Do MTST ao acordo com o PT para representar a esquerda: Boulos espera polarização na disputa em SP


Filho de profissionais de saúde, pré-candidato do PSOL nunca foi sem-teto, mas chegou a morar em acampamento por vontade própria em início de trajetória que culminou com aliança com Lula para pré-candidatura na capital

Por Monica Gugliano
Atualização:

Passava das cinco horas da tarde quando o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) desceu do seu Celta e vestiu uma jaqueta preta corta-vento. Depois de um dia de muito calor, a temperatura despencara ao entardecer. Incomodado com o nariz que não parava de escorrer e espirrando muito, o pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo escolheu uma mesa em um café praticamente vazio e se sentou para conversar com o Estadão. Antes de qualquer palavra, porém, explicou, secando o nariz: “tenho rinite alérgica, muda o tempo e meu nariz fica infernal”. Pediu um café expresso e disse que não tínhamos muito tempo. Ele já estava sendo esperado para o penúltimo compromisso do dia que começara antes das oito da manhã. Era o lançamento da candidatura à vereadora pelo PSOL da líder comunitária Keit, que aconteceria no Sindicato dos Eletricitários no bairro da Liberdade.

Guilherme Boulos é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL Foto: Kleber Sales/Ilustração
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Alguns dias depois, Boulos teve que aposentar o Celta prateado – uma marca registrada dele. Diz ter passado a receber ameaças, então foi aconselhado a trocá-lo por um carro blindando. Não se sente lá muito à vontade. Mas, não tinha outro jeito senão aceitar a mudança. Entretanto, na sexta-feira em que o Estadão pode acompanhá-lo, ele ainda percorria a cidade, junto com mais três ou quatro pessoas no bravo carrinho, com todos os vidros abertos. Nesse dia que passamos com ele, a jornada começou cedo na Favela da Vila Prudente, uma das mais antigas da cidade, onde vivem aproximadamente 7 mil pessoas, e que passou por muitas tentativas de reurbanização, nunca finalizadas. O perfil do deputado é o segundo da série do Estadão sobre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo, que teve início com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB).

Boulos era esperado por alguns moradores e lideranças comunitárias em frente à Sociedade Amigos da Vila Prudente, fundada em 1955. Eles haviam convidado o pré-candidato para que visse a situação das ruas e das casas nas estreitas vielas embarradas e esburacadas que frequentemente alagam com as chuvas. “Veja aqui, Boulos, tivemos que fazer contenção em todas as entradas para tentar salvar os móveis ou alguma outra coisa. E tem vezes que nem a mureta segura a água”, mostrou uma moradora. E ele foi parando numa sucessão de portas e janelas que se abriam para cumprimentá-lo. Uma selfie aqui, um abraço e aperto de mão lá, um sorriso acolá e uma promessa de que a situação vai melhorar. Até chegar ao fim do trajeto, embarcar no carro e sair em disparada para o próximo compromisso.

Da comunidade, a comitiva seguiu para o Jardim Adutora, no Distrito de Sapopemba, um dos mais populosos da Zona Leste. Ali, no salão da Igreja Santa Rosa de Lima, Boulos teria um encontro com gestores de saúde, educação e assistência social. Havia cadeiras dispostas em formato de círculo e o pré-candidato se sentou ao centro. Eles foram apresentando suas reivindicações. Boulos anotava tudo em um caderninho preto até que chegou sua vez de falar.

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Deputado federal Guilherme Boulos em agenda na Vila Prudente, durante pré-campanha para a Prefeitura de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Em pé, no meio do círculo, segurando o microfone, o pré-candidato foi respondendo às questões, dirigindo-se aos interlocutores com a segurança e a naturalidade de quem está acostumado a falar em público. Foi aplaudido de pé e saudado aos gritos de “prefeito”, que ele agradeceu, ressalvando que até chegar à Prefeitura havia um longo e difícil caminho pela frente. “A batalha vai ser dura porque vamos enfrentar o bolsonarismo, que o atual prefeito quer trazer para cá”, explicou, acrescentando que as pessoas precisam estar atentas com as fake news que a cada dia se tornavam mais frequentes. “Já até disseram que eu era do Hamas (grupo terrorista) e que, se ganhasse, invadiria a casa das pessoas.”

A origem de Boulos, no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), fomenta a ideia de que, se for eleito, vai tolerar invasões de moradias em São Paulo. Entretanto, ele crê que a política habitacional do seu governo, caso seja eleito, administrará o setor sem necessidade de invasões. “Hoje, você tem de um lado um problema social e do outro você tem uma resposta inadequada do poder público municipal para o problema habitacional”, diz. Ele integrou o movimento praticamente desde a sua origem, entre 2002 e 2003, foi um dos coordenadores, participou de invasões e se tornou uma espécie de porta-voz nacional.

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Foi em 2003 que cerca de 300 famílias ligadas ao MTST, que Boulos viria a coordenar, ocuparam um terreno, que pertencia a Volkswagen, de 170 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. O acampamento foi crescendo, chegou a ter 4 mil pessoas que ficaram ali até conseguirem a suspensão da reintegração de posse.

Antes, ele havia tido uma participação muito efêmera no movimento estudantil, onde militou na juventude comunista. Mas foi no MTST que Boulos se encontrou depois de participar de um curso de alfabetização para jovens na Favela do Flamengo, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo. À época, ele diz que tinha entre 15 e 16 anos. “Isso me marcou muito. Logo depois, comecei a arrecadar alimentos e levar para lá”, recorda. O próximo passo foi se juntar às famílias das regiões periféricas da cidade que tinham uma imensa demanda por moradia. “E aí o MTST cresce no Brasil inteiro e se torna um movimento nacional para organizar essas famílias que não tinham casa”, explica. Boulos cresceu junto.

Guilherme Castro Boulos nasceu em 19 de junho de 1982, em São Paulo. É o caçula e único filho homem entre os três filhos de um casal de infectologistas. O pai, Marcos, dirigiu a Faculdade de Medicina da USP e se aposentou como professor titular há quase dez anos. Atualmente, é assessor da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A mãe, Maria Ivete, coordena o Núcleo de Atendimento à Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. É casado com Natália e tem duas filhas – Laura e Sofia.

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Deputado Federal e candidato à Prefeitura da Capital Guilherme Boulos durante visita a favela da Vila Prudente, em São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

A origem dele desconcerta muitas vezes àqueles que o viam como um sem-teto. Boulos sempre teve uma boa casa para morar e estudou em boas escolas privadas. A certa altura e por decisão própria trocou a escola particular por uma pública e, alguns anos depois, deixou a casa dos pais e foi morar em um dos acampamentos. “Até então, era um jovem reservado, introspectivo. Lia muito e ficava em casa”, conta ao Estadão o hoje ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Médico infectologista, Padilha frequentava a casa dos Boulos e, de vez em quando, encontrava Guilherme por lá. A família, diz o ministro, acostumada com o trabalho em regiões pobres e carentes Brasil afora, não chegava a se contrariar com as atividades do jovem. A mãe, Maria Ivete, entretanto, não escondia uma certa preocupação com o filho. “Como toda mãe, ela se preocupava, mas entendia o desejo dele de ajudar essas pessoas.”

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Depois do encontro no Jardim Adutora, a comitiva partiu para o almoço num restaurante na Avenida Sapopemba. “Nosso Cantinho” é um lugar amplo, com muitas mesas, que por volta das 13 horas estava lotado. Serve à la carte e também por quilo. A maior parte dos clientes escolhe o balcão do quilo, onde se forma uma grande fila. Boulos pegou poucas coisas. Arroz, feijão e uma carne. Para beber, uma Coca-Cola normal. A comida é do tipo caseira, bem temperada e variada.

A parada para o almoço não durou muito. Logo em seguida, Boulos já teria dois compromissos. O primeiro era um encontro com pequenos comerciantes e empresários da região que aconteceu em um salão que deve ser usado para festas, mesas com toalhas de cetim vermelho e, em um canto, uma árvore de cerejeira e outras plantas de plástico. E, depois, o destino foi um encontro ecumênico com religiosos.

Deputado federal Guilherme Boulos durante encontro com gestores de saúde, educação e assistência social na zona leste Foto: Taba Benedicto/Estadão
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Esta é a terceira eleição que Boulos disputará. Em 2018, com a atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, como vice, concorreu à Presidência da República já pelo PSOL. Era uma eleição difícil. A população estava enfastiada da política e o deputado Jair Bolsonaro surgiu feito uma espécie de redentor anticorrupção e, como se dizia, “contra tudo isso que está aí”. Guajajara, na conversa com o Estadão, recorda que foi uma campanha muito intensa, mas que serviu como um aprendizado para quem, como ambos, vinha dos movimentos sociais. “Também foi difícil porque nós não tínhamos origem na militância do PSOL e cansativo. Não é fácil rodar o Brasil”, pondera.

Em 2020, ele disputou a Prefeitura de São Paulo, tendo como vice a deputada Luiza Erundina. Perdeu no segundo turno para Bruno Covas (1980-2021), que disputava a reeleição e obteve 59,38% dos votos válidos contra 40,62% do candidato do PSOL. Passados dois anos, ele pretendia concorrer ao governo estadual. Mas seu partido fizera um acordo com o PT, em 2022, em que Boulos disputaria uma vaga na Câmara dos Deputados e apoiaria o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que concorria a governador e perdeu para o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Dessa forma, em 2024 seria o cabeça da chapa numa aliança com o PT.

