Há menos de dois meses, na pequena laje de sua casa na Vila Missionária – bairro pobre da periferia de São Paulo, a deputada Tabata Amaral (PSB) reuniu alguns amigos, a mãe, Maria Renilda, o apresentador de televisão José Luiz Datena e o ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte do Brasil, Márcio França. Em uma tela de televisão, estavam o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e sua mulher, Lu Alckmin. Recepcionados com cuscuz e café, eles eram os convidados da “festa” de lançamento da pré-candidatura à prefeitura de São Paulo de Tabata. “Fiz um convite ao Datena para ser o vice. Eu gostaria muito que ele fosse. Mas essa é uma decisão dele e que ele deverá tomar no seu tempo”, disse.
No evento, a candidata contou sobre sua origem simples, que costuma comparar com as diferenças sociais e a desigualdade em São Paulo. Mas falou das oportunidades que teve na vida, todas atribuídas ao acesso à educação. Foram elas, não se cansa de repetir, que permitiram à menina de sete anos que cozinhava e fazia o trabalho doméstico enquanto a mãe era diarista, chegar a Harvard, uma das melhores universidades do mundo, com uma bolsa de estudos e se formar em ciência política.
Em uma destas tardes da onda de calor infernal na capital paulista, Tabata conseguiu uma brecha na agenda para atender o Estadão. Não teríamos muito tempo para conversar com a deputada, ainda cheia de compromissos naquele mesmo dia. Mas ela tem uma qualidade que faz com que o tempo renda muito. Fala com muita suavidade, porém, é muito objetiva, não deixa pergunta sem resposta e gosta muito de contar sua história de superação. Sentamos em uma sala muito simples, de decoração espartana, com uma mesa redonda e cadeiras.
Nascida há 30 anos, Tabata conheceu o pior da miséria e a tranquilidade de uma vida sem apertos. Tem um irmão mais novo, Allan, que trabalha e vive com a mulher em Portugal e que a ajuda a comparar a vida muito mais organizada numa capital europeia com os transtornos que vivem diariamente os paulistanos. “Lá é muito mais seguro, as coisas são muito mais previsíveis, a vida é mais tranquila”, diz.
Já por aqui, sobressaltos é o que não faltam. No ano passado, ela sofreu uma tentativa de assalto no carro. Tentaram roubar seu celular, quebrando o vidro do carro. Ela jogou o aparelho no chão e o salvou. “Meu irmão, logo em seguida ligou reclamando que aqui era muito inseguro, que eu devia ir embora. Expliquei que eu seria candidata e precisava enfrentar os problemas da cidade”, conta.
E transporte, assinala ela, é um dos piores. Cita o caso da mãe, que continua morando na Vila Missionária e trabalha como recepcionista no bairro do Itaim Bibi, do outro lado da cidade. Antes, diz Tabata, a mãe levava uma hora meia no trajeto. Agora são duas. “E todo dia tem um ‘B.O.’. O ônibus atrasa, quebra, quebra a porta, a janela, acontece de tudo”, diz.
Se por um lado o transporte de má qualidade irrita, por outro Tabata se sente privilegiada por estar ainda tão perto dessa vida de dificuldades pelas quais passam os paulistanos. “Ninguém precisa me contar. Eu vejo as pessoas passando por isso”, observa.
A deputada é muito apegada à família e conta que esse sentimento se deve à vida de privações. Entretanto, as histórias que poderiam virar chorosos dramas, encontram naturalidade na voz e no jeito dela. A começar pela vida da mãe que veio da Bahia e foi trabalhar como doméstica em um regime análogo à escravidão. Logo depois, ficou grávida de Tabata, foi expulsa de casa e abandonada pelo pai biológico da menina. “Os irmãos dela diziam que a gente não ia dar para nada. Meu pai era muito doente pelo uso de drogas e ela tinha muito medo de que nós seguíssemos o mesmo caminho. Por isso, nossa vida era Igreja, escola. Escola, Igreja”, conta.
Quando Tabata terminou o curso em Harvard, resolveu que voltaria para o Brasil. “Cheguei aqui e fui trabalhar numa empresa que pagava bem. Mas na semana em que eles me promoveram, pedi demissão e fui trabalhar numa organização social e numa rádio”, conta, acrescentando que o fez mesmo sabendo que dinheiro não era algo que não fazia falta para eles e que se ela tivesse ido trabalhar no mercado financeiro, por exemplo, eles estariam numa situação financeira muito melhor. “A gente tem um combinado que tudo que eu ganho, poupamos para comprar nossa casa própria, e nós temos economizado mesmo, é mão de vaca”, diz, rindo.
