Discurso pró-armamentista domina plenário do Congresso desde 2015, mostra levantamento


Dados do Instituto Fogo Cruzado mostram que ‘guinada conservadora’ no Legislativo nacional fez com que, pela primeira vez, falas a favor do armamento civil prevalecessem frente a discursos sobre controle de armas

Por Karina Ferreira
Atualização:

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, organização sem fins lucrativos que produz dados sobre violência armada, analisou 72 anos de discursos dos parlamentares do Congresso Nacional sobre o armamento civil e constatou que, a partir de 2015, o total de pronunciamentos pró-armas supera aqueles que apoiam o controle armamentista. Foi a primeira vez desde o primeiro discurso sobre armar os cidadãos, em 1951, em que há inversão de posicionamento sobre o tema – com mais parlamentares falando a favor da flexibilização das armas.

Entre 2015 e 2023, foram 376 falas na tribuna favoráveis ao maior acesso da população a armas, contra 157 contrárias. Só no ano passado, o número de discursos do campo armamentista supera em mais de três vezes os do campo pró-controle.

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A incidência de debates sobre armas aumentou drasticamente na 52ª legislatura da Casa, entre os anos de 2003 e 2007, impulsionado pelo debate acerca do Estatuto do Desarmamento. O discurso contrário ao armamentismo era a principal tendência à época. Segundo a pesquisa, o predomínio dos pronunciamentos favoráveis ao armamento da população iniciou apenas na 55ª legislatura, marcada por uma renovação sem precedentes de parlamentares no Congresso.

Alguns marcos da “guinada conservadora” são a chegada de deputados como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se elegeu pela primeira vez ao cargo e bateu a marca histórica de mais votado do País, e a eleição mais expressiva de Jair Bolsonaro (PL), que foi para seu sétimo mandato nas eleições de 2014, eleito como o deputado mais votado do Rio de Janeiro, na época pelo PP, com 464.572 votos. A família tem como uma de suas principais bandeiras o armamento civil como forma de “defesa” e é conhecida, inclusive, pelo símbolo de “arminha” feito com a mão. Entre os eleitos naquele ano, 198 assumiram pela primeira vez o cargo e 25 retornaram à Câmara após um período sem mandato.

Com Bolsonaro à frente da Presidência da República, o número de armas em mãos de civis disparou e o controle diminuiu. Foram decretos do Executivo, três portarias do Exército sobre monitoramento de armas e múltiplos projetos para facilitar o acesso a revólveres, fuzis e munições, usando os CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) para isso.

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Decretos do governo de Jair Bolsonaro (PL) flexibilizaram o registro de CACs no País Foto: Tiago Queiroz/Estadão.

O Estadão revelou em março deste ano que 5.235 pessoas que cumprem pena registraram armas no Exército, entre eles, condenados por assassinato, tráfico de drogas e estupro entre 2019 e 2022. Também durante o governo de Bolsonaro, 94 pessoas declaradas como mortas compraram quase 17 mil munições para armas de fogo em acervos de CACs.

O estudo do Instituto mostra que, mesmo com a mudança de direcionamento do Executivo sobre o tema, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023 e a revogação de decretos assinados por Bolsonaro, a pauta a favor do armamento da população seguiu em destaque entre os parlamentares. O que houve, entretanto, não foi um aumento dos discursos pró-armas, que não ultrapassaram os níveis de quando o assunto começou a efervescer no Congresso, de 2003 a 2007, mas sim, a queda de discursos pró-controle.

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Uma das hipóteses que a pesquisa sugere sobre a falta de reação dos parlamentares contrários é que isso ocorre porque esse campo acredita que o tema está pacificado. “Essa é uma crença de amplos setores da sociedade, que está baseada na aprovação do Estatuto do Desarmamento lá atrás e na velha ideia de que a maioria dos brasileiros é contra o armamento. Acontece que na história recente a gente percebe que não é bem assim”, comenta Terine Coelho, coordenadora de pesquisas do Fogo Cruzado.

