BRASÍLIA – O Senado insiste na votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que concede um “bônus” na remuneração das carreiras da magistratura e do Ministério Público, o chamado quinquênio. Enquanto os senadores prosseguem com a discussão à revelia das projeções negativas nas contas públicas, especialistas como Vera Monteiro, vice-presidente do Instituto República.Org, destacam que a medida aprofunda desigualdades no serviço público e cria um “novo” teto salarial ainda mais alto do que o atual, de R$ 44 mil, para as carreiras beneficiadas.
A especialista representa a entidade dedicada ao debate sobre a gestão de pessoas no serviço público com o objetivo de torná-lo mais “presente, competente e respeitado”. O instituto se define como apartidário, não corporativo e antirracista, pautado pelo interesse em fortalecer a democracia. Vera Monteiro também é professora da FGV Direito SP e da Sociedade Brasileira de Direito Público.
“Essa PEC aumenta muito a desigualdade dentro da administração pública. A base ganha muito pouco e é quem trabalha na área da saúde, da educação, da assistência social. Essa PEC faz com que essa pirâmide, que já é muito ruim, piore. Isso vai na contramão de qualquer proposta de transformação do estado e reforma administrativa que gere melhoria na qualidade do serviço público. Não dá pra falar em reforma administrativa com uma PEC como essa. Isso aqui é a contrarreforma”, disse Vera ao Estadão.
O Ministério da Fazenda estima que o custo anual do penduricalho concedido para integrantes do Judiciário e do Ministério Público pode chegar a R$ 40 bilhões. Esse montante, que supera o orçamento de pastas do governo federal, deve ser pago a um universo restrito de servidores, destaca Vera. Levantamento realizado pelo República.Org contabiliza 11 milhões de servidores públicos em atividade no País. Na magistratura, uma das carreiras atingidas pela PEC, o contingente de profissionais é de pouco mais de 18 mil servidores ativos, segundo dados de 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Leia também...
Entenda o que é a PEC do Quinquênio, o impacto nas contas públicas e a discussão no Senado
Lira avisa que PEC do Quinquênio ‘dificilmente terá andamento na Câmara’
‘PEC do Quinquênio assombra porque dispensa o teto constitucional’, alerta professor
PEC do Quinquênio é ‘fura teto’ salarial de ministros do STF , diz jurista
“No fundo, estamos falando da alocação eficiente de recursos. Quando você estabelece orçamento do judiciário, é ele quem vai decidir como gerir esse dinheiro. Se ele quer gastar 100% do orçamento com salário, a decisão é dele”, destacou Vera.
Os dados do CNJ mostram que o Poder Judiciário atuou com o orçamento de R$ 119 bilhões em 2022. Naquele ano foram empenhados R$ 118 bilhões - ou seja, dinheiro que foi destinado a alguma despesa -, dos quais R$ 72 bilhões foram direcionados apenas para o pagamento de pessoal ativo. Esse valor corresponde a 61% dos gastos dos tribunais do País. Ainda há outras despesas com servidores, como o pagamento de pensões e remuneração de membros inativos. Os investimentos, em contrapartida, somaram pouco mais de R$ 2 bilhões em 2022 - cerca de 1,6% do orçamento.
PL dos Supersalários não anula efeitos da PEC do Quinquênio
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou que a PEC do Quinquênio só seria promulgada após a aprovação do fim dos supersalários. O parlamentar vinha tratando as duas propostas como parte do mesmo pacote, mas passou a escantear o projeto de lei (PL) dos supersalários nas últimas semanas.
Como mostrou o Estadão, enquanto o Senado avança com a proposta para ressuscitar um bônus do Poder Judiciário, o PL que acaba com os supersalários no funcionalismo público está parado na Casa desde 2021. Vera explicou que, diferentemente do que é vendido pelos políticos, os projetos não são complementares.
“Vota-se primeiro a PEC do Quinquênio para depois votar o PL dos Supersalários. São duas coisas completamente diferentes, uma coisa não tem nada a ver com a outra, e estão colocando tudo no mesmo bolo”, disse.
A vice-presidente do República.Org explicou ainda que o PL dos Supersalários cria uma regra para disciplinar o pagamento de verbas indenizatórias, também conhecidas como penduricalhos. O texto travado no Senado determinará quais benefícios são válidos e de que forma serão pagos. Já a PEC do Quinquênio trata da remuneração dos integrantes do Poder Judiciário e prevê aumento de 5% nos vencimentos desses profissionais a cada cinco anos de trabalho. Portanto, enquanto um projeto corta despesas, o outro faz elas crescerem.