Delação premiada: veja como funciona o instrumento usado na investigação do assassinato de Marielle


Acordo de colaboração premiada foi regulamentado em 2013, com a sanção do governo de Dilma Rousseff; instituto ganhou popularidade na Operação Lava Jato

Por Isabella Alonso Panho e Daniel Haidar

A delação premiada do ex-policial militar Élcio de Queiroz possibilitou que as autoridades terminassem de esclarecer a dinâmica do assassinato da vereadora Marielle Franco. As investigações agora rumam à descoberta do mandante e da motivação do crime. O acordo de colaboração premiada – nome formal da delação – é um meio de obtenção de provas que está no cotidiano de quem atua no direito penal há muito tempo, mas foi regulamentado em 2013 pela Lei de Organizações Criminosas, sancionada no governo de Dilma Rousseff (PT). Por meio de uma nova lei de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro (PL), o instrumento ganhou contornos e regras mais nítidos.

Elcio de Queiroz, um dos acusados de participar do assassinato da vereadora Marielle Franco, fez um acordo de colaboração premiada com a Justiça no dia 14 de junho Foto: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro/ Reprodução

O que é delação premiada?

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Uma forma simplificada de entender o que é uma delação é vê-la como uma espécie de “acordo” que um suspeito ou acusado faz com o Ministério Público. Ele relata ao promotor de Justiça informações relevantes para esclarecer um crime, confessa o que fez e, em troca, pode ter sua punição abrandada.

O acordo pode ser feito por qualquer pessoa que esteja respondendo a um inquérito ou processo criminal e cabe em qualquer fase das apurações. A defesa do acusado é quem deve procurar o Ministério Público para oferecer informações relevantes para uma delação.

A Polícia Federal também pode fechar acordos de delação, mesmo sem a anuência do MP. Como isso não está claro na lei, havia discordância nas interpretações dos juízes, até que, em junho de 2018, o Supremo decidiu que a PF pode também conduzir acordos de colaboração premiada.

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Quem aceita o acordo?

O acordo feito entre MP ou PF e acusado passa pelo crivo do juiz da causa, que pode aceitar o acordo na íntegra, em partes ou rejeitá-lo.

De acordo com a Lei de Organizações Criminosas, o juiz pode beneficiar o delator com a redução da pena de prisão em até 2/3, trocá-la por uma pena restritiva de direitos ou conceder o perdão judicial. No entanto, o tamanho da benesse depende da eficácia da delação. Ela precisa auxiliar as investigações a encontrarem outros autores do crime, comprovar outros delitos, ajudar a reduzir os danos provocados ou localizar vítimas. Sem isso, o juiz pode rejeitar a delação.

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O texto da colaboração já sugere a benesse que pode ser dada ao acusado, mas a palavra final é do juiz. Por isso, duas questões são importantes: que o magistrado não participe da elaboração desse acordo e que confirme o que for dito pelo beneficiado com outras provas da investigação.

Como é usado no Brasil?

A Operação Lava Jato consagrou o uso da delação premiada no processo penal brasileiro. O acordo de colaboração premiada feito pelo doleiro Alberto Youssef, em 2014, revelou como funcionava o esquema de corrupção dentro da Petrobras, dando nome a políticos, agentes públicos e empresários que operavam a organização criminosa. Nestor Cerveró, ex-presidente da companhia; Marcelo Odebrecht, então presidente da construtora que leva o sobrenome da família e Antonio Palocci, ex-ministro de Lula são alguns dos que fizeram delações para atenuar punições.

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A delação de Palocci foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O acordo foi anulado porque a Polícia Federal desmentiu as provas apresentadas pelo ex-ministro. Ele, então, perdeu o benefício do acordo de colaboração.

O acordo de delação premiada do doleiro Alberto Youssef foi uma "virada de chave" nas investigações da Lava Jato Foto: Vagner Rosario/Futura Press

Justamente por causa desse histórico, o PT já foi bastante crítico aos acordos de delação. Em maio de 2018, durante um fórum, Dilma disse ter se arrependido de ter sancionado a Lei de Organizações Criminosas em 2013. “Infelizmente, eu assinei a lei que criou a delação premiada. Por que infelizmente? Porque ela foi assinada genericamente, sem tipificação exaustiva. E a vida mostrou que sem tipificação exaustiva, ela poderia virar uma arma de arbítrio, de absoluta exceção”, disse a ex-presidente na época.