Para ela, o grupo que fala contra o armamento também parece ter a impressão de que a revogação dos decretos, feita por Lula, resolveria a questão. “Os congressistas pró-armamento não se desmobilizaram e nem vão, porque esse assunto é central na organização desse grupo, que vem se renovando com congressistas mais jovens e que hoje tem uma bandeira muito consolidada, que é a derrubada da revogação dos decretos”, diz. Terine afirma que, considerando a atual formação do Congresso Nacional, não há nenhum indicativo de que esse tema não voltará ao centro do debate em algum momento nessa legislatura. “Precisamos ficar atentos”, alerta.

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Os principais argumentos usados nos discursos são o medo da violência, políticas de segurança pública, o suposto direito do “cidadão de bem” de se defender de bandidos, os limites do Executivo e do Legislativo no tema e o impacto que o armamento pode ter em grupos diferentes da população – como crianças, mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas negras, estudantes, entre outros.

Atualmente, 61 projetos de lei que incluem o termo “armamento civil” estão em tramitação na Câmara e 12 no Senado, segundo dados das próprias Casas. A legislatura atual, que vai até 2027, mas já acumula 75 discursos armamentistas ante 24 de parlamentares contrários, é marcada pela criação do movimento Proarmas, encabeçado pelo deputado Marcos Pollon (PL-MS), deputado mais votado em Mato Grosso do Sul. Foi ele também o campeão de discursos desse campo, com 14, seguido de Eduardo Bolsonaro, com 7; Alberto Fraga (PL-DF), com 5; Coronel Fernanda (PL-MT), com 4; e Cabo Gilberto Silva (PL-RS), com 3 discursos. Ao todo, 30 parlamentares usaram a tribuna para defender o armamento no ano passado.

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Em 2022, o Proarmas, maior associação armamentista do País, foi responsável por apoiar e conseguir eleger 23 representantes no Congresso, sendo 16 deputados e sete senadores que, juntos, receberam 18,6 milhões de votos. O PL foi o partido que fez o maior número de CACs da bancada eleita, com 17 parlamentares.

Pronunciamentos de Bolsonaro como deputado fortaleceram posição pró-armas no Congresso

A pesquisadora Deysi Cioccari, que estudou os 1.500 discursos de Jair Bolsonaro enquanto deputado federal, entre 1991 e 2018, em sua pesquisa de pós-doutorado em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, relembra que ele ganhou os holofotes da mídia pela primeira vez quando discutiu com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, no fatídico episódio em que disse que a parlamentar “não merecia” ser estuprada. A pesquisadora afirma que foi a primeira vez em que alguém que falou de estupro foi chamado de “mito” e que os conservadores da legislatura de 2015 foram eleitos nessa esteira. “Bolsonaro deu a voz que eles precisavam para se organizar e sair das ‘sombras’”. Ela é autora do livro Jair: 1991-2022.

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Durante seus anos na Casa legislativa, o então deputado usou a tribuna para pronunciamento que, em 90% das vezes, se relacionaram aos militares, afirma a pesquisadora. “Os discursos dele sempre foram voltados muito mais às armas do que a qualquer outra ala conservadora”, compara.

Segundo o estudo, uma das principais bandeiras dessa ala é a tese do “bandido bom é bandido morto”. A sensação de insegurança, crises na segurança pública e discursos televisivos que aumentam essa percepção no cidadão formam um contexto propício para figuras como essa e para o tema do armamento como “defesa pessoal”. “Para a extrema-direita, o delinquente é sempre o outro, que precisa ser combatido”, afirma a pesquisadora, que argumenta que o uso do medo como agente mobilizador e aglutinador é uma estratégia política antiga.

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, organização sem fins lucrativos que produz dados sobre violência armada, analisou 72 anos de discursos dos parlamentares do Congresso Nacional sobre o armamento civil e constatou que, a partir de 2015, o total de pronunciamentos pró-armas supera aqueles que apoiam o controle armamentista. Foi a primeira vez desde o primeiro discurso sobre armar os cidadãos, em 1951, em que há inversão de posicionamento sobre o tema – com mais parlamentares falando a favor da flexibilização das armas.

Entre 2015 e 2023, foram 376 falas na tribuna favoráveis ao maior acesso da população a armas, contra 157 contrárias. Só no ano passado, o número de discursos do campo armamentista supera em mais de três vezes os do campo pró-controle.

