‘Decisões ainda são tomadas por homens’, diz Ana Moser sobre ser demitida do governo por Lula


Ministra nega que vá para Autoridade Olímpica e se diz “frustrada” após demissão. Mesmo assim, evita culpar o presidente Lula e diz que “vontade do presidente era dar continuidade” ao trabalho

Por André Shalders e Eduardo Gayer
Atualização:
Entrevista comAna MoserMinistra dos Esportes

BRASÍLIA - De saída do cargo para o presidente Lula dar assento na Esplanada a um parlamentar do PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, a ministra do Esporte, Ana Moser, não esconde a frustração em ser demitida com ainda muito a fazer. A ex-atleta entende que conseguiu avanços na pauta do esporte ao longo de seus nove meses à frente da pasta, e vê a marca do machismo no processo político que resultou na sua substituição. “Quanto mais mulheres nas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão. Faltam mulheres nos momentos decisórios”, afirmou em entrevista ao Estadão.

Ana Moser revela que a primeira-dama Janja da Silva disse a ela, após a demissão, “sentir muito pelo processo”. A partir da semana que vem, o Ministério do Esporte será ocupado pelo deputado federal André Fufuca (PP-MA), que foi vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara e votou no ex-presidente na última eleição.

A ministra do Esporte, Ana Moser, demitida por Lula do governo. Foto Roberto Caldas/ Divulgação Foto: DIV
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A ministra demissionária, contudo, evita criticar o presidente Lula e diz que sua saída do cargo não pode ser atribuída apenas ao presidente porque é resultado de um contexto político. “A articulação política não é desejo, é o que é dado”. E afirma que não se arrependeu de ter trabalhado pela eleição do petista. “Pelo amor de Deus. Isso não existe.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como foi a reunião com o presidente Lula na quarta-feira, dia 6, no Palácio da Alvorada? A sra. pode detalhar um pouco? O que Lula disse exatamente?

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Foi uma reunião em dois dias, na terça e na quarta. E o que o presidente (Lula) falou (na terça) foi o que se falou ‘para fora’, que a gente sabe. Que já vinham há meses fazendo a negociação para a entrada destes dois novos partidos; que foram tentadas várias soluções, e que no fim teve que fazer essa escolha pela troca no Ministério do Esporte. Falei para ele sobre todas as nossas realizações e toda a nossa construção; falei da preocupação de interromper este trabalho; que o tempo tinha sido curto para apresentar resultados; e ele ficou de pensar. Deu mais 24 horas a esse processo de escolha; e na quarta-feira então ele deu a posição final.

E como foi quando ele fez esse anúncio para a senhora?

Foi normal, né? Uma reunião normal. Eu estava sentada, ele estava sentado, numa mesa. Não teve um roteiro dramático. Foi o que era sabido.

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A senhora considera que o processo de demissão conduzido pelo governo foi respeitoso? A senhora e sua equipe se sentiram expostas?

O comando da política é feito pelo Palácio do Planalto. É um tempo das conversas deles. Não tenho como entender quais são os processos, ou acompanhar qual é o ritmo das negociações que são feitas pelo Planalto. A articulação política não é a nossa função. Enquanto isso tudo vinha acontecendo, (e nós ficávamos sabendo pelo que) saía na imprensa, porque essas conversas não chegavam até nós, nós continuamos trabalhando, porque era o que se tinha para fazer. É lógico, eu entrei para fazer um trabalho e para concluir o trabalho, não entrei para sair. Então há uma frustração que faz parte de todo o investimento feito e da visão que se tem, ou se tinha. Não só minha, mas de toda a equipe do ministério, de onde a gente queria chegar. Então, lógico, se é um processo de quebra, isso gera um sentimento. Mas é da política, é o tempo da política. Que não é dado por nós, é dado por quem faz essa gestão da política. E com certeza com as melhores intenções, dentro deste governo que tem muita coisa para entregar (...).

Mas a senhora esperava que fosse conduzido de uma outra forma, ou isso não é uma questão? A senhora não está pessoalmente magoada?

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Acho que isso não é uma questão, né? Mais uma vez, a política está sendo feita, e nós estamos no ministério fazendo política pública de esporte. Acho que é assim que deve ser mesmo.