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O uso da ferramenta para esclarecer o assassinato de Marielle Franco, uma bandeira do governo petista, foi alvo de indignação por parte de lavajatistas. Deltan Dallagnol, ex-procurador e chefe da força-tarefa, disse: “Delação agora é maravilhosa? A esquerda, os garantistas de ocasião e os prerrogativistas todos festejarão o que até ontem eles criticavam na Lava Jato”.

Quais são as principais críticas à delação?

Uma das maiores críticas ao acordo de delação premiada está na linha tênue que pode ficar entre promotor e magistrado. Como explica Alexis de Couto Brito, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Processo Penal pela Universidade de São Paulo, um dos problemas dessa ferramenta é “como é aproveitada ou o privilégio que se dá ao delator”. “Delação não é prova, é meio de obtenção de prova. A partir dela, a polícia ou o MP devem confirmar o que foi dito, através de outras provas”, disse.

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Essa confusão entre os papéis de cada ator no cenário de uma investigação poderia ser resolvida, segundo o professor e procurador regional da República Bruno Calabrich, com a consolidação da jurisprudência dos tribunais sobre o assunto. “Por se tratar de um instituto não plenamente consolidado no sistema brasileiro, são corriqueiros os questionamentos, especialmente por pessoas que se julgam prejudicadas por colaborações feitas por terceiros. Cabe aos tribunais consolidar como as regras previstas na lei devem ser interpretadas, deixando claro qual deve ser o papel do MP e do juiz nesses acordos.”

Outra questão levantada por Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e doutor em processo penal pela USP, é que “o acusado está pensando na própria pele dele”. “Se ele achar quem compre a sua versão, ele ‘está feito’. A delação é um instituto problemático. Demora-se muito tempo para saber se o delator estava mentindo ou não”, avaliou.

Sobre a delação de Queiroz no caso de Marielle Franco, considerando as informações publicadas sobre o assunto e falando em tese, Vieira vê o uso do instrumento com ressalvas. “Estamos vendo um acúmulo de delações sob uma tentativa de que a opinião pública entenda que, com isso, um crime tão bárbaro foi esclarecido. O processo penal que vive exclusivamente de delatores que ficam um contra o outro deixa de lado a confiabilidade.”

Ferramenta está em declínio?

Passada a Lava Jato, a delação tem se tornado uma ferramenta em declínio, segundo o procurador Bruno Calabrich. “Esse quadro tem bastante relação com o fim da prisão após condenação em segunda instância”, explicou. Essa mudança no entendimento da jurisprudência dos tribunais do País fez com que voltasse a valer, para todos os processos criminais, a regra de que um condenado só começa a cumprir sua pena com o fim de todos os recursos e instâncias possíveis.

Nesse cenário, o cálculo feito por defensores é de que seria mais viável evitar uma prisão por meio dos recursos processuais habituais do que por um acordo de colaboração premiada. Por isso, “tem sido cada vez menos interessante, para essas pessoas (acusados), firmar um acordo de colaboração”, avaliou o procurador.

A delação premiada do ex-policial militar Élcio de Queiroz possibilitou que as autoridades terminassem de esclarecer a dinâmica do assassinato da vereadora Marielle Franco. As investigações agora rumam à descoberta do mandante e da motivação do crime. O acordo de colaboração premiada – nome formal da delação – é um meio de obtenção de provas que está no cotidiano de quem atua no direito penal há muito tempo, mas foi regulamentado em 2013 pela Lei de Organizações Criminosas, sancionada no governo de Dilma Rousseff (PT). Por meio de uma nova lei de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro (PL), o instrumento ganhou contornos e regras mais nítidos.

Elcio de Queiroz, um dos acusados de participar do assassinato da vereadora Marielle Franco, fez um acordo de colaboração premiada com a Justiça no dia 14 de junho Foto: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro/ Reprodução

O que é delação premiada?

Uma forma simplificada de entender o que é uma delação é vê-la como uma espécie de “acordo” que um suspeito ou acusado faz com o Ministério Público. Ele relata ao promotor de Justiça informações relevantes para esclarecer um crime, confessa o que fez e, em troca, pode ter sua punição abrandada.