Boulos, mesmo cansado depois de um dia de eventos, não perde o bom humor. A hora em que ele ri de gargalhar é quando conta um episódio que lhe aconteceu uma noite quando foi a um jantar em um conjunto de prédios de luxo em São Paulo. “Eu tinha o endereço certo, mas acabei esquecendo. Quando cheguei nos edifícios peguei o elevador, marquei um andar e quando abriu a porta dei de cara com uma família jantando. Imagina? Eles ficaram pasmos. Devem ter pensado que eu ia invadir.”

Ele diz que essa ideia usada em narrativas políticas de que vai invadir casas e apartamentos às vezes é cômica, às vezes é triste. Inclusive, Boulos explica que o MTST nunca invadiu, mas sim ocupou áreas ou terrenos ociosos. Ele não fala muito desse assunto, mas em conversa com jornalistas, reconhece que coordenou várias dessas ocupações e que já foi detido por vandalismo. Mas, neste momento, tudo que Boulos não quer é ficar citando as invasões. Prefere argumentar que esse tema serve para alimentar as fake news dos adversários.

“Tem aqueles que querem substituir o debate político real pelo meme, pelo videozinho de dez segundos, pela fake news. Isso rebaixa muito a discussão política. Ninguém em sã consciência acha que eu ou que o movimento vai invadir a casa das pessoas, tomar a sala, dividir o sofá”, diz dando mais uma sonora gargalhada.

Boulos diz que não pensava que seria candidato. Político, sim, inclusive porque era o que ele fazia no movimento. A política, assinala ele, é o instrumento mais poderoso que as pessoas têm para transformar a sociedade e não se faz só nos partidos. “Mas eu não tinha uma visão eleitoral. Tinha uma visão, inclusive, quando entrei no movimento social, muito cética, de achar que disputar as eleições não resolve, não muda as coisas, não é possível mudar as coisas. Eu achava que era só pela mobilização da sociedade que se conseguia as coisas”, afirma.

Depois de 20 anos no movimento social, ele passou a pensar diferente e diz que entendeu que o sistema político não vai se transformar por dentro, sozinho. “A sociedade civil é fundamental para produzir mudanças. Mas sozinha, sem as ferramentas da disputa política, do Estado, você fica dando murro em ponto de faca. Por isso decidi ir para a vida partidária.” Filiou-se ao PSOL em 2018.

Boulos participa de evento de filiação de Marta Suplicy ao PT, com a presença de Lula Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje há quem diga que ele é mais petista do que muitos petistas e há outros, como o próprio ministro Padilha, que brincam dizendo ver em Boulos o “herdeiro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Realmente, sempre que estão juntos Lula não esconde o afeto por ele. Porém, se perguntado sobre esse título de herdeiro, Boulos responde com tranquilidade: “Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República. Não gosto de tratar dessa forma. Lula é a maior liderança popular que o País produziu”.

Boulos conheceu Lula em 2014, quando ele já não era mais presidente. “Fizemos um conjunto habitacional, o João Cândido, com 400 apartamentos. Eu resolvi convidar Lula para entregar as chaves. Ele ficou muito entusiasmado com o trabalho do movimento. A partir desse encontro, começamos a conversar com mais frequência, nossa relação política acabou virando pessoal.”

Está começando a escurecer, mas o café continua praticamente vazio. Até que uma senhora se aproxima com um celular na mão e explica: “Boulos, meu pai é seu fã. Posso fazer uma ligação de vídeo para mostrar-lhe que você está aqui?” O deputado conversa rapidamente com o provável eleitor. Agradece o apoio e termina a conversa com a frase que usa em todas as despedidas: “Tamo junto!”

Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República

Guilherme Boulos, deputado federal

Pergunto a Boulos como ele vê a candidatura da deputada Tabata Amaral (PSB), hoje terceira colocada nas pesquisas. Ele elogia a juventude dela e o fato de querer apresentar um projeto para a cidade. Mas ressalva: “É importante, no entanto, que ela saiba discernir o que está em jogo neste momento em São Paulo e entenda a importância de não permitir que o campo bolsonarista crie raízes na principal cidade do País”.

Todos os fins de semana, Boulos faz agendas como essa que acompanhamos. São as caravanas “Salve São Paulo”. Os eventos são para discutir problemas e possíveis soluções para a cidade. Entretanto, ele lembra que a eleição em São Paulo sempre teve importância nacional. “Estou me preparando para discutir a cidade. Agora, não é possível ignorar que existe uma polarização política no País. Que existe um ex-presidente da República que tentou dar um golpe de Estado. Existe um campo político autoritário e eles enxergam o governo de São Paulo como uma ponte para retomar o governo federal em 2026″, afirma.

O próximo evento da agenda já vai começar. Boulos atravessa a rua e entra no Sindicato dos Eletricitários onde está sendo esperado para o lançamento da candidatura da líder comunitária Keit. Novamente, ele é saudado aos gritos de “prefeito”. Ele sorri, cumprimenta um, abraça outro. Um pouco antes de sair do café, comentei que ele parecia muito feliz. “Estou animado por algumas razões. A cidade tem uma janela de oportunidades. Me anima muito pensar o que dá para se fazer em São Paulo, coisas muito ousadas em termos de política social, política urbana. Tem dinheiro na Prefeitura. Estou animado por ver que estamos animando os outros. Política também tem muito isso. Você pode estar convencido de que está abafando. Mas se as pessoas não vêm junto, você começa a perceber que está abafando só pra você e dali a pouco começa a se desanimar. Nesta pré-campanha estou sentindo muito isso, de muita gente envolvida, acreditando, com generosidade”, afirma. O pessoal que está no auditório parece concordar e muitos gritam: “Boulos! Tamo Junto”.

Passava das cinco horas da tarde quando o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) desceu do seu Celta e vestiu uma jaqueta preta corta-vento. Depois de um dia de muito calor, a temperatura despencara ao entardecer. Incomodado com o nariz que não parava de escorrer e espirrando muito, o pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo escolheu uma mesa em um café praticamente vazio e se sentou para conversar com o Estadão. Antes de qualquer palavra, porém, explicou, secando o nariz: “tenho rinite alérgica, muda o tempo e meu nariz fica infernal”. Pediu um café expresso e disse que não tínhamos muito tempo. Ele já estava sendo esperado para o penúltimo compromisso do dia que começara antes das oito da manhã. Era o lançamento da candidatura à vereadora pelo PSOL da líder comunitária Keit, que aconteceria no Sindicato dos Eletricitários no bairro da Liberdade.

Guilherme Boulos é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL Foto: Kleber Sales/Ilustração

Alguns dias depois, Boulos teve que aposentar o Celta prateado – uma marca registrada dele. Diz ter passado a receber ameaças, então foi aconselhado a trocá-lo por um carro blindando. Não se sente lá muito à vontade. Mas, não tinha outro jeito senão aceitar a mudança. Entretanto, na sexta-feira em que o Estadão pode acompanhá-lo, ele ainda percorria a cidade, junto com mais três ou quatro pessoas no bravo carrinho, com todos os vidros abertos. Nesse dia que passamos com ele, a jornada começou cedo na Favela da Vila Prudente, uma das mais antigas da cidade, onde vivem aproximadamente 7 mil pessoas, e que passou por muitas tentativas de reurbanização, nunca finalizadas. O perfil do deputado é o segundo da série do Estadão sobre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo, que teve início com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB).

Boulos era esperado por alguns moradores e lideranças comunitárias em frente à Sociedade Amigos da Vila Prudente, fundada em 1955. Eles haviam convidado o pré-candidato para que visse a situação das ruas e das casas nas estreitas vielas embarradas e esburacadas que frequentemente alagam com as chuvas. “Veja aqui, Boulos, tivemos que fazer contenção em todas as entradas para tentar salvar os móveis ou alguma outra coisa. E tem vezes que nem a mureta segura a água”, mostrou uma moradora. E ele foi parando numa sucessão de portas e janelas que se abriam para cumprimentá-lo. Uma selfie aqui, um abraço e aperto de mão lá, um sorriso acolá e uma promessa de que a situação vai melhorar. Até chegar ao fim do trajeto, embarcar no carro e sair em disparada para o próximo compromisso.

Da comunidade, a comitiva seguiu para o Jardim Adutora, no Distrito de Sapopemba, um dos mais populosos da Zona Leste. Ali, no salão da Igreja Santa Rosa de Lima, Boulos teria um encontro com gestores de saúde, educação e assistência social. Havia cadeiras dispostas em formato de círculo e o pré-candidato se sentou ao centro. Eles foram apresentando suas reivindicações. Boulos anotava tudo em um caderninho preto até que chegou sua vez de falar.

Deputado federal Guilherme Boulos em agenda na Vila Prudente, durante pré-campanha para a Prefeitura de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Em pé, no meio do círculo, segurando o microfone, o pré-candidato foi respondendo às questões, dirigindo-se aos interlocutores com a segurança e a naturalidade de quem está acostumado a falar em público. Foi aplaudido de pé e saudado aos gritos de “prefeito”, que ele agradeceu, ressalvando que até chegar à Prefeitura havia um longo e difícil caminho pela frente. “A batalha vai ser dura porque vamos enfrentar o bolsonarismo, que o atual prefeito quer trazer para cá”, explicou, acrescentando que as pessoas precisam estar atentas com as fake news que a cada dia se tornavam mais frequentes. “Já até disseram que eu era do Hamas (grupo terrorista) e que, se ganhasse, invadiria a casa das pessoas.”

