Governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente colar e brincos de diamante de R$ 16,5 mi para Michelle


As peças, avaliadas em 3 milhões de euros, foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos com assessor do ex-ministro de Minas, Bento Albuquerque; Bolsonaro mandou ofício para a Receita devolver as joias e até avião da FAB para buscá-las; veja fotos

Por Adriana Fernandes e André Borges
Atualização:

Nota da Redação: A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro em 04 de julho de 2024 com base na investigação decorrente desta e de outras reportagens publicadas pelo Estadão. O ex-presidente foi indiciado por peculato, que é a apropriação de bens públicos, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

BRASÍLIA – O governo Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente para o País colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões. As joias eram um presente do regime saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos. Estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021.

Ao saber que as joias haviam sido apreendidas, o ministro retornou à área da alfândega e tentou usar o cargo para liberar os diamantes. Foi nesse momento que Albuquerque disse que se tratava de um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, como é de praxe nesse tipo de fiscalização. Mesmo assim, o agente da Receita reteve as joias, porque, no Brasil, é obrigatória a declaração ao Fisco de qualquer bem que entre no País cujo valor seja superior a US$ 1 mil.

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Albuquerque foi à Arábia Saudita representar o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país. Procurado nesta sexta-feira pelo Estadão, o ex-ministro admitiu que trouxe as joias para Michelle e o relógio, também de diamante, para Bolsonaro, mas afirmou que era um pacote fechado e não sabia o que tinha dentro.

Joias de três milhões de euros doadas a Michelle Bolsonaro que foram apreendidas pela Receita Federal pela tentativa de entrada ilegal no País Foto: Wilton Junior/Estadão

A reportagem apurou, nos últimos dois meses, que houve oito tentativas frustradas de Bolsonaro de reaver as pedras preciosas, envolvendo seu próprio gabinete, três ministérios (Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores) e militares. A última ocorreu quando faltavam apenas três dias para o presidente deixar o mandato, em 29 de dezembro.

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Um funcionário do governo Bolsonaro pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) naquele dia e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. “Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”, argumentava o militar, segundo relatos colhidos pelo jornal. A viagem foi autorizada pelo próprio Bolsonaro.

O Estadão localizou a solicitação à FAB para levar o servidor da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, sob o comando do então chefe da Ajudância de Ordens, tenente-coronel Mauro Cid. O documento dizia que a viagem de Silva era “para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade”, com retorno “em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília”.

Registro da FAB do voo do 1º sargento da Marinha para buscar as joias de Michelle a pedido do presidente Jair Bolsonaro Foto: Reprodução/Portal da Transparência
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Em 28 de dezembro, Bolsonaro já havia enviado um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que as pedras preciosas fossem destinadas à Presidência da República, em atendimento ao ofício 736/2022, da “Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.

Flagrante

A apreensão dos diamantes ocorreu no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio X, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André Soeiro, assessor de Bento Albuquerque.

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Ao checar o conteúdo de uma mochila, os fiscais se depararam com a escultura de um cavalo de aproximadamente 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro dela, encontraram, ainda, o estojo com as joias trazidas para Michelle, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

A única maneira possível de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega – e isso vale para itens com valor superior a US$ 1 mil ou mesmo joias milionárias – é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25%, pela tentativa de entrar no País de forma ilegal.

No caso de Bolsonaro, portanto, a retirada formal e correta das joias apreendidas e estimadas em R$ 16,5 milhões custaria R$ 12,3 milhões. Como o pagamento estava fora de cogitação, o que restou foi recorrer a órgãos do próprio governo.

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Logo depois de não conseguir retirar os itens na alfândega, o Ministério de Minas e Energia chegou a envolver outra pasta, na tentativa de recuperar as joias para o então presidente. Em 3 de novembro de 2021, acionou o Ministério de Relações Exteriores. O Itamaraty reforçou a pressão sobre a Receita e pediu, em ofício, “providências necessárias para liberação dos bens retidos”.

Foi também por meio de ofício que o departamento da Receita responsável pela área voltou a negar a liberação das peças e informou que o único procedimento a ser adotado seria o pagamento da multa e do imposto.

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À época, até o comando da Receita entrou na força-tarefa para liberar as joias. Mas os servidores do órgão, que têm estabilidade na função e são funcionários de Estado, resistiram às pressões e fizeram valer a lei.

Joias do tapete vermelho

A marca Chopard é uma das mais famosas e caras do mundo. De origem suíça, foi fundada em 1860 e costuma ser utilizada nos tapetes vermelhos de Hollywood.

