A perspectiva de retomada pelo PT de prefeituras do ABC paulista nas eleições municipais de 2024 tem feito com que partidos de direita, como o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, negociem candidaturas mais moderadas e ligadas às gestões tucanas. O movimento ajuda a consolidar o voto bolsonarista sem afastar o eleitorado de centro em locais onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve bom desempenho no ano passado.
Das sete cidades da região, três são governadas atualmente pelo PSDB — todos os prefeitos tucanos estão de saída do cargo após dois mandatos. O partido também enfrenta uma crise após a perda do governo do Estado de São Paulo pela primeira vez em 28 anos, a debandada de filiados e as brigas internas pelo comando da sigla. O cenário poderia abrir espaço para o lançamento de candidaturas de outsiders bolsonaristas para rivalizar com o PT, mas essa não tem sido a estratégia adotada.
Para Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fespsp e da ESPM, esse fato é um reflexo dos acontecimentos do 8 de janeiro e das investigações que pesam contra Bolsonaro. “A vinculação tem um preço”, aponta. “O temor de novas punições, incluindo a prisão (de Bolsonaro), faz com que os partidos busquem novas estratégias, como o resgate da relação com velhos políticos de centro-direita, figuras mais moderadas”. Mas o discurso radical deve continuar presente nas eleições para vereador, em que faz mais sentido mirar em nichos do eleitorado, destaca Ramirez.
Um dos focos do PT nas eleições do próximo ano, por exemplo, é a retomada da prefeitura de São Bernardo do Campo. A cidade que abriga a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC não é governada pelo partido desde 2016. Foram duas derrotas seguidas para Orlando Morando (PSDB), aliado do ex-governador João Doria, que agora enfrenta o desafio de indicar um sucessor para 2024.
Apesar da disputa aberta, nem o PL de Bolsonaro, nem o Republicanos, do governador Tarcísio de Freitas, anunciaram pré-candidatos em São Bernardo até o momento. Houve, na realidade, aproximação do prefeito tucano com lideranças do PL, entre elas o presidente Valdemar Costa Neto. Morando também conta com o presidente e a vice do diretório municipal do partido entre o seu secretariado.
O nome mais cotado para representar o grupo governista é o do deputado federal Alex Manente (Cidadania), partido federado com o PSDB. Ele tem pela frente a missão de barrar o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira (PT), provável candidato de Lula no pleito. O petista tem dado indícios de que pretende colar a imagem de Morando a Bolsonaro, dizendo que ele é “mais bolsonarista” do que o ex-presidente.
Ao Estadão, Luiz Fernando disse não acreditar numa participação ativa de Bolsonaro e Tarcísio contra ele. “Eles não influenciam quase nada. Não são bons cabos eleitorais. Perderam a eleição aqui”, afirma o deputado. Teixeira pode ainda enfrentar o “fogo amigo” do PSB, que é base do governo Lula, com o ex-deputado Marcelo Lima no páreo. Eleito pelo Solidariedade, ele recentemente perdeu o mandato por deixar o partido sem justa causa, no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral.
Prefeito de Santo André articula candidato ‘de centro’ com o PL
Em Santo André, a aposta da sigla de Bolsonaro e Valdemar Costa Neto é Luiz Zacarias. Político da “velha guarda” do PL, ele é o vice de Paulo Serra (PSDB) e sua eventual candidatura seria na linha da continuidade do governo. O prefeito, no entanto, adiou a escolha e defende um nome próprio da federação PSDB-Cidadania. Além disso, o pré-candidato do PL tentou uma vaga de deputado federal em 2022 e não foi eleito.
Serra é o atual presidente estadual do PSDB e enfrenta a oposição aberta de Orlando Morando, a quem acusa de adotar “modelo bélico” de política em vez do diálogo. Em conversa com o Estadão, ele garantiu que não pretende contar nem com Lula, nem com Bolsonaro no palanque. Segundo ele, o que define o voto na cidade é a realidade local, e não a “radicalização” entre os dois campos ideológicos.
“Em 2020, tinha candidato bolsonarista e lulista aqui na cidade e eu venci com quase 80% dos votos no primeiro turno. A tendência no ABC é de olhar muito para o quintal de casa”, afirma. Ele espera, por outro lado, uma “aproximação natural” com Tarcísio, por dividirem “a mesma raia” contra o PT, que deve apostar na ex-vereadora Bete Siraque. O tucano também tem conversas em andamento com o pré-candidato do PSB, o vereador Eduardo Leite.
