Análises sobre o estado geral da nação

Opinião|Operação contra generais não basta: para eliminar golpismo, será preciso mudar ensino militar


Ação da PF tem fato inédito de colocar como alvos militares de alta patente por acusação de tentativa de golpe de Estado

Por Diogo Schelp
Atualização:

O fato verdadeiramente inédito criado pela Operação Tempus Veritatis desta quinta-feira, 8, é que ela colocou a Polícia Federal no encalço de militares de alta patente, todos suspeitos de participar de uma conspiração para promover um golpe de Estado, desrespeitando o resultado da eleição presidencial de 2022. Na lista estão dezesseis militares, entre os quais generais e um almirante que tiveram funções de destaque durante o governo de Jair Bolsonaro.

Policiais federais deixam o prédio onde mora o General Augusto Heleno, após realizar busca e aprender em seu apartamento em Brasília DF Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Há um longo caminho a ser percorrido após a análise do material coletado nos endereços dos investigados, mas as evidências que embasaram a operação são contundentes: incluem, por exemplo, conversas em aplicativo de mensagem e vídeos de reuniões que mostram maquinações bastante evidentes contra a ordem democrática.

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Se for comprovada a culpa dos envolvidos, haverá o desafio de puni-los com a lei, muito recente, que substituiu a obsoleta Lei de Segurança Nacional, e que tipifica como crimes, por exemplo, as tentativas de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito. Atenção para a palavra “tentativa”. Ou seja, os atos de planejar e agir com o propósito de impedir o “exercício dos Poderes constitucionais” ou de promover um golpe já configuram crimes, não é preciso que eles atinjam seu objetivo.

Se os militares afetados pela operação da PF vierem de fato a se tornar réus e forem condenados, teremos mais um fato histórico — o Brasil tem uma tradição de anistiar militares golpistas, com base na convicção de que a punição pode alimentar o ressentimento da caserna e criar novos problemas mais à frente. Isso ocorreu na presidência de Juscelino Kubitschek e também na transição do regime militar para a atual fase democrática.

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Uma eventual punição de militares de alta patente, contudo, não será o bastante para eliminar a gestação de aspirações golpistas nas Forças Armadas. O Brasil precisa reforçar o controle civil sobre os militares, como fizeram outras democracias mais consolidadas, e isso passa não apenas pela aprovação de regras que os afastem da interferência na política, como a PEC que pretende proibir os oficiais da ativa de participar de eleições ou do alto escalão do governo, mas também por uma reformulação no ensino militar.

O que os militares em formação aprendem nas instituições do Exército, por exemplo, estimula a mentalidade de que têm um papel de salvadores da pátria não apenas na defesa externa, mas também internamente, no campo político. A doutrina de contrainsurgência contra grupos políticos dos tempos do regime militar ainda tem influência nas Escolas Militares e sequer a questão de 31 de março de 1964 está pacificada. Enquanto prevalecer na cúpula das Forças Armadas, e portanto nos quarteis, o entendimento de que o que ocorreu naquela data foi uma revolução e não um golpe de Estado, não será possível confiar que os militares aceitam plenamente o controle civil sobre eles.

Durante o governo Bolsonaro, permitia-se a comemoração aberta do golpe que deu início à ditadura militar como um “movimento” que fez muito bem ao país. O general Braga Netto, um dos que agora foram alvos da operação PF, quando se tornou ministro da Defesa, em 2021, afirmou que “devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março” como um movimento que salvou o país de ameaças reais à democracia. O general Hamilton Mourão, então vice de Bolsonaro, definiu 31 de março como uma “revolução”, uma “intervenção no processo político” para conter, entre outras coisas, o “caos social” e que resultou em um “regime que empreendeu as maiores reformas de sua história”.

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Enquanto não houver nas fileiras das Forças Armadas uma autocrítica em relação ao seu real papel e impacto na história recente do país, a formação das novas gerações de militares será sempre contaminada pela ideia de salvacionismo político e pela cultura do intervencionismo. E essa não é a função dos militares em uma democracia.