A origem de Boulos, no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), fomenta a ideia de que, se for eleito, vai tolerar invasões de moradias em São Paulo. Entretanto, ele crê que a política habitacional do seu governo, caso seja eleito, administrará o setor sem necessidade de invasões. “Hoje, você tem de um lado um problema social e do outro você tem uma resposta inadequada do poder público municipal para o problema habitacional”, diz. Ele integrou o movimento praticamente desde a sua origem, entre 2002 e 2003, foi um dos coordenadores, participou de invasões e se tornou uma espécie de porta-voz nacional.

Foi em 2003 que cerca de 300 famílias ligadas ao MTST, que Boulos viria a coordenar, ocuparam um terreno, que pertencia a Volkswagen, de 170 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. O acampamento foi crescendo, chegou a ter 4 mil pessoas que ficaram ali até conseguirem a suspensão da reintegração de posse.

Antes, ele havia tido uma participação muito efêmera no movimento estudantil, onde militou na juventude comunista. Mas foi no MTST que Boulos se encontrou depois de participar de um curso de alfabetização para jovens na Favela do Flamengo, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo. À época, ele diz que tinha entre 15 e 16 anos. “Isso me marcou muito. Logo depois, comecei a arrecadar alimentos e levar para lá”, recorda. O próximo passo foi se juntar às famílias das regiões periféricas da cidade que tinham uma imensa demanda por moradia. “E aí o MTST cresce no Brasil inteiro e se torna um movimento nacional para organizar essas famílias que não tinham casa”, explica. Boulos cresceu junto.

Guilherme Castro Boulos nasceu em 19 de junho de 1982, em São Paulo. É o caçula e único filho homem entre os três filhos de um casal de infectologistas. O pai, Marcos, dirigiu a Faculdade de Medicina da USP e se aposentou como professor titular há quase dez anos. Atualmente, é assessor da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A mãe, Maria Ivete, coordena o Núcleo de Atendimento à Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. É casado com Natália e tem duas filhas – Laura e Sofia.

Deputado Federal e candidato à Prefeitura da Capital Guilherme Boulos durante visita a favela da Vila Prudente, em São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

A origem dele desconcerta muitas vezes àqueles que o viam como um sem-teto. Boulos sempre teve uma boa casa para morar e estudou em boas escolas privadas. A certa altura e por decisão própria trocou a escola particular por uma pública e, alguns anos depois, deixou a casa dos pais e foi morar em um dos acampamentos. “Até então, era um jovem reservado, introspectivo. Lia muito e ficava em casa”, conta ao Estadão o hoje ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Médico infectologista, Padilha frequentava a casa dos Boulos e, de vez em quando, encontrava Guilherme por lá. A família, diz o ministro, acostumada com o trabalho em regiões pobres e carentes Brasil afora, não chegava a se contrariar com as atividades do jovem. A mãe, Maria Ivete, entretanto, não escondia uma certa preocupação com o filho. “Como toda mãe, ela se preocupava, mas entendia o desejo dele de ajudar essas pessoas.”

Depois do encontro no Jardim Adutora, a comitiva partiu para o almoço num restaurante na Avenida Sapopemba. “Nosso Cantinho” é um lugar amplo, com muitas mesas, que por volta das 13 horas estava lotado. Serve à la carte e também por quilo. A maior parte dos clientes escolhe o balcão do quilo, onde se forma uma grande fila. Boulos pegou poucas coisas. Arroz, feijão e uma carne. Para beber, uma Coca-Cola normal. A comida é do tipo caseira, bem temperada e variada.

A parada para o almoço não durou muito. Logo em seguida, Boulos já teria dois compromissos. O primeiro era um encontro com pequenos comerciantes e empresários da região que aconteceu em um salão que deve ser usado para festas, mesas com toalhas de cetim vermelho e, em um canto, uma árvore de cerejeira e outras plantas de plástico. E, depois, o destino foi um encontro ecumênico com religiosos.

Deputado federal Guilherme Boulos durante encontro com gestores de saúde, educação e assistência social na zona leste Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esta é a terceira eleição que Boulos disputará. Em 2018, com a atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, como vice, concorreu à Presidência da República já pelo PSOL. Era uma eleição difícil. A população estava enfastiada da política e o deputado Jair Bolsonaro surgiu feito uma espécie de redentor anticorrupção e, como se dizia, “contra tudo isso que está aí”. Guajajara, na conversa com o Estadão, recorda que foi uma campanha muito intensa, mas que serviu como um aprendizado para quem, como ambos, vinha dos movimentos sociais. “Também foi difícil porque nós não tínhamos origem na militância do PSOL e cansativo. Não é fácil rodar o Brasil”, pondera.

Em 2020, ele disputou a Prefeitura de São Paulo, tendo como vice a deputada Luiza Erundina. Perdeu no segundo turno para Bruno Covas (1980-2021), que disputava a reeleição e obteve 59,38% dos votos válidos contra 40,62% do candidato do PSOL. Passados dois anos, ele pretendia concorrer ao governo estadual. Mas seu partido fizera um acordo com o PT, em 2022, em que Boulos disputaria uma vaga na Câmara dos Deputados e apoiaria o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que concorria a governador e perdeu para o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Dessa forma, em 2024 seria o cabeça da chapa numa aliança com o PT.

Boulos, mesmo cansado depois de um dia de eventos, não perde o bom humor. A hora em que ele ri de gargalhar é quando conta um episódio que lhe aconteceu uma noite quando foi a um jantar em um conjunto de prédios de luxo em São Paulo. “Eu tinha o endereço certo, mas acabei esquecendo. Quando cheguei nos edifícios peguei o elevador, marquei um andar e quando abriu a porta dei de cara com uma família jantando. Imagina? Eles ficaram pasmos. Devem ter pensado que eu ia invadir.”

Ele diz que essa ideia usada em narrativas políticas de que vai invadir casas e apartamentos às vezes é cômica, às vezes é triste. Inclusive, Boulos explica que o MTST nunca invadiu, mas sim ocupou áreas ou terrenos ociosos. Ele não fala muito desse assunto, mas em conversa com jornalistas, reconhece que coordenou várias dessas ocupações e que já foi detido por vandalismo. Mas, neste momento, tudo que Boulos não quer é ficar citando as invasões. Prefere argumentar que esse tema serve para alimentar as fake news dos adversários.

“Tem aqueles que querem substituir o debate político real pelo meme, pelo videozinho de dez segundos, pela fake news. Isso rebaixa muito a discussão política. Ninguém em sã consciência acha que eu ou que o movimento vai invadir a casa das pessoas, tomar a sala, dividir o sofá”, diz dando mais uma sonora gargalhada.

Boulos diz que não pensava que seria candidato. Político, sim, inclusive porque era o que ele fazia no movimento. A política, assinala ele, é o instrumento mais poderoso que as pessoas têm para transformar a sociedade e não se faz só nos partidos. “Mas eu não tinha uma visão eleitoral. Tinha uma visão, inclusive, quando entrei no movimento social, muito cética, de achar que disputar as eleições não resolve, não muda as coisas, não é possível mudar as coisas. Eu achava que era só pela mobilização da sociedade que se conseguia as coisas”, afirma.

Depois de 20 anos no movimento social, ele passou a pensar diferente e diz que entendeu que o sistema político não vai se transformar por dentro, sozinho. “A sociedade civil é fundamental para produzir mudanças. Mas sozinha, sem as ferramentas da disputa política, do Estado, você fica dando murro em ponto de faca. Por isso decidi ir para a vida partidária.” Filiou-se ao PSOL em 2018.

Boulos participa de evento de filiação de Marta Suplicy ao PT, com a presença de Lula Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje há quem diga que ele é mais petista do que muitos petistas e há outros, como o próprio ministro Padilha, que brincam dizendo ver em Boulos o “herdeiro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Realmente, sempre que estão juntos Lula não esconde o afeto por ele. Porém, se perguntado sobre esse título de herdeiro, Boulos responde com tranquilidade: “Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República. Não gosto de tratar dessa forma. Lula é a maior liderança popular que o País produziu”.

Boulos conheceu Lula em 2014, quando ele já não era mais presidente. “Fizemos um conjunto habitacional, o João Cândido, com 400 apartamentos. Eu resolvi convidar Lula para entregar as chaves. Ele ficou muito entusiasmado com o trabalho do movimento. A partir desse encontro, começamos a conversar com mais frequência, nossa relação política acabou virando pessoal.”

Está começando a escurecer, mas o café continua praticamente vazio. Até que uma senhora se aproxima com um celular na mão e explica: “Boulos, meu pai é seu fã. Posso fazer uma ligação de vídeo para mostrar-lhe que você está aqui?” O deputado conversa rapidamente com o provável eleitor. Agradece o apoio e termina a conversa com a frase que usa em todas as despedidas: “Tamo junto!”

Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República

Guilherme Boulos, deputado federal

Pergunto a Boulos como ele vê a candidatura da deputada Tabata Amaral (PSB), hoje terceira colocada nas pesquisas. Ele elogia a juventude dela e o fato de querer apresentar um projeto para a cidade. Mas ressalva: “É importante, no entanto, que ela saiba discernir o que está em jogo neste momento em São Paulo e entenda a importância de não permitir que o campo bolsonarista crie raízes na principal cidade do País”.

Todos os fins de semana, Boulos faz agendas como essa que acompanhamos. São as caravanas “Salve São Paulo”. Os eventos são para discutir problemas e possíveis soluções para a cidade. Entretanto, ele lembra que a eleição em São Paulo sempre teve importância nacional. “Estou me preparando para discutir a cidade. Agora, não é possível ignorar que existe uma polarização política no País. Que existe um ex-presidente da República que tentou dar um golpe de Estado. Existe um campo político autoritário e eles enxergam o governo de São Paulo como uma ponte para retomar o governo federal em 2026″, afirma.

O próximo evento da agenda já vai começar. Boulos atravessa a rua e entra no Sindicato dos Eletricitários onde está sendo esperado para o lançamento da candidatura da líder comunitária Keit. Novamente, ele é saudado aos gritos de “prefeito”. Ele sorri, cumprimenta um, abraça outro. Um pouco antes de sair do café, comentei que ele parecia muito feliz. “Estou animado por algumas razões. A cidade tem uma janela de oportunidades. Me anima muito pensar o que dá para se fazer em São Paulo, coisas muito ousadas em termos de política social, política urbana. Tem dinheiro na Prefeitura. Estou animado por ver que estamos animando os outros. Política também tem muito isso. Você pode estar convencido de que está abafando. Mas se as pessoas não vêm junto, você começa a perceber que está abafando só pra você e dali a pouco começa a se desanimar. Nesta pré-campanha estou sentindo muito isso, de muita gente envolvida, acreditando, com generosidade”, afirma. O pessoal que está no auditório parece concordar e muitos gritam: “Boulos! Tamo Junto”.

Passava das cinco horas da tarde quando o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) desceu do seu Celta e vestiu uma jaqueta preta corta-vento. Depois de um dia de muito calor, a temperatura despencara ao entardecer. Incomodado com o nariz que não parava de escorrer e espirrando muito, o pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo escolheu uma mesa em um café praticamente vazio e se sentou para conversar com o Estadão. Antes de qualquer palavra, porém, explicou, secando o nariz: “tenho rinite alérgica, muda o tempo e meu nariz fica infernal”. Pediu um café expresso e disse que não tínhamos muito tempo. Ele já estava sendo esperado para o penúltimo compromisso do dia que começara antes das oito da manhã. Era o lançamento da candidatura à vereadora pelo PSOL da líder comunitária Keit, que aconteceria no Sindicato dos Eletricitários no bairro da Liberdade.

Guilherme Boulos é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL Foto: Kleber Sales/Ilustração

Alguns dias depois, Boulos teve que aposentar o Celta prateado – uma marca registrada dele. Diz ter passado a receber ameaças, então foi aconselhado a trocá-lo por um carro blindando. Não se sente lá muito à vontade. Mas, não tinha outro jeito senão aceitar a mudança. Entretanto, na sexta-feira em que o Estadão pode acompanhá-lo, ele ainda percorria a cidade, junto com mais três ou quatro pessoas no bravo carrinho, com todos os vidros abertos. Nesse dia que passamos com ele, a jornada começou cedo na Favela da Vila Prudente, uma das mais antigas da cidade, onde vivem aproximadamente 7 mil pessoas, e que passou por muitas tentativas de reurbanização, nunca finalizadas. O perfil do deputado é o segundo da série do Estadão sobre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo, que teve início com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB).

Boulos era esperado por alguns moradores e lideranças comunitárias em frente à Sociedade Amigos da Vila Prudente, fundada em 1955. Eles haviam convidado o pré-candidato para que visse a situação das ruas e das casas nas estreitas vielas embarradas e esburacadas que frequentemente alagam com as chuvas. “Veja aqui, Boulos, tivemos que fazer contenção em todas as entradas para tentar salvar os móveis ou alguma outra coisa. E tem vezes que nem a mureta segura a água”, mostrou uma moradora. E ele foi parando numa sucessão de portas e janelas que se abriam para cumprimentá-lo. Uma selfie aqui, um abraço e aperto de mão lá, um sorriso acolá e uma promessa de que a situação vai melhorar. Até chegar ao fim do trajeto, embarcar no carro e sair em disparada para o próximo compromisso.

Da comunidade, a comitiva seguiu para o Jardim Adutora, no Distrito de Sapopemba, um dos mais populosos da Zona Leste. Ali, no salão da Igreja Santa Rosa de Lima, Boulos teria um encontro com gestores de saúde, educação e assistência social. Havia cadeiras dispostas em formato de círculo e o pré-candidato se sentou ao centro. Eles foram apresentando suas reivindicações. Boulos anotava tudo em um caderninho preto até que chegou sua vez de falar.

Deputado federal Guilherme Boulos em agenda na Vila Prudente, durante pré-campanha para a Prefeitura de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Em pé, no meio do círculo, segurando o microfone, o pré-candidato foi respondendo às questões, dirigindo-se aos interlocutores com a segurança e a naturalidade de quem está acostumado a falar em público. Foi aplaudido de pé e saudado aos gritos de “prefeito”, que ele agradeceu, ressalvando que até chegar à Prefeitura havia um longo e difícil caminho pela frente. “A batalha vai ser dura porque vamos enfrentar o bolsonarismo, que o atual prefeito quer trazer para cá”, explicou, acrescentando que as pessoas precisam estar atentas com as fake news que a cada dia se tornavam mais frequentes. “Já até disseram que eu era do Hamas (grupo terrorista) e que, se ganhasse, invadiria a casa das pessoas.”

A origem de Boulos, no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), fomenta a ideia de que, se for eleito, vai tolerar invasões de moradias em São Paulo. Entretanto, ele crê que a política habitacional do seu governo, caso seja eleito, administrará o setor sem necessidade de invasões. “Hoje, você tem de um lado um problema social e do outro você tem uma resposta inadequada do poder público municipal para o problema habitacional”, diz. Ele integrou o movimento praticamente desde a sua origem, entre 2002 e 2003, foi um dos coordenadores, participou de invasões e se tornou uma espécie de porta-voz nacional.

Foi em 2003 que cerca de 300 famílias ligadas ao MTST, que Boulos viria a coordenar, ocuparam um terreno, que pertencia a Volkswagen, de 170 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. O acampamento foi crescendo, chegou a ter 4 mil pessoas que ficaram ali até conseguirem a suspensão da reintegração de posse.

Antes, ele havia tido uma participação muito efêmera no movimento estudantil, onde militou na juventude comunista. Mas foi no MTST que Boulos se encontrou depois de participar de um curso de alfabetização para jovens na Favela do Flamengo, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo. À época, ele diz que tinha entre 15 e 16 anos. “Isso me marcou muito. Logo depois, comecei a arrecadar alimentos e levar para lá”, recorda. O próximo passo foi se juntar às famílias das regiões periféricas da cidade que tinham uma imensa demanda por moradia. “E aí o MTST cresce no Brasil inteiro e se torna um movimento nacional para organizar essas famílias que não tinham casa”, explica. Boulos cresceu junto.

Guilherme Castro Boulos nasceu em 19 de junho de 1982, em São Paulo. É o caçula e único filho homem entre os três filhos de um casal de infectologistas. O pai, Marcos, dirigiu a Faculdade de Medicina da USP e se aposentou como professor titular há quase dez anos. Atualmente, é assessor da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A mãe, Maria Ivete, coordena o Núcleo de Atendimento à Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. É casado com Natália e tem duas filhas – Laura e Sofia.

Deputado Federal e candidato à Prefeitura da Capital Guilherme Boulos durante visita a favela da Vila Prudente, em São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

A origem dele desconcerta muitas vezes àqueles que o viam como um sem-teto. Boulos sempre teve uma boa casa para morar e estudou em boas escolas privadas. A certa altura e por decisão própria trocou a escola particular por uma pública e, alguns anos depois, deixou a casa dos pais e foi morar em um dos acampamentos. “Até então, era um jovem reservado, introspectivo. Lia muito e ficava em casa”, conta ao Estadão o hoje ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Médico infectologista, Padilha frequentava a casa dos Boulos e, de vez em quando, encontrava Guilherme por lá. A família, diz o ministro, acostumada com o trabalho em regiões pobres e carentes Brasil afora, não chegava a se contrariar com as atividades do jovem. A mãe, Maria Ivete, entretanto, não escondia uma certa preocupação com o filho. “Como toda mãe, ela se preocupava, mas entendia o desejo dele de ajudar essas pessoas.”

Depois do encontro no Jardim Adutora, a comitiva partiu para o almoço num restaurante na Avenida Sapopemba. “Nosso Cantinho” é um lugar amplo, com muitas mesas, que por volta das 13 horas estava lotado. Serve à la carte e também por quilo. A maior parte dos clientes escolhe o balcão do quilo, onde se forma uma grande fila. Boulos pegou poucas coisas. Arroz, feijão e uma carne. Para beber, uma Coca-Cola normal. A comida é do tipo caseira, bem temperada e variada.

