Cristiano Zanin, advogado de Lula e cotado ao STF, impõe desafio ético ao presidente


Presidente da República disse, durante a campanha, que nunca havia indicado ‘um amigo’ para o Supremo; defensor do petista nas ações da Lava Jato desponta como principal nome cotado para a vaga de Ricardo Lewandowski

Por Luiz Vassallo
Atualização:

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, mais de uma vez, que nunca “indicou um amigo” para o Supremo Tribunal Federal durante seus dois primeiros mandatos. Tratava-se de uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro, que indicou o ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma das vagas. No entanto, Lula, agora presidente pela terceira vez, terá de enfrentar a questão ética que imputou ao seu antecessor, pois seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, desponta como um potencial candidato ao Supremo Tribunal Federal. É o nome mais citado nos bastidores de Brasília.

Lula tem restringido ao máximo as conversas sobre o substituto do ministro Ricardo Lewandowski, que faz 75 anos em maio deste ano – além dele, a presidente da Corte, Rosa Weber, também vai deixar a toga neste ano, em outubro. Segundo aliados próximos do petista, Zanin só não será contemplado com uma destas vagas caso recuse a oferta, assim como fez no passado o ex-deputado Sigmaringa Seixas – amigo de Lula e importante conselheiro do presidente para a escolha de ministros, morto em 2018. A atuação na Operação Lava Jato e a derrubada das decisões de Sérgio Moro, segundo relatos, credenciaram o advogado ao círculo mais restrito do presidente.

O advogado Cristiano Zanin Martins defendeu Lula nos casos da Operação Lava Jato. Foto: Diego Vara / Reuters
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Durante as eleições, Zanin atuou como coordenador jurídico da campanha e foi um articulador de encontros de Lula em sua residência. Reuniu o petista com os ex-governadores de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB) - ambos também são clientes de Zanin. Também foi anfitrião de um encontro com o economista e professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs.

Assim que as eleições terminaram, Zanin foi nomeado na transição como o responsável pela elaboração de um relatório sobre a área de Cooperação Jurídica Internacional. O documento sugere, por exemplo, a derrubada de uma portaria conjunta da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, editada em 2005, no governo Lula, que permite ao Ministério Público Federal uma cooperação “informal” com órgãos estrangeiros. Questionamentos sobre este procedimento para cooperações internacionais com o fim de obter provas foram levantados diversas vezes por Zanin e outros advogados durante a Lava Jato.

Em meio à transição, ainda no fim de 2022, Lula chegou a perguntar a Zanin se gostaria de integrar o governo. Ao declinar a proposta, o advogado disse ao petista que permaneceria sempre atuando no Sistema de Justiça - o que pode envolver desde a continuidade na advocacia ou mesmo a ida para uma vaga em tribunal.

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Após essa recusa, Zanin permanece em seu escritório, que, há meses, é sediado em uma casa de dois andares nos Jardins, em São Paulo. Estaria submerso até agora se não fosse pelo preço de ter advogado na Lava Jato. Diversas vezes, Zanin foi abordado em locais públicos e chamado de “advogado do ladrão”, entre outras provocações. Recentemente, foi vítima de uma ameaça no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília.

Enquanto escovava os dentes, foi abordado por um homem que lhe chamou de “safado”, “corrupto”, e “bandido”; “Vontade de meter a mão na orelha de um cara desse”, afirma o homem. “Tinha que tomar um pau de todo mundo que está andando na rua.” Tudo foi filmado pelo próprio agressor. A OAB Nacional procurou Zanin para representá-lo criminalmente, com o fim de punir o autor da ameaça.

Currículo

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Aos 47 anos, Zanin nasceu em Piracicaba, no interior de São Paulo. Formou-se em Direito pela PUC. Iniciou a carreira a convite do professor Eduardo Arruda Alvim para integrar o escritório do pai, o falecido desembargador José Manoel de Arruda Alvim Neto. Começou a carreira de advogado na área de telecomunicações, e em casos relativos a planos econômicos no fim dos anos 1990.

Em um destes casos, fez parceria com a advogada Valeska Teixeira, que trabalhava para uma das grandes bancas de advocacia de São Paulo. Começaram a namorar no início dos anos 2000, quando Zanin se tornou sócio de Valeska e de seu pai, o advogado Roberto Teixeira. Antigo compadre de Lula, Roberto Teixeira foi, por muitos anos, um influente aliado do petista. Zanin e Valeska são casados e têm três filhos.

Além de advogado de Lula, Cristiano Zanin se tornou principal porta-voz do então ex-presidente enquanto ele esteve preso, em Curitiba.  Foto: Felipe Rau/Estadão
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Foi em um sítio de Teixeira que o presidente morou nos anos 1980 sem pagar aluguel. O filho de Lula, Luis Cláudio, que é afilhado do advogado, também morou de graça em um apartamento da Mitho Participações, empresa que tem Teixeira como sócio. No escritório do compadre de Lula, por exemplo, foi lavrada a compra do sítio de Atibaia, em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna. O imóvel foi alvo da Lava Jato e Lula chegou a ser condenado nesse caso – decisão que, mais tarde, seria anulada.

Até antes da Lava Jato, Zanin havia convivido com Lula apenas em festas familiares, como aniversário dos filhos, levado por Teixeira. Hoje, em razão de uma briga societária e pessoal, Teixeira e Zanin estão rompidos. Valeska e o pai também cortaram relações.

Nas partidas do Clube de Campo de Piracicaba, Zanin jogava na lateral esquerda. Na advocacia, ao lado de Valeska e do sogro, sua posição era o ataque. Apesar de ter o rosto conhecido a partir das audiências durante as quais altercava com Sérgio Moro na defesa de Lula, foi em brigas societárias, arbitragens e disputas empresariais que o advogado enriqueceu e fez sua carreira.

