O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados estão muito empenhados em desvincular o ataque frustrado com bombas na Praça dos Três Poderes, no último dia 13, do movimento político derivado do seu nome. Insistem, mesmo antes da investigação ser concluída, que o autor das explosões agiu sozinho, que sofria de problemas psiquiátricos e que encontrou uma forma espetaculosa de se suicidar. E só. Terrorismo? Nem pensar.
O temor do bolsonarismo é que o episódio enterre a tentativa de aprovar, via Congresso, uma anistia à turba de 8 de janeiro de 2023 e, por extensão, a Bolsonaro, seu líder inspirador. Do lado petista, tenta-se o oposto. O homem-bomba “possivelmente” teve ajuda, deduziu um integrante do governo Lula, e suas ações devem ser vistas como uma continuação do 8 de janeiro e dos “discursos de ódio” do bolsonarismo, disseram outros.
Janja da Silva acha que o ataque foi instigado pelas fake news que, segundo ela, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, está combatendo. A primeira-dama finalizou fazendo troça do morto: “O bestão lá acabou se matando com fogos de artifício.”
O caso merece uma análise desapaixonada, desvinculada dos interesses políticos dos extremos que alimentam a polarização no País. A Polícia Federal investiga o episódio como terrorismo. Em muitos países, também seria tratado como tal. Se o autor das explosões financiou, planejou e executou o ataque sozinho, sem ordem direta de outras pessoas ou grupos organizados, enquadra-se no que se convencionou chamar de “lobo solitário”.
Na Global Terrorism Database, uma base de dados mantida pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, com informações sobre mais de 200.000 atos terroristas em todo o mundo entre 1970 e 2022, há inúmeros casos de ataques cometidos por lobos solitários sem filiação com organizações terroristas. Em março de 2020, por exemplo, um homem atacou civis a golpes de faca na rua, na França, matando uma pessoa e ferindo outras duas, aos gritos de “Deus é Grande”, em árabe, antes de ser abatido a tiros pela polícia. Nenhum grupo islamista reivindicou o atentado, que ainda assim foi tratado como terrorismo.
Em 2019, o FBI listou 52 ataques terroristas desse tipo desde a década de 70 em território americano. O critério para classificá-los como terrorismo não é se houve vítimas, se o autor sofre de distúrbios psiquiátricos ou não ou se o objetivo de espalhar o pânico na população foi atingido, mas a existência de uma motivação de base ideológica (política, racial, social, religiosa, etc).
Um dos argumentos usados para descartar o uso da palavra “terrorismo” para se referir às explosões em Brasília é o de que o bolsonarismo não é um grupo terrorista, e por isso não pode ser acusado de inspirar atos desse tipo. Mas não é necessário ter a inspiração de um grupo organizado para ser um terrorista. Há exemplos de sobra de extremistas de direita que cometeram atos de terror sem se espelhar em organizações terroristas.
É o caso de Anders Breivik, que massacrou 77 pessoas na Noruega, em 2011, ou de Brenton Tarrant, australiano que matou 51 pessoas em um ataque contra a comunidade muçulmana em Christchurch, na Nova Zelândia, em 2019. Ambos tinham motivações ideológicas, se radicalizaram na internet e agiram sozinhos, sem se inspirar em métodos ou atos de grupos terroristas organizados. A diferença deles para o homem-bomba de Brasília é a letalidade dos seus ataques.
Uma das definições da ONU para terrorismo menciona “atos criminosos destinados ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, em um grupo de pessoas ou em pessoas particulares para fins políticos”. As chaves para entender o que é terrorismo, portanto, são a motivação, o uso de meio violento e o objetivo (que pode ser atingido ou não).
Há fartas evidências de que o autor do ataque em Brasília possuía uma motivação política, identificada com o campo bolsonarista e suas causas. Ele não tinha a intenção “apenas” de se suicidar em protesto contra o STF. Seu plano era levar outras pessoas consigo, tanto que deixou armadilhas explosivas em seu carro e na casa que ele alugava no Distrito Federal. Sua ex-mulher — que neste domingo, 17, teria ateado fogo à própria casa em Rio do Sul (SC), consigo dentro — reconheceu em depoimento à polícia que o autor do ataque há tempos falava em matar Alexandre de Moraes e que, se morreu sozinho, foi porque o plano fracassou. Seu objetivo era se tornar um mártir e inspirar outros a cometer atos semelhantes, conforme sugerem as mensagens que ele deixou em um espelho, nas redes sociais e em falas enigmáticas relatadas por conhecidos.
Por tudo isso, as explosões em Brasília poderiam, sim, ser classificadas como um ato terrorista, não fosse por um detalhe importante: a legislação brasileira não inclui motivações políticas na definição de atos terroristas. Diz a lei 13.260/16, em seu artigo 2º: “O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.”
Nenhuma palavra sobre motivação política, que foi excluída do texto por parlamentares de esquerda preocupados com a possibilidade de que isso abriria brecha para enquadrar movimentos sociais, como o MST, na Lei Antiterrorismo.