A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, que suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F e determinou a investigação da ONG Transparência Internacional no Brasil, divide magistrados da Corte. Em conversas reservadas, pelo menos cinco dos 11 ministros do STF mostram dúvidas sobre o despacho de Toffoli.
A divergência se refere à validade de provas resultantes da Lava Jato e do uso das mensagens encontradas em celulares de procuradores como Deltan Dallagnol, coordenador da operação. Os diálogos que incluíam até mesmo o então juiz Sérgio Moro, hoje senador, foram hackeados e publicadas por veículos de imprensa, no caso que ficou conhecido como “Vaza Jato”.
Toffoli determinou, ainda, que sejam analisadas as mensagens apreendidas nessa operação, batizada de “Spoofing”. A Procuradoria-Geral da República observou, porém, que não houve participação da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, à época comandada por Moro, no acordo com a J&F, fechado em Brasília. E as mensagens obtidas pela Operação Spoofing diziam respeito àquela jurisdição. Em sua petição inicial, no entanto, a J&F alegou que os diálogos vazados também indicam ter havido algum tipo de acerto entre integrantes do Ministério Público no caso da empresa.
Sem unanimidade no plenário, o mais provável é que Toffoli envie para a Segunda Turma do STF o recurso do procurador-geral da República, Paulo Gonet, argumentando que “não há provas de que houve coação” contra os empresários Joesley e Wesley Batista, controladores da J&F. “Não há como deduzir que o acordo esteja viciado a partir de ilações e conjecturas abstratas sobre coação”, escreveu Gonet. Magistrados ouvidos pelo Estadão concordaram com o procurador-geral da República e disseram que os casos da Odebrecht e da J&F tiveram acordos de leniência totalmente distintos.
A investigação para apurar eventual apropriação de recursos públicos por parte da Transparência Internacional também foi solicitada à Procuradoria-Geral. A ONG nega ter recebido verba do acordo de leniência do grupo J&F.
Desde o fim do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse a pelo menos dois integrantes do Judiciário, ouvidos pelo Estadão, que quer receber Toffoli, no Palácio da Alvorada, para uma conversa privada. Tudo caminha para uma reconciliação entre eles.
Em dezembro de 2022, após a cerimônia de diplomação de Lula, o ministro já havia lhe pedido perdão por ter proibido sua ida ao velório do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá. À época da morte de Genival, em janeiro de 2019, o petista estava preso em Curitiba.
Foi Lula quem indicou Toffoli para ocupar uma cadeira no Supremo, em 2009. O atual ministro era advogado-geral da União e o presidente dizia para quem quisesse ouvir que o considerava como um filho. Mas Lula ficou sem falar com ele após uma série de decisões que o desagradaram, entre as quais a condenação de José Genoino, ex-presidente do PT, no processo do mensalão. A última vez que Lula e Toffoli se encontraram foi na segunda-feira, 5, na cerimônia de posse do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Neste terceiro mandato, o presidente tem se aproximado do Supremo e conta com a Corte para dar a última palavra e ajudar a resolver crises com o Congresso. No ano passado, por exemplo, Lula voltou a ter relacionamento com Gilmar Mendes, que havia impedido sua posse como ministro da Casa Civil, em 2016, no governo Dilma Rousseff.
Nos bastidores, políticos da oposição dizem que Toffoli tem tomado essas decisões de ataque frontal à Lava Jato para se reconciliar com Lula, que foi condenado pela operação. O ministro sempre negou essas suspeitas, sob o argumento de que havia evidências de provas obtidas ilicitamente.
Irmãos admitiram práticas de corrupção
Para conseguirem o acordo, os irmãos Joesley e Wesley Batista admitiram práticas de corrupção e se comprometeram com a restituição de milhões aos cofres públicos. Nos próximos dias, o procurador-geral da República também deve recorrer da suspensão do acordo da Novonor (antiga Odebrecht).
Cabe a Dias Toffoli a decisão de mandar o recurso para o plenário ou para a Segunda Turma, assim como definir o prazo para que isso aconteça. A Segunda Turma é formada pelos ministros Gilmar Mendes, Kássio Nunes Marques, Edson Fachin e André Mendonça, além do próprio Toffoli.
Em decisão monocrática, Toffoli assinalou que suspendia o pagamento da multa porque “há, no mínimo, dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente (J&F) ao firmar o acordo de leniência”. Destacou, ainda, que isso justificaria “por ora, a paralisação dos pagamentos, tal como requerido pela autora”. Toffoli já havia suspendido antes o acordo de leniência da Novonor, que previa o pagamento de R$ 8,5 bilhões ao governo federal, Estados, municípios e autoridades dos Estados Unidos e da Suiça, em um prazo de 23 anos.
Além da J&F e da Novonor, também assinaram acordos de leniência representantes da OAS e da Camargo Corrêa, entre outros. Todos confessaram participação no pagamento de propinas a políticos e fraudes em licitações.
Nos pedidos para suspender o pagamento das multas, as empresas observaram que devem ser incluídas nos processos novas provas e evidências de que a investigação da Lava Jato pode ter sido comprometida pela troca de mensagens entre os integrantes do Ministério Público do Paraná e o então juiz Sérgio Moro. Para a Procuradoria-Geral da República, no entanto, informações constantes no acordo de leniência de uma empresa não se aplicam às de outras companhias. O Estadão tentou contato com Toffoli, mas ele não quis se manifestar.