Toda a equipe da senhora saiu junto do Ministério? A pasta vai ser entregue “de porteira fechada”, como dizem? Como fica agora a gestão da política pública do esporte?

Essa estruturação vai ser feita nos próximos dias. Na semana que vem, por causa desse feriado (da Independência, em 7 de setembro). O processo de transição normalmente é da equipe, né? Isso já está encaminhado, mas ainda não começou.

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A senhora acredita que é um bom movimento colocar a regulação das casas de apostas online, as chamadas “bets” no Ministério do Esporte? A eventual arrecadação pode ajudar a impulsionar o esporte brasileiro?

A regulamentação das “bets” e dos sites de apostas é algo que vem sendo discutido desde o começo do ano, e o debate que vem sendo feito dentro do governo (envolve) especialmente Fazenda, Justiça e Esporte, além da Controladoria-Geral da União (CGU). Esta medida provisória que está no Congresso é resultado dessa construção. É uma conquista desta equipe, exatamente porque se defendeu que parte do recurso desta tributação deve ser direcionado ao esporte, para a construção das políticas públicas de esporte. O que está acontecendo agora é resultado do trabalho desta gestão.

Mas a sra. acha que a Secretaria Nacional das Apostas (a ser criada) deveria ficar com a Fazenda ou com o Esporte?

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Acho que cabe ao governo decidir isso.

O que a senhora pensa para o seu futuro profissional? Há relatos de que a senhora poderia assumir um novo cargo no governo, como a Autoridade Olímpica, a ser criada.

Não existe Autoridade Olímpica. Essa gestão é feita pelo Comitê Olímpico Internacional. Em primeiro lugar, eu não tenho interesse, o convite foi para ser ministra do Esporte. A partir do momento em que houve essa mudança, qualquer coisa é uma outra coisa. A questão dessa proposta, que nem foi proposta, que na verdade eu ouvi pela imprensa, não tem muito fundamento. O meu interesse nunca foi o esporte olímpico. Tenho mais de 20 anos de trabalho na área social com o esporte para todos. Qualquer outra coisa não está colocada agora.

A primeira-dama Janja disse que “não estava feliz” com a sua saída do governo. A sra. chegou a falar com ela? Sentiu que houve sororidade, isto é, solidariedade, das colegas mulheres do governo?

Conversei com a Janja, com ministras e ministros. Publicamente, algumas ministras se pronunciaram, como Cida (Gonçalves, das Mulheres), Anielle (Franco, da Igualdade Racial), Esther (Dweck, da Gestão). A ministra Marina (Silva, do Meio Ambiente) me ligou várias vezes nesse processo. Existe essa sororidade. Todo esse jogo de poder é mais complicado para as mulheres, a dinâmica do poder é masculina. As decisões, mesmo com a participação de mulheres, ainda são tomadas por homens. Mesmo com número recorde que se colocou no início do governo, não é algo simplesmente posto, é construído.

Como foi a conversa com Janja?

Da mesma forma que as outras, (disse) sentir muito pelo processo. Entramos para entrar e concluir esse processo. Política é uma negociação, se entende os porquês e quais os fins, os objetivos. Mas não se deixa de lamentar os processos e os meios. Então, isso tudo faz parte.

Na campanha, Lula chegou a dizer que o Esporte não seria “moeda de troca”. Ele quebrou uma promessa?

Eu acho que não tem como isolar a questão no presidente Lula. O contexto político se coloca de uma maneira que aquilo que se visualizava no início do ano não continuou. Agora, o momento é outro. Tenho certeza que a vontade do presidente Lula era dar continuidade a este trabalho. Vai ter que dar continuidade de outra maneira, porque a política impõe. A política é feita de avanços em maior ou menos velocidade, mas sempre buscando avançar.

Como a senhora avalia o trabalho feito nestes nove meses? Que iniciativas te deram mais orgulho, qual foi a sua marca no ministério?

A marca foi trazer a dimensão do esporte para todos, buscar caminhos para ampliar o esporte para além do alto rendimento, que trabalha com menos de 5% da população. A marca foi trazer o conceito de que esporte e atividade física têm que ser amplos, democráticos, intersetoriais, e também buscar meios de alcançar escala e chegar aos municípios. Foi uma prioridade. Houve a inserção da mulher dentro do futebol feminino, com visibilidade. Fizemos a Bolsa Atleta para gestantes. Colocamos percentual de participação de mulheres em projetos financiados pelo ministério. Em poucos meses, conseguimos muito.

