BRASÍLIA — O relator da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibiu o procedimento de assistolia fetal, procedimento realizado na interrupção voluntária da gestação com mais de 22 semanas de forma legal, Raphael Câmara Medeiros Parente, é um ativista contra o aborto. O médico participou de debate no Senado nesta segunda-feira, 17, sobre o tema.
Parente mantém a oposição à interrupção da gravidez mesmo em caso de estupro. Ele já fez manifestação em favor da então ministra da Família, Damares Alves, e defendeu a abstinência sexual como política contraceptiva para jovens menores de idade.
Procurado pelo Estadão, Parente disse que só é a favor do aborto em casos em que houver risco de morte para a mulher. “Entenda como quiser”, respondeu ao ser novamente questionado. “Essa discussão é mais profunda. No Brasil basta a pessoa alegar o estupro e pode abortar.”
Ele disse que a regra do CFM que ele ajudou a elaborar “não tem viés ideológico”. Parente foi secretário de atenção primária à Saúde no governo Jair Bolsonaro (PL), já participou de sustentação oral contra a interrupção voluntária da gestação no Supremo Tribunal Federal (STF), deu entrevista para ativistas de direita e pró-vida e defendeu a manutenção da gravidez mesmo quando a mulher foi estuprada.
Segundo o próprio méico, ele foi eleito conselheiro do CFM pelo Rio de Janeiro por sua posição contra o aborto. “Tenho a legitimidade dada pelos médicos do Rio de Janeiro que votaram em mim para defender a vida, porque a minha posição é conhecida, quem votou em mim votou sabendo que eu ia defender isso”, afirmou em uma entrevista feita em 2019.
Parente foi empossado secretário de Atenção Primária à Saúde no ministério da Saúde de Eduardo Pazuello em junho de 2020, durante a pandemia. Crê que seu ativismo contra o aborto provavelmente o levou a assumir o cargo. “Mas se eu fui chamado para falar no STF é porque eu já tinha uma história”, disse.
Veja algumas declarações que ele já deu sobre aborto e outros temas que envolvem a saúde da mulher:
Estupro que justifique aborto deve ser ‘pênis na vagina’; muitas mulheres ‘mentem estupro’
Na sustentação oral que fez no STF, Raphael Câmara Parente afirmou que a única violência sexual que deve ser considerado como estupro é a que envolve “pênis na vagina, com ejaculação”.
“Quando você vai ver os abortos legais, o estupro é a maior porcentagem. Qual é o problema disso? Atualmente no Brasil, fala-se ‘tem 50 mil estupros, 60 mil estupros’. Se uma mulher botar a mão na minha perna com lascívia, é estupro, vai para o número de 50 mil”, afirmou. “O estupro que provoca gravidez é pênis na vagina. Então, não é jogar todo mundo no número de estupro, é saber quais são os estupros pênis na vagina com ejaculação.”
Na audiência realizada no Senado, afirmou que há um grande número de subnotificação de abortos sem identificação do abusador que favorecem o cenário de aborto legal no caso de estupro e que é preciso instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar isso.
A resposta, segundo ele, é porque mulheres “mentem” estupros. “É preciso uma CPI do Aborto para saber porque as pessoas não estão notificando. Por que? Muitas mentem.”
Nesta mesma audiência, ele disse que não há “aborto legal”. “Não existe o tema aborto legal. É aborto com excludente de punibilidade. Seria que nem falar em homicídio legal. Mas em existem situações em que se pode matar”, analisou. “Todo aborto é crime, mas alguns crimes não são punidos pela lei.”
Mulher não tem direito a abortar porque a vida começa quando forma o zigoto
Em uma entrevista dada para o ex-vereador do Rio Gabriel Monteiro, preso preventivamente por suspeita de estupro desde 7 de novembro de 2022, Raphael argumentou que a vida começa quando o espermatozoide une-se com o óvulo, formando um zigoto. Neste momento, diz ele, não há mais o direito ao aborto.
“A vida começa quando você tem a junção do espermatozoide com o óvulo, disse. “Para mim, a partir do momento que tem vida, você não tem direito de abortar.”
Mulher que foi estuprada pode colocar o bebê para adoção
Nessa mesma entrevista, de 2019, Raphael Parente diz “não ter posição consolidada” para o aborto mesmo em caso de estupro. Como alternativa, ele diz que a mulher que engravidou de seu abusador pode dar o filho para a adoção.
“Eu hoje tenho algumas dúvidas na questão do estupro. Isso merece ser um pouco refletido, mesmo aquela que realmente foi estuprada, acho que ela pode colocar para adoção, tudo mais, mas ainda não tenho posição consolidada”, afirmou.
Ele, que também é médico geriatra disse que só faria aborto apenas no caso “de risco de vida materno iminente”.
Médico condenou termo ‘violência obstétrica’ e disse que há ‘ideologia’ no parto
Em um evento de lançamento da nova caderneta de gestante, lançada em maio de 2022, Parente, que era o secretário de atenção primária no ministério da Saúde, disse que o termo “violência obstétrica” “só provoca desagregação” e defendeu a manobra de Kristeller — quando é realizada uma pressão externa na parte superior do útero para acelerar o trabalho de parto, prática não recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e considerada violência obstétrica.
“Vamos parar de usar termos que não levam a nada, como violência obstétrica, que só provoca desagregação, coloca a culpa no profissional único, o que não tem o menor sentido”, afirmou, durante o evento.
Em uma audiência na Câmara dos Deputados em 2019, quando já era conselheiro do CFM pelo Rio de Janeiro, Câmara disse discordar do termo.
“Violência obstétrica para nós é isto: falta de leito, mulheres no chão”, disse. “Para nós, violência obstétrica é isso; no caso, é violência institucional. O resto é ideologia (...) O primeiro país que usou esse termo foi a Venezuela. Eu acho que isso já diz muita coisa.”
Ele prosseguiu falando sobre a “ideologia no parto”. “Se há estudos, pesquisas em parto e aborto atualmente no Brasil, corram atrás, porque sempre há um viés ideológico. Os pesquisadores são todos contra obstetras, todos contra a cesariana e todos a favor da descriminalização do aborto”, afirmou.
Defesa pública de Damares e da abstinência como política contraceptiva para jovens
Depois da então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, defender a abstinência sexual como política contra a gravidez para jovens, Parente fez uma defesa pública em um artigo, publicado em 2020. Ele considerou a abstinência sexual como política para adolescentes.
O médico argumentou que o método “é um dos mais promovidos” nos Estados Unidos e que o país tem números melhores que o Brasil. Ele não mudou de opinião. Voltou a falar isso na audiência realizada no Senado nesta segunda-feira. “Me tacharam do secretário a favor da abstinência sexual para debochar de mim. Sim, a favor da abstinência sexual para crianças e adolescentes”, afirmou.