Mulheres seguem sub-representadas na política nacional mesmo com melhoras nos números


Mulheres são 51,1% da população brasileira, mas proporção não se repete na Câmara, no Senado ou na Esplanada dos Ministérios; cientista política aponta falta de incentivo

Por Natália Santos e Ana Luiza Antunes
Atualização:

Apesar de avanços significativos nos últimos anos, o retrato da mulher no ambiente político nacional ainda é de busca por mais representatividade nos espaços de poder. As mulheres são 51,1% da população brasileira, mas, na política, os números são muito inferiores.

Nas últimas eleições, o País consolidou um número recorde de mulheres no Senado, somando 15 parlamentares, mas ainda longe da metade do total de 81 cadeiras. Na Câmara, as deputadas representam apenas 18% das 513 vagas, mesmo com o aumento de 41% nas candidaturas nas eleições de 2018 para 2022.

O movimento ocorre após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reafirmar no ano passado que o porcentual mínimo de 30% de candidaturas femininas nas eleições proporcionais deveria ser cumprido de modo independente por cada agremiação de uma mesma federação partidária.

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Atualmente, governo tem 11 mulheres no primeiro escalão. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente tem participação feminina recorde na Esplanada dos Ministérios, se considerado todo o período pós-redemocratização, ou seja, desde 1985. São 11 mulheres no primeiro escalão do governo de um total de 37 ministros. O número supera o recorde anterior de Dilma Rousseff (PT), que assumiu a Presidência em 2011 com nove ministras.

Nos Estados e no Distrito Federal, o País tem apenas três governadoras: Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte; Raquel Lyra (PSDB), em Pernambuco; e Celina Leão (PP), que assumiu interinamente o governo do Distrito Federal após o afastamento de Ibaneis Rocha (MDB).

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Para a cientista política e diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Mônica Sodré, a falta de incentivo, desde a infância, contribui para o atual quadro, no qual as mulheres são minoria na política. “As mulheres não são historicamente estimuladas a irem para a política e para os espaços de tomadas de decisão. A escola não é um ambiente que se ensina isso e nas famílias, em geral, isso também não está necessariamente colocado”, afirma.

O funcionamento dos partidos políticos também é visto como um ponto negativo do processo. “(Os partidos) têm uma feição ainda patrimonialista, patriarcal e com dificuldade de acesso das mulheres às esferas internas de poder”, aponta a procuradora regional da República e coordenadora do Grupo de Trabalho Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho. Segundo ela, a forma de aplicação da cota ainda fica concentrada nas mãos de pequenos grupos.

Ações na prática

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A Bancada Feminina no Senado, por exemplo, propôs há um mês, o desarquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna obrigatória a eleição de ao menos uma mulher para as mesas do Congresso. Para voltar a tramitar no Senado, entretanto, a PEC precisa do apoio de um terço dos parlamentares até o dia 2 de abril.

Atualmente, nenhuma mulher irá compor a Mesa Diretora no Senado nos próximos dois anos. Na Câmara dos Deputados, a única mulher será a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que ocupa o cargo de segunda secretária. Os membros da Mesa integram a Comissão Diretora e são responsáveis pela direção, organização e condução das Casas Legislativas, além de produzir a redação final de todas as proposições apresentadas e discutidas pelos parlamentares.

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Magistratura

De iniciativa das senadoras Soraya Thronicke (União Brasil-MS) e Eliziane Gama (Cidadania-MA), a PEC de junho de 2022 pretende promulgar maior equidade de gênero na composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais de Justiça nos Estados e do Distrito Federal. Se for para frente, uma em cada duas vagas das listas sêxtuplas de indicações aos tribunais serão dedicadas às mulheres.

O governo Lula propõe o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça, previsto para o dia 14 março. A data é referente ao aniversário do assassinato da vereadora no Rio. Além disso, é um adicional à lei já existente contra violência política de gênero, em vigor desde agosto de 2021.

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A advogada e professora de Direito Penal da USP, Ana Elisa Bechara, enfatiza, entretanto, que a lei sozinha tem uma eficácia menor se a sociedade não mudar a forma de agir. “Embora (a lei) seja super importante por conceituar o que é a violência política de gênero, (os casos) não vão diminuir se o ambiente continuar sendo machista. Inclusive no âmbito judicial”, disse.

Partidos políticos devem auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política, diz Mônica Sodré.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Confira entrevista com Mônica Sodré

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Quais os motivos para uma baixa representatividade feminina na política brasileira?