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São processos cujas cifras em mesa chegam aos bilhões, e os honorários são calculados sobre estes montantes. No plenário do STF, sua primeira sustentação oral foi em 2004, na defesa da Transbrasil, companhia aérea que quebrou e entrou em falência nos anos 1990. Roberto Teixeira era conselheiro da Transbrasil e chegou a ser denunciado por crimes falimentares – o processo foi extinto pela prescrição. Naquela ação, Zanin acusou o síndico de contratar uma empresa laranja para prestar consultorias milionárias no processo.

Atualmente, Zanin faz parte de um batalhão de advogados que defende a J&F na renegociação de seu acordo leniência e na arbitragem contra a indonésia Paper Excellence, uma disputa que envolve R$ 15 bilhões. Zanin atua na frente de advogados que alimentam inquéritos policiais sobre o hackeamento da defesa da J&F. A investigação é vista pelos advogados como um trunfo para anular, pela via judicial, a arbitragem que deu razão à Paper Excellence. Na Polícia Civil, inquéritos foram arquivados, mas a J&F tem movido recursos para reabri-los.

Não raro, casos desta monta atraem a atuação de parentes de ministros do poder Judiciário. Em um dos mais emblemáticos, Zanin atuou pela Fecomércio do Rio de Janeiro em uma guerra do então presidente da entidade, Orlando Diniz, contra o então presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio José Domingues dos Santos. Foi uma chuva de liminares, ora destituindo o líder da CNC, ora apeando Diniz do cargo. Em ambos os lados, as entidades contrataram parentes de magistrados. Somente no time de Zanin, havia pelo menos quatro defensores ligados a ministros e ex-ministros do STJ. A interlocutores, Zanin justifica que nem sequer conhecia parte deles, e que foram contratados diretamente por Diniz - que fez delação premiada.

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O presidente da CNC denunciou o time de advogados rivais e os gastos da Fecomércio Rio à Lava Jato. As investigações resultaram na Operação Esquema S, que acusou os advogados de receberem honorários superfaturados, ou sem prestar serviços. A contratação de parentes de ministros do STJ também motivou a acusação de “exploração de prestígio”. A operação foi anulada. Por decisão da Justiça Estadual do Rio, não houve peculato, porque dinheiro do sistema S não é público, e a operação foi uma tentativa de “criminalizar a advocacia”. Relatórios da Receita Federal da própria investigação mostraram que o trabalho de Zanin tinha lastro e comprovação para justificar os pagamentos.

Zanin chegou a ser alvo de buscas e apreensões. À época, em 2020, já era advogado de Lula. Esta não foi a única ofensiva contra seu escritório. A Lava Jato de Curitiba também grampeou e fez relatórios, em tempo real, sobre horas de conversas do ramal da banca. O Estadão obteve acesso aos documentos, produzidos por agentes da PF.

Assim como nas grandes brigas societárias, foi a partir da desconstrução de seus adversários que Zanin obteve a vitória mais significativa para Lula, quando o Supremo declarou a parcialidade de Sérgio Moro. A estratégia foi combinada com o ex-presidente, que também queria, na condição de político, dar ao seu público o recado de que além de inocente, brigaria para desmoralizar o juiz e os procuradores.

O advogado é autor de um livro sobre lawfare, termo inglês usado para classificar o uso do sistema de Justiça para perseguição política. O termo que dá nome ao livro foi repetido em centenas de petições do advogado em sua cruzada para aniquilar os processos contra Lula a partir da declaração de suspeição de seu juiz. Chegou a entregar a obra ao papa Francisco e ao ex-juiz italiano Gerardo Colombo, que atuou na Operação Mãos Limpas, responsável por investigar a corrupção em obras públicas na Itália. Antes entusiasta da Lava Jato, hoje Colombo é um crítico de sua politização.

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, mais de uma vez, que nunca “indicou um amigo” para o Supremo Tribunal Federal durante seus dois primeiros mandatos. Tratava-se de uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro, que indicou o ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma das vagas. No entanto, Lula, agora presidente pela terceira vez, terá de enfrentar a questão ética que imputou ao seu antecessor, pois seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, desponta como um potencial candidato ao Supremo Tribunal Federal. É o nome mais citado nos bastidores de Brasília.

Lula tem restringido ao máximo as conversas sobre o substituto do ministro Ricardo Lewandowski, que faz 75 anos em maio deste ano – além dele, a presidente da Corte, Rosa Weber, também vai deixar a toga neste ano, em outubro. Segundo aliados próximos do petista, Zanin só não será contemplado com uma destas vagas caso recuse a oferta, assim como fez no passado o ex-deputado Sigmaringa Seixas – amigo de Lula e importante conselheiro do presidente para a escolha de ministros, morto em 2018. A atuação na Operação Lava Jato e a derrubada das decisões de Sérgio Moro, segundo relatos, credenciaram o advogado ao círculo mais restrito do presidente.

O advogado Cristiano Zanin Martins defendeu Lula nos casos da Operação Lava Jato. Foto: Diego Vara / Reuters

Durante as eleições, Zanin atuou como coordenador jurídico da campanha e foi um articulador de encontros de Lula em sua residência. Reuniu o petista com os ex-governadores de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB) - ambos também são clientes de Zanin. Também foi anfitrião de um encontro com o economista e professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs.

Assim que as eleições terminaram, Zanin foi nomeado na transição como o responsável pela elaboração de um relatório sobre a área de Cooperação Jurídica Internacional. O documento sugere, por exemplo, a derrubada de uma portaria conjunta da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, editada em 2005, no governo Lula, que permite ao Ministério Público Federal uma cooperação “informal” com órgãos estrangeiros. Questionamentos sobre este procedimento para cooperações internacionais com o fim de obter provas foram levantados diversas vezes por Zanin e outros advogados durante a Lava Jato.

