BRASÍLIA – Os acordos de leniência firmados entre empresas que admitiram práticas de corrupção e o Ministério Público Federal (MPF) podem ser revistos e até anulados após a repercussão da Operação Spoofing da Polícia Federal (PF), que prendeu um grupo acusado de invadir os celulares de membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, em 2021. Duas empresas já conseguiram o direito de ter acesso às conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol e outras três estudam fazer o mesmo para revisarem o processo a que foram submetidas ou anular a restituição aos cofres públicos.
Alegando que as mensagens trocadas entre os magistrados indicam parcialidade e manipulação de processos, a J&F e a Odebrecht (atual Novonor) já conseguiram acesso aos documentos. As empreiteiras buscam brechas para pedir a revisão ou a anulação dos acordos, firmados em 2016 e em 2017.
Segundo apurou o Estadão, a UTC, a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa também estudam solicitar a revisão dos acordos. O “efeito cascata” também pode beneficiar a OAS, a Braskem e a Engevix (atual Nova), que também admitiram as práticas de corrupção e se comprometeram a restituir os cofres públicos.
Os acordos de leniência firmados pelas oito empresas somam R$ 18,4 bilhões em multas. Os compromissos preveem a correção permanente dos montantes pela taxa Selic. Na cotação atual, os valores estão estimados em R$ 34,2 bilhões.
O revisionismo dos acordos começou no dia 20 de dezembro, quando a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, conseguiu uma autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para receber as provas obtidas pela PF. O ministro Dias Toffoli, autor da decisão, também determinou a suspensão do pagamento das parcelas previstas no acordo enquanto a empresa analisa as conversas. O acordo de leniência da J&F foi homologado em 2017 com o MPF e o grupo se comprometeu a pagar R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos.
Toffoli atendeu a pedido e suspendeu pagamento da Odebrecht
No último dia 13, a Odebrecht seguiu a estratégia da J&F e também pediu a Toffoli a suspensão do pagamento das parcelas do acordo de leniência. O acordo entre a empresa e o MPF foi assinado no fim de 2016, quando a empresa se comprometeu a pagar R$ 2,72 bilhões ao longo de 20 anos.
No pedido, a empreiteira alega que foi vítima de uma “chantagem institucional” e que a Lava Jato utilizou “técnicas inquisitórias de condução processual”. Nesta quarta-feira, 31, Toffoli atendeu ao pedido da empreiteira e suspendeu o pagamento da multa.
Esse não é o primeiro revés envolvendo o acordo de leniência da empresa. Em 2021, provas obtidas pelo acordo foram anuladas pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski, que declarou a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e considerou que havia “vícios” nas provas obtidas. Lewandowski assumiu o Ministério da Justiça do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quinta-feira, 1º.
A empreiteira mencionou 415 políticos de 26 partidos em seu acordo. O caso do sítio de Atibaia, que motivou uma das condenações de Lula na Lava Jato, foi baseado em provas obtidas a partir dos anexos entregues pela Odebrecht.
Empresas que admitiram corrupção já estudam pedir revisão dos acordos
Como mostrou o Estadão, a ação movida pela J&F pode ocasionar um “efeito cascata” nos pedidos de revisão da Lava Jato. A UTC, a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa também estudam pedir acesso aos autos da Operação Spoofing e, assim, solicitar a revisão dos processos e suspender o pagamento das multas.
O acordo da UTC foi firmado em junho de 2017 com a empreiteira se comprometendo a pagar R$ 574 milhões em 22 anos para poder voltar a participar de licitações para obras e serviços públicos. Já o da Andrade Gutierrez foi homologado em dezembro de 2018, com uma multa avaliada em R$ 1,489 bilhão, em parcelas por 16 anos.
Já a Camargo Corrêa teve o compromisso firmado em agosto de 2019, com o valor estipulado de R$ 1,4 bilhão, até 2038.
Outras três empresas fizeram acordos de leniência e podem ser beneficiadas
Outras duas empresas que admitiram práticas de corrupção e que podem ser beneficiadas com a revisão da Lava Jato são a Braskem, a OAS e a Nova (antiga Engevix), que tiveram as colaborações homologadas em 2019.
O acordo da OAS foi firmado em dezembro, com o grupo se comprometendo a pagar R$ 1,92 bilhão até 2047. O da Braskem foi homologado em maio, com o valor fixado em R$ 2,87 bilhões a serem pagos até 2025. Já o assinado pela Engevix, em novembro daquele ano, estipulou o valor de R$ 516,3 milhões depositados nos cofres da União até 2046.
O Estadão procurou a Nova, a Engevix e a OAS, mas não obteve retorno.