RIO – O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, negociou um acordo com o Ministério Público do Rio antes de determinar a abertura de um inquérito da Polícia Federal para auxiliar nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. O governo petista procurou evitar atritos com promotores fluminenses e, ao mesmo tempo, cumprir a promessa de campanha feita por partidos de esquerda de colocar órgãos federais na apuração do caso.
Dino colocou um grupo da PF à disposição do MP do Rio na intenção de dar uma resposta em nível federal às pressões sobre a conclusão da investigação do assassinato da vereadora carioca e não criar uma crise institucional com o órgão estadual.
A decisão foi tomada após encontro entre Dino e o procurador-geral de Justiça fluminense, Luciano Mattos. O inquérito da PF é um caminho alternativo à discussão sobre a federalização do caso. Após os dois se reunirem em Brasília, ficou definido que a PF no Rio vai auxiliar o MP na apuração do mandante do crime, sem que os promotores sejam “atropelados”.
A instauração do inquérito tratado como um processo interno pela PF, sem prazo para conclusão, foi o caminho encontrado por Dino para não contrariar os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP do Rio. Eles são contra a federalização do caso. O delegado Guilhermo Catramby vai conduzir o grupo da PF que atuará em auxílio ao MP.
Solução
O jurista e desembargador aposentado Wálter Maierovitch afirma que a função da PF será auxiliar as investigações fluminenses. Segundo ele, a decisão de Dino é a única forma de colocar os aparatos federais à disposição das investigações, uma vez que o STJ já rejeitou a federalização do caso.
“Ele coloca a PF em auxilio ao Ministério Público. A PF não vai atuar como polícia judiciária. A competência da investigação já foi estabelecida e reafirmada pelo STJ, que decidiu por unanimidade manter o MP do Rio no caso. A PF não pode fazer uma investigação em paralelo. É o único meio legitimo e constitucional de se colocar à disposição das investigações”, disse.
Os promotores dizem que uma eventual federalização do caso “trará sérios prejuízos aos trabalhos, tanto em relação às investigações em curso, quanto ao julgamento dos executores já identificados no júri que se avizinha”.
<O MP-RJ considera que o julgamento “necessita de promotores de Justiça que conheçam profundamente as provas produzidas nas milhares de páginas do processo e milhões de terabytes produzidos pelas quebras realizadas”.
Um pedido de deslocamento do caso para a esfera federal feito pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dezembro de 2020.
Na época, a ministra Laurita Vaz, relatora do pedido, afirmou que “não há sombra de descaso, desinteresse, desídia ou falta de condições pessoais ou materiais das instituições estaduais encarregadas de investigar, processar e punir os eventuais responsáveis pela grave violação a direitos humanos”.
“Ao revés, constata-se notório empenho da equipe de policiais civis da Delegacia de Homicídios e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o que desautoriza o atendimento ao pedido de deslocamento do caso para a esfera federal”, afirmou a ministra.
Ampliação
Sem elementos para um novo pedido de federalização e com a pressão do MP-RJ para que o caso seja mantido no Rio, Dino optou pelo processo interno na PF. Os promotores do Rio e os policiais civis envolvidos na investigação ainda trabalham para apurar quem foi o mandante do crime e possíveis interferências na investigação.
A Secretaria de Comunicação Social (Secom), da Presidência da República, afirmou que, com a investigação, “será possível fortalecer a força-tarefa já criada no MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) para apurar quem são os mandantes e permitir que a PF colabore com a Polícia Civil no caso”.
Ao tomar posse no cargo, em 2 de janeiro, o ministro prometeu atuar para desvendar o assassinato da vereadora e disse que era “questão de honra do Estado brasileiro” descobrir quem foi o mandante do crime. “Nós saberemos quem matou e quem mandou matar Marielle Franco”, afirmou na ocasião.
Sem interferências
O novo superintendente da Polícia Federal no Rio, delegado Leandro Almada da Costa, que tomou posse neste mês, comandou, em 2019, o inquérito da Polícia Federal que apontou que houve interferência na apuração do assassinato de Marielle e Anderson . A investigação concluiu pela existência de uma organização criminosa que tentava atrapalhar a apuração do duplo homicídio, ocorrido em 14 de março de 2018. A Polícia Civil do Rio prendeu dois suspeitos do crime, Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz, mas não chegou aos mandantes. Os réus negaram ter matado as duas vítimas e alegaram que, no dia do crime, assistiam a um jogo do Flamengo. Eles continuam presos e serão levados a júri popular.