Em meio à transição, ainda no fim de 2022, Lula chegou a perguntar a Zanin se gostaria de integrar o governo. Ao declinar a proposta, o advogado disse ao petista que permaneceria sempre atuando no Sistema de Justiça - o que pode envolver desde a continuidade na advocacia ou mesmo a ida para uma vaga em tribunal.

Após essa recusa, Zanin permanece em seu escritório, que, há meses, é sediado em uma casa de dois andares nos Jardins, em São Paulo. Estaria submerso até agora se não fosse pelo preço de ter advogado na Lava Jato. Diversas vezes, Zanin foi abordado em locais públicos e chamado de “advogado do ladrão”, entre outras provocações. Recentemente, foi vítima de uma ameaça no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília.

Enquanto escovava os dentes, foi abordado por um homem que lhe chamou de “safado”, “corrupto”, e “bandido”; “Vontade de meter a mão na orelha de um cara desse”, afirma o homem. “Tinha que tomar um pau de todo mundo que está andando na rua.” Tudo foi filmado pelo próprio agressor. A OAB Nacional procurou Zanin para representá-lo criminalmente, com o fim de punir o autor da ameaça.

Currículo

Aos 47 anos, Zanin nasceu em Piracicaba, no interior de São Paulo. Formou-se em Direito pela PUC. Iniciou a carreira a convite do professor Eduardo Arruda Alvim para integrar o escritório do pai, o falecido desembargador José Manoel de Arruda Alvim Neto. Começou a carreira de advogado na área de telecomunicações, e em casos relativos a planos econômicos no fim dos anos 1990.

Em um destes casos, fez parceria com a advogada Valeska Teixeira, que trabalhava para uma das grandes bancas de advocacia de São Paulo. Começaram a namorar no início dos anos 2000, quando Zanin se tornou sócio de Valeska e de seu pai, o advogado Roberto Teixeira. Antigo compadre de Lula, Roberto Teixeira foi, por muitos anos, um influente aliado do petista. Zanin e Valeska são casados e têm três filhos.

Além de advogado de Lula, Cristiano Zanin se tornou principal porta-voz do então ex-presidente enquanto ele esteve preso, em Curitiba.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Foi em um sítio de Teixeira que o presidente morou nos anos 1980 sem pagar aluguel. O filho de Lula, Luis Cláudio, que é afilhado do advogado, também morou de graça em um apartamento da Mitho Participações, empresa que tem Teixeira como sócio. No escritório do compadre de Lula, por exemplo, foi lavrada a compra do sítio de Atibaia, em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna. O imóvel foi alvo da Lava Jato e Lula chegou a ser condenado nesse caso – decisão que, mais tarde, seria anulada.

Até antes da Lava Jato, Zanin havia convivido com Lula apenas em festas familiares, como aniversário dos filhos, levado por Teixeira. Hoje, em razão de uma briga societária e pessoal, Teixeira e Zanin estão rompidos. Valeska e o pai também cortaram relações.

Nas partidas do Clube de Campo de Piracicaba, Zanin jogava na lateral esquerda. Na advocacia, ao lado de Valeska e do sogro, sua posição era o ataque. Apesar de ter o rosto conhecido a partir das audiências durante as quais altercava com Sérgio Moro na defesa de Lula, foi em brigas societárias, arbitragens e disputas empresariais que o advogado enriqueceu e fez sua carreira.

São processos cujas cifras em mesa chegam aos bilhões, e os honorários são calculados sobre estes montantes. No plenário do STF, sua primeira sustentação oral foi em 2004, na defesa da Transbrasil, companhia aérea que quebrou e entrou em falência nos anos 1990. Roberto Teixeira era conselheiro da Transbrasil e chegou a ser denunciado por crimes falimentares – o processo foi extinto pela prescrição. Naquela ação, Zanin acusou o síndico de contratar uma empresa laranja para prestar consultorias milionárias no processo.

Atualmente, Zanin faz parte de um batalhão de advogados que defende a J&F na renegociação de seu acordo leniência e na arbitragem contra a indonésia Paper Excellence, uma disputa que envolve R$ 15 bilhões. Zanin atua na frente de advogados que alimentam inquéritos policiais sobre o hackeamento da defesa da J&F. A investigação é vista pelos advogados como um trunfo para anular, pela via judicial, a arbitragem que deu razão à Paper Excellence. Na Polícia Civil, inquéritos foram arquivados, mas a J&F tem movido recursos para reabri-los.

Não raro, casos desta monta atraem a atuação de parentes de ministros do poder Judiciário. Em um dos mais emblemáticos, Zanin atuou pela Fecomércio do Rio de Janeiro em uma guerra do então presidente da entidade, Orlando Diniz, contra o então presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio José Domingues dos Santos. Foi uma chuva de liminares, ora destituindo o líder da CNC, ora apeando Diniz do cargo. Em ambos os lados, as entidades contrataram parentes de magistrados. Somente no time de Zanin, havia pelo menos quatro defensores ligados a ministros e ex-ministros do STJ. A interlocutores, Zanin justifica que nem sequer conhecia parte deles, e que foram contratados diretamente por Diniz - que fez delação premiada.

O presidente da CNC denunciou o time de advogados rivais e os gastos da Fecomércio Rio à Lava Jato. As investigações resultaram na Operação Esquema S, que acusou os advogados de receberem honorários superfaturados, ou sem prestar serviços. A contratação de parentes de ministros do STJ também motivou a acusação de “exploração de prestígio”. A operação foi anulada. Por decisão da Justiça Estadual do Rio, não houve peculato, porque dinheiro do sistema S não é público, e a operação foi uma tentativa de “criminalizar a advocacia”. Relatórios da Receita Federal da própria investigação mostraram que o trabalho de Zanin tinha lastro e comprovação para justificar os pagamentos.