O governo brasileiro poderia ter recebido as joias, caso tivessem desembarcado como um presente oficial para o presidente da República e a primeira-dama. Os bens, porém, ficariam para o Estado brasileiro, e não com a família Bolsonaro.

Em julgamento realizado em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou à Secretaria de Administração da Presidência da República que todos os presentes recebidos por presidentes devem ser restituídos ao patrimônio da União. Segundo a Corte de Contas, os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de caráter personalíssimo ou de uso pessoal como roupas e perfumes.

Bento Albuquerque confirmou ao Estadão que as joias trazidas ao Brasil da Arábia Saudita eram, de fato, um presente para Michelle Bolsonaro. Afirmou, porém, que desconhecia o conteúdo do estojo de joias. Segundo o ex-ministro, os itens passaram pela alfândega saudita e embarcaram no voo comercial, sem que ele e sua comitiva fossem questionados sobre o conteúdo dos presentes. “Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas”, disse Albuquerque.

No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né? Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos.

A reportagem tentou contato com Bolsonaro, sem sucesso. Após a divulgação, Michelle usou o Instagram para ironizar. “Quer dizer que ‘eu tenho tudo isso’ não estava sabendo? Imprensa vexatória.”

Nota da Redação: A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro em 04 de julho de 2024 com base na investigação decorrente desta e de outras reportagens publicadas pelo Estadão. O ex-presidente foi indiciado por peculato, que é a apropriação de bens públicos, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

BRASÍLIA – O governo Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente para o País colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões. As joias eram um presente do regime saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos. Estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021.

Ao saber que as joias haviam sido apreendidas, o ministro retornou à área da alfândega e tentou usar o cargo para liberar os diamantes. Foi nesse momento que Albuquerque disse que se tratava de um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, como é de praxe nesse tipo de fiscalização. Mesmo assim, o agente da Receita reteve as joias, porque, no Brasil, é obrigatória a declaração ao Fisco de qualquer bem que entre no País cujo valor seja superior a US$ 1 mil.

Albuquerque foi à Arábia Saudita representar o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país. Procurado nesta sexta-feira pelo Estadão, o ex-ministro admitiu que trouxe as joias para Michelle e o relógio, também de diamante, para Bolsonaro, mas afirmou que era um pacote fechado e não sabia o que tinha dentro.

Joias de três milhões de euros doadas a Michelle Bolsonaro que foram apreendidas pela Receita Federal pela tentativa de entrada ilegal no País Foto: Wilton Junior/Estadão

A reportagem apurou, nos últimos dois meses, que houve oito tentativas frustradas de Bolsonaro de reaver as pedras preciosas, envolvendo seu próprio gabinete, três ministérios (Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores) e militares. A última ocorreu quando faltavam apenas três dias para o presidente deixar o mandato, em 29 de dezembro.

Um funcionário do governo Bolsonaro pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) naquele dia e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. “Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”, argumentava o militar, segundo relatos colhidos pelo jornal. A viagem foi autorizada pelo próprio Bolsonaro.

O Estadão localizou a solicitação à FAB para levar o servidor da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, sob o comando do então chefe da Ajudância de Ordens, tenente-coronel Mauro Cid. O documento dizia que a viagem de Silva era “para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade”, com retorno “em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília”.

Registro da FAB do voo do 1º sargento da Marinha para buscar as joias de Michelle a pedido do presidente Jair Bolsonaro Foto: Reprodução/Portal da Transparência

Em 28 de dezembro, Bolsonaro já havia enviado um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que as pedras preciosas fossem destinadas à Presidência da República, em atendimento ao ofício 736/2022, da “Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.

Flagrante

A apreensão dos diamantes ocorreu no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio X, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André Soeiro, assessor de Bento Albuquerque.

Ao checar o conteúdo de uma mochila, os fiscais se depararam com a escultura de um cavalo de aproximadamente 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro dela, encontraram, ainda, o estojo com as joias trazidas para Michelle, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

A única maneira possível de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega – e isso vale para itens com valor superior a US$ 1 mil ou mesmo joias milionárias – é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25%, pela tentativa de entrar no País de forma ilegal.

No caso de Bolsonaro, portanto, a retirada formal e correta das joias apreendidas e estimadas em R$ 16,5 milhões custaria R$ 12,3 milhões. Como o pagamento estava fora de cogitação, o que restou foi recorrer a órgãos do próprio governo.