O acordo pode ser feito por qualquer pessoa que esteja respondendo a um inquérito ou processo criminal e cabe em qualquer fase das apurações. A defesa do acusado é quem deve procurar o Ministério Público para oferecer informações relevantes para uma delação.

A Polícia Federal também pode fechar acordos de delação, mesmo sem a anuência do MP. Como isso não está claro na lei, havia discordância nas interpretações dos juízes, até que, em junho de 2018, o Supremo decidiu que a PF pode também conduzir acordos de colaboração premiada.

Quem aceita o acordo?

O acordo feito entre MP ou PF e acusado passa pelo crivo do juiz da causa, que pode aceitar o acordo na íntegra, em partes ou rejeitá-lo.

De acordo com a Lei de Organizações Criminosas, o juiz pode beneficiar o delator com a redução da pena de prisão em até 2/3, trocá-la por uma pena restritiva de direitos ou conceder o perdão judicial. No entanto, o tamanho da benesse depende da eficácia da delação. Ela precisa auxiliar as investigações a encontrarem outros autores do crime, comprovar outros delitos, ajudar a reduzir os danos provocados ou localizar vítimas. Sem isso, o juiz pode rejeitar a delação.

O texto da colaboração já sugere a benesse que pode ser dada ao acusado, mas a palavra final é do juiz. Por isso, duas questões são importantes: que o magistrado não participe da elaboração desse acordo e que confirme o que for dito pelo beneficiado com outras provas da investigação.

Como é usado no Brasil?

A Operação Lava Jato consagrou o uso da delação premiada no processo penal brasileiro. O acordo de colaboração premiada feito pelo doleiro Alberto Youssef, em 2014, revelou como funcionava o esquema de corrupção dentro da Petrobras, dando nome a políticos, agentes públicos e empresários que operavam a organização criminosa. Nestor Cerveró, ex-presidente da companhia; Marcelo Odebrecht, então presidente da construtora que leva o sobrenome da família e Antonio Palocci, ex-ministro de Lula são alguns dos que fizeram delações para atenuar punições.

A delação de Palocci foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O acordo foi anulado porque a Polícia Federal desmentiu as provas apresentadas pelo ex-ministro. Ele, então, perdeu o benefício do acordo de colaboração.

O acordo de delação premiada do doleiro Alberto Youssef foi uma "virada de chave" nas investigações da Lava Jato Foto: Vagner Rosario/Futura Press

Justamente por causa desse histórico, o PT já foi bastante crítico aos acordos de delação. Em maio de 2018, durante um fórum, Dilma disse ter se arrependido de ter sancionado a Lei de Organizações Criminosas em 2013. “Infelizmente, eu assinei a lei que criou a delação premiada. Por que infelizmente? Porque ela foi assinada genericamente, sem tipificação exaustiva. E a vida mostrou que sem tipificação exaustiva, ela poderia virar uma arma de arbítrio, de absoluta exceção”, disse a ex-presidente na época.

O uso da ferramenta para esclarecer o assassinato de Marielle Franco, uma bandeira do governo petista, foi alvo de indignação por parte de lavajatistas. Deltan Dallagnol, ex-procurador e chefe da força-tarefa, disse: “Delação agora é maravilhosa? A esquerda, os garantistas de ocasião e os prerrogativistas todos festejarão o que até ontem eles criticavam na Lava Jato”.

Quais são as principais críticas à delação?

Uma das maiores críticas ao acordo de delação premiada está na linha tênue que pode ficar entre promotor e magistrado. Como explica Alexis de Couto Brito, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Processo Penal pela Universidade de São Paulo, um dos problemas dessa ferramenta é “como é aproveitada ou o privilégio que se dá ao delator”. “Delação não é prova, é meio de obtenção de prova. A partir dela, a polícia ou o MP devem confirmar o que foi dito, através de outras provas”, disse.

Essa confusão entre os papéis de cada ator no cenário de uma investigação poderia ser resolvida, segundo o professor e procurador regional da República Bruno Calabrich, com a consolidação da jurisprudência dos tribunais sobre o assunto. “Por se tratar de um instituto não plenamente consolidado no sistema brasileiro, são corriqueiros os questionamentos, especialmente por pessoas que se julgam prejudicadas por colaborações feitas por terceiros. Cabe aos tribunais consolidar como as regras previstas na lei devem ser interpretadas, deixando claro qual deve ser o papel do MP e do juiz nesses acordos.”