As primeiras razões para esse cenário são culturais. Vivemos em um País patriarca. O segundo elemento pode ser considerado de incentivos em geral às mulheres. Elas não são historicamente estimuladas a irem para a política e para os espaços de tomadas de decisão. A escola não é um ambiente que se ensina isso e nas famílias, em geral, isso também não está necessariamente colocado. Um terceiro elemento são as intenções ou os estímulos institucionais. Quando olhamos para esse cenário de poucas mulheres na Câmara dos Deputados, por exemplo, isso, em geral, não transmite a percepção de que aquele é um lugar que as mulheres devem ocupar, portanto, em especial, os partidos políticos têm que abraçar essa causa. Eles têm que treinar mulheres, garantir financiamento para campanhas femininas e também garantir condições de que as mulheres permaneçam na política.

Quais são os focos para ampliar a participação feminina?

Eu começaria com a importância da educação política. Não é algo que a gente vê, por exemplo, nas escolas e que eu, pessoalmente, defendo muito. Passamos uma vida estudando assuntos dos mais diversos, mas em geral saímos da escola sem saber a função de um deputado ou de um senador, o que é um sistema majoritário… Então, educação política da população, em especial de crianças e adolescentes, é uma pauta muito transformadora a médio e a longo prazo.

A segunda coisa, que pode ser feita de maneira bem objetiva, é fazer cumprir a lei. Temos pouca fiscalização sobre isso e é comum que acabemos anistiando os partidos políticos de tempos em tempos por não cumprirem as regras que a justiça determina. O mais importante do ponto de vista incremental, sem grandes revoluções, é fazer cumprir a lei e garantir que parte dos partidos políticos destinem adequadamente os recursos que são obrigados por lei à candidatura de grupos minorizados e que esse recurso possa chegar em tempo. Afinal, não adianta esse recurso chegar depois dos 45 dias de campanha, por exemplo.

Qual o papel dos partidos políticos na ampliação da presença feminina na política?

As direções dos partidos podem garantir uma co-direção nesses espaços para que possam ser dirigidas de maneira compartilhada por um homem e por uma mulher e terem critérios mais claros sobre alocação de recursos para campanhas, que fique claro por que que João tem 10% dos recursos e Maria tem 3%. Esses critérios não são necessariamente objetivos e não são certamente transparentes, o que causa também insegurança e instabilidade para quem gostaria de concorrer.

É importante fazer com que esse recurso chegue na ponta, em especial nas mulheres, porque sabemos que é difícil para elas se candidatarem pelos aspectos culturais e institucionais e, portanto, elas concorrem em condições de desigualdade em relação aos homens.

Outro ponto é que, em geral, os partidos fazem contas para sua sobrevivência para conseguirem eleger pessoas e o recurso acaba sendo direcionado para aquelas candidaturas que são tidas como mais viáveis. Em geral, essa percepção é tida por um cálculo sobre viabilidade eleitoral que está atrelada a alguma expressão política social que essa pessoa tem ou o fato dela já ter concorrido em eleições anteriores. Levando em consideração que, em geral, as mulheres são desestimuladas a concorrer, é comum que elas sejam consideradas inviáveis eleitoralmente e, por isso, acabam tendo menos recursos.

É importante que os partidos políticos tenham condições de auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política.

Após serem eleitas, as mulheres lidam com situações críticas diárias, como violência política. Como os partidos e as instituições políticas podem ajudar nessa situação?

É importante que os partidos políticos tenham condições de auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política. Nós sabemos que mulheres têm mais chances de serem agredidas por serem mulheres e estarem na política. Isso é dado e, em geral, essas mulheres estão sozinhas. O que percebemos na RAPS é que violência política de gênero, que é uma categoria muito recente ainda na percepção das pessoas em geral, se acha que isso é “mi mi mi”, que isso é uma questão de sensibilidade feminina e não se trata adequadamente esses episódios de violência.

Quando falamos de violência política de gênero, falamos de qualquer ação que aconteça para cercear, impedir e limitar o direito de expressão de mulheres, em especial, nos espaços de poder. Isso acontece com mulheres eleitas, com candidatas, com equipes, com assessoras.

Hoje, existe o crime de violência política de gênero desde 2021. Precisamos falar sobre ele, criar consciência sobre, garantir que haja punição aos agressores adequadamente e que nós tenhamos condições de amparar as mulheres quando esses episódios acontecem. Os partidos poderiam, por exemplo, ter uma uma porcentagem dos seus recursos destinados para esse tipo de ação, ajudando mulheres com auxílio psicológico e jurídico, com auxílio de comunicação quando esses episódios acontecerem.