A incidência de debates sobre armas aumentou drasticamente na 52ª legislatura da Casa, entre os anos de 2003 e 2007, impulsionado pelo debate acerca do Estatuto do Desarmamento. O discurso contrário ao armamentismo era a principal tendência à época. Segundo a pesquisa, o predomínio dos pronunciamentos favoráveis ao armamento da população iniciou apenas na 55ª legislatura, marcada por uma renovação sem precedentes de parlamentares no Congresso.

Alguns marcos da “guinada conservadora” são a chegada de deputados como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se elegeu pela primeira vez ao cargo e bateu a marca histórica de mais votado do País, e a eleição mais expressiva de Jair Bolsonaro (PL), que foi para seu sétimo mandato nas eleições de 2014, eleito como o deputado mais votado do Rio de Janeiro, na época pelo PP, com 464.572 votos. A família tem como uma de suas principais bandeiras o armamento civil como forma de “defesa” e é conhecida, inclusive, pelo símbolo de “arminha” feito com a mão. Entre os eleitos naquele ano, 198 assumiram pela primeira vez o cargo e 25 retornaram à Câmara após um período sem mandato.

Com Bolsonaro à frente da Presidência da República, o número de armas em mãos de civis disparou e o controle diminuiu. Foram decretos do Executivo, três portarias do Exército sobre monitoramento de armas e múltiplos projetos para facilitar o acesso a revólveres, fuzis e munições, usando os CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) para isso.

Decretos do governo de Jair Bolsonaro (PL) flexibilizaram o registro de CACs no País Foto: Tiago Queiroz/Estadão.

O Estadão revelou em março deste ano que 5.235 pessoas que cumprem pena registraram armas no Exército, entre eles, condenados por assassinato, tráfico de drogas e estupro entre 2019 e 2022. Também durante o governo de Bolsonaro, 94 pessoas declaradas como mortas compraram quase 17 mil munições para armas de fogo em acervos de CACs.

O estudo do Instituto mostra que, mesmo com a mudança de direcionamento do Executivo sobre o tema, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023 e a revogação de decretos assinados por Bolsonaro, a pauta a favor do armamento da população seguiu em destaque entre os parlamentares. O que houve, entretanto, não foi um aumento dos discursos pró-armas, que não ultrapassaram os níveis de quando o assunto começou a efervescer no Congresso, de 2003 a 2007, mas sim, a queda de discursos pró-controle.

Uma das hipóteses que a pesquisa sugere sobre a falta de reação dos parlamentares contrários é que isso ocorre porque esse campo acredita que o tema está pacificado. “Essa é uma crença de amplos setores da sociedade, que está baseada na aprovação do Estatuto do Desarmamento lá atrás e na velha ideia de que a maioria dos brasileiros é contra o armamento. Acontece que na história recente a gente percebe que não é bem assim”, comenta Terine Coelho, coordenadora de pesquisas do Fogo Cruzado.

Para ela, o grupo que fala contra o armamento também parece ter a impressão de que a revogação dos decretos, feita por Lula, resolveria a questão. “Os congressistas pró-armamento não se desmobilizaram e nem vão, porque esse assunto é central na organização desse grupo, que vem se renovando com congressistas mais jovens e que hoje tem uma bandeira muito consolidada, que é a derrubada da revogação dos decretos”, diz. Terine afirma que, considerando a atual formação do Congresso Nacional, não há nenhum indicativo de que esse tema não voltará ao centro do debate em algum momento nessa legislatura. “Precisamos ficar atentos”, alerta.

Os principais argumentos usados nos discursos são o medo da violência, políticas de segurança pública, o suposto direito do “cidadão de bem” de se defender de bandidos, os limites do Executivo e do Legislativo no tema e o impacto que o armamento pode ter em grupos diferentes da população – como crianças, mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas negras, estudantes, entre outros.

Atualmente, 61 projetos de lei que incluem o termo “armamento civil” estão em tramitação na Câmara e 12 no Senado, segundo dados das próprias Casas. A legislatura atual, que vai até 2027, mas já acumula 75 discursos armamentistas ante 24 de parlamentares contrários, é marcada pela criação do movimento Proarmas, encabeçado pelo deputado Marcos Pollon (PL-MS), deputado mais votado em Mato Grosso do Sul. Foi ele também o campeão de discursos desse campo, com 14, seguido de Eduardo Bolsonaro, com 7; Alberto Fraga (PL-DF), com 5; Coronel Fernanda (PL-MT), com 4; e Cabo Gilberto Silva (PL-RS), com 3 discursos. Ao todo, 30 parlamentares usaram a tribuna para defender o armamento no ano passado.

