Enquanto na maior parte do País a polarização representada pelos grupos do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tende a interferir diretamente nos pleitos municipais, em Manaus o tom deve ser diferente. As questões locais, sobretudo no debate sobre segurança pública, e uma disputa entre uma política mais tradicional representada pelo prefeito atual e candidato à reeleição, David Almeida (Avante) e uma nova geração representada, por exemplo, pelo deputado federal Amom Mandel (Cidadania), de apenas 23 anos e em seu primeiro mandato como deputado.
“Aqui os partidos se mesclam e os nomes se misturam; os temas regionais são preponderantes e isso explica certas alianças. A política amazonense é orientada por grupos e não por partidos ou ideologias. Nas articulações para o governo do Estado, os candidatos usam as eleições municipais como um ensaio, e isso determina certas alianças, para além de certas conjunturas ideológicas”, afirma o cientista político e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Gilson Gil.
Em anos anteriores, a capital inovou pouco nas escolhas e elegeu prefeitos do centro à direita do espectro político.. Amazonino Mendes, ex-governador, por exemplo, já esteve à frente da prefeitura por três vezes e Arthur Neto (sem partido) também. Já Alfredo Nascimento (PL) se alçou ao posto duas vezes, bem como Manoel Henriques Ribeiro; o levantamento feito considerou os anos de 1983 a 2021.
Segundo a pesquisa eleitoral do instituto Real Time Big Data, divulgada no dia 27 de maio e encomendada pela Record, ao terem seus nomes apresentados ao eleitor, Amon Mandel e David Almeida alcançaram 25% e 24% de intenções de voto, respectivamente. O deputado federal Alberto Neto (PL) aparece em terceiro lugar com 13% e Roberto Cidade (União) logo em seguida, com 12%.
Os pré-candidatos dessa eleição tendem a explorar especialmente o tema da a falta de segurança na região. O Estadão revelou que a região amazônica virou alvo de disputa entre PCC, Comando Vermelho e mais 20 facções. Além disso, o plano de segurança para a área não saiu do papel um ano após a promessa feita pelo governo Lula.
“Houve um crescimento exponencial da violência urbana e do consumo de drogas; hoje, alguns bairros encontram-se sob o domínio de narcotraficantes que controlam a logística da distribuição de drogas para o restante do País e para o exterior”, analisa o consultor e professor de relações internacionais, Breno Leite.
Segundo o Mapa de Segurança Pública 2024, levantamento feito pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, Manaus é o terceiro município com mais homicídios dolosos do país. A cidade atingiu o total de 866 vítimas anuais em 2023. O estudo considera o número de homicídios totais. “Se considerarmos as populações das cidades e fizermos o cálculo para encontrar a proporcionalidade, Manaus ocupa o primeiro lugar na taxa de homicídios dolosos: 41,9 para cada 100 mil habitantes”, afirma o deputado estadual Comandante Dan (Podemos), presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam).
Um emaranhado de antigas raízes
O jogo político amazonense é complexo. Em 2020, no último pleito municipal, o atual prefeito, David Almeida, esteve junto do governador Wilson Lima (União), e recebeu apoio do União Brasil para derrotar o senador Eduardo Braga (MDB) e o ex-governador Amazonino Mendes. Atualmente, a aliança entre Almeida e Lima caiu por terra, bem como o apoio do partido. Uma vez que o prefeito não obteve sucesso ao dialogar com seus aliados, o União agora tende a emplacar um candidato próprio: Roberto Cidade.