Confira a íntegra da entrevista

Apesar de avanços significativos nos últimos anos, o retrato da mulher no ambiente político nacional ainda é de busca por mais representatividade nos espaços de poder. As mulheres são 51,1% da população brasileira, mas, na política, os números são muito inferiores.

Nas últimas eleições, o País consolidou um número recorde de mulheres no Senado, somando 15 parlamentares, mas ainda longe da metade do total de 81 cadeiras. Na Câmara, as deputadas representam apenas 18% das 513 vagas, mesmo com o aumento de 41% nas candidaturas nas eleições de 2018 para 2022.

O movimento ocorre após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reafirmar no ano passado que o porcentual mínimo de 30% de candidaturas femininas nas eleições proporcionais deveria ser cumprido de modo independente por cada agremiação de uma mesma federação partidária.

Atualmente, governo tem 11 mulheres no primeiro escalão. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente tem participação feminina recorde na Esplanada dos Ministérios, se considerado todo o período pós-redemocratização, ou seja, desde 1985. São 11 mulheres no primeiro escalão do governo de um total de 37 ministros. O número supera o recorde anterior de Dilma Rousseff (PT), que assumiu a Presidência em 2011 com nove ministras.

Nos Estados e no Distrito Federal, o País tem apenas três governadoras: Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte; Raquel Lyra (PSDB), em Pernambuco; e Celina Leão (PP), que assumiu interinamente o governo do Distrito Federal após o afastamento de Ibaneis Rocha (MDB).

Para a cientista política e diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Mônica Sodré, a falta de incentivo, desde a infância, contribui para o atual quadro, no qual as mulheres são minoria na política. “As mulheres não são historicamente estimuladas a irem para a política e para os espaços de tomadas de decisão. A escola não é um ambiente que se ensina isso e nas famílias, em geral, isso também não está necessariamente colocado”, afirma.

O funcionamento dos partidos políticos também é visto como um ponto negativo do processo. “(Os partidos) têm uma feição ainda patrimonialista, patriarcal e com dificuldade de acesso das mulheres às esferas internas de poder”, aponta a procuradora regional da República e coordenadora do Grupo de Trabalho Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho. Segundo ela, a forma de aplicação da cota ainda fica concentrada nas mãos de pequenos grupos.

Ações na prática

A Bancada Feminina no Senado, por exemplo, propôs há um mês, o desarquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna obrigatória a eleição de ao menos uma mulher para as mesas do Congresso. Para voltar a tramitar no Senado, entretanto, a PEC precisa do apoio de um terço dos parlamentares até o dia 2 de abril.

Atualmente, nenhuma mulher irá compor a Mesa Diretora no Senado nos próximos dois anos. Na Câmara dos Deputados, a única mulher será a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que ocupa o cargo de segunda secretária. Os membros da Mesa integram a Comissão Diretora e são responsáveis pela direção, organização e condução das Casas Legislativas, além de produzir a redação final de todas as proposições apresentadas e discutidas pelos parlamentares.

Magistratura

De iniciativa das senadoras Soraya Thronicke (União Brasil-MS) e Eliziane Gama (Cidadania-MA), a PEC de junho de 2022 pretende promulgar maior equidade de gênero na composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais de Justiça nos Estados e do Distrito Federal. Se for para frente, uma em cada duas vagas das listas sêxtuplas de indicações aos tribunais serão dedicadas às mulheres.

O governo Lula propõe o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça, previsto para o dia 14 março. A data é referente ao aniversário do assassinato da vereadora no Rio. Além disso, é um adicional à lei já existente contra violência política de gênero, em vigor desde agosto de 2021.

A advogada e professora de Direito Penal da USP, Ana Elisa Bechara, enfatiza, entretanto, que a lei sozinha tem uma eficácia menor se a sociedade não mudar a forma de agir. “Embora (a lei) seja super importante por conceituar o que é a violência política de gênero, (os casos) não vão diminuir se o ambiente continuar sendo machista. Inclusive no âmbito judicial”, disse.

Partidos políticos devem auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política, diz Mônica Sodré.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Confira entrevista com Mônica Sodré

Quais os motivos para uma baixa representatividade feminina na política brasileira?

