A CPI da Covid iniciou a sessão celebrando o 5 de agosto, Dia Nacional da Saúde.
Aniversariante da data, o cientista Oswaldo Cruz dá nome à Medalha de Mérito nacional, criada para distinguir profissionais e instituições de destacada contribuição à saúde pública.
Bolsonaro decretou a banalização da honraria, ao condecorar o recém-titular da Casa Civil, Ciro Nogueira, a ministra Damares Alves e até a primeira-dama.
Em plena pandemia, o menosprezo aos reais credores do mérito, que são os trabalhadores à frente da luta contra a covid, revela-se um escárnio à memória do sanitarista, uma revoltante desconsideração.
Nesta quinta-feira, ocorreu a 40ª reunião da CPI. Nas oitivas desde abril, nas falas de mais de 30 testemunhas, não era incomum os ouvintes serem submetidos a articulações verbais sofríveis, vícios de linguagem e gestos, atentados à gramática, às concordâncias verbais e nominais.
O depoente do dia, conhecido como Airton Cascavel, político de longo mister, filiado ao Republicanos, trouxe certo talento e qualidade do orador que prende a atenção tanto quanto irrita. Mas logo caiu em perversão, como se, o tempo todo, mirasse eleitores num comício.
A CPI tem mostrado que sem linguagem não há demagogia e o que determina a polêmica de um depoimento é sua relação com determinado contexto.
Cascavel contou que, após conhecer o general Pazuello, na crise migratória venezuelana em Roraima, deu "um pulo a Brasília", só levou "três mudas de roupa", para ver no que poderia ajudar.
"Facilitador institucional"
No Ministério da Saúde encontrou militares sem "traquejo político", o que o fez atender a "um chamamento maior" para que assumisse o papel de "facilitador institucional".
Antes de sua nomeação, em junho de 2020, quando assumiu a condição de assessor especial, com salário de R$13,6 mil por mês, Cascavel já vinha atuando sem cargo, mas com delegação: "eu trabalhava na interlocução com prefeitos e secretários".
O que o fez chegar à CPI foi justamente sua fama de sombra, para quem Pazuello havia terceirizado competências.
Testemunha de incompetências, Cascavel repetiu a tarimba dos depoentes que não trocam a frieza da fidelidade, o capital social das afinidades consolidadas, pela revelação de verdades.
A confirmação involuntária de sua atuação como ministro de fato veio de senadores da base do governo, que destacaram sua "sensibilidade para ouvir e intermediar", e seu empenho em atender "as demandas que nós encaminhávamos para socorro aos prefeitos e aos governadores".
As constatações, aqui, além do possível crime de usurpação de função pública, pela responsabilidade assumida antes de nomeação para tal, são a indigência política e o improviso administrativo que tomaram conta do Ministério da Saúde, num momento já crítico da pandemia, quando o País ultrapassava mais de mil mortes diárias por covid.
Vendedor de conselhos sábios à Pátria, o ex- prefeito de Mucajaí (RR) professorou na CPI que a avaliação de uma gestão desastrosa não pode ser feita "com base na farda". Em momentos de contradição, opinou sobre a "politização das tratativas", comum, segundo ele, nas compras de vacinas, mas assegurou que foi constante o bom diálogo do ministério com o laboratório Butantan.
Em rara indiscrição, confirmou que Pazuello foi advertido pelo senador Eduardo Braga, no final de 2020, da crise de oxigênio que se prenunciava no Amazonas.
Indagado sobre o TrateCov, a plataforma que indicava cloroquina até para bebê, Airton Cascavel disse que não teve interesse no assunto, pois pensou tratar-se "de um aparelho russo".
O historiador americano Douglas Smith atualizou uma fascinante biografia de Raspútin, o monge conselheiro da família do czar Nicolau II, símbolo da derrocada imperial dos Románov, o que desaguou na revolução bolchevique.
O autor adverte que conselheiros informais, sem posição oficial clara, tornam-se uma mancha de ilegitimidade particularmente perigosa para os governantes.
Mas não foi desta vez, na CPI, que a picada e o veneno da cascavel inibiram os movimentos musculares dos criadores.