Em 2022, o Proarmas, maior associação armamentista do País, foi responsável por apoiar e conseguir eleger 23 representantes no Congresso, sendo 16 deputados e sete senadores que, juntos, receberam 18,6 milhões de votos. O PL foi o partido que fez o maior número de CACs da bancada eleita, com 17 parlamentares.

Pronunciamentos de Bolsonaro como deputado fortaleceram posição pró-armas no Congresso

A pesquisadora Deysi Cioccari, que estudou os 1.500 discursos de Jair Bolsonaro enquanto deputado federal, entre 1991 e 2018, em sua pesquisa de pós-doutorado em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, relembra que ele ganhou os holofotes da mídia pela primeira vez quando discutiu com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, no fatídico episódio em que disse que a parlamentar “não merecia” ser estuprada. A pesquisadora afirma que foi a primeira vez em que alguém que falou de estupro foi chamado de “mito” e que os conservadores da legislatura de 2015 foram eleitos nessa esteira. “Bolsonaro deu a voz que eles precisavam para se organizar e sair das ‘sombras’”. Ela é autora do livro Jair: 1991-2022.

Durante seus anos na Casa legislativa, o então deputado usou a tribuna para pronunciamento que, em 90% das vezes, se relacionaram aos militares, afirma a pesquisadora. “Os discursos dele sempre foram voltados muito mais às armas do que a qualquer outra ala conservadora”, compara.

Segundo o estudo, uma das principais bandeiras dessa ala é a tese do “bandido bom é bandido morto”. A sensação de insegurança, crises na segurança pública e discursos televisivos que aumentam essa percepção no cidadão formam um contexto propício para figuras como essa e para o tema do armamento como “defesa pessoal”. “Para a extrema-direita, o delinquente é sempre o outro, que precisa ser combatido”, afirma a pesquisadora, que argumenta que o uso do medo como agente mobilizador e aglutinador é uma estratégia política antiga.

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, organização sem fins lucrativos que produz dados sobre violência armada, analisou 72 anos de discursos dos parlamentares do Congresso Nacional sobre o armamento civil e constatou que, a partir de 2015, o total de pronunciamentos pró-armas supera aqueles que apoiam o controle armamentista. Foi a primeira vez desde o primeiro discurso sobre armar os cidadãos, em 1951, em que há inversão de posicionamento sobre o tema – com mais parlamentares falando a favor da flexibilização das armas.

Entre 2015 e 2023, foram 376 falas na tribuna favoráveis ao maior acesso da população a armas, contra 157 contrárias. Só no ano passado, o número de discursos do campo armamentista supera em mais de três vezes os do campo pró-controle.

A incidência de debates sobre armas aumentou drasticamente na 52ª legislatura da Casa, entre os anos de 2003 e 2007, impulsionado pelo debate acerca do Estatuto do Desarmamento. O discurso contrário ao armamentismo era a principal tendência à época. Segundo a pesquisa, o predomínio dos pronunciamentos favoráveis ao armamento da população iniciou apenas na 55ª legislatura, marcada por uma renovação sem precedentes de parlamentares no Congresso.

Alguns marcos da “guinada conservadora” são a chegada de deputados como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se elegeu pela primeira vez ao cargo e bateu a marca histórica de mais votado do País, e a eleição mais expressiva de Jair Bolsonaro (PL), que foi para seu sétimo mandato nas eleições de 2014, eleito como o deputado mais votado do Rio de Janeiro, na época pelo PP, com 464.572 votos. A família tem como uma de suas principais bandeiras o armamento civil como forma de “defesa” e é conhecida, inclusive, pelo símbolo de “arminha” feito com a mão. Entre os eleitos naquele ano, 198 assumiram pela primeira vez o cargo e 25 retornaram à Câmara após um período sem mandato.