As primeiras razões para esse cenário são culturais. Vivemos em um País patriarca. O segundo elemento pode ser considerado de incentivos em geral às mulheres. Elas não são historicamente estimuladas a irem para a política e para os espaços de tomadas de decisão. A escola não é um ambiente que se ensina isso e nas famílias, em geral, isso também não está necessariamente colocado. Um terceiro elemento são as intenções ou os estímulos institucionais. Quando olhamos para esse cenário de poucas mulheres na Câmara dos Deputados, por exemplo, isso, em geral, não transmite a percepção de que aquele é um lugar que as mulheres devem ocupar, portanto, em especial, os partidos políticos têm que abraçar essa causa. Eles têm que treinar mulheres, garantir financiamento para campanhas femininas e também garantir condições de que as mulheres permaneçam na política.

Quais são os focos para ampliar a participação feminina?

Eu começaria com a importância da educação política. Não é algo que a gente vê, por exemplo, nas escolas e que eu, pessoalmente, defendo muito. Passamos uma vida estudando assuntos dos mais diversos, mas em geral saímos da escola sem saber a função de um deputado ou de um senador, o que é um sistema majoritário… Então, educação política da população, em especial de crianças e adolescentes, é uma pauta muito transformadora a médio e a longo prazo.

A segunda coisa, que pode ser feita de maneira bem objetiva, é fazer cumprir a lei. Temos pouca fiscalização sobre isso e é comum que acabemos anistiando os partidos políticos de tempos em tempos por não cumprirem as regras que a justiça determina. O mais importante do ponto de vista incremental, sem grandes revoluções, é fazer cumprir a lei e garantir que parte dos partidos políticos destinem adequadamente os recursos que são obrigados por lei à candidatura de grupos minorizados e que esse recurso possa chegar em tempo. Afinal, não adianta esse recurso chegar depois dos 45 dias de campanha, por exemplo.

Qual o papel dos partidos políticos na ampliação da presença feminina na política?

As direções dos partidos podem garantir uma co-direção nesses espaços para que possam ser dirigidas de maneira compartilhada por um homem e por uma mulher e terem critérios mais claros sobre alocação de recursos para campanhas, que fique claro por que que João tem 10% dos recursos e Maria tem 3%. Esses critérios não são necessariamente objetivos e não são certamente transparentes, o que causa também insegurança e instabilidade para quem gostaria de concorrer.

É importante fazer com que esse recurso chegue na ponta, em especial nas mulheres, porque sabemos que é difícil para elas se candidatarem pelos aspectos culturais e institucionais e, portanto, elas concorrem em condições de desigualdade em relação aos homens.

Outro ponto é que, em geral, os partidos fazem contas para sua sobrevivência para conseguirem eleger pessoas e o recurso acaba sendo direcionado para aquelas candidaturas que são tidas como mais viáveis. Em geral, essa percepção é tida por um cálculo sobre viabilidade eleitoral que está atrelada a alguma expressão política social que essa pessoa tem ou o fato dela já ter concorrido em eleições anteriores. Levando em consideração que, em geral, as mulheres são desestimuladas a concorrer, é comum que elas sejam consideradas inviáveis eleitoralmente e, por isso, acabam tendo menos recursos.

É importante que os partidos políticos tenham condições de auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política.

Após serem eleitas, as mulheres lidam com situações críticas diárias, como violência política. Como os partidos e as instituições políticas podem ajudar nessa situação?

É importante que os partidos políticos tenham condições de auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política. Nós sabemos que mulheres têm mais chances de serem agredidas por serem mulheres e estarem na política. Isso é dado e, em geral, essas mulheres estão sozinhas. O que percebemos na RAPS é que violência política de gênero, que é uma categoria muito recente ainda na percepção das pessoas em geral, se acha que isso é “mi mi mi”, que isso é uma questão de sensibilidade feminina e não se trata adequadamente esses episódios de violência.

Quando falamos de violência política de gênero, falamos de qualquer ação que aconteça para cercear, impedir e limitar o direito de expressão de mulheres, em especial, nos espaços de poder. Isso acontece com mulheres eleitas, com candidatas, com equipes, com assessoras.

Hoje, existe o crime de violência política de gênero desde 2021. Precisamos falar sobre ele, criar consciência sobre, garantir que haja punição aos agressores adequadamente e que nós tenhamos condições de amparar as mulheres quando esses episódios acontecem. Os partidos poderiam, por exemplo, ter uma uma porcentagem dos seus recursos destinados para esse tipo de ação, ajudando mulheres com auxílio psicológico e jurídico, com auxílio de comunicação quando esses episódios acontecerem.

