Análises sobre o estado geral da nação

Opinião|Morte de Nasrallah e de outros líderes não significa o fim do Hezbollah, a Hidra do terrorismo


Como mostram exemplos de outros grupos jihadistas cujos líderes foram eliminados nos últimos anos, é preciso muito mais para desmantelar uma organização terrorista ou reduzir significativamente sua ameaça

Por Diogo Schelp

Grupos terroristas são como Hidras. Não morrem quando suas cabeças são cortadas, pois outras nascem no lugar. Elas podem se enfraquecer momentaneamente, mas se regeneram e seguem provocando destruição com seu sangue venenoso. Foi assim com a Al Qaeda, com sua filial no Iraque, com o Estado Islâmico e com o Hamas, e assim será com o Hezbollah, o grupo libanês que está sob ataque de Israel.

Antes de mais nada, para que fique claro, o Hezbollah preenche todos os requisitos de uma organização terrorista, apesar de sua atuação formal na política do Líbano, em atividades sociais paraestatais e em empreendimentos econômicos (muitos ilegais, como o tráfico de drogas). A tática do homem-bomba em atentados foi popularizada pelo Hezbollah na década de 80 contra forças de paz no Líbano e replicada depois centenas de vezes por outros grupos fundamentalistas islâmicos em todo o mundo, não só em países do Oriente Médio.

Iraniana segura um pôster do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, com a inscrição: 'À sua disposição, Nasrallah', durante uma manifestação anti-Israel em Teerã, no Irã Foto: Vahid Salemi/AP
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O Hezbollah começou a participar de governos libaneses em 1992, mesmo ano em que Hassan Nasrallah, o líder assassinado por bombardeio israelense em Beirute na sexta-feira, 27, se tornou seu chefe. A legitimação política interna não impediu que seu braço militar seguisse em frente com os métodos terroristas. Seu envolvimento no atentado contra o prédio da AMIA, em Buenos Aires, em 1994, que matou 85 pessoas, foi confirmado pela Justiça argentina em abril deste ano, ou seja, 30 anos depois. Entre outros episódios, um dos mais infames, pois afetou interesses da população do seu próprio país, foi a explosão de um carro-bomba para matar o primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005. No ano passado, Nasrallah comemorou o massacre promovido pelo Hamas no dia 7 de outubro em Israel, chamando de “heroica” a operação que matou 1195 israelenses (segundo a ONG Human Rights Watch), a grande maioria civis, em meio a cenas de estupros, torturas, bebês trucidados, violação de cadáveres e sequestros. O líder do Hezbollah vangloriou-se de ter entrado na guerra no dia seguinte com disparos de foguetes contra território israelense.

Nasrallah não fará falta ao mundo, mas sua ausência ou a dos outros potenciais sucessores que foram mortos nos últimos dias em ataques israelenses não significa o começo do fim do Hezbollah. Como mostram os exemplos de outros grupos jihadistas cujos líderes foram eliminados nos últimos anos, é preciso muito mais para desmantelar uma organização terrorista ou reduzir significativamente sua ameaça.

A própria Al Qaeda – cujo ataque de 11 de setembro de 2001 deu origem à Guerra ao Terror, o maior esforço bélico dos Estados Unidos desde a Guerra Fria – começou a ser derrotada muito antes do assassinato de seu líder, Osama Bin Laden, em 2011, e do seu sucessor, Ayman al-Zawahiri, em 2022. As mortes de ambos foram simbólicas, mas a Al Qaeda já havia, àquela altura, perdido muito de sua capacidade de recrutar e preparar terroristas e de organizar grandes atentados no exterior, graças a uma combinação de trabalho de inteligência e de cooperação entre países, de estrangulamento financeiro e de erradicação de campos de treinamento. Pode-se também argumentar que, na realidade, a Al Qaeda nunca foi derrotada, apenas se desmembrou em outros grupos, com novas lideranças, que mantiveram parte de sua ideologia e de seus objetivos.