Se fosse dar nota de 0 a 10 para sua gestão, qual daria?

Não vou dar 10, porque eu não sou 10. Mas com certeza um 8 alto ou 9.

No programa de governo de Lula, consta a necessidade de “democratização e descentralização do acesso ao esporte”. Isso é compatível com trocar o ministério por governabilidade?

A articulação política não é desejo, é o que é dado. Claro, tem um desejo de mundo ideal. Especialmente eu tenho a característica de buscar a utopia, com resiliência e com firmeza. Esse é o mundo que estamos, e vamos buscar construir mais. Olhando de fora e com perspectiva de minha posição de mulher, tenho a impressão que, quanto mais mulheres estiverem participando de momentos de decisão, dessas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão. Falta mais participação de mulheres nesses momentos de decisão. Não é só ocupar os espaços, é estar nos momentos decisórios. Isso pode ser um avanço para a situação atual que vivemos. E não é algo fácil de ser alcançado, e com certeza é a intenção deste governo. Mas o caminho é esse: buscar equilíbrio, ampliação de valores e de maneiras de fazer política.

A senhora se arrepende de ter apoiado o presidente Lula na campanha?

Claro que não. Imagina. Pelo amor de Deus. Isso não existe.

A sra. pensa em entrar para a política eleitoral?

Foi anunciada a minha saída do ministério anteontem. Não tem decisão de nada de futuro. Por enquanto, estamos fechando esse processo. Depois, vou pensar.

BRASÍLIA - De saída do cargo para o presidente Lula dar assento na Esplanada a um parlamentar do PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, a ministra do Esporte, Ana Moser, não esconde a frustração em ser demitida com ainda muito a fazer. A ex-atleta entende que conseguiu avanços na pauta do esporte ao longo de seus nove meses à frente da pasta, e vê a marca do machismo no processo político que resultou na sua substituição. “Quanto mais mulheres nas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão. Faltam mulheres nos momentos decisórios”, afirmou em entrevista ao Estadão.

Ana Moser revela que a primeira-dama Janja da Silva disse a ela, após a demissão, “sentir muito pelo processo”. A partir da semana que vem, o Ministério do Esporte será ocupado pelo deputado federal André Fufuca (PP-MA), que foi vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara e votou no ex-presidente na última eleição.

A ministra do Esporte, Ana Moser, demitida por Lula do governo. Foto Roberto Caldas/ Divulgação Foto: DIV

A ministra demissionária, contudo, evita criticar o presidente Lula e diz que sua saída do cargo não pode ser atribuída apenas ao presidente porque é resultado de um contexto político. “A articulação política não é desejo, é o que é dado”. E afirma que não se arrependeu de ter trabalhado pela eleição do petista. “Pelo amor de Deus. Isso não existe.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como foi a reunião com o presidente Lula na quarta-feira, dia 6, no Palácio da Alvorada? A sra. pode detalhar um pouco? O que Lula disse exatamente?

Foi uma reunião em dois dias, na terça e na quarta. E o que o presidente (Lula) falou (na terça) foi o que se falou ‘para fora’, que a gente sabe. Que já vinham há meses fazendo a negociação para a entrada destes dois novos partidos; que foram tentadas várias soluções, e que no fim teve que fazer essa escolha pela troca no Ministério do Esporte. Falei para ele sobre todas as nossas realizações e toda a nossa construção; falei da preocupação de interromper este trabalho; que o tempo tinha sido curto para apresentar resultados; e ele ficou de pensar. Deu mais 24 horas a esse processo de escolha; e na quarta-feira então ele deu a posição final.

E como foi quando ele fez esse anúncio para a senhora?

Foi normal, né? Uma reunião normal. Eu estava sentada, ele estava sentado, numa mesa. Não teve um roteiro dramático. Foi o que era sabido.

A senhora considera que o processo de demissão conduzido pelo governo foi respeitoso? A senhora e sua equipe se sentiram expostas?