Confira a íntegra da entrevista

Apesar de avanços significativos nos últimos anos, o retrato da mulher no ambiente político nacional ainda é de busca por mais representatividade nos espaços de poder. As mulheres são 51,1% da população brasileira, mas, na política, os números são muito inferiores.

Nas últimas eleições, o País consolidou um número recorde de mulheres no Senado, somando 15 parlamentares, mas ainda longe da metade do total de 81 cadeiras. Na Câmara, as deputadas representam apenas 18% das 513 vagas, mesmo com o aumento de 41% nas candidaturas nas eleições de 2018 para 2022.

O movimento ocorre após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reafirmar no ano passado que o porcentual mínimo de 30% de candidaturas femininas nas eleições proporcionais deveria ser cumprido de modo independente por cada agremiação de uma mesma federação partidária.

Atualmente, governo tem 11 mulheres no primeiro escalão. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente tem participação feminina recorde na Esplanada dos Ministérios, se considerado todo o período pós-redemocratização, ou seja, desde 1985. São 11 mulheres no primeiro escalão do governo de um total de 37 ministros. O número supera o recorde anterior de Dilma Rousseff (PT), que assumiu a Presidência em 2011 com nove ministras.

Nos Estados e no Distrito Federal, o País tem apenas três governadoras: Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte; Raquel Lyra (PSDB), em Pernambuco; e Celina Leão (PP), que assumiu interinamente o governo do Distrito Federal após o afastamento de Ibaneis Rocha (MDB).

Para a cientista política e diretora executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Mônica Sodré, a falta de incentivo, desde a infância, contribui para o atual quadro, no qual as mulheres são minoria na política. “As mulheres não são historicamente estimuladas a irem para a política e para os espaços de tomadas de decisão. A escola não é um ambiente que se ensina isso e nas famílias, em geral, isso também não está necessariamente colocado”, afirma.

O funcionamento dos partidos políticos também é visto como um ponto negativo do processo. “(Os partidos) têm uma feição ainda patrimonialista, patriarcal e com dificuldade de acesso das mulheres às esferas internas de poder”, aponta a procuradora regional da República e coordenadora do Grupo de Trabalho Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho. Segundo ela, a forma de aplicação da cota ainda fica concentrada nas mãos de pequenos grupos.

Ações na prática

A Bancada Feminina no Senado, por exemplo, propôs há um mês, o desarquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna obrigatória a eleição de ao menos uma mulher para as mesas do Congresso. Para voltar a tramitar no Senado, entretanto, a PEC precisa do apoio de um terço dos parlamentares até o dia 2 de abril.

Atualmente, nenhuma mulher irá compor a Mesa Diretora no Senado nos próximos dois anos. Na Câmara dos Deputados, a única mulher será a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que ocupa o cargo de segunda secretária. Os membros da Mesa integram a Comissão Diretora e são responsáveis pela direção, organização e condução das Casas Legislativas, além de produzir a redação final de todas as proposições apresentadas e discutidas pelos parlamentares.

Magistratura

De iniciativa das senadoras Soraya Thronicke (União Brasil-MS) e Eliziane Gama (Cidadania-MA), a PEC de junho de 2022 pretende promulgar maior equidade de gênero na composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais de Justiça nos Estados e do Distrito Federal. Se for para frente, uma em cada duas vagas das listas sêxtuplas de indicações aos tribunais serão dedicadas às mulheres.

O governo Lula propõe o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e Raça, previsto para o dia 14 março. A data é referente ao aniversário do assassinato da vereadora no Rio. Além disso, é um adicional à lei já existente contra violência política de gênero, em vigor desde agosto de 2021.

A advogada e professora de Direito Penal da USP, Ana Elisa Bechara, enfatiza, entretanto, que a lei sozinha tem uma eficácia menor se a sociedade não mudar a forma de agir. “Embora (a lei) seja super importante por conceituar o que é a violência política de gênero, (os casos) não vão diminuir se o ambiente continuar sendo machista. Inclusive no âmbito judicial”, disse.

Partidos políticos devem auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política, diz Mônica Sodré.  Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Confira entrevista com Mônica Sodré

Quais os motivos para uma baixa representatividade feminina na política brasileira?