Com Bolsonaro à frente da Presidência da República, o número de armas em mãos de civis disparou e o controle diminuiu. Foram decretos do Executivo, três portarias do Exército sobre monitoramento de armas e múltiplos projetos para facilitar o acesso a revólveres, fuzis e munições, usando os CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) para isso.

Decretos do governo de Jair Bolsonaro (PL) flexibilizaram o registro de CACs no País Foto: Tiago Queiroz/Estadão.

O Estadão revelou em março deste ano que 5.235 pessoas que cumprem pena registraram armas no Exército, entre eles, condenados por assassinato, tráfico de drogas e estupro entre 2019 e 2022. Também durante o governo de Bolsonaro, 94 pessoas declaradas como mortas compraram quase 17 mil munições para armas de fogo em acervos de CACs.

O estudo do Instituto mostra que, mesmo com a mudança de direcionamento do Executivo sobre o tema, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023 e a revogação de decretos assinados por Bolsonaro, a pauta a favor do armamento da população seguiu em destaque entre os parlamentares. O que houve, entretanto, não foi um aumento dos discursos pró-armas, que não ultrapassaram os níveis de quando o assunto começou a efervescer no Congresso, de 2003 a 2007, mas sim, a queda de discursos pró-controle.

Uma das hipóteses que a pesquisa sugere sobre a falta de reação dos parlamentares contrários é que isso ocorre porque esse campo acredita que o tema está pacificado. “Essa é uma crença de amplos setores da sociedade, que está baseada na aprovação do Estatuto do Desarmamento lá atrás e na velha ideia de que a maioria dos brasileiros é contra o armamento. Acontece que na história recente a gente percebe que não é bem assim”, comenta Terine Coelho, coordenadora de pesquisas do Fogo Cruzado.

Para ela, o grupo que fala contra o armamento também parece ter a impressão de que a revogação dos decretos, feita por Lula, resolveria a questão. “Os congressistas pró-armamento não se desmobilizaram e nem vão, porque esse assunto é central na organização desse grupo, que vem se renovando com congressistas mais jovens e que hoje tem uma bandeira muito consolidada, que é a derrubada da revogação dos decretos”, diz. Terine afirma que, considerando a atual formação do Congresso Nacional, não há nenhum indicativo de que esse tema não voltará ao centro do debate em algum momento nessa legislatura. “Precisamos ficar atentos”, alerta.

Os principais argumentos usados nos discursos são o medo da violência, políticas de segurança pública, o suposto direito do “cidadão de bem” de se defender de bandidos, os limites do Executivo e do Legislativo no tema e o impacto que o armamento pode ter em grupos diferentes da população – como crianças, mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas negras, estudantes, entre outros.

Atualmente, 61 projetos de lei que incluem o termo “armamento civil” estão em tramitação na Câmara e 12 no Senado, segundo dados das próprias Casas. A legislatura atual, que vai até 2027, mas já acumula 75 discursos armamentistas ante 24 de parlamentares contrários, é marcada pela criação do movimento Proarmas, encabeçado pelo deputado Marcos Pollon (PL-MS), deputado mais votado em Mato Grosso do Sul. Foi ele também o campeão de discursos desse campo, com 14, seguido de Eduardo Bolsonaro, com 7; Alberto Fraga (PL-DF), com 5; Coronel Fernanda (PL-MT), com 4; e Cabo Gilberto Silva (PL-RS), com 3 discursos. Ao todo, 30 parlamentares usaram a tribuna para defender o armamento no ano passado.

Em 2022, o Proarmas, maior associação armamentista do País, foi responsável por apoiar e conseguir eleger 23 representantes no Congresso, sendo 16 deputados e sete senadores que, juntos, receberam 18,6 milhões de votos. O PL foi o partido que fez o maior número de CACs da bancada eleita, com 17 parlamentares.

Pronunciamentos de Bolsonaro como deputado fortaleceram posição pró-armas no Congresso

A pesquisadora Deysi Cioccari, que estudou os 1.500 discursos de Jair Bolsonaro enquanto deputado federal, entre 1991 e 2018, em sua pesquisa de pós-doutorado em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, relembra que ele ganhou os holofotes da mídia pela primeira vez quando discutiu com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, no fatídico episódio em que disse que a parlamentar “não merecia” ser estuprada. A pesquisadora afirma que foi a primeira vez em que alguém que falou de estupro foi chamado de “mito” e que os conservadores da legislatura de 2015 foram eleitos nessa esteira. “Bolsonaro deu a voz que eles precisavam para se organizar e sair das ‘sombras’”. Ela é autora do livro Jair: 1991-2022.

