E se o governo quiser uma plataforma de petróleo em Ipanema, você concordaria?; leia análise


Enquanto Ibama barra proposta da Petrobras, políticos locais expõem discurso frágil de defensa da população ribeirinha

Por Leonencio Nossa
Atualização:

A proposta da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia de explorar petróleo na foz do rio Amazonas divide opiniões. Mas e se o governo falasse em colocar uma plataforma na praia de Ipanema? Alguém defenderia a medida? A diferença está sobretudo na distância do Arquipélago do Bailique, no delta do grande rio, em relação aos grandes centros, à opinião pública e as paixões políticas, sempre rasas quando se trata de um debate de meio ambiente.

Muitos vão observar que o Rio de Janeiro conta com bases petrolíferas em seu litoral – distantes, claro, das praias – e que a metrópole consegue compensar as demandas de grandes projetos. Não é o caso da região da bacia do Amazonas. Ou ainda vão dizer que a exploração de óleo pela Petrobras ocorreria a 170 quilômetros do litoral do Amapá ou a 500 quilômetros da foz do rio. O que está em jogo é o efeito que um projeto poderá ter numa região que está longe do alcance de nossas vistas.

Quando se fala em um projeto de extração de óleo no encontro das águas do Amazonas e do Atlântico, porém, é preciso incluir na conta mudanças numa região de mangues que sustentam parte considerável das espécies do litoral brasileiro, além da chegada a comunidades tradicionais de uma legião de milhares de homens e mulheres, máquinas e migrantes – o êxodo nunca deixa de aparecer no rastro de grandes obras.

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Difícil imaginar que esse contingente se adaptaria às condições da geografia natural e humana do Delta do Amazonas sem deixar marcas profundas. A exploração de óleo ocorre no mar, longe da costa, mas é nas margens do continente que os impactos são mais visíveis. A região conta com a grande reserva biológica do Lago Piratuba e as ilhas do Bailique, onde vivem cerca de 10 mil ribeirinhos. O mosaico de povos está ali desde as primeiras investidas dos europeus para dominar o Amazonas.

Com 6.992 quilômetros de extensão, o Amazonas nasce com o nome Carhuasanta no elevado Mismi, a mais de cinco mil metros de altitude, no Altiplano, em Arequipa, no Peru, desce cristalino os Andes, entra na floresta amazônica, alimenta cidades e povos, banha a Colômbia e ganha largura de quilômetros no Brasil. Ao chegar ao oceano, o rio despeja seus sedimentos, gerando um número incontável de vidas dentro das águas barrentas e fora delas. Esses sedimentos podem chegar a faixas do mar no Caribe e até no litoral da Flórida - ultrapassa e muito a área de possível exploração de petróleo.

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Um projeto econômico de grande impacto sempre revela o quanto é frágil os discursos de sustentabilidade de um governo. Ao assumir pela primeira vez o poder em 2003, Lula fez questão de anunciar Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, juntamente com Antonio Palocci na Fazenda, antes dos demais, como um recado positivo aos fóruns internacionais. Depois, foram cinco anos de saia-justa e incômodo com a presença dela no governo. Em 2008, Marina, sem apoio do presidente, deixou o cargo. Lula optava pela proposta de país de Dilma Rousseff, sua ministra da Casa Civil.

A história mostraria que o projeto desenvolvimentista de Dilma era também a proposta de grandes obras que nada melhoraram a realidade amazônica. As hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia, e a usina de Belo Monte, no Pará, só aumentaram a lista de obras que desperdiçaram dinheiro público, não trouxeram ganhos econômicos, desestruturam o tecido social e ainda movimentaram esquemas de corrupção.

Os primeiros debates sobre o projeto de petróleo na foz do Rio foram suficientes para revelar autoridades que se dizem guardiões das minorias e de um país sustentável, mas que não titubeiam em defender interesses privados sem consistência ambiental. O senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, anunciou que sairá da Rede Sustentabilidade, o partido de Marina, por ter “posições distintas” sobre o veto do Ibama à exploração do Amazonas. O parlamentar afirmou que o povo do Amapá não foi consultado, como se uma questão técnica tivesse que ter referendo.