Outra questão levantada por Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e doutor em processo penal pela USP, é que “o acusado está pensando na própria pele dele”. “Se ele achar quem compre a sua versão, ele ‘está feito’. A delação é um instituto problemático. Demora-se muito tempo para saber se o delator estava mentindo ou não”, avaliou.

Sobre a delação de Queiroz no caso de Marielle Franco, considerando as informações publicadas sobre o assunto e falando em tese, Vieira vê o uso do instrumento com ressalvas. “Estamos vendo um acúmulo de delações sob uma tentativa de que a opinião pública entenda que, com isso, um crime tão bárbaro foi esclarecido. O processo penal que vive exclusivamente de delatores que ficam um contra o outro deixa de lado a confiabilidade.”

Ferramenta está em declínio?

Passada a Lava Jato, a delação tem se tornado uma ferramenta em declínio, segundo o procurador Bruno Calabrich. “Esse quadro tem bastante relação com o fim da prisão após condenação em segunda instância”, explicou. Essa mudança no entendimento da jurisprudência dos tribunais do País fez com que voltasse a valer, para todos os processos criminais, a regra de que um condenado só começa a cumprir sua pena com o fim de todos os recursos e instâncias possíveis.

Nesse cenário, o cálculo feito por defensores é de que seria mais viável evitar uma prisão por meio dos recursos processuais habituais do que por um acordo de colaboração premiada. Por isso, “tem sido cada vez menos interessante, para essas pessoas (acusados), firmar um acordo de colaboração”, avaliou o procurador.

A delação premiada do ex-policial militar Élcio de Queiroz possibilitou que as autoridades terminassem de esclarecer a dinâmica do assassinato da vereadora Marielle Franco. As investigações agora rumam à descoberta do mandante e da motivação do crime. O acordo de colaboração premiada – nome formal da delação – é um meio de obtenção de provas que está no cotidiano de quem atua no direito penal há muito tempo, mas foi regulamentado em 2013 pela Lei de Organizações Criminosas, sancionada no governo de Dilma Rousseff (PT). Por meio de uma nova lei de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro (PL), o instrumento ganhou contornos e regras mais nítidos.

Elcio de Queiroz, um dos acusados de participar do assassinato da vereadora Marielle Franco, fez um acordo de colaboração premiada com a Justiça no dia 14 de junho Foto: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro/ Reprodução

O que é delação premiada?

Uma forma simplificada de entender o que é uma delação é vê-la como uma espécie de “acordo” que um suspeito ou acusado faz com o Ministério Público. Ele relata ao promotor de Justiça informações relevantes para esclarecer um crime, confessa o que fez e, em troca, pode ter sua punição abrandada.

O acordo pode ser feito por qualquer pessoa que esteja respondendo a um inquérito ou processo criminal e cabe em qualquer fase das apurações. A defesa do acusado é quem deve procurar o Ministério Público para oferecer informações relevantes para uma delação.

A Polícia Federal também pode fechar acordos de delação, mesmo sem a anuência do MP. Como isso não está claro na lei, havia discordância nas interpretações dos juízes, até que, em junho de 2018, o Supremo decidiu que a PF pode também conduzir acordos de colaboração premiada.

Quem aceita o acordo?

O acordo feito entre MP ou PF e acusado passa pelo crivo do juiz da causa, que pode aceitar o acordo na íntegra, em partes ou rejeitá-lo.

De acordo com a Lei de Organizações Criminosas, o juiz pode beneficiar o delator com a redução da pena de prisão em até 2/3, trocá-la por uma pena restritiva de direitos ou conceder o perdão judicial. No entanto, o tamanho da benesse depende da eficácia da delação. Ela precisa auxiliar as investigações a encontrarem outros autores do crime, comprovar outros delitos, ajudar a reduzir os danos provocados ou localizar vítimas. Sem isso, o juiz pode rejeitar a delação.

O texto da colaboração já sugere a benesse que pode ser dada ao acusado, mas a palavra final é do juiz. Por isso, duas questões são importantes: que o magistrado não participe da elaboração desse acordo e que confirme o que for dito pelo beneficiado com outras provas da investigação.

Como é usado no Brasil?