Atualmente, os senadores Braga e Omar Aziz (PSD) têm interesse na candidatura de Cidade, que preside a Aleam. A guinada de Wilson Lima à direita e a inércia de Almeida quanto às articulações dos senadores foram os responsáveis por esse recálculo de rota. “A partir do segundo ano de mandato do atual prefeito, ele foi instigado a dançar várias ‘toadas de boi’. O governador o tirou para bailar, mas não acertaram os passos. Dos três senadores do Amazonas, dois flertaram com ele (Aziz e Braga). Se olharam, mas não afinaram a dança”, afirma Raimundo Nonato, cientista político da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
Almeida encontra dificuldades mesmo com a máquina pública em mãos. O prefeito é criticado pelos adversários por focar em ações de lazer, eventos e pequenas obras, e pouco atacar temas como mobilidade urbana, segurança e infraestrutura. Ao ser procurado pela reportagem, a assessoria do político não respondeu aos questionamentos.
Manaus, como pode ser visto nas eleições presidenciais de 2022, se mostra um município que tende à direita. Foi uma das três únicas cidades do Estado em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) venceu o atual presidente Lula (PT): 61,28% a 38,72% no segundo turno. O Partido dos Trabalhadores tem dificuldade de se inserir na região e possui mais força no interior do Estado. O Bolsa Família contribuiu para o cenário positivo nas periferias, mas a relação do presidente da República com a Lava Jato causou prejuízos à imagem do partido na capital.
O pré-candidato petista será o ex-deputado federal Marcelo Ramos (PT). Recém-filiado ao partido com o aval de Lula, ele não se reelegeu para a Câmara dos Deputados após fazer mandato marcado pela sua oposição ao governo Bolsonaro. A secretária nacional de Mulheres do PT, Anne Moura, também se colocou como pré-candidata, mas desistiu após conversa com o chefe do Executivo federal, que atuou por Ramos.
Do outro lado da polarização, o deputado federal delegado Alberto Neto (PL) quer angariar visibilidade da direita: “Represento nesta eleição o projeto político de direita, comandado pelo presidente Jair Bolsonaro. Esse não é um apoio simbólico. Quero mostrar que Manaus é um exemplo de cidade que cultiva os valores que mais prezamos: ‘Deus, Pátria, família, ordem e liberdade’. Ele defende que a cidade precisa de um “choque de ordem” para que a situação se reestruture.
Outro pré-candidato, Amom Mandel é um jovem ex-vereador e atual deputado federal. Sua bandeira é a ruptura com o que está posto, que identifica como “velhas práticas políticas”. “Sou independente (...) Estou em um partido que me deixa à vontade para tomar as minhas decisões, justamente porque quero combater essas velhas práticas que colocaram o Amazonas nas piores posições de rankings sociais e econômicos”, diz o pré-candidato.
Enquanto Mandel se define como de “centro”, Almeida é relacionado à centro-direita. Até este momento, os dois disputarão as eleições em pé de igualdade, ao menos nos números, como mostram as pesquisas. O pré-candidato pelo Cidadania, porém, poderá ter que deixar a posição de centro para se fortalecer.
“O peso da máquina administrativa é muito grande e isso acaba por fazer do atual gestor um favorito à reeleição. Há um espaço, para novidades, como Amom, em um quadro de insatisfação. Porém, ele terá de fazer acordos e acabar tendo de se aliar a alguns dos grupos dominantes, caso realmente queira vencer num possível 2º turno”, diz o professor Gilson Gil.
Independentemente de quem for eleito, a relação com o Executivo nacional e estadual não será de completa oposição por parte do gestor municipal. Segundo o cientista político e professor da Ufam, Ludolf Junior, o “Amazonas é um estado relativamente periférico no Brasil, então, muitas vezes precisa do apoio de recursos federais e os políticos, evidentemente, em busca disso, tendem a ter um pragmatismo maior na hora de decidir”.
Veja quem são os pré-candidatos em Manaus:
- David Almeida (Avante), prefeito
- Amom Mandel (Cidadania), deputado
- Capitão Alberto Neto (PL), deputado federal
- Carol Menezes (PP), coronel da reserva do Exército
- Maria do Carmo Seffair, advogada e professora e reitora
- Marcelo Ramos (PT), advogado e ex-deputado federal
- Roberto Cidade (União Brasil), deputado estadual
- Wilker Barreto (Mobiliza), deputado estadual