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Região do Delta do Amazonas abriga comunidades tradicionais e reservas biológicas.  Foto: CELSO JUNIOR/AE - 10-03-2011

O governo ainda não se deu conta da complexidade do debate sobre o futuro da foz do Amazonas. Num post recente no Twitter, Lula escreveu que as pessoas da Amazônia têm o direito de “trabalhar” e “comer” e que “precisamos ter o direito de explorar a diversidade da Amazônia, para gerar empregos limpos”. Foi o discurso que ele manteve nos seus dois primeiros mandatos.

Uma parte do Brasil e o mundo de 2023 podem achar que a intenção do projeto de explorar petróleo no Bailique não é dar comida nem emprego para ribeirinhos. Também podem lembrar que não faltaram projetos fabulosos, que prometiam melhorar a economia brasileira da noite para o dia, mas que só trouxeram problemas – o Jari, bem ali, no Amapá, nos anos 1960, foi um deles.

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Até aqui, Lula teve uma situação confortável. Saiu pelo mundo para defender a Amazônia, fez uma série de encontros com lideranças indígenas e procurou mostrar que faz um governo especialmente na área ambiental diferente de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Mas, para quem acha que fazer discursos genéricos em defesa da floresta seja suficiente para ganhar um selo de sustentabilidade internacional, o projeto de explorar petróleo na boca do grande rio pode reservar uma dura lição.

A proposta da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia de explorar petróleo na foz do rio Amazonas divide opiniões. Mas e se o governo falasse em colocar uma plataforma na praia de Ipanema? Alguém defenderia a medida? A diferença está sobretudo na distância do Arquipélago do Bailique, no delta do grande rio, em relação aos grandes centros, à opinião pública e as paixões políticas, sempre rasas quando se trata de um debate de meio ambiente.

Muitos vão observar que o Rio de Janeiro conta com bases petrolíferas em seu litoral – distantes, claro, das praias – e que a metrópole consegue compensar as demandas de grandes projetos. Não é o caso da região da bacia do Amazonas. Ou ainda vão dizer que a exploração de óleo pela Petrobras ocorreria a 170 quilômetros do litoral do Amapá ou a 500 quilômetros da foz do rio. O que está em jogo é o efeito que um projeto poderá ter numa região que está longe do alcance de nossas vistas.

Quando se fala em um projeto de extração de óleo no encontro das águas do Amazonas e do Atlântico, porém, é preciso incluir na conta mudanças numa região de mangues que sustentam parte considerável das espécies do litoral brasileiro, além da chegada a comunidades tradicionais de uma legião de milhares de homens e mulheres, máquinas e migrantes – o êxodo nunca deixa de aparecer no rastro de grandes obras.

Difícil imaginar que esse contingente se adaptaria às condições da geografia natural e humana do Delta do Amazonas sem deixar marcas profundas. A exploração de óleo ocorre no mar, longe da costa, mas é nas margens do continente que os impactos são mais visíveis. A região conta com a grande reserva biológica do Lago Piratuba e as ilhas do Bailique, onde vivem cerca de 10 mil ribeirinhos. O mosaico de povos está ali desde as primeiras investidas dos europeus para dominar o Amazonas.

Com 6.992 quilômetros de extensão, o Amazonas nasce com o nome Carhuasanta no elevado Mismi, a mais de cinco mil metros de altitude, no Altiplano, em Arequipa, no Peru, desce cristalino os Andes, entra na floresta amazônica, alimenta cidades e povos, banha a Colômbia e ganha largura de quilômetros no Brasil. Ao chegar ao oceano, o rio despeja seus sedimentos, gerando um número incontável de vidas dentro das águas barrentas e fora delas. Esses sedimentos podem chegar a faixas do mar no Caribe e até no litoral da Flórida - ultrapassa e muito a área de possível exploração de petróleo.