Zanin chegou a ser alvo de buscas e apreensões. À época, em 2020, já era advogado de Lula. Esta não foi a única ofensiva contra seu escritório. A Lava Jato de Curitiba também grampeou e fez relatórios, em tempo real, sobre horas de conversas do ramal da banca. O Estadão obteve acesso aos documentos, produzidos por agentes da PF.

Assim como nas grandes brigas societárias, foi a partir da desconstrução de seus adversários que Zanin obteve a vitória mais significativa para Lula, quando o Supremo declarou a parcialidade de Sérgio Moro. A estratégia foi combinada com o ex-presidente, que também queria, na condição de político, dar ao seu público o recado de que além de inocente, brigaria para desmoralizar o juiz e os procuradores.

O advogado é autor de um livro sobre lawfare, termo inglês usado para classificar o uso do sistema de Justiça para perseguição política. O termo que dá nome ao livro foi repetido em centenas de petições do advogado em sua cruzada para aniquilar os processos contra Lula a partir da declaração de suspeição de seu juiz. Chegou a entregar a obra ao papa Francisco e ao ex-juiz italiano Gerardo Colombo, que atuou na Operação Mãos Limpas, responsável por investigar a corrupção em obras públicas na Itália. Antes entusiasta da Lava Jato, hoje Colombo é um crítico de sua politização.

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, mais de uma vez, que nunca “indicou um amigo” para o Supremo Tribunal Federal durante seus dois primeiros mandatos. Tratava-se de uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro, que indicou o ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma das vagas. No entanto, Lula, agora presidente pela terceira vez, terá de enfrentar a questão ética que imputou ao seu antecessor, pois seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, desponta como um potencial candidato ao Supremo Tribunal Federal. É o nome mais citado nos bastidores de Brasília.

Lula tem restringido ao máximo as conversas sobre o substituto do ministro Ricardo Lewandowski, que faz 75 anos em maio deste ano – além dele, a presidente da Corte, Rosa Weber, também vai deixar a toga neste ano, em outubro. Segundo aliados próximos do petista, Zanin só não será contemplado com uma destas vagas caso recuse a oferta, assim como fez no passado o ex-deputado Sigmaringa Seixas – amigo de Lula e importante conselheiro do presidente para a escolha de ministros, morto em 2018. A atuação na Operação Lava Jato e a derrubada das decisões de Sérgio Moro, segundo relatos, credenciaram o advogado ao círculo mais restrito do presidente.

O advogado Cristiano Zanin Martins defendeu Lula nos casos da Operação Lava Jato. Foto: Diego Vara / Reuters

Durante as eleições, Zanin atuou como coordenador jurídico da campanha e foi um articulador de encontros de Lula em sua residência. Reuniu o petista com os ex-governadores de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB) - ambos também são clientes de Zanin. Também foi anfitrião de um encontro com o economista e professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs.

Assim que as eleições terminaram, Zanin foi nomeado na transição como o responsável pela elaboração de um relatório sobre a área de Cooperação Jurídica Internacional. O documento sugere, por exemplo, a derrubada de uma portaria conjunta da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, editada em 2005, no governo Lula, que permite ao Ministério Público Federal uma cooperação “informal” com órgãos estrangeiros. Questionamentos sobre este procedimento para cooperações internacionais com o fim de obter provas foram levantados diversas vezes por Zanin e outros advogados durante a Lava Jato.

Em meio à transição, ainda no fim de 2022, Lula chegou a perguntar a Zanin se gostaria de integrar o governo. Ao declinar a proposta, o advogado disse ao petista que permaneceria sempre atuando no Sistema de Justiça - o que pode envolver desde a continuidade na advocacia ou mesmo a ida para uma vaga em tribunal.

Após essa recusa, Zanin permanece em seu escritório, que, há meses, é sediado em uma casa de dois andares nos Jardins, em São Paulo. Estaria submerso até agora se não fosse pelo preço de ter advogado na Lava Jato. Diversas vezes, Zanin foi abordado em locais públicos e chamado de “advogado do ladrão”, entre outras provocações. Recentemente, foi vítima de uma ameaça no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília.

Enquanto escovava os dentes, foi abordado por um homem que lhe chamou de “safado”, “corrupto”, e “bandido”; “Vontade de meter a mão na orelha de um cara desse”, afirma o homem. “Tinha que tomar um pau de todo mundo que está andando na rua.” Tudo foi filmado pelo próprio agressor. A OAB Nacional procurou Zanin para representá-lo criminalmente, com o fim de punir o autor da ameaça.

Currículo

Aos 47 anos, Zanin nasceu em Piracicaba, no interior de São Paulo. Formou-se em Direito pela PUC. Iniciou a carreira a convite do professor Eduardo Arruda Alvim para integrar o escritório do pai, o falecido desembargador José Manoel de Arruda Alvim Neto. Começou a carreira de advogado na área de telecomunicações, e em casos relativos a planos econômicos no fim dos anos 1990.

Em um destes casos, fez parceria com a advogada Valeska Teixeira, que trabalhava para uma das grandes bancas de advocacia de São Paulo. Começaram a namorar no início dos anos 2000, quando Zanin se tornou sócio de Valeska e de seu pai, o advogado Roberto Teixeira. Antigo compadre de Lula, Roberto Teixeira foi, por muitos anos, um influente aliado do petista. Zanin e Valeska são casados e têm três filhos.

Além de advogado de Lula, Cristiano Zanin se tornou principal porta-voz do então ex-presidente enquanto ele esteve preso, em Curitiba.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Foi em um sítio de Teixeira que o presidente morou nos anos 1980 sem pagar aluguel. O filho de Lula, Luis Cláudio, que é afilhado do advogado, também morou de graça em um apartamento da Mitho Participações, empresa que tem Teixeira como sócio. No escritório do compadre de Lula, por exemplo, foi lavrada a compra do sítio de Atibaia, em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna. O imóvel foi alvo da Lava Jato e Lula chegou a ser condenado nesse caso – decisão que, mais tarde, seria anulada.