O comando da política é feito pelo Palácio do Planalto. É um tempo das conversas deles. Não tenho como entender quais são os processos, ou acompanhar qual é o ritmo das negociações que são feitas pelo Planalto. A articulação política não é a nossa função. Enquanto isso tudo vinha acontecendo, (e nós ficávamos sabendo pelo que) saía na imprensa, porque essas conversas não chegavam até nós, nós continuamos trabalhando, porque era o que se tinha para fazer. É lógico, eu entrei para fazer um trabalho e para concluir o trabalho, não entrei para sair. Então há uma frustração que faz parte de todo o investimento feito e da visão que se tem, ou se tinha. Não só minha, mas de toda a equipe do ministério, de onde a gente queria chegar. Então, lógico, se é um processo de quebra, isso gera um sentimento. Mas é da política, é o tempo da política. Que não é dado por nós, é dado por quem faz essa gestão da política. E com certeza com as melhores intenções, dentro deste governo que tem muita coisa para entregar (...).

Mas a senhora esperava que fosse conduzido de uma outra forma, ou isso não é uma questão? A senhora não está pessoalmente magoada?

Acho que isso não é uma questão, né? Mais uma vez, a política está sendo feita, e nós estamos no ministério fazendo política pública de esporte. Acho que é assim que deve ser mesmo.

Toda a equipe da senhora saiu junto do Ministério? A pasta vai ser entregue “de porteira fechada”, como dizem? Como fica agora a gestão da política pública do esporte?

Essa estruturação vai ser feita nos próximos dias. Na semana que vem, por causa desse feriado (da Independência, em 7 de setembro). O processo de transição normalmente é da equipe, né? Isso já está encaminhado, mas ainda não começou.

A senhora acredita que é um bom movimento colocar a regulação das casas de apostas online, as chamadas “bets” no Ministério do Esporte? A eventual arrecadação pode ajudar a impulsionar o esporte brasileiro?

A regulamentação das “bets” e dos sites de apostas é algo que vem sendo discutido desde o começo do ano, e o debate que vem sendo feito dentro do governo (envolve) especialmente Fazenda, Justiça e Esporte, além da Controladoria-Geral da União (CGU). Esta medida provisória que está no Congresso é resultado dessa construção. É uma conquista desta equipe, exatamente porque se defendeu que parte do recurso desta tributação deve ser direcionado ao esporte, para a construção das políticas públicas de esporte. O que está acontecendo agora é resultado do trabalho desta gestão.

Mas a sra. acha que a Secretaria Nacional das Apostas (a ser criada) deveria ficar com a Fazenda ou com o Esporte?

Acho que cabe ao governo decidir isso.

O que a senhora pensa para o seu futuro profissional? Há relatos de que a senhora poderia assumir um novo cargo no governo, como a Autoridade Olímpica, a ser criada.

Não existe Autoridade Olímpica. Essa gestão é feita pelo Comitê Olímpico Internacional. Em primeiro lugar, eu não tenho interesse, o convite foi para ser ministra do Esporte. A partir do momento em que houve essa mudança, qualquer coisa é uma outra coisa. A questão dessa proposta, que nem foi proposta, que na verdade eu ouvi pela imprensa, não tem muito fundamento. O meu interesse nunca foi o esporte olímpico. Tenho mais de 20 anos de trabalho na área social com o esporte para todos. Qualquer outra coisa não está colocada agora.

A primeira-dama Janja disse que “não estava feliz” com a sua saída do governo. A sra. chegou a falar com ela? Sentiu que houve sororidade, isto é, solidariedade, das colegas mulheres do governo?

Conversei com a Janja, com ministras e ministros. Publicamente, algumas ministras se pronunciaram, como Cida (Gonçalves, das Mulheres), Anielle (Franco, da Igualdade Racial), Esther (Dweck, da Gestão). A ministra Marina (Silva, do Meio Ambiente) me ligou várias vezes nesse processo. Existe essa sororidade. Todo esse jogo de poder é mais complicado para as mulheres, a dinâmica do poder é masculina. As decisões, mesmo com a participação de mulheres, ainda são tomadas por homens. Mesmo com número recorde que se colocou no início do governo, não é algo simplesmente posto, é construído.

Como foi a conversa com Janja?

Da mesma forma que as outras, (disse) sentir muito pelo processo. Entramos para entrar e concluir esse processo. Política é uma negociação, se entende os porquês e quais os fins, os objetivos. Mas não se deixa de lamentar os processos e os meios. Então, isso tudo faz parte.

