A segurança do Palácio do Planalto foi excluída do plano traçado pela Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal para proteger a Esplanada dos Ministérios e os palácios das sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro. Documento enviado pela pasta mostra que o STF, o Congresso e até o Ministério das Relações Exteriores foram avisados para providenciar o cercamento de seus prédios, mas o Comando Militar do Planalto (CMP) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) não foram incluídos no ofício da coordenação de eventos e atividades especiais.
Entre os principais edifícios e Poderes representados na Praça dos Três Poderes, epicentro dos atos golpistas, somente o Planalto ficou de fora do alerta. Em cinco páginas, o documento mostra o que cada órgão informado pela Segurança do DF faria no dia 8 para conter os manifestantes. Também registra que a secretaria orientou como deveria ser a circulação de pessoas e veículos: “Os manifestantes poderão realizar o desembarque de pessoas no Setor Militar Urbano (...) “devendo ser designado como local de estacionamento dos ônibus o estacionamento externo da Granja do Torto”.
De acordo com o ofício, o objetivo da operação planejada para os dias 7, 8 e 9 de janeiro era “promover ações de segurança pública a fim de assegurar o direito constitucional à livre manifestação pública, na Esplanada dos Ministérios e área central de Brasília, conforme atribuições legais de cada Instituição, Órgão ou Agências (IOAs), e reunião de alinhamento da Operação, ocorrida na SSP, no dia 06 de janeiro de 2023”.
Nem o CMP ou o GSI e nem mesmo a Polícia Federal constam entre os órgãos ou agências participantes da reunião no dia 6. O documento também não coloca a segurança das sedes dos Três Poderes entre os objetivos gerais da operação, apenas destaca a garantia do direito de manifestação. E isso apesar de o Sindicato dos Postos de Combustíveis ter sido chamado para participar do encontro e orientado sobre como agir preventivamente.
Para os empresários do setor, retrata o ofício, a Segurança do DF fez essas recomendações, entre outras: “Providenciar orientação às redes de postos quanto à atenção necessária na venda de combustíveis de forma adequada, em recipientes autorizados pela legislação; Orientar às redes de combustíveis quanto aos pontos de contato para acionamento imediato, em casos de cometimento de crimes ou ações de vandalismo e depredações”.
O documento obtido pelo Estadão está nas mãos dos delegados da Operação Lesa Pátria, que investigam a omissão e a participação de autoridades nos atos que levaram à invasão e depredação das sedes dos três Poderes em Brasília. Ele foi entregue na semana passada pelo ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que pretendia mostrar que o Exército foi mantido às cegas pelas autoridades da Segurança Pública da capital federal. Na época, a pasta era chefiada pelo ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que teve mais tarde sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dispensados
Dutra contou aos investigadores que no dia 6 de janeiro havia mandado reforço do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), mas a presença de seus homens foi dispensada pelos militares do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no dia 7, responsáveis pela segurança da sede do Poder Executivo. Mesmo assim, Dutra os manteve de prontidão no Setor Militar Urbano (SMU), pois temia confusão em frente ao quartel-general do Exército – o general estava estrangulando aos pouco o acampamento bolsonarista desde o fim de dezembro.
No dia 6, ele determinou o fechamento do SMU. Apesar disso, a secretaria, conforme mostra o ofício, direcionou os manifestantes que chegavam de todo o País para o setor militar, o que encheu novamente o acampamento em frente ao QG. Só ali foram presos 1.261 pessoas na manhã do dia 9 por ordem do ministro Moraes.
No documento entregue pelo militar estão descritas as funções de cada órgão avisado pela secretaria da manifestação bolsonarista. As tarefas da PM, da Polícia Civil, do Detran e das seguranças do Congresso e do STF estavam definidas e aparecem descritas em detalhes. A única ausência é a segurança do Palácio do Planalto. Logo depois dos ataques, o general Dutra afirmou para colegas que não havia sido informado sobre a dimensão da manifestação nem mesmo sobre o lema golpista dos vândalos - “Tomada de Poder”.
O documento dizia que, se identificada a presença de manifestantes no Distrito Federal, “poderá ser acionado o fechamento da Esplanada dos Ministérios, mediante acionamento da SSP, realizando o fechamento do trânsito de veículos na Esplanada dos Ministérios, na via S1 na altura da Alça Leste até a Via L4 Norte impedindo o acesso às Vias N1 e S1″. No dia 8, a PM do Distrito Federal escoltou os manifestantes até a Esplanada, apesar de o ofício registrar: “Não será permitido o acesso de manifestante à Praça dos Três Poderes, conforme acordado em reunião no dia 06 de janeiro de 2023 na SSP”.
O documento registra especificamente que a passeata na Esplanada estava proibida. “Não será permitido a realização de carreatas ou motociatas, em conjunto com qualquer passeata, bem como acampamento de manifestantes no local da manifestação; Não está autorizado o trânsito de ônibus em caravana na Esplanada dos Ministérios, assim como transitar na área central de Brasília”. O documento está assinado pela coronel Cíntia Queiroz de Castro, subsecretária de Operações Integradas da Secretaria de Segurança Pública do DF.
Esse e outro documento entregue por Dutra - no qual a secretaria mostra que a operação do dia 29 de dezembro era para o combate de comércio ilegal na área do acampamento – desmentiriam a afirmação da cúpula da Segurança de Brasília de que o Exército teria impedido a retirada dos manifestantes antes do dia 31 de dezembro. Dutra afirmou em depoimento à Polícia Federal que só não fez isso antes porque não recebeu ordem nem da Justiça nem do Poder Executivo.
Padrão
O registro de comunicados de outras operações realizadas pela Secretaria de Segurança do DF ao Comando Militar do Planalto e ao GSI deixam claro que a interlocução entre os órgãos estadual e federal era praxe no que diz respeito ao menos à Praça dos Três Poderes.
O Estadão procurou a defesa do ex-ministro Torres, mas até a publicação da reportagem não houve resposta.