Em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão, no exercício da Presidência, baixou o decreto nº 9.690/2019 que altera o regulamento da famosa Lei de Acesso a Informação (LAI). O ponto central do decreto que nesta quarta-feira, 6, foi aplicado pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), general Augusto Heleno, é a delegação de competências para que servidores de escalões menores possam declarar informações detidas pelos órgãos da União como ultrassecretas ou secretas.
Antes, na redação original do decreto nº 7.724/2012, essa competência era exclusiva e indelegável, no caso da classificação como ultrassecreto, por exemplo, do Presidente da República, do vice-presidente da República, dos ministros de Estado; comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica e de chefes de missões diplomáticas e consulares permanentes no exterior. A delegação de competência é um expediente comum na estrutura administrativa brasileira. Sempre que a lei não a proibir será permitida, pois é uma forma de simplificação do exercício das funções públicas.
O decreto de janeiro e a portaria divulgada nesta quarta são mais importantes pelo que não dizem e pelas dúvidas que geram do que pelo que efetivamente estabelecem. Dizem indiretamente que o Presidente da República e seus ministros não querem assumir a responsabilidade pela classificação de documentos. Por quê? Por que o trabalho seria agora mais volumoso? Ou por que seria polêmica a classificação de certas informações como ultrassecretas ou secretas? Há algo mal explicado nessa atitude.
Essas dúvidas ficam mais importantes na medida em que se combinem as normas agora publicadas com as declarações do candidato Bolsonaro, em campanha, o qual insistiu o tempo todo em uma agenda autoritária e de questionamento das instituições democráticas.
A LAI é um dos instrumentos importantes para a garantia da transparência, que, por sua vez, é um dos requisitos importantes para a concretização da democracia. O Brasil demorou muito tempo para ter uma lei do tipo, que veio à luz mais de quarenta anos depois do Foia (lei norte-americana de acesso à informação). Seria um enorme retrocesso, uma volta no tempo nessa matéria, fato que seguramente afetaria a agenda econômica do governo Bolsonaro, envenenando com a insegurança institucional o ambiente de negócios.
O fato é que o decreto, editado sob o pretexto de simplesmente reorganizar o serviço, pode estar declarando, indiretamente, que há mais informações sendo classificadas como secretas ou ultrassecretas, o que importaria em um aumento da opacidade governamental, além de revelar, também de forma sutil, um aumento do poder dos setores de inteligência e espionagem no governo brasileiro.
Por quê? Essa é a pergunta que deve ser feita ao governo, que deve nos explicar com clareza a razão pela qual o presidente e seus ministros não quererem mais assumir a responsabilidade de diretamente classificar as informações detidas pelo Estado Brasileiro.
*PROFESSOR DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE DIREITO DO ESTADO DA USP