Até antes da Lava Jato, Zanin havia convivido com Lula apenas em festas familiares, como aniversário dos filhos, levado por Teixeira. Hoje, em razão de uma briga societária e pessoal, Teixeira e Zanin estão rompidos. Valeska e o pai também cortaram relações.

Nas partidas do Clube de Campo de Piracicaba, Zanin jogava na lateral esquerda. Na advocacia, ao lado de Valeska e do sogro, sua posição era o ataque. Apesar de ter o rosto conhecido a partir das audiências durante as quais altercava com Sérgio Moro na defesa de Lula, foi em brigas societárias, arbitragens e disputas empresariais que o advogado enriqueceu e fez sua carreira.

São processos cujas cifras em mesa chegam aos bilhões, e os honorários são calculados sobre estes montantes. No plenário do STF, sua primeira sustentação oral foi em 2004, na defesa da Transbrasil, companhia aérea que quebrou e entrou em falência nos anos 1990. Roberto Teixeira era conselheiro da Transbrasil e chegou a ser denunciado por crimes falimentares – o processo foi extinto pela prescrição. Naquela ação, Zanin acusou o síndico de contratar uma empresa laranja para prestar consultorias milionárias no processo.

Atualmente, Zanin faz parte de um batalhão de advogados que defende a J&F na renegociação de seu acordo leniência e na arbitragem contra a indonésia Paper Excellence, uma disputa que envolve R$ 15 bilhões. Zanin atua na frente de advogados que alimentam inquéritos policiais sobre o hackeamento da defesa da J&F. A investigação é vista pelos advogados como um trunfo para anular, pela via judicial, a arbitragem que deu razão à Paper Excellence. Na Polícia Civil, inquéritos foram arquivados, mas a J&F tem movido recursos para reabri-los.

Não raro, casos desta monta atraem a atuação de parentes de ministros do poder Judiciário. Em um dos mais emblemáticos, Zanin atuou pela Fecomércio do Rio de Janeiro em uma guerra do então presidente da entidade, Orlando Diniz, contra o então presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio José Domingues dos Santos. Foi uma chuva de liminares, ora destituindo o líder da CNC, ora apeando Diniz do cargo. Em ambos os lados, as entidades contrataram parentes de magistrados. Somente no time de Zanin, havia pelo menos quatro defensores ligados a ministros e ex-ministros do STJ. A interlocutores, Zanin justifica que nem sequer conhecia parte deles, e que foram contratados diretamente por Diniz - que fez delação premiada.

O presidente da CNC denunciou o time de advogados rivais e os gastos da Fecomércio Rio à Lava Jato. As investigações resultaram na Operação Esquema S, que acusou os advogados de receberem honorários superfaturados, ou sem prestar serviços. A contratação de parentes de ministros do STJ também motivou a acusação de “exploração de prestígio”. A operação foi anulada. Por decisão da Justiça Estadual do Rio, não houve peculato, porque dinheiro do sistema S não é público, e a operação foi uma tentativa de “criminalizar a advocacia”. Relatórios da Receita Federal da própria investigação mostraram que o trabalho de Zanin tinha lastro e comprovação para justificar os pagamentos.

Zanin chegou a ser alvo de buscas e apreensões. À época, em 2020, já era advogado de Lula. Esta não foi a única ofensiva contra seu escritório. A Lava Jato de Curitiba também grampeou e fez relatórios, em tempo real, sobre horas de conversas do ramal da banca. O Estadão obteve acesso aos documentos, produzidos por agentes da PF.

Assim como nas grandes brigas societárias, foi a partir da desconstrução de seus adversários que Zanin obteve a vitória mais significativa para Lula, quando o Supremo declarou a parcialidade de Sérgio Moro. A estratégia foi combinada com o ex-presidente, que também queria, na condição de político, dar ao seu público o recado de que além de inocente, brigaria para desmoralizar o juiz e os procuradores.

O advogado é autor de um livro sobre lawfare, termo inglês usado para classificar o uso do sistema de Justiça para perseguição política. O termo que dá nome ao livro foi repetido em centenas de petições do advogado em sua cruzada para aniquilar os processos contra Lula a partir da declaração de suspeição de seu juiz. Chegou a entregar a obra ao papa Francisco e ao ex-juiz italiano Gerardo Colombo, que atuou na Operação Mãos Limpas, responsável por investigar a corrupção em obras públicas na Itália. Antes entusiasta da Lava Jato, hoje Colombo é um crítico de sua politização.

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, mais de uma vez, que nunca “indicou um amigo” para o Supremo Tribunal Federal durante seus dois primeiros mandatos. Tratava-se de uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro, que indicou o ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma das vagas. No entanto, Lula, agora presidente pela terceira vez, terá de enfrentar a questão ética que imputou ao seu antecessor, pois seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, desponta como um potencial candidato ao Supremo Tribunal Federal. É o nome mais citado nos bastidores de Brasília.

Lula tem restringido ao máximo as conversas sobre o substituto do ministro Ricardo Lewandowski, que faz 75 anos em maio deste ano – além dele, a presidente da Corte, Rosa Weber, também vai deixar a toga neste ano, em outubro. Segundo aliados próximos do petista, Zanin só não será contemplado com uma destas vagas caso recuse a oferta, assim como fez no passado o ex-deputado Sigmaringa Seixas – amigo de Lula e importante conselheiro do presidente para a escolha de ministros, morto em 2018. A atuação na Operação Lava Jato e a derrubada das decisões de Sérgio Moro, segundo relatos, credenciaram o advogado ao círculo mais restrito do presidente.