A parada para o almoço não durou muito. Logo em seguida, Boulos já teria dois compromissos. O primeiro era um encontro com pequenos comerciantes e empresários da região que aconteceu em um salão que deve ser usado para festas, mesas com toalhas de cetim vermelho e, em um canto, uma árvore de cerejeira e outras plantas de plástico. E, depois, o destino foi um encontro ecumênico com religiosos.

Deputado federal Guilherme Boulos durante encontro com gestores de saúde, educação e assistência social na zona leste Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esta é a terceira eleição que Boulos disputará. Em 2018, com a atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, como vice, concorreu à Presidência da República já pelo PSOL. Era uma eleição difícil. A população estava enfastiada da política e o deputado Jair Bolsonaro surgiu feito uma espécie de redentor anticorrupção e, como se dizia, “contra tudo isso que está aí”. Guajajara, na conversa com o Estadão, recorda que foi uma campanha muito intensa, mas que serviu como um aprendizado para quem, como ambos, vinha dos movimentos sociais. “Também foi difícil porque nós não tínhamos origem na militância do PSOL e cansativo. Não é fácil rodar o Brasil”, pondera.

Em 2020, ele disputou a Prefeitura de São Paulo, tendo como vice a deputada Luiza Erundina. Perdeu no segundo turno para Bruno Covas (1980-2021), que disputava a reeleição e obteve 59,38% dos votos válidos contra 40,62% do candidato do PSOL. Passados dois anos, ele pretendia concorrer ao governo estadual. Mas seu partido fizera um acordo com o PT, em 2022, em que Boulos disputaria uma vaga na Câmara dos Deputados e apoiaria o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que concorria a governador e perdeu para o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Dessa forma, em 2024 seria o cabeça da chapa numa aliança com o PT.

Boulos, mesmo cansado depois de um dia de eventos, não perde o bom humor. A hora em que ele ri de gargalhar é quando conta um episódio que lhe aconteceu uma noite quando foi a um jantar em um conjunto de prédios de luxo em São Paulo. “Eu tinha o endereço certo, mas acabei esquecendo. Quando cheguei nos edifícios peguei o elevador, marquei um andar e quando abriu a porta dei de cara com uma família jantando. Imagina? Eles ficaram pasmos. Devem ter pensado que eu ia invadir.”

Ele diz que essa ideia usada em narrativas políticas de que vai invadir casas e apartamentos às vezes é cômica, às vezes é triste. Inclusive, Boulos explica que o MTST nunca invadiu, mas sim ocupou áreas ou terrenos ociosos. Ele não fala muito desse assunto, mas em conversa com jornalistas, reconhece que coordenou várias dessas ocupações e que já foi detido por vandalismo. Mas, neste momento, tudo que Boulos não quer é ficar citando as invasões. Prefere argumentar que esse tema serve para alimentar as fake news dos adversários.

“Tem aqueles que querem substituir o debate político real pelo meme, pelo videozinho de dez segundos, pela fake news. Isso rebaixa muito a discussão política. Ninguém em sã consciência acha que eu ou que o movimento vai invadir a casa das pessoas, tomar a sala, dividir o sofá”, diz dando mais uma sonora gargalhada.

Boulos diz que não pensava que seria candidato. Político, sim, inclusive porque era o que ele fazia no movimento. A política, assinala ele, é o instrumento mais poderoso que as pessoas têm para transformar a sociedade e não se faz só nos partidos. “Mas eu não tinha uma visão eleitoral. Tinha uma visão, inclusive, quando entrei no movimento social, muito cética, de achar que disputar as eleições não resolve, não muda as coisas, não é possível mudar as coisas. Eu achava que era só pela mobilização da sociedade que se conseguia as coisas”, afirma.

Depois de 20 anos no movimento social, ele passou a pensar diferente e diz que entendeu que o sistema político não vai se transformar por dentro, sozinho. “A sociedade civil é fundamental para produzir mudanças. Mas sozinha, sem as ferramentas da disputa política, do Estado, você fica dando murro em ponto de faca. Por isso decidi ir para a vida partidária.” Filiou-se ao PSOL em 2018.

Boulos participa de evento de filiação de Marta Suplicy ao PT, com a presença de Lula Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje há quem diga que ele é mais petista do que muitos petistas e há outros, como o próprio ministro Padilha, que brincam dizendo ver em Boulos o “herdeiro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Realmente, sempre que estão juntos Lula não esconde o afeto por ele. Porém, se perguntado sobre esse título de herdeiro, Boulos responde com tranquilidade: “Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República. Não gosto de tratar dessa forma. Lula é a maior liderança popular que o País produziu”.

Boulos conheceu Lula em 2014, quando ele já não era mais presidente. “Fizemos um conjunto habitacional, o João Cândido, com 400 apartamentos. Eu resolvi convidar Lula para entregar as chaves. Ele ficou muito entusiasmado com o trabalho do movimento. A partir desse encontro, começamos a conversar com mais frequência, nossa relação política acabou virando pessoal.”

Está começando a escurecer, mas o café continua praticamente vazio. Até que uma senhora se aproxima com um celular na mão e explica: “Boulos, meu pai é seu fã. Posso fazer uma ligação de vídeo para mostrar-lhe que você está aqui?” O deputado conversa rapidamente com o provável eleitor. Agradece o apoio e termina a conversa com a frase que usa em todas as despedidas: “Tamo junto!”

Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República

Guilherme Boulos, deputado federal

Pergunto a Boulos como ele vê a candidatura da deputada Tabata Amaral (PSB), hoje terceira colocada nas pesquisas. Ele elogia a juventude dela e o fato de querer apresentar um projeto para a cidade. Mas ressalva: “É importante, no entanto, que ela saiba discernir o que está em jogo neste momento em São Paulo e entenda a importância de não permitir que o campo bolsonarista crie raízes na principal cidade do País”.

Todos os fins de semana, Boulos faz agendas como essa que acompanhamos. São as caravanas “Salve São Paulo”. Os eventos são para discutir problemas e possíveis soluções para a cidade. Entretanto, ele lembra que a eleição em São Paulo sempre teve importância nacional. “Estou me preparando para discutir a cidade. Agora, não é possível ignorar que existe uma polarização política no País. Que existe um ex-presidente da República que tentou dar um golpe de Estado. Existe um campo político autoritário e eles enxergam o governo de São Paulo como uma ponte para retomar o governo federal em 2026″, afirma.

O próximo evento da agenda já vai começar. Boulos atravessa a rua e entra no Sindicato dos Eletricitários onde está sendo esperado para o lançamento da candidatura da líder comunitária Keit. Novamente, ele é saudado aos gritos de “prefeito”. Ele sorri, cumprimenta um, abraça outro. Um pouco antes de sair do café, comentei que ele parecia muito feliz. “Estou animado por algumas razões. A cidade tem uma janela de oportunidades. Me anima muito pensar o que dá para se fazer em São Paulo, coisas muito ousadas em termos de política social, política urbana. Tem dinheiro na Prefeitura. Estou animado por ver que estamos animando os outros. Política também tem muito isso. Você pode estar convencido de que está abafando. Mas se as pessoas não vêm junto, você começa a perceber que está abafando só pra você e dali a pouco começa a se desanimar. Nesta pré-campanha estou sentindo muito isso, de muita gente envolvida, acreditando, com generosidade”, afirma. O pessoal que está no auditório parece concordar e muitos gritam: “Boulos! Tamo Junto”.

Passava das cinco horas da tarde quando o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) desceu do seu Celta e vestiu uma jaqueta preta corta-vento. Depois de um dia de muito calor, a temperatura despencara ao entardecer. Incomodado com o nariz que não parava de escorrer e espirrando muito, o pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo escolheu uma mesa em um café praticamente vazio e se sentou para conversar com o Estadão. Antes de qualquer palavra, porém, explicou, secando o nariz: “tenho rinite alérgica, muda o tempo e meu nariz fica infernal”. Pediu um café expresso e disse que não tínhamos muito tempo. Ele já estava sendo esperado para o penúltimo compromisso do dia que começara antes das oito da manhã. Era o lançamento da candidatura à vereadora pelo PSOL da líder comunitária Keit, que aconteceria no Sindicato dos Eletricitários no bairro da Liberdade.

Guilherme Boulos é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL Foto: Kleber Sales/Ilustração

Alguns dias depois, Boulos teve que aposentar o Celta prateado – uma marca registrada dele. Diz ter passado a receber ameaças, então foi aconselhado a trocá-lo por um carro blindando. Não se sente lá muito à vontade. Mas, não tinha outro jeito senão aceitar a mudança. Entretanto, na sexta-feira em que o Estadão pode acompanhá-lo, ele ainda percorria a cidade, junto com mais três ou quatro pessoas no bravo carrinho, com todos os vidros abertos. Nesse dia que passamos com ele, a jornada começou cedo na Favela da Vila Prudente, uma das mais antigas da cidade, onde vivem aproximadamente 7 mil pessoas, e que passou por muitas tentativas de reurbanização, nunca finalizadas. O perfil do deputado é o segundo da série do Estadão sobre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo, que teve início com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB).