Um projeto econômico de grande impacto sempre revela o quanto é frágil os discursos de sustentabilidade de um governo. Ao assumir pela primeira vez o poder em 2003, Lula fez questão de anunciar Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, juntamente com Antonio Palocci na Fazenda, antes dos demais, como um recado positivo aos fóruns internacionais. Depois, foram cinco anos de saia-justa e incômodo com a presença dela no governo. Em 2008, Marina, sem apoio do presidente, deixou o cargo. Lula optava pela proposta de país de Dilma Rousseff, sua ministra da Casa Civil.

A história mostraria que o projeto desenvolvimentista de Dilma era também a proposta de grandes obras que nada melhoraram a realidade amazônica. As hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia, e a usina de Belo Monte, no Pará, só aumentaram a lista de obras que desperdiçaram dinheiro público, não trouxeram ganhos econômicos, desestruturam o tecido social e ainda movimentaram esquemas de corrupção.

Os primeiros debates sobre o projeto de petróleo na foz do Rio foram suficientes para revelar autoridades que se dizem guardiões das minorias e de um país sustentável, mas que não titubeiam em defender interesses privados sem consistência ambiental. O senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, anunciou que sairá da Rede Sustentabilidade, o partido de Marina, por ter “posições distintas” sobre o veto do Ibama à exploração do Amazonas. O parlamentar afirmou que o povo do Amapá não foi consultado, como se uma questão técnica tivesse que ter referendo.

Região do Delta do Amazonas abriga comunidades tradicionais e reservas biológicas.  Foto: CELSO JUNIOR/AE - 10-03-2011

O governo ainda não se deu conta da complexidade do debate sobre o futuro da foz do Amazonas. Num post recente no Twitter, Lula escreveu que as pessoas da Amazônia têm o direito de “trabalhar” e “comer” e que “precisamos ter o direito de explorar a diversidade da Amazônia, para gerar empregos limpos”. Foi o discurso que ele manteve nos seus dois primeiros mandatos.

Uma parte do Brasil e o mundo de 2023 podem achar que a intenção do projeto de explorar petróleo no Bailique não é dar comida nem emprego para ribeirinhos. Também podem lembrar que não faltaram projetos fabulosos, que prometiam melhorar a economia brasileira da noite para o dia, mas que só trouxeram problemas – o Jari, bem ali, no Amapá, nos anos 1960, foi um deles.

Até aqui, Lula teve uma situação confortável. Saiu pelo mundo para defender a Amazônia, fez uma série de encontros com lideranças indígenas e procurou mostrar que faz um governo especialmente na área ambiental diferente de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Mas, para quem acha que fazer discursos genéricos em defesa da floresta seja suficiente para ganhar um selo de sustentabilidade internacional, o projeto de explorar petróleo na boca do grande rio pode reservar uma dura lição.

A proposta da Petrobras e do Ministério de Minas e Energia de explorar petróleo na foz do rio Amazonas divide opiniões. Mas e se o governo falasse em colocar uma plataforma na praia de Ipanema? Alguém defenderia a medida? A diferença está sobretudo na distância do Arquipélago do Bailique, no delta do grande rio, em relação aos grandes centros, à opinião pública e as paixões políticas, sempre rasas quando se trata de um debate de meio ambiente.

Muitos vão observar que o Rio de Janeiro conta com bases petrolíferas em seu litoral – distantes, claro, das praias – e que a metrópole consegue compensar as demandas de grandes projetos. Não é o caso da região da bacia do Amazonas. Ou ainda vão dizer que a exploração de óleo pela Petrobras ocorreria a 170 quilômetros do litoral do Amapá ou a 500 quilômetros da foz do rio. O que está em jogo é o efeito que um projeto poderá ter numa região que está longe do alcance de nossas vistas.

Quando se fala em um projeto de extração de óleo no encontro das águas do Amazonas e do Atlântico, porém, é preciso incluir na conta mudanças numa região de mangues que sustentam parte considerável das espécies do litoral brasileiro, além da chegada a comunidades tradicionais de uma legião de milhares de homens e mulheres, máquinas e migrantes – o êxodo nunca deixa de aparecer no rastro de grandes obras.

