À medida que vêm a público novos detalhes das investigações a respeito de um plano de Jair Bolsonaro e de seu entorno de promover um golpe de Estado, fica mais e mais evidente que suas chances de sucesso eram reduzidas. Ainda que o então presidente e seus assessores mais próximos conseguissem convencer toda a cúpula das Forças Armadas a aderir à aventura golpista, estariam faltando outros elementos essenciais para que ele pudesse permanecer no poder à revelia do resultado das urnas.
Bolsonaro acreditava, segundo o roteiro do suposto golpe revelado até agora, que bastava apoio popular e militar para impedir a posse de Lula. O “meu povo” nas ruas ele já tinha, de fato. Faltava o “meu exército” sair da inércia e tomar uma atitude. Era certamente uma fórmula para criar o caos momentâneo, com mortos e feridos inclusive, mas não para “virar a mesa” de maneira duradoura.
Em agosto de 2021, depois de um dos tantos episódios em que Bolsonaro deu a entender que não respeitaria o resultado das eleições, este colunista consultou cinco cientistas políticos e historiadores, dois deles estrangeiros, para analisar as chances de o Brasil sofrer uma ruptura institucional caso ele cumprisse sua ameaça. É interessante perceber, em retrospecto, que todos acertaram em suas análises.
Em resumo, eles previram que Bolsonaro poderia se ver tentado a incitar o caos social, principalmente por meio da mobilização de tropas sob o comando de altos oficiais, de policiais amotinados e de populares dispostos a partir para a violência. Mas para ele despontar como o único capaz de restaurar a ordem, precisaria do respaldo inequívoco das elites políticas e econômicas do país, além de um rápido reconhecimento internacional.
Leia Também:
O apoio externo a uma ruptura democrática no Brasil estava fora de cogitação. O governo de Joe Biden, dos Estados Unidos, deu sinais de sobra de que se oporia a um golpe. Tampouco haveria a concordância dos vizinhos sul-americanos. Bolsonaro ficaria isolado. Apoio partidário também não existia. Com exceção de um ou outro parlamentar bolsonarista, o centrão e as lideranças do Senado e da Câmara dos Deputados teriam muito a perder com a mudança do status quo. Todos sabem que qualquer ditador não perde uma chance de fechar o Congresso.
A adesão do empresariado a uma ruptura institucional estaria, quando muito, restrita a alguns poucos desmiolados, como os que teriam sido citados em áudio de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, revelado nos últimos dias. Aceitar que o Brasil resvalasse para uma ditadura seria péssimo para os grandes negócios em um mundo globalizado, com investidores ultrassensíveis à percepção de risco e à instabilidade. Antes mesmo do primeiro turno da eleição presidencial, a carta em defesa da democracia e do sistema de votação promovida pela Faculdade de Direito da USP e que contou com a assinatura de grandes banqueiros e industriais já deixava claro que os donos do PIB brasileiro não dariam seu endosso a aventuras golpistas.
Se de fato houve uma tentativa de golpe por parte de Bolsonaro e seus aliados, foi extremamente mal calculada, ancorada em uma concepção delirante de como seria recebida pelos principais setores da sociedade. Mas o fracasso da investida não a torna menos grave.