Boulos era esperado por alguns moradores e lideranças comunitárias em frente à Sociedade Amigos da Vila Prudente, fundada em 1955. Eles haviam convidado o pré-candidato para que visse a situação das ruas e das casas nas estreitas vielas embarradas e esburacadas que frequentemente alagam com as chuvas. “Veja aqui, Boulos, tivemos que fazer contenção em todas as entradas para tentar salvar os móveis ou alguma outra coisa. E tem vezes que nem a mureta segura a água”, mostrou uma moradora. E ele foi parando numa sucessão de portas e janelas que se abriam para cumprimentá-lo. Uma selfie aqui, um abraço e aperto de mão lá, um sorriso acolá e uma promessa de que a situação vai melhorar. Até chegar ao fim do trajeto, embarcar no carro e sair em disparada para o próximo compromisso.

Da comunidade, a comitiva seguiu para o Jardim Adutora, no Distrito de Sapopemba, um dos mais populosos da Zona Leste. Ali, no salão da Igreja Santa Rosa de Lima, Boulos teria um encontro com gestores de saúde, educação e assistência social. Havia cadeiras dispostas em formato de círculo e o pré-candidato se sentou ao centro. Eles foram apresentando suas reivindicações. Boulos anotava tudo em um caderninho preto até que chegou sua vez de falar.

Deputado federal Guilherme Boulos em agenda na Vila Prudente, durante pré-campanha para a Prefeitura de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Em pé, no meio do círculo, segurando o microfone, o pré-candidato foi respondendo às questões, dirigindo-se aos interlocutores com a segurança e a naturalidade de quem está acostumado a falar em público. Foi aplaudido de pé e saudado aos gritos de “prefeito”, que ele agradeceu, ressalvando que até chegar à Prefeitura havia um longo e difícil caminho pela frente. “A batalha vai ser dura porque vamos enfrentar o bolsonarismo, que o atual prefeito quer trazer para cá”, explicou, acrescentando que as pessoas precisam estar atentas com as fake news que a cada dia se tornavam mais frequentes. “Já até disseram que eu era do Hamas (grupo terrorista) e que, se ganhasse, invadiria a casa das pessoas.”

A origem de Boulos, no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), fomenta a ideia de que, se for eleito, vai tolerar invasões de moradias em São Paulo. Entretanto, ele crê que a política habitacional do seu governo, caso seja eleito, administrará o setor sem necessidade de invasões. “Hoje, você tem de um lado um problema social e do outro você tem uma resposta inadequada do poder público municipal para o problema habitacional”, diz. Ele integrou o movimento praticamente desde a sua origem, entre 2002 e 2003, foi um dos coordenadores, participou de invasões e se tornou uma espécie de porta-voz nacional.

Foi em 2003 que cerca de 300 famílias ligadas ao MTST, que Boulos viria a coordenar, ocuparam um terreno, que pertencia a Volkswagen, de 170 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. O acampamento foi crescendo, chegou a ter 4 mil pessoas que ficaram ali até conseguirem a suspensão da reintegração de posse.

Antes, ele havia tido uma participação muito efêmera no movimento estudantil, onde militou na juventude comunista. Mas foi no MTST que Boulos se encontrou depois de participar de um curso de alfabetização para jovens na Favela do Flamengo, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo. À época, ele diz que tinha entre 15 e 16 anos. “Isso me marcou muito. Logo depois, comecei a arrecadar alimentos e levar para lá”, recorda. O próximo passo foi se juntar às famílias das regiões periféricas da cidade que tinham uma imensa demanda por moradia. “E aí o MTST cresce no Brasil inteiro e se torna um movimento nacional para organizar essas famílias que não tinham casa”, explica. Boulos cresceu junto.

Guilherme Castro Boulos nasceu em 19 de junho de 1982, em São Paulo. É o caçula e único filho homem entre os três filhos de um casal de infectologistas. O pai, Marcos, dirigiu a Faculdade de Medicina da USP e se aposentou como professor titular há quase dez anos. Atualmente, é assessor da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A mãe, Maria Ivete, coordena o Núcleo de Atendimento à Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. É casado com Natália e tem duas filhas – Laura e Sofia.

Deputado Federal e candidato à Prefeitura da Capital Guilherme Boulos durante visita a favela da Vila Prudente, em São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

A origem dele desconcerta muitas vezes àqueles que o viam como um sem-teto. Boulos sempre teve uma boa casa para morar e estudou em boas escolas privadas. A certa altura e por decisão própria trocou a escola particular por uma pública e, alguns anos depois, deixou a casa dos pais e foi morar em um dos acampamentos. “Até então, era um jovem reservado, introspectivo. Lia muito e ficava em casa”, conta ao Estadão o hoje ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Médico infectologista, Padilha frequentava a casa dos Boulos e, de vez em quando, encontrava Guilherme por lá. A família, diz o ministro, acostumada com o trabalho em regiões pobres e carentes Brasil afora, não chegava a se contrariar com as atividades do jovem. A mãe, Maria Ivete, entretanto, não escondia uma certa preocupação com o filho. “Como toda mãe, ela se preocupava, mas entendia o desejo dele de ajudar essas pessoas.”

Depois do encontro no Jardim Adutora, a comitiva partiu para o almoço num restaurante na Avenida Sapopemba. “Nosso Cantinho” é um lugar amplo, com muitas mesas, que por volta das 13 horas estava lotado. Serve à la carte e também por quilo. A maior parte dos clientes escolhe o balcão do quilo, onde se forma uma grande fila. Boulos pegou poucas coisas. Arroz, feijão e uma carne. Para beber, uma Coca-Cola normal. A comida é do tipo caseira, bem temperada e variada.

A parada para o almoço não durou muito. Logo em seguida, Boulos já teria dois compromissos. O primeiro era um encontro com pequenos comerciantes e empresários da região que aconteceu em um salão que deve ser usado para festas, mesas com toalhas de cetim vermelho e, em um canto, uma árvore de cerejeira e outras plantas de plástico. E, depois, o destino foi um encontro ecumênico com religiosos.

Deputado federal Guilherme Boulos durante encontro com gestores de saúde, educação e assistência social na zona leste Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esta é a terceira eleição que Boulos disputará. Em 2018, com a atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, como vice, concorreu à Presidência da República já pelo PSOL. Era uma eleição difícil. A população estava enfastiada da política e o deputado Jair Bolsonaro surgiu feito uma espécie de redentor anticorrupção e, como se dizia, “contra tudo isso que está aí”. Guajajara, na conversa com o Estadão, recorda que foi uma campanha muito intensa, mas que serviu como um aprendizado para quem, como ambos, vinha dos movimentos sociais. “Também foi difícil porque nós não tínhamos origem na militância do PSOL e cansativo. Não é fácil rodar o Brasil”, pondera.

Em 2020, ele disputou a Prefeitura de São Paulo, tendo como vice a deputada Luiza Erundina. Perdeu no segundo turno para Bruno Covas (1980-2021), que disputava a reeleição e obteve 59,38% dos votos válidos contra 40,62% do candidato do PSOL. Passados dois anos, ele pretendia concorrer ao governo estadual. Mas seu partido fizera um acordo com o PT, em 2022, em que Boulos disputaria uma vaga na Câmara dos Deputados e apoiaria o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que concorria a governador e perdeu para o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Dessa forma, em 2024 seria o cabeça da chapa numa aliança com o PT.

Boulos, mesmo cansado depois de um dia de eventos, não perde o bom humor. A hora em que ele ri de gargalhar é quando conta um episódio que lhe aconteceu uma noite quando foi a um jantar em um conjunto de prédios de luxo em São Paulo. “Eu tinha o endereço certo, mas acabei esquecendo. Quando cheguei nos edifícios peguei o elevador, marquei um andar e quando abriu a porta dei de cara com uma família jantando. Imagina? Eles ficaram pasmos. Devem ter pensado que eu ia invadir.”

Ele diz que essa ideia usada em narrativas políticas de que vai invadir casas e apartamentos às vezes é cômica, às vezes é triste. Inclusive, Boulos explica que o MTST nunca invadiu, mas sim ocupou áreas ou terrenos ociosos. Ele não fala muito desse assunto, mas em conversa com jornalistas, reconhece que coordenou várias dessas ocupações e que já foi detido por vandalismo. Mas, neste momento, tudo que Boulos não quer é ficar citando as invasões. Prefere argumentar que esse tema serve para alimentar as fake news dos adversários.

“Tem aqueles que querem substituir o debate político real pelo meme, pelo videozinho de dez segundos, pela fake news. Isso rebaixa muito a discussão política. Ninguém em sã consciência acha que eu ou que o movimento vai invadir a casa das pessoas, tomar a sala, dividir o sofá”, diz dando mais uma sonora gargalhada.

Boulos diz que não pensava que seria candidato. Político, sim, inclusive porque era o que ele fazia no movimento. A política, assinala ele, é o instrumento mais poderoso que as pessoas têm para transformar a sociedade e não se faz só nos partidos. “Mas eu não tinha uma visão eleitoral. Tinha uma visão, inclusive, quando entrei no movimento social, muito cética, de achar que disputar as eleições não resolve, não muda as coisas, não é possível mudar as coisas. Eu achava que era só pela mobilização da sociedade que se conseguia as coisas”, afirma.

Depois de 20 anos no movimento social, ele passou a pensar diferente e diz que entendeu que o sistema político não vai se transformar por dentro, sozinho. “A sociedade civil é fundamental para produzir mudanças. Mas sozinha, sem as ferramentas da disputa política, do Estado, você fica dando murro em ponto de faca. Por isso decidi ir para a vida partidária.” Filiou-se ao PSOL em 2018.