Durante seus anos na Casa legislativa, o então deputado usou a tribuna para pronunciamento que, em 90% das vezes, se relacionaram aos militares, afirma a pesquisadora. “Os discursos dele sempre foram voltados muito mais às armas do que a qualquer outra ala conservadora”, compara.

Segundo o estudo, uma das principais bandeiras dessa ala é a tese do “bandido bom é bandido morto”. A sensação de insegurança, crises na segurança pública e discursos televisivos que aumentam essa percepção no cidadão formam um contexto propício para figuras como essa e para o tema do armamento como “defesa pessoal”. “Para a extrema-direita, o delinquente é sempre o outro, que precisa ser combatido”, afirma a pesquisadora, que argumenta que o uso do medo como agente mobilizador e aglutinador é uma estratégia política antiga.

Um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, organização sem fins lucrativos que produz dados sobre violência armada, analisou 72 anos de discursos dos parlamentares do Congresso Nacional sobre o armamento civil e constatou que, a partir de 2015, o total de pronunciamentos pró-armas supera aqueles que apoiam o controle armamentista. Foi a primeira vez desde o primeiro discurso sobre armar os cidadãos, em 1951, em que há inversão de posicionamento sobre o tema – com mais parlamentares falando a favor da flexibilização das armas.

Entre 2015 e 2023, foram 376 falas na tribuna favoráveis ao maior acesso da população a armas, contra 157 contrárias. Só no ano passado, o número de discursos do campo armamentista supera em mais de três vezes os do campo pró-controle.

A incidência de debates sobre armas aumentou drasticamente na 52ª legislatura da Casa, entre os anos de 2003 e 2007, impulsionado pelo debate acerca do Estatuto do Desarmamento. O discurso contrário ao armamentismo era a principal tendência à época. Segundo a pesquisa, o predomínio dos pronunciamentos favoráveis ao armamento da população iniciou apenas na 55ª legislatura, marcada por uma renovação sem precedentes de parlamentares no Congresso.

Alguns marcos da “guinada conservadora” são a chegada de deputados como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se elegeu pela primeira vez ao cargo e bateu a marca histórica de mais votado do País, e a eleição mais expressiva de Jair Bolsonaro (PL), que foi para seu sétimo mandato nas eleições de 2014, eleito como o deputado mais votado do Rio de Janeiro, na época pelo PP, com 464.572 votos. A família tem como uma de suas principais bandeiras o armamento civil como forma de “defesa” e é conhecida, inclusive, pelo símbolo de “arminha” feito com a mão. Entre os eleitos naquele ano, 198 assumiram pela primeira vez o cargo e 25 retornaram à Câmara após um período sem mandato.

Com Bolsonaro à frente da Presidência da República, o número de armas em mãos de civis disparou e o controle diminuiu. Foram decretos do Executivo, três portarias do Exército sobre monitoramento de armas e múltiplos projetos para facilitar o acesso a revólveres, fuzis e munições, usando os CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) para isso.

Decretos do governo de Jair Bolsonaro (PL) flexibilizaram o registro de CACs no País Foto: Tiago Queiroz/Estadão.

O Estadão revelou em março deste ano que 5.235 pessoas que cumprem pena registraram armas no Exército, entre eles, condenados por assassinato, tráfico de drogas e estupro entre 2019 e 2022. Também durante o governo de Bolsonaro, 94 pessoas declaradas como mortas compraram quase 17 mil munições para armas de fogo em acervos de CACs.

O estudo do Instituto mostra que, mesmo com a mudança de direcionamento do Executivo sobre o tema, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023 e a revogação de decretos assinados por Bolsonaro, a pauta a favor do armamento da população seguiu em destaque entre os parlamentares. O que houve, entretanto, não foi um aumento dos discursos pró-armas, que não ultrapassaram os níveis de quando o assunto começou a efervescer no Congresso, de 2003 a 2007, mas sim, a queda de discursos pró-controle.