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Essa dinâmica ficou bem conhecida com o desmantelamento da filial da Al Qaeda no Iraque depois da morte de seu líder local, Abu al-Zarqawi, em um bombardeio americano em 2006. Houve, ao longo dos anos seguintes, uma longa disputa interna, o rompimento com a Al Qaeda após a morte de Bin Laden e a refundação do grupo com o nome de Estado Islâmico do Iraque e da Síria. O grupo literalmente tocou o terror na região a partir de 2013 e organizou ou inspirou atentados nos Estados Unidos, na Europa e em outras partes do globo. A morte de seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, em um ataque aéreo americano, em 2019, foi apenas um dos elementos do declínio do Estado Islâmico, que já vinha sofrendo uma série de derrotas militares territoriais e perdendo sua capacidade de recrutamento, de financiamento e de treinamento de terroristas. (O Hezbollah, que apoia o regime do ditador Bashar Al Assad, na Síria, foi inclusive um dos grupos que combateram o Estado Islâmico.)

As mortes de Nasrallah e de muitos de seus companheiros, em si, não garantem o enfraquecimento do Hezbollah, que segue tendo à sua disposição 50.000 combatentes e um arsenal com milhares de foguetes apontados para Israel. O que pode ser determinante para o futuro do grupo é a disposição do Irã de seguir apoiado-o com dinheiro, treinamento e armas. Recentemente, com a morte de Ismail Haniyeh, principal líder do Hamas no exílio, Israel revelou sua capacidade de arquitetar assassinatos em pleno território iraniano, nas barbas do aiatolá Ali Khamenei, que depois da eliminação de Nasrallah resolveu reforçar o próprio esquema de segurança. Os poderosos em Teerã podem se ver mais propensos a garantir a própria sobrevivência, física e política, principalmente em um contexto em que Israel demonstra a disposição de ir às últimas consequências para cortar as cabeças de seus inimigos – ainda que outras cresçam em seus lugares.

Grupos terroristas são como Hidras. Não morrem quando suas cabeças são cortadas, pois outras nascem no lugar. Elas podem se enfraquecer momentaneamente, mas se regeneram e seguem provocando destruição com seu sangue venenoso. Foi assim com a Al Qaeda, com sua filial no Iraque, com o Estado Islâmico e com o Hamas, e assim será com o Hezbollah, o grupo libanês que está sob ataque de Israel.

Antes de mais nada, para que fique claro, o Hezbollah preenche todos os requisitos de uma organização terrorista, apesar de sua atuação formal na política do Líbano, em atividades sociais paraestatais e em empreendimentos econômicos (muitos ilegais, como o tráfico de drogas). A tática do homem-bomba em atentados foi popularizada pelo Hezbollah na década de 80 contra forças de paz no Líbano e replicada depois centenas de vezes por outros grupos fundamentalistas islâmicos em todo o mundo, não só em países do Oriente Médio.

Iraniana segura um pôster do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, com a inscrição: 'À sua disposição, Nasrallah', durante uma manifestação anti-Israel em Teerã, no Irã Foto: Vahid Salemi/AP

O Hezbollah começou a participar de governos libaneses em 1992, mesmo ano em que Hassan Nasrallah, o líder assassinado por bombardeio israelense em Beirute na sexta-feira, 27, se tornou seu chefe. A legitimação política interna não impediu que seu braço militar seguisse em frente com os métodos terroristas. Seu envolvimento no atentado contra o prédio da AMIA, em Buenos Aires, em 1994, que matou 85 pessoas, foi confirmado pela Justiça argentina em abril deste ano, ou seja, 30 anos depois. Entre outros episódios, um dos mais infames, pois afetou interesses da população do seu próprio país, foi a explosão de um carro-bomba para matar o primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005. No ano passado, Nasrallah comemorou o massacre promovido pelo Hamas no dia 7 de outubro em Israel, chamando de “heroica” a operação que matou 1195 israelenses (segundo a ONG Human Rights Watch), a grande maioria civis, em meio a cenas de estupros, torturas, bebês trucidados, violação de cadáveres e sequestros. O líder do Hezbollah vangloriou-se de ter entrado na guerra no dia seguinte com disparos de foguetes contra território israelense.

Nasrallah não fará falta ao mundo, mas sua ausência ou a dos outros potenciais sucessores que foram mortos nos últimos dias em ataques israelenses não significa o começo do fim do Hezbollah. Como mostram os exemplos de outros grupos jihadistas cujos líderes foram eliminados nos últimos anos, é preciso muito mais para desmantelar uma organização terrorista ou reduzir significativamente sua ameaça.