Na campanha, Lula chegou a dizer que o Esporte não seria “moeda de troca”. Ele quebrou uma promessa?

Eu acho que não tem como isolar a questão no presidente Lula. O contexto político se coloca de uma maneira que aquilo que se visualizava no início do ano não continuou. Agora, o momento é outro. Tenho certeza que a vontade do presidente Lula era dar continuidade a este trabalho. Vai ter que dar continuidade de outra maneira, porque a política impõe. A política é feita de avanços em maior ou menos velocidade, mas sempre buscando avançar.

Como a senhora avalia o trabalho feito nestes nove meses? Que iniciativas te deram mais orgulho, qual foi a sua marca no ministério?

A marca foi trazer a dimensão do esporte para todos, buscar caminhos para ampliar o esporte para além do alto rendimento, que trabalha com menos de 5% da população. A marca foi trazer o conceito de que esporte e atividade física têm que ser amplos, democráticos, intersetoriais, e também buscar meios de alcançar escala e chegar aos municípios. Foi uma prioridade. Houve a inserção da mulher dentro do futebol feminino, com visibilidade. Fizemos a Bolsa Atleta para gestantes. Colocamos percentual de participação de mulheres em projetos financiados pelo ministério. Em poucos meses, conseguimos muito.

Se fosse dar nota de 0 a 10 para sua gestão, qual daria?

Não vou dar 10, porque eu não sou 10. Mas com certeza um 8 alto ou 9.

No programa de governo de Lula, consta a necessidade de “democratização e descentralização do acesso ao esporte”. Isso é compatível com trocar o ministério por governabilidade?

A articulação política não é desejo, é o que é dado. Claro, tem um desejo de mundo ideal. Especialmente eu tenho a característica de buscar a utopia, com resiliência e com firmeza. Esse é o mundo que estamos, e vamos buscar construir mais. Olhando de fora e com perspectiva de minha posição de mulher, tenho a impressão que, quanto mais mulheres estiverem participando de momentos de decisão, dessas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão. Falta mais participação de mulheres nesses momentos de decisão. Não é só ocupar os espaços, é estar nos momentos decisórios. Isso pode ser um avanço para a situação atual que vivemos. E não é algo fácil de ser alcançado, e com certeza é a intenção deste governo. Mas o caminho é esse: buscar equilíbrio, ampliação de valores e de maneiras de fazer política.

A senhora se arrepende de ter apoiado o presidente Lula na campanha?

Claro que não. Imagina. Pelo amor de Deus. Isso não existe.

A sra. pensa em entrar para a política eleitoral?

Foi anunciada a minha saída do ministério anteontem. Não tem decisão de nada de futuro. Por enquanto, estamos fechando esse processo. Depois, vou pensar.

BRASÍLIA - De saída do cargo para o presidente Lula dar assento na Esplanada a um parlamentar do PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira, a ministra do Esporte, Ana Moser, não esconde a frustração em ser demitida com ainda muito a fazer. A ex-atleta entende que conseguiu avanços na pauta do esporte ao longo de seus nove meses à frente da pasta, e vê a marca do machismo no processo político que resultou na sua substituição. “Quanto mais mulheres nas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão. Faltam mulheres nos momentos decisórios”, afirmou em entrevista ao Estadão.

Ana Moser revela que a primeira-dama Janja da Silva disse a ela, após a demissão, “sentir muito pelo processo”. A partir da semana que vem, o Ministério do Esporte será ocupado pelo deputado federal André Fufuca (PP-MA), que foi vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara e votou no ex-presidente na última eleição.

A ministra do Esporte, Ana Moser, demitida por Lula do governo. Foto Roberto Caldas/ Divulgação Foto: DIV

A ministra demissionária, contudo, evita criticar o presidente Lula e diz que sua saída do cargo não pode ser atribuída apenas ao presidente porque é resultado de um contexto político. “A articulação política não é desejo, é o que é dado”. E afirma que não se arrependeu de ter trabalhado pela eleição do petista. “Pelo amor de Deus. Isso não existe.”

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como foi a reunião com o presidente Lula na quarta-feira, dia 6, no Palácio da Alvorada? A sra. pode detalhar um pouco? O que Lula disse exatamente?

