Um dos motivos que tem sido elencado para explicar o cavalo de pau que Mark Zuckerberg deu ao anunciar o fim do programa de checagem de informação e a mudança nas regras de moderação de conteúdo nas suas plataformas é o de que ele cedeu às ameaças de Donald Trump, que prometeu metê-lo na cadeia por ter suspendido seus perfis no Facebook e Instagram em 2021. Bobagem.
A eleição de Trump para a presidência dos Estados Unidos apenas juntou a fome com a vontade de comer do CEO da Meta. A mesma vontade, aliás, de outras big techs que resistem às pressões para conter a disseminação de desinformação e às tentativas de regulação que enfrentam mundo afora. Leis como a de Serviços Digitais, da União Europeia, em vigor desde fevereiro do ano passado, que buscam promover um ambiente online com maior transparência, responsabilidade e segurança, acabam por impor custos às plataformas e, o que é ainda pior para elas, limitam sua capacidade de rentabilizar com conteúdos danosos. Desinformação e discurso de ódio rendem engajamento, ou seja, dinheiro. Os programas de moderação de conteúdo das redes sociais, portanto, equivalem a tapar o sol com uma peneira.
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As grandes empresas de redes sociais também não querem que a sociedade saiba como seus algoritmos funcionam, preferem remover perfis de usuários com critérios opacos sem precisar prestar contas a ninguém e, apesar de lucrarem com conteúdos artísticos e jornalísticos de terceiros, não se dispõem a remunerar seus autores. E tudo isso é só a ponta do iceberg dos interesses das big techs.
Trata-se, em resumo, de uma luta por poder — econômico, principalmente, mas também cada vez mais político. O argumento é o de defender a liberdade de expressão, mas na essência o que se quer é ficar livre de responsabilidades e limitações. As linhas de frente dessa batalha são os gabinetes de legisladores e o próprio ambiente virtual, como se viu na Europa e também no Brasil.
Por aqui, a aliança da empresa de Zuckerberg e de outras big techs com o equivalente brasileiro do trumpismo se deu na tramitação do PL das Fake News. Aprovado inicialmente no Senado, o projeto de lei foi engavetado na Câmara no primeiro semestre de 2023 depois que a Meta e o Google, entre outras empresas, se uniram a deputados bolsonaristas e à bancada evangélica para pressionar o centrão em uma suposta campanha contra o “PL a Censura”.
Com isso, Meta e afins valeram-se de fake news para derrubar um lei que pretendia combater as fake news por meio de regras que coibiriam o anonimato nas redes e a difusão de conteúdo fraudulento em escala industrial, não pela supressão da opinião individual dos cidadãos.
Não há, portanto, nada de inédito no alinhamento de Zuckerberg com Trump. Ele apenas ajustou o seu discurso público para o novo contexto político nos Estados Unidos. Um dos problemas da campanha pelo laissez-faire aplicado à ausência de responsabilidade das redes de Zuckerberg e companhia é que ela fez brotar soluções alternativas verdadeiramente perigosas para a liberdade de expressão. É o caso do julgamento, no STF, sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que pode resultar em uma efetiva censura prévia no Brasil se for consolidado o entendimento de que as plataformas precisam remover conteúdos “proibidos” a priori, antes mesmo de uma ordem judicial, com critérios vagos a serem estipulados pelos ministros da corte.
Em seu vídeo de alinhamento a Trump, Zuckerberg deu uma cutucada no STF, dizendo que na América Latina há “cortes secretas” promovendo censura. De fato, ministros do Supremo têm cometido abusos em nome do combate às fake news. Entre Zuckerberg e o STF, quem perde é a democracia brasileira.