Logo depois de não conseguir retirar os itens na alfândega, o Ministério de Minas e Energia chegou a envolver outra pasta, na tentativa de recuperar as joias para o então presidente. Em 3 de novembro de 2021, acionou o Ministério de Relações Exteriores. O Itamaraty reforçou a pressão sobre a Receita e pediu, em ofício, “providências necessárias para liberação dos bens retidos”.

Foi também por meio de ofício que o departamento da Receita responsável pela área voltou a negar a liberação das peças e informou que o único procedimento a ser adotado seria o pagamento da multa e do imposto.

À época, até o comando da Receita entrou na força-tarefa para liberar as joias. Mas os servidores do órgão, que têm estabilidade na função e são funcionários de Estado, resistiram às pressões e fizeram valer a lei.

Joias do tapete vermelho

A marca Chopard é uma das mais famosas e caras do mundo. De origem suíça, foi fundada em 1860 e costuma ser utilizada nos tapetes vermelhos de Hollywood.

O governo brasileiro poderia ter recebido as joias, caso tivessem desembarcado como um presente oficial para o presidente da República e a primeira-dama. Os bens, porém, ficariam para o Estado brasileiro, e não com a família Bolsonaro.

Em julgamento realizado em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou à Secretaria de Administração da Presidência da República que todos os presentes recebidos por presidentes devem ser restituídos ao patrimônio da União. Segundo a Corte de Contas, os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de caráter personalíssimo ou de uso pessoal como roupas e perfumes.

Bento Albuquerque confirmou ao Estadão que as joias trazidas ao Brasil da Arábia Saudita eram, de fato, um presente para Michelle Bolsonaro. Afirmou, porém, que desconhecia o conteúdo do estojo de joias. Segundo o ex-ministro, os itens passaram pela alfândega saudita e embarcaram no voo comercial, sem que ele e sua comitiva fossem questionados sobre o conteúdo dos presentes. “Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas”, disse Albuquerque.

No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né? Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos.

A reportagem tentou contato com Bolsonaro, sem sucesso. Após a divulgação, Michelle usou o Instagram para ironizar. “Quer dizer que ‘eu tenho tudo isso’ não estava sabendo? Imprensa vexatória.”

Nota da Redação: A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro em 04 de julho de 2024 com base na investigação decorrente desta e de outras reportagens publicadas pelo Estadão. O ex-presidente foi indiciado por peculato, que é a apropriação de bens públicos, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

BRASÍLIA – O governo Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente para o País colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em € 3 milhões, o equivalente a R$ 16,5 milhões. As joias eram um presente do regime saudita para o então presidente e a primeira-dama Michelle Bolsonaro e foram apreendidas no aeroporto de Guarulhos. Estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Oriente Médio em outubro de 2021.

Ao saber que as joias haviam sido apreendidas, o ministro retornou à área da alfândega e tentou usar o cargo para liberar os diamantes. Foi nesse momento que Albuquerque disse que se tratava de um presente do governo da Arábia Saudita para Michelle. A cena foi registrada pelas câmeras de segurança, como é de praxe nesse tipo de fiscalização. Mesmo assim, o agente da Receita reteve as joias, porque, no Brasil, é obrigatória a declaração ao Fisco de qualquer bem que entre no País cujo valor seja superior a US$ 1 mil.

Albuquerque foi à Arábia Saudita representar o governo brasileiro na reunião de cúpula “Iniciativa Verde do Oriente Médio”, realizada na capital daquele país. Procurado nesta sexta-feira pelo Estadão, o ex-ministro admitiu que trouxe as joias para Michelle e o relógio, também de diamante, para Bolsonaro, mas afirmou que era um pacote fechado e não sabia o que tinha dentro.

Joias de três milhões de euros doadas a Michelle Bolsonaro que foram apreendidas pela Receita Federal pela tentativa de entrada ilegal no País Foto: Wilton Junior/Estadão

A reportagem apurou, nos últimos dois meses, que houve oito tentativas frustradas de Bolsonaro de reaver as pedras preciosas, envolvendo seu próprio gabinete, três ministérios (Economia, Minas e Energia e Relações Exteriores) e militares. A última ocorreu quando faltavam apenas três dias para o presidente deixar o mandato, em 29 de dezembro.

Um funcionário do governo Bolsonaro pegou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) naquele dia e desembarcou no aeroporto de Guarulhos, dizendo que estava ali para retirar as joias. “Não pode ter nada do (governo) antigo para o próximo, tem que tirar tudo e levar”, argumentava o militar, segundo relatos colhidos pelo jornal. A viagem foi autorizada pelo próprio Bolsonaro.

