Diretor da mais antiga faculdade de Direito do País, a do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), e professor de Direito Administrativo, Floriano de Azevedo Marques Neto decidiu autorizar um grupo de estudantes a fixar uma faixa contra o fascismo no interior das arcadas da instituição. Era véspera do segundo turno da eleição.
Não demorou muito e um carro da PM parou ao lado da universidade. Os policiais queriam a retirada da faixa alegando se tratar de propaganda eleitoral irregular. Azevedo Marques disse não. Afirmou que havia autorizado a manifestação e não via nada de irregular. Pouco depois, foi a vez de guardas civis de entrarem na faculdade querendo arrancar a faixa. Mais uma vez encontraram a resistência de Azevedo Marques.
Sem ordem judicial, nada feito. Nem a polícia entraria na faculdade nem a faixa seria retirada. O exemplo do diretor da São Francisco foi citado pelo ministro Alexandre de Moraes no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) quando a Corte manteve a liminar que proibiu a entrada da polícia em ambientes acadêmicos e reafirmou as liberdades de cátedra, de expressão e reunião, postas em risco por decisões de juízes eleitorais que confundiram a propaganda partidária com o debate de ideias e autorizaram ações nas universidades. Leia, a seguir, trechos da entrevista.
Qual a importância dessa decisão do STF sobre as liberdades de expressão, de reunião e de cátedra nas universidades? Ela é paradigmática. Os sistemas democráticos são baseados em duas verdades. A primeira é que quem ganha a eleição deve exercer o poder e tem legitimidade para adotar o seu programa. A segunda é que a vitória na eleição não autoriza passar por cima de certas garantias que são estruturantes dessas sociedades e uma delas, desde o século 19, é a liberdade de cátedra e pensamento. Não importa de onde venha essa ameaça, se do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário ou se ela é uma ameaça praticada por agentes estatais ou privados, como muito bem expôs o ministro Gilmar Mendes (ao condenar a atitude da deputada eleita do PSL Ana Campagnolo, que criou um serviço de denúncia de professores). Essa decisão do STF se reveste de grande importância em razão do momento, de ser unânime e da veemência dos votos. Ela é reconfortante.
O senhor acredita que a decisão do Supremo fere de morte o projeto Escola sem Partido? Depende de como o projeto será. Se ele se limitar a vedar o proselitismo partidário e de um candidato, é uma coisa. Mas se for fazer triagem ideológica, não. O STF deixou claro isso nesta semana.
O senhor foi citado no voto do ministro Alexandre Moraes nos debates no STF. Como foi o episódio na Faculdade do Largo São Francisco com a polícia? Os alunos me pediram autorização para pendurar a faixa. Como ela não era partidária nem comprometia o próprio público, eu a autorizei. Pouco depois, recebemos a visita de uma guarnição da Polícia Militar que espontaneamente, dirigiu-se à faculdade. Disse-lhes (aos policiais) que não havia ilegalidade alguma na faixa, pois se tratava de livre manifestação de um pensamento que, no caso, defendia a democracia e combatia o fascismo. Eles forma embora. Pouco depois, apareceu por lá um grupo de guardas civis dizendo que a faixa não era permitida. Também afirmei que a havia autorizado e não havia violação alguma à lei. Em, na ausência de ordem judicial, ela permaneceria lá. Os aguardas foram embora. Foram cordiais, mas nos surpreendeu a espontaneidade das ações desses policiais.
Outro fato repercutiu no mundo jurídico, a decisão de Sérgio Moro de aceitar o Ministério da Justiça. Como o senhor o analisa? Não há nenhum impedimento legal à decisão do magistrado, desde que ele peça a exoneração. Mas essa decisão traz com ela algum risco de questionamento de isenção e imparcialidade, não pelo fato de ser juiz, mas pelo fato de ser um juiz importantíssimo em um processo que, inegavelmente, teve impacto na disputa eleitoral. A Lava Jato trouxe o combate à corrupção para o centro do debate. Creio que ele foi imprudente. E digo isso de forma tranquila, pois o próprio juiz Moro disse ao Estado que não aceitaria migrar para a política, pois não queria contaminar sua judicatura. Em relação ao País, no entanto, eu fico confortável. O juiz Moro tem uma biografia a zelar e pode ser até um parâmetros de contenção de medidas pouco conformes à Constituição que eventualmente estivessem sendo cogitadas.
Seria necessário aprimorar a lei e estabelecer uma quarentena para juízes e procuradores? A quarentena é uma medida de profilaxia institucional para evitar, não a falta de isenção na condução, mas para a proteção da ação dos agentes públicos no exercício da função das críticas e suspeições posteriores. A quarentena se aplicaria para a migração a cargos executivos e às candidaturas.
Que consequências da campanha eleitoral preocupam o senhor para o futuro? Tem uma claramente: a violência como vetor de ação política. Clausewitz dizia que a guerra é a política por outros meios. Eu diria que a política é negação da guerra. E a violência não é instrumento de ação política. Preocupou-me muito que no debate eleitoral a violência concreta ou simbólica tenha ocupado o lugar do debate político. O Judiciário deve coibir quem age com violência, demonstrando que a violência, em quaisquer de suas manifestações, em uma sociedade democrática não é tolerada: é crime.
Rumamos para a pacificação? Quero crer que sim. O discurso do governo eleito caminha para isso. Acho que a nomeação do ministro Moro pode ter todas as críticas, mas caminha nesse sentido. O País só tem chance de sucesso se caminhar para a pacificação. Os exemplos históricos da escolha da violência são de destruição de países. Teremos um País com divergência, debate e antagonismo, mas sem violência retórica ou física.