A própria Al Qaeda – cujo ataque de 11 de setembro de 2001 deu origem à Guerra ao Terror, o maior esforço bélico dos Estados Unidos desde a Guerra Fria – começou a ser derrotada muito antes do assassinato de seu líder, Osama Bin Laden, em 2011, e do seu sucessor, Ayman al-Zawahiri, em 2022. As mortes de ambos foram simbólicas, mas a Al Qaeda já havia, àquela altura, perdido muito de sua capacidade de recrutar e preparar terroristas e de organizar grandes atentados no exterior, graças a uma combinação de trabalho de inteligência e de cooperação entre países, de estrangulamento financeiro e de erradicação de campos de treinamento. Pode-se também argumentar que, na realidade, a Al Qaeda nunca foi derrotada, apenas se desmembrou em outros grupos, com novas lideranças, que mantiveram parte de sua ideologia e de seus objetivos.

Essa dinâmica ficou bem conhecida com o desmantelamento da filial da Al Qaeda no Iraque depois da morte de seu líder local, Abu al-Zarqawi, em um bombardeio americano em 2006. Houve, ao longo dos anos seguintes, uma longa disputa interna, o rompimento com a Al Qaeda após a morte de Bin Laden e a refundação do grupo com o nome de Estado Islâmico do Iraque e da Síria. O grupo literalmente tocou o terror na região a partir de 2013 e organizou ou inspirou atentados nos Estados Unidos, na Europa e em outras partes do globo. A morte de seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, em um ataque aéreo americano, em 2019, foi apenas um dos elementos do declínio do Estado Islâmico, que já vinha sofrendo uma série de derrotas militares territoriais e perdendo sua capacidade de recrutamento, de financiamento e de treinamento de terroristas. (O Hezbollah, que apoia o regime do ditador Bashar Al Assad, na Síria, foi inclusive um dos grupos que combateram o Estado Islâmico.)

As mortes de Nasrallah e de muitos de seus companheiros, em si, não garantem o enfraquecimento do Hezbollah, que segue tendo à sua disposição 50.000 combatentes e um arsenal com milhares de foguetes apontados para Israel. O que pode ser determinante para o futuro do grupo é a disposição do Irã de seguir apoiado-o com dinheiro, treinamento e armas. Recentemente, com a morte de Ismail Haniyeh, principal líder do Hamas no exílio, Israel revelou sua capacidade de arquitetar assassinatos em pleno território iraniano, nas barbas do aiatolá Ali Khamenei, que depois da eliminação de Nasrallah resolveu reforçar o próprio esquema de segurança. Os poderosos em Teerã podem se ver mais propensos a garantir a própria sobrevivência, física e política, principalmente em um contexto em que Israel demonstra a disposição de ir às últimas consequências para cortar as cabeças de seus inimigos – ainda que outras cresçam em seus lugares.

Grupos terroristas são como Hidras. Não morrem quando suas cabeças são cortadas, pois outras nascem no lugar. Elas podem se enfraquecer momentaneamente, mas se regeneram e seguem provocando destruição com seu sangue venenoso. Foi assim com a Al Qaeda, com sua filial no Iraque, com o Estado Islâmico e com o Hamas, e assim será com o Hezbollah, o grupo libanês que está sob ataque de Israel.

Antes de mais nada, para que fique claro, o Hezbollah preenche todos os requisitos de uma organização terrorista, apesar de sua atuação formal na política do Líbano, em atividades sociais paraestatais e em empreendimentos econômicos (muitos ilegais, como o tráfico de drogas). A tática do homem-bomba em atentados foi popularizada pelo Hezbollah na década de 80 contra forças de paz no Líbano e replicada depois centenas de vezes por outros grupos fundamentalistas islâmicos em todo o mundo, não só em países do Oriente Médio.