Difícil imaginar que esse contingente se adaptaria às condições da geografia natural e humana do Delta do Amazonas sem deixar marcas profundas. A exploração de óleo ocorre no mar, longe da costa, mas é nas margens do continente que os impactos são mais visíveis. A região conta com a grande reserva biológica do Lago Piratuba e as ilhas do Bailique, onde vivem cerca de 10 mil ribeirinhos. O mosaico de povos está ali desde as primeiras investidas dos europeus para dominar o Amazonas.

Com 6.992 quilômetros de extensão, o Amazonas nasce com o nome Carhuasanta no elevado Mismi, a mais de cinco mil metros de altitude, no Altiplano, em Arequipa, no Peru, desce cristalino os Andes, entra na floresta amazônica, alimenta cidades e povos, banha a Colômbia e ganha largura de quilômetros no Brasil. Ao chegar ao oceano, o rio despeja seus sedimentos, gerando um número incontável de vidas dentro das águas barrentas e fora delas. Esses sedimentos podem chegar a faixas do mar no Caribe e até no litoral da Flórida - ultrapassa e muito a área de possível exploração de petróleo.

Um projeto econômico de grande impacto sempre revela o quanto é frágil os discursos de sustentabilidade de um governo. Ao assumir pela primeira vez o poder em 2003, Lula fez questão de anunciar Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, juntamente com Antonio Palocci na Fazenda, antes dos demais, como um recado positivo aos fóruns internacionais. Depois, foram cinco anos de saia-justa e incômodo com a presença dela no governo. Em 2008, Marina, sem apoio do presidente, deixou o cargo. Lula optava pela proposta de país de Dilma Rousseff, sua ministra da Casa Civil.

A história mostraria que o projeto desenvolvimentista de Dilma era também a proposta de grandes obras que nada melhoraram a realidade amazônica. As hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia, e a usina de Belo Monte, no Pará, só aumentaram a lista de obras que desperdiçaram dinheiro público, não trouxeram ganhos econômicos, desestruturam o tecido social e ainda movimentaram esquemas de corrupção.

Os primeiros debates sobre o projeto de petróleo na foz do Rio foram suficientes para revelar autoridades que se dizem guardiões das minorias e de um país sustentável, mas que não titubeiam em defender interesses privados sem consistência ambiental. O senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, anunciou que sairá da Rede Sustentabilidade, o partido de Marina, por ter “posições distintas” sobre o veto do Ibama à exploração do Amazonas. O parlamentar afirmou que o povo do Amapá não foi consultado, como se uma questão técnica tivesse que ter referendo.

Região do Delta do Amazonas abriga comunidades tradicionais e reservas biológicas.  Foto: CELSO JUNIOR/AE - 10-03-2011

O governo ainda não se deu conta da complexidade do debate sobre o futuro da foz do Amazonas. Num post recente no Twitter, Lula escreveu que as pessoas da Amazônia têm o direito de “trabalhar” e “comer” e que “precisamos ter o direito de explorar a diversidade da Amazônia, para gerar empregos limpos”. Foi o discurso que ele manteve nos seus dois primeiros mandatos.

Uma parte do Brasil e o mundo de 2023 podem achar que a intenção do projeto de explorar petróleo no Bailique não é dar comida nem emprego para ribeirinhos. Também podem lembrar que não faltaram projetos fabulosos, que prometiam melhorar a economia brasileira da noite para o dia, mas que só trouxeram problemas – o Jari, bem ali, no Amapá, nos anos 1960, foi um deles.

Até aqui, Lula teve uma situação confortável. Saiu pelo mundo para defender a Amazônia, fez uma série de encontros com lideranças indígenas e procurou mostrar que faz um governo especialmente na área ambiental diferente de seu antecessor, Jair Bolsonaro. Mas, para quem acha que fazer discursos genéricos em defesa da floresta seja suficiente para ganhar um selo de sustentabilidade internacional, o projeto de explorar petróleo na boca do grande rio pode reservar uma dura lição.

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