Foi uma reunião em dois dias, na terça e na quarta. E o que o presidente (Lula) falou (na terça) foi o que se falou ‘para fora’, que a gente sabe. Que já vinham há meses fazendo a negociação para a entrada destes dois novos partidos; que foram tentadas várias soluções, e que no fim teve que fazer essa escolha pela troca no Ministério do Esporte. Falei para ele sobre todas as nossas realizações e toda a nossa construção; falei da preocupação de interromper este trabalho; que o tempo tinha sido curto para apresentar resultados; e ele ficou de pensar. Deu mais 24 horas a esse processo de escolha; e na quarta-feira então ele deu a posição final.

E como foi quando ele fez esse anúncio para a senhora?

Foi normal, né? Uma reunião normal. Eu estava sentada, ele estava sentado, numa mesa. Não teve um roteiro dramático. Foi o que era sabido.

A senhora considera que o processo de demissão conduzido pelo governo foi respeitoso? A senhora e sua equipe se sentiram expostas?

O comando da política é feito pelo Palácio do Planalto. É um tempo das conversas deles. Não tenho como entender quais são os processos, ou acompanhar qual é o ritmo das negociações que são feitas pelo Planalto. A articulação política não é a nossa função. Enquanto isso tudo vinha acontecendo, (e nós ficávamos sabendo pelo que) saía na imprensa, porque essas conversas não chegavam até nós, nós continuamos trabalhando, porque era o que se tinha para fazer. É lógico, eu entrei para fazer um trabalho e para concluir o trabalho, não entrei para sair. Então há uma frustração que faz parte de todo o investimento feito e da visão que se tem, ou se tinha. Não só minha, mas de toda a equipe do ministério, de onde a gente queria chegar. Então, lógico, se é um processo de quebra, isso gera um sentimento. Mas é da política, é o tempo da política. Que não é dado por nós, é dado por quem faz essa gestão da política. E com certeza com as melhores intenções, dentro deste governo que tem muita coisa para entregar (...).

Mas a senhora esperava que fosse conduzido de uma outra forma, ou isso não é uma questão? A senhora não está pessoalmente magoada?

Acho que isso não é uma questão, né? Mais uma vez, a política está sendo feita, e nós estamos no ministério fazendo política pública de esporte. Acho que é assim que deve ser mesmo.

Toda a equipe da senhora saiu junto do Ministério? A pasta vai ser entregue “de porteira fechada”, como dizem? Como fica agora a gestão da política pública do esporte?

Essa estruturação vai ser feita nos próximos dias. Na semana que vem, por causa desse feriado (da Independência, em 7 de setembro). O processo de transição normalmente é da equipe, né? Isso já está encaminhado, mas ainda não começou.

A senhora acredita que é um bom movimento colocar a regulação das casas de apostas online, as chamadas “bets” no Ministério do Esporte? A eventual arrecadação pode ajudar a impulsionar o esporte brasileiro?

A regulamentação das “bets” e dos sites de apostas é algo que vem sendo discutido desde o começo do ano, e o debate que vem sendo feito dentro do governo (envolve) especialmente Fazenda, Justiça e Esporte, além da Controladoria-Geral da União (CGU). Esta medida provisória que está no Congresso é resultado dessa construção. É uma conquista desta equipe, exatamente porque se defendeu que parte do recurso desta tributação deve ser direcionado ao esporte, para a construção das políticas públicas de esporte. O que está acontecendo agora é resultado do trabalho desta gestão.

Mas a sra. acha que a Secretaria Nacional das Apostas (a ser criada) deveria ficar com a Fazenda ou com o Esporte?

Acho que cabe ao governo decidir isso.

O que a senhora pensa para o seu futuro profissional? Há relatos de que a senhora poderia assumir um novo cargo no governo, como a Autoridade Olímpica, a ser criada.

Não existe Autoridade Olímpica. Essa gestão é feita pelo Comitê Olímpico Internacional. Em primeiro lugar, eu não tenho interesse, o convite foi para ser ministra do Esporte. A partir do momento em que houve essa mudança, qualquer coisa é uma outra coisa. A questão dessa proposta, que nem foi proposta, que na verdade eu ouvi pela imprensa, não tem muito fundamento. O meu interesse nunca foi o esporte olímpico. Tenho mais de 20 anos de trabalho na área social com o esporte para todos. Qualquer outra coisa não está colocada agora.