O fato verdadeiramente inédito criado pela Operação Tempus Veritatis desta quinta-feira, 8, é que ela colocou a Polícia Federal no encalço de militares de alta patente, todos suspeitos de participar de uma conspiração para promover um golpe de Estado, desrespeitando o resultado da eleição presidencial de 2022. Na lista estão dezesseis militares, entre os quais generais e um almirante que tiveram funções de destaque durante o governo de Jair Bolsonaro.

Policiais federais deixam o prédio onde mora o General Augusto Heleno, após realizar busca e aprender em seu apartamento em Brasília DF Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Há um longo caminho a ser percorrido após a análise do material coletado nos endereços dos investigados, mas as evidências que embasaram a operação são contundentes: incluem, por exemplo, conversas em aplicativo de mensagem e vídeos de reuniões que mostram maquinações bastante evidentes contra a ordem democrática.

Se for comprovada a culpa dos envolvidos, haverá o desafio de puni-los com a lei, muito recente, que substituiu a obsoleta Lei de Segurança Nacional, e que tipifica como crimes, por exemplo, as tentativas de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito. Atenção para a palavra “tentativa”. Ou seja, os atos de planejar e agir com o propósito de impedir o “exercício dos Poderes constitucionais” ou de promover um golpe já configuram crimes, não é preciso que eles atinjam seu objetivo.

Se os militares afetados pela operação da PF vierem de fato a se tornar réus e forem condenados, teremos mais um fato histórico — o Brasil tem uma tradição de anistiar militares golpistas, com base na convicção de que a punição pode alimentar o ressentimento da caserna e criar novos problemas mais à frente. Isso ocorreu na presidência de Juscelino Kubitschek e também na transição do regime militar para a atual fase democrática.

Uma eventual punição de militares de alta patente, contudo, não será o bastante para eliminar a gestação de aspirações golpistas nas Forças Armadas. O Brasil precisa reforçar o controle civil sobre os militares, como fizeram outras democracias mais consolidadas, e isso passa não apenas pela aprovação de regras que os afastem da interferência na política, como a PEC que pretende proibir os oficiais da ativa de participar de eleições ou do alto escalão do governo, mas também por uma reformulação no ensino militar.

O que os militares em formação aprendem nas instituições do Exército, por exemplo, estimula a mentalidade de que têm um papel de salvadores da pátria não apenas na defesa externa, mas também internamente, no campo político. A doutrina de contrainsurgência contra grupos políticos dos tempos do regime militar ainda tem influência nas Escolas Militares e sequer a questão de 31 de março de 1964 está pacificada. Enquanto prevalecer na cúpula das Forças Armadas, e portanto nos quarteis, o entendimento de que o que ocorreu naquela data foi uma revolução e não um golpe de Estado, não será possível confiar que os militares aceitam plenamente o controle civil sobre eles.

Durante o governo Bolsonaro, permitia-se a comemoração aberta do golpe que deu início à ditadura militar como um “movimento” que fez muito bem ao país. O general Braga Netto, um dos que agora foram alvos da operação PF, quando se tornou ministro da Defesa, em 2021, afirmou que “devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março” como um movimento que salvou o país de ameaças reais à democracia. O general Hamilton Mourão, então vice de Bolsonaro, definiu 31 de março como uma “revolução”, uma “intervenção no processo político” para conter, entre outras coisas, o “caos social” e que resultou em um “regime que empreendeu as maiores reformas de sua história”.

Enquanto não houver nas fileiras das Forças Armadas uma autocrítica em relação ao seu real papel e impacto na história recente do país, a formação das novas gerações de militares será sempre contaminada pela ideia de salvacionismo político e pela cultura do intervencionismo. E essa não é a função dos militares em uma democracia.