Iraniana segura um pôster do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, com a inscrição: 'À sua disposição, Nasrallah', durante uma manifestação anti-Israel em Teerã, no Irã Foto: Vahid Salemi/AP

O Hezbollah começou a participar de governos libaneses em 1992, mesmo ano em que Hassan Nasrallah, o líder assassinado por bombardeio israelense em Beirute na sexta-feira, 27, se tornou seu chefe. A legitimação política interna não impediu que seu braço militar seguisse em frente com os métodos terroristas. Seu envolvimento no atentado contra o prédio da AMIA, em Buenos Aires, em 1994, que matou 85 pessoas, foi confirmado pela Justiça argentina em abril deste ano, ou seja, 30 anos depois. Entre outros episódios, um dos mais infames, pois afetou interesses da população do seu próprio país, foi a explosão de um carro-bomba para matar o primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005. No ano passado, Nasrallah comemorou o massacre promovido pelo Hamas no dia 7 de outubro em Israel, chamando de “heroica” a operação que matou 1195 israelenses (segundo a ONG Human Rights Watch), a grande maioria civis, em meio a cenas de estupros, torturas, bebês trucidados, violação de cadáveres e sequestros. O líder do Hezbollah vangloriou-se de ter entrado na guerra no dia seguinte com disparos de foguetes contra território israelense.

Nasrallah não fará falta ao mundo, mas sua ausência ou a dos outros potenciais sucessores que foram mortos nos últimos dias em ataques israelenses não significa o começo do fim do Hezbollah. Como mostram os exemplos de outros grupos jihadistas cujos líderes foram eliminados nos últimos anos, é preciso muito mais para desmantelar uma organização terrorista ou reduzir significativamente sua ameaça.

A própria Al Qaeda – cujo ataque de 11 de setembro de 2001 deu origem à Guerra ao Terror, o maior esforço bélico dos Estados Unidos desde a Guerra Fria – começou a ser derrotada muito antes do assassinato de seu líder, Osama Bin Laden, em 2011, e do seu sucessor, Ayman al-Zawahiri, em 2022. As mortes de ambos foram simbólicas, mas a Al Qaeda já havia, àquela altura, perdido muito de sua capacidade de recrutar e preparar terroristas e de organizar grandes atentados no exterior, graças a uma combinação de trabalho de inteligência e de cooperação entre países, de estrangulamento financeiro e de erradicação de campos de treinamento. Pode-se também argumentar que, na realidade, a Al Qaeda nunca foi derrotada, apenas se desmembrou em outros grupos, com novas lideranças, que mantiveram parte de sua ideologia e de seus objetivos.

Essa dinâmica ficou bem conhecida com o desmantelamento da filial da Al Qaeda no Iraque depois da morte de seu líder local, Abu al-Zarqawi, em um bombardeio americano em 2006. Houve, ao longo dos anos seguintes, uma longa disputa interna, o rompimento com a Al Qaeda após a morte de Bin Laden e a refundação do grupo com o nome de Estado Islâmico do Iraque e da Síria. O grupo literalmente tocou o terror na região a partir de 2013 e organizou ou inspirou atentados nos Estados Unidos, na Europa e em outras partes do globo. A morte de seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, em um ataque aéreo americano, em 2019, foi apenas um dos elementos do declínio do Estado Islâmico, que já vinha sofrendo uma série de derrotas militares territoriais e perdendo sua capacidade de recrutamento, de financiamento e de treinamento de terroristas. (O Hezbollah, que apoia o regime do ditador Bashar Al Assad, na Síria, foi inclusive um dos grupos que combateram o Estado Islâmico.)

As mortes de Nasrallah e de muitos de seus companheiros, em si, não garantem o enfraquecimento do Hezbollah, que segue tendo à sua disposição 50.000 combatentes e um arsenal com milhares de foguetes apontados para Israel. O que pode ser determinante para o futuro do grupo é a disposição do Irã de seguir apoiado-o com dinheiro, treinamento e armas. Recentemente, com a morte de Ismail Haniyeh, principal líder do Hamas no exílio, Israel revelou sua capacidade de arquitetar assassinatos em pleno território iraniano, nas barbas do aiatolá Ali Khamenei, que depois da eliminação de Nasrallah resolveu reforçar o próprio esquema de segurança. Os poderosos em Teerã podem se ver mais propensos a garantir a própria sobrevivência, física e política, principalmente em um contexto em que Israel demonstra a disposição de ir às últimas consequências para cortar as cabeças de seus inimigos – ainda que outras cresçam em seus lugares.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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