O Estadão localizou a solicitação à FAB para levar o servidor da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, sob o comando do então chefe da Ajudância de Ordens, tenente-coronel Mauro Cid. O documento dizia que a viagem de Silva era “para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade”, com retorno “em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília”.

Registro da FAB do voo do 1º sargento da Marinha para buscar as joias de Michelle a pedido do presidente Jair Bolsonaro Foto: Reprodução/Portal da Transparência

Em 28 de dezembro, Bolsonaro já havia enviado um ofício ao gabinete da Receita Federal para solicitar que as pedras preciosas fossem destinadas à Presidência da República, em atendimento ao ofício 736/2022, da “Ajudância de Ordens do Gabinete Pessoal do Presidente da República”.

Flagrante

A apreensão dos diamantes ocorreu no dia 26 de outubro de 2021, durante uma fiscalização de rotina entre os passageiros do voo 773 que desembarcaram nos terminais de Guarulhos, com origem na Arábia Saudita. Após a passagem das malas pelo raio X, os agentes da Receita decidiram fiscalizar a bagagem de Marcos André Soeiro, assessor de Bento Albuquerque.

Ao checar o conteúdo de uma mochila, os fiscais se depararam com a escultura de um cavalo de aproximadamente 30 centímetros, dourada, com as patas quebradas. Dentro dela, encontraram, ainda, o estojo com as joias trazidas para Michelle, acompanhadas de um certificado de autenticidade da marca Chopard.

A única maneira possível de se retirar qualquer item apreendido pela Receita na alfândega – e isso vale para itens com valor superior a US$ 1 mil ou mesmo joias milionárias – é fazer o pagamento do imposto de importação, que equivale a 50% do valor estimado do item, além de uma multa de mais 25%, pela tentativa de entrar no País de forma ilegal.

No caso de Bolsonaro, portanto, a retirada formal e correta das joias apreendidas e estimadas em R$ 16,5 milhões custaria R$ 12,3 milhões. Como o pagamento estava fora de cogitação, o que restou foi recorrer a órgãos do próprio governo.

Logo depois de não conseguir retirar os itens na alfândega, o Ministério de Minas e Energia chegou a envolver outra pasta, na tentativa de recuperar as joias para o então presidente. Em 3 de novembro de 2021, acionou o Ministério de Relações Exteriores. O Itamaraty reforçou a pressão sobre a Receita e pediu, em ofício, “providências necessárias para liberação dos bens retidos”.

Foi também por meio de ofício que o departamento da Receita responsável pela área voltou a negar a liberação das peças e informou que o único procedimento a ser adotado seria o pagamento da multa e do imposto.

À época, até o comando da Receita entrou na força-tarefa para liberar as joias. Mas os servidores do órgão, que têm estabilidade na função e são funcionários de Estado, resistiram às pressões e fizeram valer a lei.

Joias do tapete vermelho

A marca Chopard é uma das mais famosas e caras do mundo. De origem suíça, foi fundada em 1860 e costuma ser utilizada nos tapetes vermelhos de Hollywood.

O governo brasileiro poderia ter recebido as joias, caso tivessem desembarcado como um presente oficial para o presidente da República e a primeira-dama. Os bens, porém, ficariam para o Estado brasileiro, e não com a família Bolsonaro.

Em julgamento realizado em 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou à Secretaria de Administração da Presidência da República que todos os presentes recebidos por presidentes devem ser restituídos ao patrimônio da União. Segundo a Corte de Contas, os ex-presidentes só podem ficar com lembranças de caráter personalíssimo ou de uso pessoal como roupas e perfumes.

Bento Albuquerque confirmou ao Estadão que as joias trazidas ao Brasil da Arábia Saudita eram, de fato, um presente para Michelle Bolsonaro. Afirmou, porém, que desconhecia o conteúdo do estojo de joias. Segundo o ex-ministro, os itens passaram pela alfândega saudita e embarcaram no voo comercial, sem que ele e sua comitiva fossem questionados sobre o conteúdo dos presentes. “Nenhum de nós sabia o que eram aquelas caixas”, disse Albuquerque.

No ato da apreensão dos itens, ao ser questionado pelo agente da Receita, Albuquerque relatou a quem se destinavam os presentes. “Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né? Deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveriam ser para o presidente, como dois embrulhos.

A reportagem tentou contato com Bolsonaro, sem sucesso. Após a divulgação, Michelle usou o Instagram para ironizar. “Quer dizer que ‘eu tenho tudo isso’ não estava sabendo? Imprensa vexatória.”

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