O advogado Cristiano Zanin Martins defendeu Lula nos casos da Operação Lava Jato. Foto: Diego Vara / Reuters

Durante as eleições, Zanin atuou como coordenador jurídico da campanha e foi um articulador de encontros de Lula em sua residência. Reuniu o petista com os ex-governadores de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB) - ambos também são clientes de Zanin. Também foi anfitrião de um encontro com o economista e professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs.

Assim que as eleições terminaram, Zanin foi nomeado na transição como o responsável pela elaboração de um relatório sobre a área de Cooperação Jurídica Internacional. O documento sugere, por exemplo, a derrubada de uma portaria conjunta da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, editada em 2005, no governo Lula, que permite ao Ministério Público Federal uma cooperação “informal” com órgãos estrangeiros. Questionamentos sobre este procedimento para cooperações internacionais com o fim de obter provas foram levantados diversas vezes por Zanin e outros advogados durante a Lava Jato.

Em meio à transição, ainda no fim de 2022, Lula chegou a perguntar a Zanin se gostaria de integrar o governo. Ao declinar a proposta, o advogado disse ao petista que permaneceria sempre atuando no Sistema de Justiça - o que pode envolver desde a continuidade na advocacia ou mesmo a ida para uma vaga em tribunal.

Após essa recusa, Zanin permanece em seu escritório, que, há meses, é sediado em uma casa de dois andares nos Jardins, em São Paulo. Estaria submerso até agora se não fosse pelo preço de ter advogado na Lava Jato. Diversas vezes, Zanin foi abordado em locais públicos e chamado de “advogado do ladrão”, entre outras provocações. Recentemente, foi vítima de uma ameaça no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília.

Enquanto escovava os dentes, foi abordado por um homem que lhe chamou de “safado”, “corrupto”, e “bandido”; “Vontade de meter a mão na orelha de um cara desse”, afirma o homem. “Tinha que tomar um pau de todo mundo que está andando na rua.” Tudo foi filmado pelo próprio agressor. A OAB Nacional procurou Zanin para representá-lo criminalmente, com o fim de punir o autor da ameaça.

Currículo

Aos 47 anos, Zanin nasceu em Piracicaba, no interior de São Paulo. Formou-se em Direito pela PUC. Iniciou a carreira a convite do professor Eduardo Arruda Alvim para integrar o escritório do pai, o falecido desembargador José Manoel de Arruda Alvim Neto. Começou a carreira de advogado na área de telecomunicações, e em casos relativos a planos econômicos no fim dos anos 1990.

Em um destes casos, fez parceria com a advogada Valeska Teixeira, que trabalhava para uma das grandes bancas de advocacia de São Paulo. Começaram a namorar no início dos anos 2000, quando Zanin se tornou sócio de Valeska e de seu pai, o advogado Roberto Teixeira. Antigo compadre de Lula, Roberto Teixeira foi, por muitos anos, um influente aliado do petista. Zanin e Valeska são casados e têm três filhos.

Além de advogado de Lula, Cristiano Zanin se tornou principal porta-voz do então ex-presidente enquanto ele esteve preso, em Curitiba.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Foi em um sítio de Teixeira que o presidente morou nos anos 1980 sem pagar aluguel. O filho de Lula, Luis Cláudio, que é afilhado do advogado, também morou de graça em um apartamento da Mitho Participações, empresa que tem Teixeira como sócio. No escritório do compadre de Lula, por exemplo, foi lavrada a compra do sítio de Atibaia, em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna. O imóvel foi alvo da Lava Jato e Lula chegou a ser condenado nesse caso – decisão que, mais tarde, seria anulada.

Até antes da Lava Jato, Zanin havia convivido com Lula apenas em festas familiares, como aniversário dos filhos, levado por Teixeira. Hoje, em razão de uma briga societária e pessoal, Teixeira e Zanin estão rompidos. Valeska e o pai também cortaram relações.

Nas partidas do Clube de Campo de Piracicaba, Zanin jogava na lateral esquerda. Na advocacia, ao lado de Valeska e do sogro, sua posição era o ataque. Apesar de ter o rosto conhecido a partir das audiências durante as quais altercava com Sérgio Moro na defesa de Lula, foi em brigas societárias, arbitragens e disputas empresariais que o advogado enriqueceu e fez sua carreira.

São processos cujas cifras em mesa chegam aos bilhões, e os honorários são calculados sobre estes montantes. No plenário do STF, sua primeira sustentação oral foi em 2004, na defesa da Transbrasil, companhia aérea que quebrou e entrou em falência nos anos 1990. Roberto Teixeira era conselheiro da Transbrasil e chegou a ser denunciado por crimes falimentares – o processo foi extinto pela prescrição. Naquela ação, Zanin acusou o síndico de contratar uma empresa laranja para prestar consultorias milionárias no processo.

Atualmente, Zanin faz parte de um batalhão de advogados que defende a J&F na renegociação de seu acordo leniência e na arbitragem contra a indonésia Paper Excellence, uma disputa que envolve R$ 15 bilhões. Zanin atua na frente de advogados que alimentam inquéritos policiais sobre o hackeamento da defesa da J&F. A investigação é vista pelos advogados como um trunfo para anular, pela via judicial, a arbitragem que deu razão à Paper Excellence. Na Polícia Civil, inquéritos foram arquivados, mas a J&F tem movido recursos para reabri-los.

Não raro, casos desta monta atraem a atuação de parentes de ministros do poder Judiciário. Em um dos mais emblemáticos, Zanin atuou pela Fecomércio do Rio de Janeiro em uma guerra do então presidente da entidade, Orlando Diniz, contra o então presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio José Domingues dos Santos. Foi uma chuva de liminares, ora destituindo o líder da CNC, ora apeando Diniz do cargo. Em ambos os lados, as entidades contrataram parentes de magistrados. Somente no time de Zanin, havia pelo menos quatro defensores ligados a ministros e ex-ministros do STJ. A interlocutores, Zanin justifica que nem sequer conhecia parte deles, e que foram contratados diretamente por Diniz - que fez delação premiada.

