Na mira da Polícia Federal sob suspeita de manter uma mulher em situação análoga à escravidão por ao menos 20 anos, o desembargador Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, recebeu somente entre janeiro de 2022 e maio deste ano R$ 271 mil em benefícios da magistratura, os chamados penduricalhos. São valores que não compõem o salário mensal dos juízes e podem ser pagos acima do limite de R$ 41,6 mil, equivalente aos vencimentos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Borba recebe de subsídio R$ 37,5 mil por mês, como revelou o Blog do Fausto Macedo. Na média, o desembargador obteve um rendimento mensal líquido de R$ 51 mil no período. No total, ele recebeu R$ 878 mil entre subsídios e penduricalhos.
Somente em novembro de 2022, Borba recebeu R$ 90 mil líquidos. Naquele mês, além do subsídio mensal, ele ganhou R$ 9,9 mil em abono permanência, benefício a magistrados que tenham alcançado o tempo de serviço para se aposentar, mas que continuaram na carreira. Em licença compensatória, uma folga que pode ser convertida em pagamento para quem faz plantões judiciários, ele recebeu mais R$ 15 mil no mesmo mês. Outras gratificações e indenizações, como auxílio-refeição, compuseram a remuneração.
O desembargador foi alvo de mandados de busca e apreensão no dia 6 de junho em uma operação da PF. Na ocasião, foi resgatada de sua casa Sônia Maria de Jesus, de 49 anos de idade. Ela vivia com a família do magistrado desde os 13. É surda e não pôde nem sequer aprender linguagem de sinais. Em depoimentos revelados pelo Fantástico, da TV Globo, testemunhas ouvidas pela PF afirmaram que ela era submetida a longas jornadas de trabalho doméstico em condições degradantes.
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Borba foi indicado ao TJ-SC em uma vaga do quinto constitucional, por indicação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade é responsável por votar uma lista sêxtupla para o cargo. Em uma nova eleição, os desembargadores elegem os três mais votados entre os seis da lista da entidade. Fica a cargo do governador do Estado nomear um destes nomes. Ele está há 15 anos na Corte.
Desembargador nega acusação de trabalho escravo
Em sua defesa, o magistrado nega a acusação de trabalho escravo e afirma que a denúncia anônima que deu início às investigações “não condiz com a verdade”. Também afirma que vai “colaborar com a Justiça”.
O desembargador, em nota, afirma que vai entrar com um pedido de filiação de Sônia, instrumento jurídico usado para reconhecer relação familiar usualmente submetido à Justiça. No caso de reconhecimento, ela poderia ser, inclusive, herdeira de Borba.
A nota também é assinada pela mulher e pelos quatro filhos do magistrado. Eles afirmam que “jamais praticaram ou tolerariam que fosse praticada tal conduta deletéria, ainda mais contra quem sempre trataram como membro da família”.
O caso foi conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF). De acordo com a Procuradoria, a ofensiva foi aberta após apurações do Ministério Público do Trabalho (MPT) colherem indícios sobre o crime de redução a trabalho análogo ao de escravo. O MPT ouviu uma série de testemunhas no caso, as quais relataram “trabalho forçado, jornadas exaustivas e condições degradantes”.
Segundo as investigações, Sônia era responsável por diferentes tarefas domésticas, sem ter registro em carteira de trabalho e sem receber salário ou direitos trabalhistas. Além disso, ela seria vítima de maus tratos “em decorrência das condições materiais em que vivia e em virtude da negativa dos investigados em prestar-lhe assistência à saúde”.
Ao autorizar a operação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda permitiu o resgate da trabalhadora e a emissão das guias para a quitação das verbas trabalhistas devidas. Como desembargador, Borba tem foro privilegiado e o caso é conduzido pelo STJ, com sede em Brasília.