PT formou ‘cinturão vermelho’ com ABC no passado
O ABC paulista abrange algumas das principais prefeituras do chamado “cinturão vermelho” que o PT dominou entre 2003 e 2016 em São Paulo, quando tinha a Presidência da República. Com o retorno de Lula, a esperança do partido é retomar ao menos em parte esse resultado. O petista venceu Bolsonaro em 23 dos 39 municípios da região metropolitana na eleição do ano passado.
No pleito municipal de 2000, por exemplo, o PT obteve cinco das sete prefeituras da Grande ABC. Depois, reduziu a influência para duas, em 2004, e três, nas eleições de 2008 e 2012. Mas o partido ganhou em representatividade no período, chegando a governar, ao mesmo tempo, São Bernardo do Campo e Santo André, os dois municípios de maior orçamento.
O PT foi varrido do ABC em 2016. Quem mais ganhou espaço foi o PSDB, com quatro prefeituras, além do PSB, com duas, e do PV. O partido de Lula se recuperou em 2020 em Diadema e Mauá, mas os tucanos mantiveram o domínio nas maiores cidades.
Oposição se divide no reduto petista de Mauá
Além de investir nas disputas de São Bernardo do Campo e Santo André, o PT coloca como principal meta no ABC a manutenção das duas cidades que recuperou em 2020: Diadema, com o prefeito José Filippi Júnior (PT), e Mauá, com Marcelo Oliveira (PT). Ambos devem buscar a reeleição em 2024.
Lula venceu Bolsonaro com folga em Diadema e por margem mais estreita em Mauá, onde há um congestionamento de nomes disputando o eleitorado de direita. O PL anunciou como pré-candidato o vereador Sargento Simões, que tende a colar na imagem de Bolsonaro e encampar a sua retórica. A escolha contrariou Clóvis Volpi, ex-prefeito de Ribeirão Pires que era um dos cotados para a disputa pelo partido.
Volpi agora se aproxima de Juiz João (PSD), aliado de Tarcísio que comanda a Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa) e também aparece como um dos possíveis candidatos em Mauá. Outro a sondar o apoio de Tarcísio é o deputado estadual Atila Jacomussi, que anunciou desfiliação do Solidariedade e ainda não anunciou seu destino. Ex-prefeito de Mauá, ele perdeu para Oliveira por menos de 3 mil votos em 2020.
Em Diadema, o cenário está mais consolidado. Um dos principais postulantes ao cargo, o ex-vereador Ricardo Yoshio, aderiu ao governo de Filippi Júnior. O principal adversário do petista passou a ser o presidente da autarquia SPObras, Taka Yamauchi (MDB), aliado do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. A aliança de Nunes com Tarcísio na capital fortalece as chances de receber o apoio do governo paulista.
Nas demais cidades do Grande ABC, as disputas não devem envolver o PT como cabeça de chapa. Em São Caetano do Sul, Bolsonaro teve ampla vantagem. O prefeito José Auricchio Júnior (PSDB), que deixa o cargo após dois mandatos, ainda não definiu sua preferência. Ele foi sondado este ano pelo PSD. Seu filho, Thiago Auricchio, é deputado estadual pelo PL.
Segundo o presidente estadual do Republicanos, Roberto Carneiro, a sigla deve filiar o vereador e ex-prefeito Tite Campanella, do Cidadania, para concorrer na cidade. O grupo de Auricchio Júnior discute alternativas, entre elas a secretária da Saúde, Regina Maura (PSDB). Na oposição, outro figurando como pré-candidato é o ex-vereador Fabio Palacio (União Brasil).
A corrida eleitoral em Ribeirão Pires terá o prefeito Guto Volpi (PL) tentando novo mandato, com o PT endossando algum candidato de oposição. Ele venceu eleição suplementar em 2022 após a cassação do mandato do pai, Clóvis Volpi. Em Rio Grande da Serra, por sua vez, a tendência é o partido apoiar a prefeita Penha Fumagalli (PSD), que era vice de Claudinho da Geladeira (PSDB) e assumiu o governo com o impeachment do prefeito.