O presidente da CNC denunciou o time de advogados rivais e os gastos da Fecomércio Rio à Lava Jato. As investigações resultaram na Operação Esquema S, que acusou os advogados de receberem honorários superfaturados, ou sem prestar serviços. A contratação de parentes de ministros do STJ também motivou a acusação de “exploração de prestígio”. A operação foi anulada. Por decisão da Justiça Estadual do Rio, não houve peculato, porque dinheiro do sistema S não é público, e a operação foi uma tentativa de “criminalizar a advocacia”. Relatórios da Receita Federal da própria investigação mostraram que o trabalho de Zanin tinha lastro e comprovação para justificar os pagamentos.

Zanin chegou a ser alvo de buscas e apreensões. À época, em 2020, já era advogado de Lula. Esta não foi a única ofensiva contra seu escritório. A Lava Jato de Curitiba também grampeou e fez relatórios, em tempo real, sobre horas de conversas do ramal da banca. O Estadão obteve acesso aos documentos, produzidos por agentes da PF.

Assim como nas grandes brigas societárias, foi a partir da desconstrução de seus adversários que Zanin obteve a vitória mais significativa para Lula, quando o Supremo declarou a parcialidade de Sérgio Moro. A estratégia foi combinada com o ex-presidente, que também queria, na condição de político, dar ao seu público o recado de que além de inocente, brigaria para desmoralizar o juiz e os procuradores.

O advogado é autor de um livro sobre lawfare, termo inglês usado para classificar o uso do sistema de Justiça para perseguição política. O termo que dá nome ao livro foi repetido em centenas de petições do advogado em sua cruzada para aniquilar os processos contra Lula a partir da declaração de suspeição de seu juiz. Chegou a entregar a obra ao papa Francisco e ao ex-juiz italiano Gerardo Colombo, que atuou na Operação Mãos Limpas, responsável por investigar a corrupção em obras públicas na Itália. Antes entusiasta da Lava Jato, hoje Colombo é um crítico de sua politização.

Durante a campanha eleitoral de 2022, o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou, mais de uma vez, que nunca “indicou um amigo” para o Supremo Tribunal Federal durante seus dois primeiros mandatos. Tratava-se de uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro, que indicou o ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma das vagas. No entanto, Lula, agora presidente pela terceira vez, terá de enfrentar a questão ética que imputou ao seu antecessor, pois seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, desponta como um potencial candidato ao Supremo Tribunal Federal. É o nome mais citado nos bastidores de Brasília.

Lula tem restringido ao máximo as conversas sobre o substituto do ministro Ricardo Lewandowski, que faz 75 anos em maio deste ano – além dele, a presidente da Corte, Rosa Weber, também vai deixar a toga neste ano, em outubro. Segundo aliados próximos do petista, Zanin só não será contemplado com uma destas vagas caso recuse a oferta, assim como fez no passado o ex-deputado Sigmaringa Seixas – amigo de Lula e importante conselheiro do presidente para a escolha de ministros, morto em 2018. A atuação na Operação Lava Jato e a derrubada das decisões de Sérgio Moro, segundo relatos, credenciaram o advogado ao círculo mais restrito do presidente.

O advogado Cristiano Zanin Martins defendeu Lula nos casos da Operação Lava Jato. Foto: Diego Vara / Reuters

Durante as eleições, Zanin atuou como coordenador jurídico da campanha e foi um articulador de encontros de Lula em sua residência. Reuniu o petista com os ex-governadores de Goiás Marconi Perillo (PSDB) e José Eliton (PSB) - ambos também são clientes de Zanin. Também foi anfitrião de um encontro com o economista e professor da Universidade de Columbia Jeffrey Sachs.

Assim que as eleições terminaram, Zanin foi nomeado na transição como o responsável pela elaboração de um relatório sobre a área de Cooperação Jurídica Internacional. O documento sugere, por exemplo, a derrubada de uma portaria conjunta da Advocacia-Geral da União (AGU), da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, editada em 2005, no governo Lula, que permite ao Ministério Público Federal uma cooperação “informal” com órgãos estrangeiros. Questionamentos sobre este procedimento para cooperações internacionais com o fim de obter provas foram levantados diversas vezes por Zanin e outros advogados durante a Lava Jato.

Em meio à transição, ainda no fim de 2022, Lula chegou a perguntar a Zanin se gostaria de integrar o governo. Ao declinar a proposta, o advogado disse ao petista que permaneceria sempre atuando no Sistema de Justiça - o que pode envolver desde a continuidade na advocacia ou mesmo a ida para uma vaga em tribunal.

Após essa recusa, Zanin permanece em seu escritório, que, há meses, é sediado em uma casa de dois andares nos Jardins, em São Paulo. Estaria submerso até agora se não fosse pelo preço de ter advogado na Lava Jato. Diversas vezes, Zanin foi abordado em locais públicos e chamado de “advogado do ladrão”, entre outras provocações. Recentemente, foi vítima de uma ameaça no aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília.

Enquanto escovava os dentes, foi abordado por um homem que lhe chamou de “safado”, “corrupto”, e “bandido”; “Vontade de meter a mão na orelha de um cara desse”, afirma o homem. “Tinha que tomar um pau de todo mundo que está andando na rua.” Tudo foi filmado pelo próprio agressor. A OAB Nacional procurou Zanin para representá-lo criminalmente, com o fim de punir o autor da ameaça.

