Na próxima semana, com o fim do recesso parlamentar, a CPI da Covid reinicia os trabalhos ainda com rescaldo de sua agenda anterior.
Com direito de ficar em silêncio nos questionamentos que possam incriminá-los, os depoimentos programados, de frequentadores do guichê de compras de vacinas do Ministério da Saúde, talvez acrescentem pouco aos casos investigados.
Desde junho, a CPI avançou em detalhar a face oculta e conivente dos desvios em compras governamentais, e o público já foi devidamente informado sobre tendências e padrões de corrupção que penetram o Ministério da Saúde.
Pode-se até apreender algo em comum dos episódios que envolveram a Precisa Medicamentos e a Covaxin, a Davati e a vacina da AstraZeneca, a World Brands e a Coronavac.
Nos três escândalos, empresas intermediárias correram soltas, agentes públicos e agregados tentaram vantagens indevidas, e aquisições de imunizantes superfaturados foram consideradas pelo governo, mesmo sob fraude documental ou desconhecimento do fabricante.
No final das contas, a apuração que seguirá na CPI é sobre vacinas que nunca existiram ou que jamais serão entregues. Nenhum efeito terá, portanto, no aumento da oferta de imunizantes para a população.
Se a ideia é adentrar a prorrogação remoendo a linha da corrupção, a CPI poderia dar um passo adiante, desenhando a reforma necessária para moralizar as compras federais da Saúde.
Mas, persistindo na fulanização do inquérito, tarefa que bem poderia ser transferida à Polícia e aos órgãos de controle, a CPI exibirá um isomorfismo com o governo que se propôs a contestar.
A pouco mais de um ano das eleições de 2022, a pandemia torna-se cada vez menos um problema de saúde pública a ser imediatamente resolvido, e mais um conflito político a ser arrastado e maximamente explorado.
Havia certa expectativa de que a CPI, enquanto inqueria e apontava culpados, contribuiria para a diminuição da mortalidade por covid, aumento da testagem, maior velocidade da vacinação, retorno seguro às escolas, ao lazer e às atividades econômicas.
Como se o controle sobre o governo, uma das funções essenciais do Parlamento, pudesse também ajudar a controlar a pandemia.
Por ter sido instalada tardiamente, muito depois do agravamento da crise sanitária, esperava-se mais do que uma investigação tradicional, pois o Senado Federal tem poderes para adicionar esforços de avaliação e cobrar mais efetividade nos planos e políticas de saúde em andamento.
Podia-se imaginar que após a ressonância da CPI, que diagnosticou claramente a deliberada negligência na condução de Bolsonaro, certas diferenças entre governo e oposição fossem temporariamente suspensas, recolocando minimamente o SUS e o combate à covid em melhor lugar.
Sem retomar a saúde como sua motivação original, a CPI tende a ser uma fronteira política de fortes ambivalências, suscetível de gerar tanto soluções como instabilidades no enfrentamento da pandemia.
Demonstração de tal risco ocorreu nesses dias de recesso, quando, sem sessões públicas, a CPI verteu-se em uma central de fofocas nutrida por conteúdos de quebras de sigilos de mais de 40 pessoas e empresas.
O vazamento de documentos selecionados e de informações sigilosas mantém a popularidade de senadores, mas também rende advertências do STF.
Além da pauta requentada - vacinas, cloroquina e negacionismo do gabinete paralelo -, na sua volta a CPI promete alcançar políticos propagadores de fake news, irregularidades nos hospitais federais e organizações sociais do Rio de Janeiro, e transações suspeitas da empresa VTCLog, que transporta insumos para o Ministério da Saúde.
Nos próximos três meses, a CPI terá a chance de superar a agenda eleitoralmente lucrativa e os pormenores de efeitos midiáticos.
Alternativamente, terá a oportunidade de ativar a grande política, ao promover um debate nacional sobre responsabilização pelas 550 mil mortes e sobre como dotar o SUS da capacidade de vencer a covid no Brasil.