O fato verdadeiramente inédito criado pela Operação Tempus Veritatis desta quinta-feira, 8, é que ela colocou a Polícia Federal no encalço de militares de alta patente, todos suspeitos de participar de uma conspiração para promover um golpe de Estado, desrespeitando o resultado da eleição presidencial de 2022. Na lista estão dezesseis militares, entre os quais generais e um almirante que tiveram funções de destaque durante o governo de Jair Bolsonaro.

Policiais federais deixam o prédio onde mora o General Augusto Heleno, após realizar busca e aprender em seu apartamento em Brasília DF Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Há um longo caminho a ser percorrido após a análise do material coletado nos endereços dos investigados, mas as evidências que embasaram a operação são contundentes: incluem, por exemplo, conversas em aplicativo de mensagem e vídeos de reuniões que mostram maquinações bastante evidentes contra a ordem democrática.

Se for comprovada a culpa dos envolvidos, haverá o desafio de puni-los com a lei, muito recente, que substituiu a obsoleta Lei de Segurança Nacional, e que tipifica como crimes, por exemplo, as tentativas de golpe de Estado e de abolição do Estado Democrático de Direito. Atenção para a palavra “tentativa”. Ou seja, os atos de planejar e agir com o propósito de impedir o “exercício dos Poderes constitucionais” ou de promover um golpe já configuram crimes, não é preciso que eles atinjam seu objetivo.

Se os militares afetados pela operação da PF vierem de fato a se tornar réus e forem condenados, teremos mais um fato histórico — o Brasil tem uma tradição de anistiar militares golpistas, com base na convicção de que a punição pode alimentar o ressentimento da caserna e criar novos problemas mais à frente. Isso ocorreu na presidência de Juscelino Kubitschek e também na transição do regime militar para a atual fase democrática.

Uma eventual punição de militares de alta patente, contudo, não será o bastante para eliminar a gestação de aspirações golpistas nas Forças Armadas. O Brasil precisa reforçar o controle civil sobre os militares, como fizeram outras democracias mais consolidadas, e isso passa não apenas pela aprovação de regras que os afastem da interferência na política, como a PEC que pretende proibir os oficiais da ativa de participar de eleições ou do alto escalão do governo, mas também por uma reformulação no ensino militar.

O que os militares em formação aprendem nas instituições do Exército, por exemplo, estimula a mentalidade de que têm um papel de salvadores da pátria não apenas na defesa externa, mas também internamente, no campo político. A doutrina de contrainsurgência contra grupos políticos dos tempos do regime militar ainda tem influência nas Escolas Militares e sequer a questão de 31 de março de 1964 está pacificada. Enquanto prevalecer na cúpula das Forças Armadas, e portanto nos quarteis, o entendimento de que o que ocorreu naquela data foi uma revolução e não um golpe de Estado, não será possível confiar que os militares aceitam plenamente o controle civil sobre eles.

Durante o governo Bolsonaro, permitia-se a comemoração aberta do golpe que deu início à ditadura militar como um “movimento” que fez muito bem ao país. O general Braga Netto, um dos que agora foram alvos da operação PF, quando se tornou ministro da Defesa, em 2021, afirmou que “devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março” como um movimento que salvou o país de ameaças reais à democracia. O general Hamilton Mourão, então vice de Bolsonaro, definiu 31 de março como uma “revolução”, uma “intervenção no processo político” para conter, entre outras coisas, o “caos social” e que resultou em um “regime que empreendeu as maiores reformas de sua história”.

Enquanto não houver nas fileiras das Forças Armadas uma autocrítica em relação ao seu real papel e impacto na história recente do país, a formação das novas gerações de militares será sempre contaminada pela ideia de salvacionismo político e pela cultura do intervencionismo. E essa não é a função dos militares em uma democracia.

Opinião por Diogo Schelp

Jornalista e comentarista político, foi editor executivo da Veja entre 2012 e 2018. Posteriormente, foi redator-chefe da Istoé, colunista de política do UOL e comentarista da Jovem Pan News. É mestre em Relações Internacionais pela USP.

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