As primeiras razões para esse cenário são culturais. Vivemos em um País patriarca. O segundo elemento pode ser considerado de incentivos em geral às mulheres. Elas não são historicamente estimuladas a irem para a política e para os espaços de tomadas de decisão. A escola não é um ambiente que se ensina isso e nas famílias, em geral, isso também não está necessariamente colocado. Um terceiro elemento são as intenções ou os estímulos institucionais. Quando olhamos para esse cenário de poucas mulheres na Câmara dos Deputados, por exemplo, isso, em geral, não transmite a percepção de que aquele é um lugar que as mulheres devem ocupar, portanto, em especial, os partidos políticos têm que abraçar essa causa. Eles têm que treinar mulheres, garantir financiamento para campanhas femininas e também garantir condições de que as mulheres permaneçam na política.

Quais são os focos para ampliar a participação feminina?

Eu começaria com a importância da educação política. Não é algo que a gente vê, por exemplo, nas escolas e que eu, pessoalmente, defendo muito. Passamos uma vida estudando assuntos dos mais diversos, mas em geral saímos da escola sem saber a função de um deputado ou de um senador, o que é um sistema majoritário… Então, educação política da população, em especial de crianças e adolescentes, é uma pauta muito transformadora a médio e a longo prazo.

A segunda coisa, que pode ser feita de maneira bem objetiva, é fazer cumprir a lei. Temos pouca fiscalização sobre isso e é comum que acabemos anistiando os partidos políticos de tempos em tempos por não cumprirem as regras que a justiça determina. O mais importante do ponto de vista incremental, sem grandes revoluções, é fazer cumprir a lei e garantir que parte dos partidos políticos destinem adequadamente os recursos que são obrigados por lei à candidatura de grupos minorizados e que esse recurso possa chegar em tempo. Afinal, não adianta esse recurso chegar depois dos 45 dias de campanha, por exemplo.

Qual o papel dos partidos políticos na ampliação da presença feminina na política?

As direções dos partidos podem garantir uma co-direção nesses espaços para que possam ser dirigidas de maneira compartilhada por um homem e por uma mulher e terem critérios mais claros sobre alocação de recursos para campanhas, que fique claro por que que João tem 10% dos recursos e Maria tem 3%. Esses critérios não são necessariamente objetivos e não são certamente transparentes, o que causa também insegurança e instabilidade para quem gostaria de concorrer.

É importante fazer com que esse recurso chegue na ponta, em especial nas mulheres, porque sabemos que é difícil para elas se candidatarem pelos aspectos culturais e institucionais e, portanto, elas concorrem em condições de desigualdade em relação aos homens.

Outro ponto é que, em geral, os partidos fazem contas para sua sobrevivência para conseguirem eleger pessoas e o recurso acaba sendo direcionado para aquelas candidaturas que são tidas como mais viáveis. Em geral, essa percepção é tida por um cálculo sobre viabilidade eleitoral que está atrelada a alguma expressão política social que essa pessoa tem ou o fato dela já ter concorrido em eleições anteriores. Levando em consideração que, em geral, as mulheres são desestimuladas a concorrer, é comum que elas sejam consideradas inviáveis eleitoralmente e, por isso, acabam tendo menos recursos.

É importante que os partidos políticos tenham condições de auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política.

Após serem eleitas, as mulheres lidam com situações críticas diárias, como violência política. Como os partidos e as instituições políticas podem ajudar nessa situação?

É importante que os partidos políticos tenham condições de auxiliar mulheres que se elegeram e que querem permanecer na política. Nós sabemos que mulheres têm mais chances de serem agredidas por serem mulheres e estarem na política. Isso é dado e, em geral, essas mulheres estão sozinhas. O que percebemos na RAPS é que violência política de gênero, que é uma categoria muito recente ainda na percepção das pessoas em geral, se acha que isso é “mi mi mi”, que isso é uma questão de sensibilidade feminina e não se trata adequadamente esses episódios de violência.

Quando falamos de violência política de gênero, falamos de qualquer ação que aconteça para cercear, impedir e limitar o direito de expressão de mulheres, em especial, nos espaços de poder. Isso acontece com mulheres eleitas, com candidatas, com equipes, com assessoras.

Hoje, existe o crime de violência política de gênero desde 2021. Precisamos falar sobre ele, criar consciência sobre, garantir que haja punição aos agressores adequadamente e que nós tenhamos condições de amparar as mulheres quando esses episódios acontecem. Os partidos poderiam, por exemplo, ter uma uma porcentagem dos seus recursos destinados para esse tipo de ação, ajudando mulheres com auxílio psicológico e jurídico, com auxílio de comunicação quando esses episódios acontecerem.

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