Tabata só não pensava que seria política. Diz que cresceu com muito preconceito em relação à política e lembra que, por ser professora, tinha um sentimento de que a educação não melhorava por causa dos políticos, mas que acabou compreendendo que a política devia ser ocupada. Foi aí que resolveu se candidatar a deputada. “Ninguém acreditava que eu pudesse me eleger para nada e eu também não”, diz.
Sem nenhum traquejo na área, Tabata sequer tinha ideia de qual partido procurar para se filiar. Lembra que fez pesquisas e que buscava um partido que tivesse a ver com a educação. Aí chegou ao PDT por causa do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), pesquisou sobre os brizolões - as escolas em tempo integral construídas pelo governador Leonel Brizola (1922-2004). Então, foi até a sede do partido e preencheu sua ficha. “Quando o partido descobriu minha história, me trataram com um pouco mais de interesse. Mas ainda, assim, eu percebia que eles não acreditavam que eu pudesse me eleger”, disse.
Mas Tabata se elegeu, mesmo que, como ela mesma diz, ninguém entendesse como ela havia chegado lá. Foram tempos difíceis. A deputada novata não tinha a menor ideia de como a Câmara dos Deputados funcionava, como apresentar um projeto, enfim, nada. “Você acredita que as pessoas falavam que eu estava lá porque era mulher de alguém, filha de alguém?”
Com jeito de adolescente, pouca maquiagem e cabelos soltos, segundo Tabata, muitos pensaram que seria fácil mandar na jovem deputada. Enganaram-se. “Márcio França tem uma frase que eu gosto muito: ‘Seu problema é que sua aparência não combina com o que vem depois’”.
Seis meses depois de chegar à Câmara dos Deputados, Tabata ficou sem partido. O PDT votou contra a reforma da Previdência e ela manteve sua palavra e votou a favor. Era uma bandeira do Ciro Gomes e ele mudou de posição. “Fiquei quase dois anos na Justiça para conseguir o direito de mudar de partido. Consegui. Mas isso forçou a me virar. Por que se você fica sem partido na Câmara, você se lasca. Quando ganhei a causa, fui para o PSB”, contou a deputada.
“Tabata tem espírito público, vocação para servir”, afirmou ao Estadão o vice-presidente, Geraldo Alckmin. Ele participou no sábado, 16, pela manhã, junto com Tabata, do ato de filiação ao PSB de um vereador representante da comunidade chinesa, Andre Ye. “Ela é a boa novidade desta eleição em São Paulo”, completou.
Realmente, Tabata Amaral tem ainda um alto índice de desconhecimento na cidade. Enquanto o principal problema dos seus principais adversários e líderes nas pesquisas – Guilherme Boulos (PSOL) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) – é a alta rejeição, o dela é se tornar e tornar suas propostas conhecidas.
Ela explica que está montando sua equipe e que vai trabalhar em três eixos: segurança pública; transporte e mobilidade; e oportunidades. A segurança, diz ela, se tornou uma questão primordial. O transporte, a mobilidade, são questões essenciais para os moradores da cidade. E, por fim, ela crê que a cidade tem que ser uma criadora de oportunidades.
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Dedicada a montar seu plano de governo e a convidar especialistas para trabalharem em sua equipe, ela tem trabalhado de segunda a sábado. Mas não abre mão do domingo, dia em que vai à missa, almoça com a mãe, aproveita a companhia dos cinco cachorros que tem em casa e, se der, pega um cineminha ou vê um seriado em casa mesmo. “Quando termina a missa já está se formando uma ‘filinha’ com o pessoal que quer dar sugestões, desejar boa sorte, é muito legal”
A mãe, que no começo não queria que a filha entrasse para a política, hoje, segundo Tabata, já está orgulhosa, principalmente quando alguma colega no trabalho a procura com uma ideia para apresentar a filha. “Recentemente, uma amiga dela escreveu: eu tenho uma ideia para a Tabata reorganizar o transporte, e me mandou”.
Com a pré-campanha sendo organizada, só ficou um “B.O.”, como ela mesma diz, para resolver: o namoro com o prefeito de Recife, João Henrique Campos (PSB), filho do então candidato à presidente da República Eduardo Campos, tragicamente morto em um acidente de avião em 2014. Tabata e João estão há quatro anos e meio juntos. Se encontram quando ele vai a Brasília ou quando ele vem uma vez por mês a São Paulo e ela vai uma vez por mês a Recife. “Ele é o prefeito mais bem avaliado do Brasil”, comenta, orgulhosa.
Pergunto como vão fazer para se verem se ela se eleger prefeita e ele – que disputa a reeleição – tiver mais um mandato: “Vou entregar nas mãos de Deus e ele que nos dê força”.