Boulos participa de evento de filiação de Marta Suplicy ao PT, com a presença de Lula Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje há quem diga que ele é mais petista do que muitos petistas e há outros, como o próprio ministro Padilha, que brincam dizendo ver em Boulos o “herdeiro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Realmente, sempre que estão juntos Lula não esconde o afeto por ele. Porém, se perguntado sobre esse título de herdeiro, Boulos responde com tranquilidade: “Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República. Não gosto de tratar dessa forma. Lula é a maior liderança popular que o País produziu”.

Boulos conheceu Lula em 2014, quando ele já não era mais presidente. “Fizemos um conjunto habitacional, o João Cândido, com 400 apartamentos. Eu resolvi convidar Lula para entregar as chaves. Ele ficou muito entusiasmado com o trabalho do movimento. A partir desse encontro, começamos a conversar com mais frequência, nossa relação política acabou virando pessoal.”

Está começando a escurecer, mas o café continua praticamente vazio. Até que uma senhora se aproxima com um celular na mão e explica: “Boulos, meu pai é seu fã. Posso fazer uma ligação de vídeo para mostrar-lhe que você está aqui?” O deputado conversa rapidamente com o provável eleitor. Agradece o apoio e termina a conversa com a frase que usa em todas as despedidas: “Tamo junto!”

Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República

Guilherme Boulos, deputado federal

Pergunto a Boulos como ele vê a candidatura da deputada Tabata Amaral (PSB), hoje terceira colocada nas pesquisas. Ele elogia a juventude dela e o fato de querer apresentar um projeto para a cidade. Mas ressalva: “É importante, no entanto, que ela saiba discernir o que está em jogo neste momento em São Paulo e entenda a importância de não permitir que o campo bolsonarista crie raízes na principal cidade do País”.

Todos os fins de semana, Boulos faz agendas como essa que acompanhamos. São as caravanas “Salve São Paulo”. Os eventos são para discutir problemas e possíveis soluções para a cidade. Entretanto, ele lembra que a eleição em São Paulo sempre teve importância nacional. “Estou me preparando para discutir a cidade. Agora, não é possível ignorar que existe uma polarização política no País. Que existe um ex-presidente da República que tentou dar um golpe de Estado. Existe um campo político autoritário e eles enxergam o governo de São Paulo como uma ponte para retomar o governo federal em 2026″, afirma.

O próximo evento da agenda já vai começar. Boulos atravessa a rua e entra no Sindicato dos Eletricitários onde está sendo esperado para o lançamento da candidatura da líder comunitária Keit. Novamente, ele é saudado aos gritos de “prefeito”. Ele sorri, cumprimenta um, abraça outro. Um pouco antes de sair do café, comentei que ele parecia muito feliz. “Estou animado por algumas razões. A cidade tem uma janela de oportunidades. Me anima muito pensar o que dá para se fazer em São Paulo, coisas muito ousadas em termos de política social, política urbana. Tem dinheiro na Prefeitura. Estou animado por ver que estamos animando os outros. Política também tem muito isso. Você pode estar convencido de que está abafando. Mas se as pessoas não vêm junto, você começa a perceber que está abafando só pra você e dali a pouco começa a se desanimar. Nesta pré-campanha estou sentindo muito isso, de muita gente envolvida, acreditando, com generosidade”, afirma. O pessoal que está no auditório parece concordar e muitos gritam: “Boulos! Tamo Junto”.

Passava das cinco horas da tarde quando o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) desceu do seu Celta e vestiu uma jaqueta preta corta-vento. Depois de um dia de muito calor, a temperatura despencara ao entardecer. Incomodado com o nariz que não parava de escorrer e espirrando muito, o pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo escolheu uma mesa em um café praticamente vazio e se sentou para conversar com o Estadão. Antes de qualquer palavra, porém, explicou, secando o nariz: “tenho rinite alérgica, muda o tempo e meu nariz fica infernal”. Pediu um café expresso e disse que não tínhamos muito tempo. Ele já estava sendo esperado para o penúltimo compromisso do dia que começara antes das oito da manhã. Era o lançamento da candidatura à vereadora pelo PSOL da líder comunitária Keit, que aconteceria no Sindicato dos Eletricitários no bairro da Liberdade.

Guilherme Boulos é pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL Foto: Kleber Sales/Ilustração

Alguns dias depois, Boulos teve que aposentar o Celta prateado – uma marca registrada dele. Diz ter passado a receber ameaças, então foi aconselhado a trocá-lo por um carro blindando. Não se sente lá muito à vontade. Mas, não tinha outro jeito senão aceitar a mudança. Entretanto, na sexta-feira em que o Estadão pode acompanhá-lo, ele ainda percorria a cidade, junto com mais três ou quatro pessoas no bravo carrinho, com todos os vidros abertos. Nesse dia que passamos com ele, a jornada começou cedo na Favela da Vila Prudente, uma das mais antigas da cidade, onde vivem aproximadamente 7 mil pessoas, e que passou por muitas tentativas de reurbanização, nunca finalizadas. O perfil do deputado é o segundo da série do Estadão sobre os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo, que teve início com o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB).

Boulos era esperado por alguns moradores e lideranças comunitárias em frente à Sociedade Amigos da Vila Prudente, fundada em 1955. Eles haviam convidado o pré-candidato para que visse a situação das ruas e das casas nas estreitas vielas embarradas e esburacadas que frequentemente alagam com as chuvas. “Veja aqui, Boulos, tivemos que fazer contenção em todas as entradas para tentar salvar os móveis ou alguma outra coisa. E tem vezes que nem a mureta segura a água”, mostrou uma moradora. E ele foi parando numa sucessão de portas e janelas que se abriam para cumprimentá-lo. Uma selfie aqui, um abraço e aperto de mão lá, um sorriso acolá e uma promessa de que a situação vai melhorar. Até chegar ao fim do trajeto, embarcar no carro e sair em disparada para o próximo compromisso.

Da comunidade, a comitiva seguiu para o Jardim Adutora, no Distrito de Sapopemba, um dos mais populosos da Zona Leste. Ali, no salão da Igreja Santa Rosa de Lima, Boulos teria um encontro com gestores de saúde, educação e assistência social. Havia cadeiras dispostas em formato de círculo e o pré-candidato se sentou ao centro. Eles foram apresentando suas reivindicações. Boulos anotava tudo em um caderninho preto até que chegou sua vez de falar.

Deputado federal Guilherme Boulos em agenda na Vila Prudente, durante pré-campanha para a Prefeitura de São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

Em pé, no meio do círculo, segurando o microfone, o pré-candidato foi respondendo às questões, dirigindo-se aos interlocutores com a segurança e a naturalidade de quem está acostumado a falar em público. Foi aplaudido de pé e saudado aos gritos de “prefeito”, que ele agradeceu, ressalvando que até chegar à Prefeitura havia um longo e difícil caminho pela frente. “A batalha vai ser dura porque vamos enfrentar o bolsonarismo, que o atual prefeito quer trazer para cá”, explicou, acrescentando que as pessoas precisam estar atentas com as fake news que a cada dia se tornavam mais frequentes. “Já até disseram que eu era do Hamas (grupo terrorista) e que, se ganhasse, invadiria a casa das pessoas.”

A origem de Boulos, no Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), fomenta a ideia de que, se for eleito, vai tolerar invasões de moradias em São Paulo. Entretanto, ele crê que a política habitacional do seu governo, caso seja eleito, administrará o setor sem necessidade de invasões. “Hoje, você tem de um lado um problema social e do outro você tem uma resposta inadequada do poder público municipal para o problema habitacional”, diz. Ele integrou o movimento praticamente desde a sua origem, entre 2002 e 2003, foi um dos coordenadores, participou de invasões e se tornou uma espécie de porta-voz nacional.

Foi em 2003 que cerca de 300 famílias ligadas ao MTST, que Boulos viria a coordenar, ocuparam um terreno, que pertencia a Volkswagen, de 170 mil metros quadrados em São Bernardo do Campo, Grande São Paulo. O acampamento foi crescendo, chegou a ter 4 mil pessoas que ficaram ali até conseguirem a suspensão da reintegração de posse.

Antes, ele havia tido uma participação muito efêmera no movimento estudantil, onde militou na juventude comunista. Mas foi no MTST que Boulos se encontrou depois de participar de um curso de alfabetização para jovens na Favela do Flamengo, no Jardim Peri, zona norte de São Paulo. À época, ele diz que tinha entre 15 e 16 anos. “Isso me marcou muito. Logo depois, comecei a arrecadar alimentos e levar para lá”, recorda. O próximo passo foi se juntar às famílias das regiões periféricas da cidade que tinham uma imensa demanda por moradia. “E aí o MTST cresce no Brasil inteiro e se torna um movimento nacional para organizar essas famílias que não tinham casa”, explica. Boulos cresceu junto.

Guilherme Castro Boulos nasceu em 19 de junho de 1982, em São Paulo. É o caçula e único filho homem entre os três filhos de um casal de infectologistas. O pai, Marcos, dirigiu a Faculdade de Medicina da USP e se aposentou como professor titular há quase dez anos. Atualmente, é assessor da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A mãe, Maria Ivete, coordena o Núcleo de Atendimento à Violência Sexual (Navis) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. É casado com Natália e tem duas filhas – Laura e Sofia.

