BRASÍLIA E SÃO PAULO – A menos de dez dias do início da nova legislatura no Congresso, a eleição para o comando do Senado ganhou contornos de terceiro turno. A disputa protagonizada pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – que tem o apoio do PT e do governo Lula –, e pelo ex-ministro Rogério Marinho (PL-RN) – aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro – reproduz a polarização que marcou a corrida de 2022, principalmente nas redes sociais.
O Estadão apurou que a candidatura de Pacheco acabou sendo favorecida pelos atos golpistas do dia 8. A invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou, entre os senadores, o apelo por segurança institucional e uma avaliação reticente sobre a postulação de Marinho. Representantes do bolsonarismo, dentro e fora do Senado, trabalham para levar a eleição para o segundo turno, cogitando apoiar até uma “terceira via”, que poderia ser representada por Eduardo Girão (Podemos-CE).
De acordo com o Placar do Estadão, 22 senadores afirmaram que votarão em Pacheco e 13, em Marinho. A maioria, no entanto, preferiu não se pronunciar oficialmente. A bancada do PT, por exemplo, vai se reunir nesta semana para confirmar o apoio a Pacheco.
Placar Estadão
“Os atos golpistas do dia 8 fortaleceram a reeleição do presidente e enfraqueceram muito o nome de Rogério Marinho”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE). Do outro lado, a ex-ministra Damares Alves (Republicanos), eleita senadora pelo Distrito Federal, afirmou estar em campanha por Marinho: “Não só vou votar, como vou pedir votos para ele”.
A disputa no Senado desperta mais atenção neste ano do que a eleição na Câmara, onde o deputado Arthur Lira (PP-AL) deve ser reconduzido com apoio maciço de parlamentares governistas e da oposição. Quem comanda o Senado é também o presidente do Congresso.
O status de campanha está mais ligado à atuação de aliados de Bolsonaro. Nas redes, tentam minar Pacheco, associando seu nome ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e afirmam que o senador é uma “marionete” do Supremo Tribunal Federal (STF), numa estratégia que remete ao antigo “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto.
Ao longo da semana passada, o Monitor de Redes Sociais do Estadão, feito em parceria com a empresa Torabit, coletou mais de 149 mil posts no Twitter sobre a disputa. Pacheco concentra 65% das publicações – enquanto seu principal adversário fica com 19% –, mas as menções são predominantemente associadas a termos e hashtags negativos. Das 20 postagens mais relevantes sobre o assunto, 18 são contrárias ao atual presidente do Senado.
A eleição também se tornou um dos assuntos prioritários no YouTube, onde conteúdos relacionados a Pacheco tiveram mais de 1,9 milhão de visualizações, e no Facebook, que registrou 89 mil interações – soma de curtidas, comentários e compartilhamentos. Já o Instagram marcou 442 mil reações sobre o tema. Os dados são de um estudo feito por pesquisadoras das universidades federais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul.
Disputa pelo Congresso
Hashtags
No dia 16, apoiadores de Bolsonaro conseguiram levar a hashtag #PachecoNão para o terceiro lugar nos trending topics do Twitter, lista com os assuntos mais mencionados na plataforma. Outras tags relevantes foram #ForaPacheco e #PachecoNuncaMais.
Para insuflar seguidores, influenciadores pró-Marinho espalham fotos de Pacheco apertando a mão de Lula, posando ao lado do ministro da Justiça, Flávio Dino, e se reunindo com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que também integra o Supremo. Há também desinformação – como a história falsa de que o senador seria dono de um escritório de advocacia que defende empresa que “matou centenas de pessoas em Brumadinho”.
Apesar de não terem direito a voto, deputados bolsonaristas estão entre os mais influentes nas redes quando se trata da eleição no Senado. Gustavo Gayer (PL), alvo do inquérito das fake news e recém-eleito deputado por Goiás, criou um site com telefone e e-mail dos senadores para incentivar seguidores a “educadamente” cobrar os indecisos. A página foi compartilhada por deputados reeleitos como Carlos Jordy (PL-RJ) e Bia Kicis (PL-DF). Nela, a candidatura de Girão é tratada como aliada.
No Telegram, a estratégia é a mesma. Um modelo de e-mail para ser enviado aos senadores é compartilhado de forma frequente. O texto diz que Marinho é o candidato que pode “recuperar a confiança do povo” e a “independência do Senado diante do STF”. A mensagem também pede que a escolha do presidente do Senado, marcada para 1.º de fevereiro, logo após a posse dos novos senadores, ocorra de forma aberta – defesa feita por Girão e por Marinho. Pelo regimento da Casa, a eleição é secreta, mas os parlamentares podem optar por abrir seu voto no microfone.
Supremo
Segundo o levantamento feito pelas pesquisadoras Ana Júlia Bernardi, da UFRGS, e Letícia Capone, da UFRJ, o descontentamento dos apoiadores de Bolsonaro com Pacheco se resume essencialmente ao fato de o atual presidente do Senado nunca ter aceitado pautar o impeachment de ministros do STF. O próprio ex-presidente chegou a assinar um pedido contra Moraes.
“Não há questão de alinhamento ou não com Lula”, disse Pacheco, que em 2021 recebeu o apoio de Bolsonaro. “Meu compromisso sempre foi com a democracia, o estado de direito e a valorização das instituições, para evitar o discurso demagógico e populista de quem quer ter adesão em rede social.”
Marinho fala em “resgatar prerrogativas do Senado”, com o argumento de que o Judiciário “invadiu” a competência do Legislativo e se aliou ao governo Lula. “Há parlamentares que estão sofrendo censura prévia, estão ameaçados.”
Girão trata sua postulação como independente. “Não somos nem apoiados pelo Lula, que é o Pacheco, nem pelo Bolsonaro, que é o Rogério”, afirmou. Na prática, porém, o senador é um nome aceito pelo campo bolsonarista e muitas vezes tratado como linha auxiliar de Marinho, o que ele nega. “As pessoas, às vezes, não entendem o processo do Senado”, observou. “Quanto mais candidaturas, melhor, porque facilita o debate e o somatório de forças convergentes.”
Pelas regras do Senado, se nenhum dos candidatos obtiver 41 votos, a disputa será em segundo turno. A ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (MS) chegou a ser convidada para ser candidata, sob o argumento de que teria mais chances do que Marinho. O PL propôs à senadora eleita que se filiasse ao partido e entrasse na disputa. Ela não aceitou.