A Operação Lava Jato consagrou o uso da delação premiada no processo penal brasileiro. O acordo de colaboração premiada feito pelo doleiro Alberto Youssef, em 2014, revelou como funcionava o esquema de corrupção dentro da Petrobras, dando nome a políticos, agentes públicos e empresários que operavam a organização criminosa. Nestor Cerveró, ex-presidente da companhia; Marcelo Odebrecht, então presidente da construtora que leva o sobrenome da família e Antonio Palocci, ex-ministro de Lula são alguns dos que fizeram delações para atenuar punições.

A delação de Palocci foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O acordo foi anulado porque a Polícia Federal desmentiu as provas apresentadas pelo ex-ministro. Ele, então, perdeu o benefício do acordo de colaboração.

O acordo de delação premiada do doleiro Alberto Youssef foi uma "virada de chave" nas investigações da Lava Jato Foto: Vagner Rosario/Futura Press

Justamente por causa desse histórico, o PT já foi bastante crítico aos acordos de delação. Em maio de 2018, durante um fórum, Dilma disse ter se arrependido de ter sancionado a Lei de Organizações Criminosas em 2013. “Infelizmente, eu assinei a lei que criou a delação premiada. Por que infelizmente? Porque ela foi assinada genericamente, sem tipificação exaustiva. E a vida mostrou que sem tipificação exaustiva, ela poderia virar uma arma de arbítrio, de absoluta exceção”, disse a ex-presidente na época.

O uso da ferramenta para esclarecer o assassinato de Marielle Franco, uma bandeira do governo petista, foi alvo de indignação por parte de lavajatistas. Deltan Dallagnol, ex-procurador e chefe da força-tarefa, disse: “Delação agora é maravilhosa? A esquerda, os garantistas de ocasião e os prerrogativistas todos festejarão o que até ontem eles criticavam na Lava Jato”.

Quais são as principais críticas à delação?

Uma das maiores críticas ao acordo de delação premiada está na linha tênue que pode ficar entre promotor e magistrado. Como explica Alexis de Couto Brito, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em Processo Penal pela Universidade de São Paulo, um dos problemas dessa ferramenta é “como é aproveitada ou o privilégio que se dá ao delator”. “Delação não é prova, é meio de obtenção de prova. A partir dela, a polícia ou o MP devem confirmar o que foi dito, através de outras provas”, disse.

Essa confusão entre os papéis de cada ator no cenário de uma investigação poderia ser resolvida, segundo o professor e procurador regional da República Bruno Calabrich, com a consolidação da jurisprudência dos tribunais sobre o assunto. “Por se tratar de um instituto não plenamente consolidado no sistema brasileiro, são corriqueiros os questionamentos, especialmente por pessoas que se julgam prejudicadas por colaborações feitas por terceiros. Cabe aos tribunais consolidar como as regras previstas na lei devem ser interpretadas, deixando claro qual deve ser o papel do MP e do juiz nesses acordos.”

Outra questão levantada por Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e doutor em processo penal pela USP, é que “o acusado está pensando na própria pele dele”. “Se ele achar quem compre a sua versão, ele ‘está feito’. A delação é um instituto problemático. Demora-se muito tempo para saber se o delator estava mentindo ou não”, avaliou.

Sobre a delação de Queiroz no caso de Marielle Franco, considerando as informações publicadas sobre o assunto e falando em tese, Vieira vê o uso do instrumento com ressalvas. “Estamos vendo um acúmulo de delações sob uma tentativa de que a opinião pública entenda que, com isso, um crime tão bárbaro foi esclarecido. O processo penal que vive exclusivamente de delatores que ficam um contra o outro deixa de lado a confiabilidade.”

Ferramenta está em declínio?

Passada a Lava Jato, a delação tem se tornado uma ferramenta em declínio, segundo o procurador Bruno Calabrich. “Esse quadro tem bastante relação com o fim da prisão após condenação em segunda instância”, explicou. Essa mudança no entendimento da jurisprudência dos tribunais do País fez com que voltasse a valer, para todos os processos criminais, a regra de que um condenado só começa a cumprir sua pena com o fim de todos os recursos e instâncias possíveis.

Nesse cenário, o cálculo feito por defensores é de que seria mais viável evitar uma prisão por meio dos recursos processuais habituais do que por um acordo de colaboração premiada. Por isso, “tem sido cada vez menos interessante, para essas pessoas (acusados), firmar um acordo de colaboração”, avaliou o procurador.

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