Deputado Federal e candidato à Prefeitura da Capital Guilherme Boulos durante visita a favela da Vila Prudente, em São Paulo Foto: Taba Benedicto/Estadão

A origem dele desconcerta muitas vezes àqueles que o viam como um sem-teto. Boulos sempre teve uma boa casa para morar e estudou em boas escolas privadas. A certa altura e por decisão própria trocou a escola particular por uma pública e, alguns anos depois, deixou a casa dos pais e foi morar em um dos acampamentos. “Até então, era um jovem reservado, introspectivo. Lia muito e ficava em casa”, conta ao Estadão o hoje ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Médico infectologista, Padilha frequentava a casa dos Boulos e, de vez em quando, encontrava Guilherme por lá. A família, diz o ministro, acostumada com o trabalho em regiões pobres e carentes Brasil afora, não chegava a se contrariar com as atividades do jovem. A mãe, Maria Ivete, entretanto, não escondia uma certa preocupação com o filho. “Como toda mãe, ela se preocupava, mas entendia o desejo dele de ajudar essas pessoas.”

Depois do encontro no Jardim Adutora, a comitiva partiu para o almoço num restaurante na Avenida Sapopemba. “Nosso Cantinho” é um lugar amplo, com muitas mesas, que por volta das 13 horas estava lotado. Serve à la carte e também por quilo. A maior parte dos clientes escolhe o balcão do quilo, onde se forma uma grande fila. Boulos pegou poucas coisas. Arroz, feijão e uma carne. Para beber, uma Coca-Cola normal. A comida é do tipo caseira, bem temperada e variada.

A parada para o almoço não durou muito. Logo em seguida, Boulos já teria dois compromissos. O primeiro era um encontro com pequenos comerciantes e empresários da região que aconteceu em um salão que deve ser usado para festas, mesas com toalhas de cetim vermelho e, em um canto, uma árvore de cerejeira e outras plantas de plástico. E, depois, o destino foi um encontro ecumênico com religiosos.

Deputado federal Guilherme Boulos durante encontro com gestores de saúde, educação e assistência social na zona leste Foto: Taba Benedicto/Estadão

Esta é a terceira eleição que Boulos disputará. Em 2018, com a atual ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, como vice, concorreu à Presidência da República já pelo PSOL. Era uma eleição difícil. A população estava enfastiada da política e o deputado Jair Bolsonaro surgiu feito uma espécie de redentor anticorrupção e, como se dizia, “contra tudo isso que está aí”. Guajajara, na conversa com o Estadão, recorda que foi uma campanha muito intensa, mas que serviu como um aprendizado para quem, como ambos, vinha dos movimentos sociais. “Também foi difícil porque nós não tínhamos origem na militância do PSOL e cansativo. Não é fácil rodar o Brasil”, pondera.

Em 2020, ele disputou a Prefeitura de São Paulo, tendo como vice a deputada Luiza Erundina. Perdeu no segundo turno para Bruno Covas (1980-2021), que disputava a reeleição e obteve 59,38% dos votos válidos contra 40,62% do candidato do PSOL. Passados dois anos, ele pretendia concorrer ao governo estadual. Mas seu partido fizera um acordo com o PT, em 2022, em que Boulos disputaria uma vaga na Câmara dos Deputados e apoiaria o hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que concorria a governador e perdeu para o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Dessa forma, em 2024 seria o cabeça da chapa numa aliança com o PT.

Boulos, mesmo cansado depois de um dia de eventos, não perde o bom humor. A hora em que ele ri de gargalhar é quando conta um episódio que lhe aconteceu uma noite quando foi a um jantar em um conjunto de prédios de luxo em São Paulo. “Eu tinha o endereço certo, mas acabei esquecendo. Quando cheguei nos edifícios peguei o elevador, marquei um andar e quando abriu a porta dei de cara com uma família jantando. Imagina? Eles ficaram pasmos. Devem ter pensado que eu ia invadir.”

Ele diz que essa ideia usada em narrativas políticas de que vai invadir casas e apartamentos às vezes é cômica, às vezes é triste. Inclusive, Boulos explica que o MTST nunca invadiu, mas sim ocupou áreas ou terrenos ociosos. Ele não fala muito desse assunto, mas em conversa com jornalistas, reconhece que coordenou várias dessas ocupações e que já foi detido por vandalismo. Mas, neste momento, tudo que Boulos não quer é ficar citando as invasões. Prefere argumentar que esse tema serve para alimentar as fake news dos adversários.

“Tem aqueles que querem substituir o debate político real pelo meme, pelo videozinho de dez segundos, pela fake news. Isso rebaixa muito a discussão política. Ninguém em sã consciência acha que eu ou que o movimento vai invadir a casa das pessoas, tomar a sala, dividir o sofá”, diz dando mais uma sonora gargalhada.

Boulos diz que não pensava que seria candidato. Político, sim, inclusive porque era o que ele fazia no movimento. A política, assinala ele, é o instrumento mais poderoso que as pessoas têm para transformar a sociedade e não se faz só nos partidos. “Mas eu não tinha uma visão eleitoral. Tinha uma visão, inclusive, quando entrei no movimento social, muito cética, de achar que disputar as eleições não resolve, não muda as coisas, não é possível mudar as coisas. Eu achava que era só pela mobilização da sociedade que se conseguia as coisas”, afirma.

Depois de 20 anos no movimento social, ele passou a pensar diferente e diz que entendeu que o sistema político não vai se transformar por dentro, sozinho. “A sociedade civil é fundamental para produzir mudanças. Mas sozinha, sem as ferramentas da disputa política, do Estado, você fica dando murro em ponto de faca. Por isso decidi ir para a vida partidária.” Filiou-se ao PSOL em 2018.

Boulos participa de evento de filiação de Marta Suplicy ao PT, com a presença de Lula Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje há quem diga que ele é mais petista do que muitos petistas e há outros, como o próprio ministro Padilha, que brincam dizendo ver em Boulos o “herdeiro” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Realmente, sempre que estão juntos Lula não esconde o afeto por ele. Porém, se perguntado sobre esse título de herdeiro, Boulos responde com tranquilidade: “Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República. Não gosto de tratar dessa forma. Lula é a maior liderança popular que o País produziu”.

Boulos conheceu Lula em 2014, quando ele já não era mais presidente. “Fizemos um conjunto habitacional, o João Cândido, com 400 apartamentos. Eu resolvi convidar Lula para entregar as chaves. Ele ficou muito entusiasmado com o trabalho do movimento. A partir desse encontro, começamos a conversar com mais frequência, nossa relação política acabou virando pessoal.”

Está começando a escurecer, mas o café continua praticamente vazio. Até que uma senhora se aproxima com um celular na mão e explica: “Boulos, meu pai é seu fã. Posso fazer uma ligação de vídeo para mostrar-lhe que você está aqui?” O deputado conversa rapidamente com o provável eleitor. Agradece o apoio e termina a conversa com a frase que usa em todas as despedidas: “Tamo junto!”

Pode soar um pouco desrespeitoso você falar de herança de quem está vivo e, mais do que está vivo, é o presidente da República

Guilherme Boulos, deputado federal

Pergunto a Boulos como ele vê a candidatura da deputada Tabata Amaral (PSB), hoje terceira colocada nas pesquisas. Ele elogia a juventude dela e o fato de querer apresentar um projeto para a cidade. Mas ressalva: “É importante, no entanto, que ela saiba discernir o que está em jogo neste momento em São Paulo e entenda a importância de não permitir que o campo bolsonarista crie raízes na principal cidade do País”.

Todos os fins de semana, Boulos faz agendas como essa que acompanhamos. São as caravanas “Salve São Paulo”. Os eventos são para discutir problemas e possíveis soluções para a cidade. Entretanto, ele lembra que a eleição em São Paulo sempre teve importância nacional. “Estou me preparando para discutir a cidade. Agora, não é possível ignorar que existe uma polarização política no País. Que existe um ex-presidente da República que tentou dar um golpe de Estado. Existe um campo político autoritário e eles enxergam o governo de São Paulo como uma ponte para retomar o governo federal em 2026″, afirma.

O próximo evento da agenda já vai começar. Boulos atravessa a rua e entra no Sindicato dos Eletricitários onde está sendo esperado para o lançamento da candidatura da líder comunitária Keit. Novamente, ele é saudado aos gritos de “prefeito”. Ele sorri, cumprimenta um, abraça outro. Um pouco antes de sair do café, comentei que ele parecia muito feliz. “Estou animado por algumas razões. A cidade tem uma janela de oportunidades. Me anima muito pensar o que dá para se fazer em São Paulo, coisas muito ousadas em termos de política social, política urbana. Tem dinheiro na Prefeitura. Estou animado por ver que estamos animando os outros. Política também tem muito isso. Você pode estar convencido de que está abafando. Mas se as pessoas não vêm junto, você começa a perceber que está abafando só pra você e dali a pouco começa a se desanimar. Nesta pré-campanha estou sentindo muito isso, de muita gente envolvida, acreditando, com generosidade”, afirma. O pessoal que está no auditório parece concordar e muitos gritam: “Boulos! Tamo Junto”.

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