A primeira-dama Janja disse que “não estava feliz” com a sua saída do governo. A sra. chegou a falar com ela? Sentiu que houve sororidade, isto é, solidariedade, das colegas mulheres do governo?

Conversei com a Janja, com ministras e ministros. Publicamente, algumas ministras se pronunciaram, como Cida (Gonçalves, das Mulheres), Anielle (Franco, da Igualdade Racial), Esther (Dweck, da Gestão). A ministra Marina (Silva, do Meio Ambiente) me ligou várias vezes nesse processo. Existe essa sororidade. Todo esse jogo de poder é mais complicado para as mulheres, a dinâmica do poder é masculina. As decisões, mesmo com a participação de mulheres, ainda são tomadas por homens. Mesmo com número recorde que se colocou no início do governo, não é algo simplesmente posto, é construído.

Como foi a conversa com Janja?

Da mesma forma que as outras, (disse) sentir muito pelo processo. Entramos para entrar e concluir esse processo. Política é uma negociação, se entende os porquês e quais os fins, os objetivos. Mas não se deixa de lamentar os processos e os meios. Então, isso tudo faz parte.

Na campanha, Lula chegou a dizer que o Esporte não seria “moeda de troca”. Ele quebrou uma promessa?

Eu acho que não tem como isolar a questão no presidente Lula. O contexto político se coloca de uma maneira que aquilo que se visualizava no início do ano não continuou. Agora, o momento é outro. Tenho certeza que a vontade do presidente Lula era dar continuidade a este trabalho. Vai ter que dar continuidade de outra maneira, porque a política impõe. A política é feita de avanços em maior ou menos velocidade, mas sempre buscando avançar.

Como a senhora avalia o trabalho feito nestes nove meses? Que iniciativas te deram mais orgulho, qual foi a sua marca no ministério?

A marca foi trazer a dimensão do esporte para todos, buscar caminhos para ampliar o esporte para além do alto rendimento, que trabalha com menos de 5% da população. A marca foi trazer o conceito de que esporte e atividade física têm que ser amplos, democráticos, intersetoriais, e também buscar meios de alcançar escala e chegar aos municípios. Foi uma prioridade. Houve a inserção da mulher dentro do futebol feminino, com visibilidade. Fizemos a Bolsa Atleta para gestantes. Colocamos percentual de participação de mulheres em projetos financiados pelo ministério. Em poucos meses, conseguimos muito.

Se fosse dar nota de 0 a 10 para sua gestão, qual daria?

Não vou dar 10, porque eu não sou 10. Mas com certeza um 8 alto ou 9.

No programa de governo de Lula, consta a necessidade de “democratização e descentralização do acesso ao esporte”. Isso é compatível com trocar o ministério por governabilidade?

A articulação política não é desejo, é o que é dado. Claro, tem um desejo de mundo ideal. Especialmente eu tenho a característica de buscar a utopia, com resiliência e com firmeza. Esse é o mundo que estamos, e vamos buscar construir mais. Olhando de fora e com perspectiva de minha posição de mulher, tenho a impressão que, quanto mais mulheres estiverem participando de momentos de decisão, dessas altas rodas de decisões políticas, mais equilibradas essas decisões serão. Falta mais participação de mulheres nesses momentos de decisão. Não é só ocupar os espaços, é estar nos momentos decisórios. Isso pode ser um avanço para a situação atual que vivemos. E não é algo fácil de ser alcançado, e com certeza é a intenção deste governo. Mas o caminho é esse: buscar equilíbrio, ampliação de valores e de maneiras de fazer política.

A senhora se arrepende de ter apoiado o presidente Lula na campanha?

Claro que não. Imagina. Pelo amor de Deus. Isso não existe.

A sra. pensa em entrar para a política eleitoral?

Foi anunciada a minha saída do ministério anteontem. Não tem decisão de nada de futuro. Por enquanto, estamos fechando esse processo. Depois, vou pensar.

Entrevista por André Shalders
Eduardo Gayer

Repórter da Coluna do Estadão em Brasília. É formado em Jornalismo pela PUC-SP e em História pela USP. Tem extensão em jornalismo econômico pela FGV. No Grupo Estado desde 2018, já cobriu política, mercado financeiro e cultura. Foi enviado especial à guerra da Ucrânia e fóruns multilaterais no exterior, como G-7, G-20, CELAC e Mercosul.

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