Uma das hipóteses que a pesquisa sugere sobre a falta de reação dos parlamentares contrários é que isso ocorre porque esse campo acredita que o tema está pacificado. “Essa é uma crença de amplos setores da sociedade, que está baseada na aprovação do Estatuto do Desarmamento lá atrás e na velha ideia de que a maioria dos brasileiros é contra o armamento. Acontece que na história recente a gente percebe que não é bem assim”, comenta Terine Coelho, coordenadora de pesquisas do Fogo Cruzado.

Para ela, o grupo que fala contra o armamento também parece ter a impressão de que a revogação dos decretos, feita por Lula, resolveria a questão. “Os congressistas pró-armamento não se desmobilizaram e nem vão, porque esse assunto é central na organização desse grupo, que vem se renovando com congressistas mais jovens e que hoje tem uma bandeira muito consolidada, que é a derrubada da revogação dos decretos”, diz. Terine afirma que, considerando a atual formação do Congresso Nacional, não há nenhum indicativo de que esse tema não voltará ao centro do debate em algum momento nessa legislatura. “Precisamos ficar atentos”, alerta.

Os principais argumentos usados nos discursos são o medo da violência, políticas de segurança pública, o suposto direito do “cidadão de bem” de se defender de bandidos, os limites do Executivo e do Legislativo no tema e o impacto que o armamento pode ter em grupos diferentes da população – como crianças, mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas negras, estudantes, entre outros.

Atualmente, 61 projetos de lei que incluem o termo “armamento civil” estão em tramitação na Câmara e 12 no Senado, segundo dados das próprias Casas. A legislatura atual, que vai até 2027, mas já acumula 75 discursos armamentistas ante 24 de parlamentares contrários, é marcada pela criação do movimento Proarmas, encabeçado pelo deputado Marcos Pollon (PL-MS), deputado mais votado em Mato Grosso do Sul. Foi ele também o campeão de discursos desse campo, com 14, seguido de Eduardo Bolsonaro, com 7; Alberto Fraga (PL-DF), com 5; Coronel Fernanda (PL-MT), com 4; e Cabo Gilberto Silva (PL-RS), com 3 discursos. Ao todo, 30 parlamentares usaram a tribuna para defender o armamento no ano passado.

Em 2022, o Proarmas, maior associação armamentista do País, foi responsável por apoiar e conseguir eleger 23 representantes no Congresso, sendo 16 deputados e sete senadores que, juntos, receberam 18,6 milhões de votos. O PL foi o partido que fez o maior número de CACs da bancada eleita, com 17 parlamentares.

Pronunciamentos de Bolsonaro como deputado fortaleceram posição pró-armas no Congresso

A pesquisadora Deysi Cioccari, que estudou os 1.500 discursos de Jair Bolsonaro enquanto deputado federal, entre 1991 e 2018, em sua pesquisa de pós-doutorado em Comunicação pela Faculdade Cásper Líbero, relembra que ele ganhou os holofotes da mídia pela primeira vez quando discutiu com a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014, no fatídico episódio em que disse que a parlamentar “não merecia” ser estuprada. A pesquisadora afirma que foi a primeira vez em que alguém que falou de estupro foi chamado de “mito” e que os conservadores da legislatura de 2015 foram eleitos nessa esteira. “Bolsonaro deu a voz que eles precisavam para se organizar e sair das ‘sombras’”. Ela é autora do livro Jair: 1991-2022.

Durante seus anos na Casa legislativa, o então deputado usou a tribuna para pronunciamento que, em 90% das vezes, se relacionaram aos militares, afirma a pesquisadora. “Os discursos dele sempre foram voltados muito mais às armas do que a qualquer outra ala conservadora”, compara.

Segundo o estudo, uma das principais bandeiras dessa ala é a tese do “bandido bom é bandido morto”. A sensação de insegurança, crises na segurança pública e discursos televisivos que aumentam essa percepção no cidadão formam um contexto propício para figuras como essa e para o tema do armamento como “defesa pessoal”. “Para a extrema-direita, o delinquente é sempre o outro, que precisa ser combatido”, afirma a pesquisadora, que argumenta que o uso do medo como agente mobilizador e aglutinador é uma estratégia política antiga.

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