precisava ser feita “para apurar eventuais irregularidades e infrações que culminaram com os expressivos índices de insatisfação dos usuários”.
Procurada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), informou ter enviado um termo de intimação em razão da “reincidência quanto ao atendimento insatisfatório aos consumidores em situações de emergência”. A intimação inicia o processo para posterior avaliação de recomendação de caducidade da concessão. Já a Enel afirmou que “a companhia reafirma seu compromisso com os seus clientes e reitera que seguirá investindo para entregar uma energia de qualidade e fazer frente ao avanço dos eventos climáticos”.
O Ministério de Minas e Energia afirmou ter enviado o relatório em abril deste ano para Aneel “a quem compete intervir na concessão de serviço público de energia elétrica”. A pasta informou também que o ministro, Alexandre Silveira, na mesma época, já havia solicitado à Aneel “a abertura de processo administrativo para elaboração de análise pela agência reguladora sobre as condições do atendimento no serviço de distribuição pela Enel, indicando a possibilidade de intervenção ou até mesmo a caducidade”.
A Secretária de Comunicação da Presidência da República afirmou, por nota, que o presidente Lula determinou no dia 14 de outubro (depois do segundo grande apagão em São Paulo) que a Controladoria-Geral da União (CGU) faça uma auditoria na Aneel para apurar possível falha na fiscalização da Enel.
Ao Estadão, a relatora da CPI, Carla Morando (PSDB), afirmou que, passado um ano, o caminho ainda é pela intervenção da União, “com a abertura das contas e também uma auditoria, de 2018 a 2023, porque isso mostra um lucro muito superior aos anos anteriores, em detrimento de não ter funcionários efetivos, somente os funcionários terceirizados que eles contratam quando eles bem entendem”.
O relatório final da CPI da Enel foi apresentado poucas semanas depois do apagão de 3 de novembro do ano passado, que deixou a capital paulista e cidades da Grande São Paulo parcialmente sem luz por quase uma semana. Diversas árvores caíram sobre a fiação elétrica com a ventania registrada naquele dia, mas a CPI afirmou que a questão não foi apenas climática.
“Logo, os estragos decorrentes dos eventos do dia 3 de novembro não aconteceram exclusivamente por conta das intempéries climáticas, como a concessionária tentou se justificar, ou tampouco por conta somente da questão arbórea. Conforme demonstrado, os efeitos nocivos do evento climático foram severamente agravados por condutas prévias adotadas pela empresa, tais como a diminuição constante de trabalhadores, a falta de material para o exercício de suas atividades e a política de investimento em capex (despesas de capital) em detrimento do opex (despesas operacionais)”, diz trecho do documento em relatório feito por Carla Morando.
Ainda segundo apontamentos da CPI, o número de funcionários da Enel caiu de 8 mil para 3,9 mil entre 2018 e 2023. “A alegação da empresa é a de que isso foi compensado, de alguma forma, com a terceirização”, diz o documento.
A Aneel informou à CPI ter aplicado multas que somaram R$ 157,2 milhões aos cofres da Enel. O Procon-SP também enviou documentos aos parlamentares paulistas com uma lista de penalizações impostas, no valor de R$ 109,1 milhões. Os valores são relativos a multas entre 2018 e 2023. No valor atualizado, os números giram em torno de R$ 400 milhões e viraram disputa judicial. “E mesmo assim a concessionária continua a apresentar histórico de reclamações. A situação já se tornou insustentável”, aponta o documento da comissão.
Lula vira alvo de moção de protesto por sinalizar renovação de contrato da Enel
Em junho último, o presidente Lula esteve na Itália e se reuniu com representantes da Enel. Segundo ele, havia expectativa pela renovação da concessão com a empresa. “O Brasil está disposto a renovar o acordo se eles assumirem o compromisso de investimento”, afirmou o petista na ocasião. No encontro, segundo Lula, a Enel se comprometeu a investir R$ 20 bilhões no Brasil nos próximos três anos.
O encontro e a declaração de Lula geraram moção de protesto apresentada na Alesp, que está em tramitação. Assinam o documento os deputados Carla Morando, Guto Zacarias, Bruno Zambelli, Oseias de Madureira, Altair Moraes, Dani Alonso, Clarice Ganem, Carlão Pignatari e Rogério Nogueira.
De acordo com o governo federal, a fala do presidente ocorreu justamente para “sanar os problemas ocorridos” no apagão em 2023. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, estava na reunião. “A fala do presidente Lula é clara e estava condicionada, já na manifestação da época, ao aumento de investimentos e à não repetição de ocorrências semelhantes ao que aconteceu no mês passado”, disse a Secretaria de Comunicação da Presidência da República.
No encontro, a Enel prometeu trabalhar para evitar apagões em Estados que opera. Quatro meses depois, uma nova tempestade deixou milhares de casas sem luz na capital paulista, o que afetou 3,1 milhões de pessoas, segundo dados da própria empresa. “A Enel Distribuição São Paulo esclarece que o vendaval que atingiu a área de concessão da companhia em 11 de outubro, com rajadas de até 107,6 km/h, foi o mais forte na Região Metropolitana de São Paulo nos últimos 30 anos, segundo a Defesa Civil, e com maior impacto na rede elétrica de distribuição”, informou a concessionária.
O governo federal afirmou ao Estadão que o governo Lula “não foi responsável pela concessão, nem pela indicação dos diretores atuais da Aneel, muito menos pela agência estadual de São Paulo, responsável pela fiscalização”. A gestão do petista também alegou que parte dos problemas causados no último apagão está relacionada às árvores que caíram — a poda é de responsabilidade do município.