Currículo

Aos 47 anos, Zanin nasceu em Piracicaba, no interior de São Paulo. Formou-se em Direito pela PUC. Iniciou a carreira a convite do professor Eduardo Arruda Alvim para integrar o escritório do pai, o falecido desembargador José Manoel de Arruda Alvim Neto. Começou a carreira de advogado na área de telecomunicações, e em casos relativos a planos econômicos no fim dos anos 1990.

Em um destes casos, fez parceria com a advogada Valeska Teixeira, que trabalhava para uma das grandes bancas de advocacia de São Paulo. Começaram a namorar no início dos anos 2000, quando Zanin se tornou sócio de Valeska e de seu pai, o advogado Roberto Teixeira. Antigo compadre de Lula, Roberto Teixeira foi, por muitos anos, um influente aliado do petista. Zanin e Valeska são casados e têm três filhos.

Além de advogado de Lula, Cristiano Zanin se tornou principal porta-voz do então ex-presidente enquanto ele esteve preso, em Curitiba.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Foi em um sítio de Teixeira que o presidente morou nos anos 1980 sem pagar aluguel. O filho de Lula, Luis Cláudio, que é afilhado do advogado, também morou de graça em um apartamento da Mitho Participações, empresa que tem Teixeira como sócio. No escritório do compadre de Lula, por exemplo, foi lavrada a compra do sítio de Atibaia, em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna. O imóvel foi alvo da Lava Jato e Lula chegou a ser condenado nesse caso – decisão que, mais tarde, seria anulada.

Até antes da Lava Jato, Zanin havia convivido com Lula apenas em festas familiares, como aniversário dos filhos, levado por Teixeira. Hoje, em razão de uma briga societária e pessoal, Teixeira e Zanin estão rompidos. Valeska e o pai também cortaram relações.

Nas partidas do Clube de Campo de Piracicaba, Zanin jogava na lateral esquerda. Na advocacia, ao lado de Valeska e do sogro, sua posição era o ataque. Apesar de ter o rosto conhecido a partir das audiências durante as quais altercava com Sérgio Moro na defesa de Lula, foi em brigas societárias, arbitragens e disputas empresariais que o advogado enriqueceu e fez sua carreira.

São processos cujas cifras em mesa chegam aos bilhões, e os honorários são calculados sobre estes montantes. No plenário do STF, sua primeira sustentação oral foi em 2004, na defesa da Transbrasil, companhia aérea que quebrou e entrou em falência nos anos 1990. Roberto Teixeira era conselheiro da Transbrasil e chegou a ser denunciado por crimes falimentares – o processo foi extinto pela prescrição. Naquela ação, Zanin acusou o síndico de contratar uma empresa laranja para prestar consultorias milionárias no processo.

Atualmente, Zanin faz parte de um batalhão de advogados que defende a J&F na renegociação de seu acordo leniência e na arbitragem contra a indonésia Paper Excellence, uma disputa que envolve R$ 15 bilhões. Zanin atua na frente de advogados que alimentam inquéritos policiais sobre o hackeamento da defesa da J&F. A investigação é vista pelos advogados como um trunfo para anular, pela via judicial, a arbitragem que deu razão à Paper Excellence. Na Polícia Civil, inquéritos foram arquivados, mas a J&F tem movido recursos para reabri-los.

Não raro, casos desta monta atraem a atuação de parentes de ministros do poder Judiciário. Em um dos mais emblemáticos, Zanin atuou pela Fecomércio do Rio de Janeiro em uma guerra do então presidente da entidade, Orlando Diniz, contra o então presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antonio José Domingues dos Santos. Foi uma chuva de liminares, ora destituindo o líder da CNC, ora apeando Diniz do cargo. Em ambos os lados, as entidades contrataram parentes de magistrados. Somente no time de Zanin, havia pelo menos quatro defensores ligados a ministros e ex-ministros do STJ. A interlocutores, Zanin justifica que nem sequer conhecia parte deles, e que foram contratados diretamente por Diniz - que fez delação premiada.

O presidente da CNC denunciou o time de advogados rivais e os gastos da Fecomércio Rio à Lava Jato. As investigações resultaram na Operação Esquema S, que acusou os advogados de receberem honorários superfaturados, ou sem prestar serviços. A contratação de parentes de ministros do STJ também motivou a acusação de “exploração de prestígio”. A operação foi anulada. Por decisão da Justiça Estadual do Rio, não houve peculato, porque dinheiro do sistema S não é público, e a operação foi uma tentativa de “criminalizar a advocacia”. Relatórios da Receita Federal da própria investigação mostraram que o trabalho de Zanin tinha lastro e comprovação para justificar os pagamentos.

Zanin chegou a ser alvo de buscas e apreensões. À época, em 2020, já era advogado de Lula. Esta não foi a única ofensiva contra seu escritório. A Lava Jato de Curitiba também grampeou e fez relatórios, em tempo real, sobre horas de conversas do ramal da banca. O Estadão obteve acesso aos documentos, produzidos por agentes da PF.

Assim como nas grandes brigas societárias, foi a partir da desconstrução de seus adversários que Zanin obteve a vitória mais significativa para Lula, quando o Supremo declarou a parcialidade de Sérgio Moro. A estratégia foi combinada com o ex-presidente, que também queria, na condição de político, dar ao seu público o recado de que além de inocente, brigaria para desmoralizar o juiz e os procuradores.

O advogado é autor de um livro sobre lawfare, termo inglês usado para classificar o uso do sistema de Justiça para perseguição política. O termo que dá nome ao livro foi repetido em centenas de petições do advogado em sua cruzada para aniquilar os processos contra Lula a partir da declaração de suspeição de seu juiz. Chegou a entregar a obra ao papa Francisco e ao ex-juiz italiano Gerardo Colombo, que atuou na Operação Mãos Limpas, responsável por investigar a corrupção em obras públicas na Itália. Antes entusiasta da Lava Jato, hoje Colombo é um crítico de sua politização.

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