Eleições 2024: candidatos com menor tempo de TV apostam em podcasts para equilibrar disputa


Para especialistas, a tendência que cresceu na pandemia é plataforma ideal para que políticos aumentem a visibilidade, especialmente entre quem tem menos tempo de propaganda eleitoral; ainda não há legislação específica para esse tipo de plataforma

Por Pedro Lima

Os candidatos na disputa pela Prefeitura de São Paulo descobriram nos podcasts uma ferramenta para impulsionar suas campanhas digitais. À medida que esses programas ganham popularidade e expandem seu alcance, as plataformas de áudio (e muitas vezes vídeo também) se estabelecem como um campo privilegiado para que políticos divulguem para um grande número de pessoas suas ideias pessoais e propostas de governo sem muitas restrições de tempo ou temas.

Essa tendência rodeia um espaço da legislação eleitoral que ainda não trata de maneira específica ou eficiente os conteúdos veiculados pelos podcasts – fazendo desses programas espaços cada vez mais livres para a propaganda eleitoral. O uso dessas plataformas pode definir o futuro das estratégias das campanhas e, inclusive, da própria lei eleitoral, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão.

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Essa é a primeira vez que a popularidade dos podcasts, que começaram a ganhar fama durante a pandemia da covid-19, deve ser explorada em um pleito municipal. Nas eleições de 2022, os candidatos à presidência da República eram figurinhas carimbadas nesses programas quase semanalmente. Feita durante a campanha eleitoral daquele ano, a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Flow Podcast, um dos maiores do País, já soma quase 10 milhões de visualizações. No ano anterior, uma entrevista dada ao principal concorrente do Flow, o PodPah, já ultrapassa essa marca.

A mesma coisa acontece com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sua entrevista ao Flow, realizada pouco antes do período oficial de campanhas, superou 16 milhões de visualizações.

Candidatos à Prefeitura de São Paulo devem priorizar participação em podcasts, segundo integrantes das campanhas ouvidos pelo Estadão. A importância desses programas digitais será ainda maior entre aqueles que possuem os menores tempos de propaganda eleitoral gratuita em televisão e rádio. Foto: Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Flow Podcast, Reprodução/Canal Paulo Mathias, Reprodução/Flow Podcast
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Neste ano, até o momento, todos os candidatos que aparecem entre as cinco primeiras posições em pesquisas de intenção de voto participaram de algum podcast, considerando apenas os programas que não pertencem a nenhum veículo de imprensa. Pablo Marçal (PRTB) é o que mais fez uso dos canais de áudio. Nas duas últimas semanas, o ex-coach marcou presença em pelo menos seis programas – dois deles, inclusive, no mesmo dia. Tabata Amaral (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL), considerando um intervalo de três meses, apareceram em cinco e quatro podcasts pelo menos, respectivamente.

Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB) são os que menos concederam entrevistas nesse formato. O atual prefeito, em três meses diferentes, participou de três podcasts, enquanto o apresentador tucano compareceu apenas em um, no mês passado.

Integrantes de equipes das campanhas dos candidatos confirmaram ao Estadão que os podcasts são uma das prioridades dentro das estratégias dos postulantes ao comando da capital paulista neste ano. Especialmente entre aqueles que possuem os menores tempos de rádio e TV que, se dependerem dos meios tradicionais de comunicação, podem ficar desfavorecidos em relação aos adversários com mais espaço nesses canais. Marçal e Marina Helena (Novo), por exemplo, não devem aparecer no horário eleitoral. Datena e Tabata Amaral terão menos de um minuto na TV por bloco.

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E a tendência é que o uso desses programas pelos candidatos cresça ainda mais, na análise do professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés. No caso de candidatos com menos espaço no horário eleitoral gratuito e, ainda, os menos conhecidos pelo público, existe uma vantagem em explorar esses formatos. “Eles têm uma série de coisas para apresentar, suas origens, suas ideias, como será o desenvolvimento da campanha, e isso não vai ser feito naquele (curto) horário de televisão. Então, tem que ser feito por outros mecanismos.”

“Os podcasts terão uma importância equivalente aos debates de TV. É uma forma de comunicação nova que está sendo muito utilizada por setores sociais que não costumam frequentar os canais tradicionais, como os mais jovens”, avalia o professor. “(A importância dos podcasts) vai crescer nas eleições deste ano e vai preparar terreno para o próximo pleito presidencial”. Ele complementa que quem souber ‘dominar’ esse espaço digital terá maiores chances de vencer o pleito ou, ao menos, avançar para o segundo turno da disputa.

Sem vedações previstas em lei, não existe qualquer restrição para candidatos usarem podcasts como meios de campanha. Isso, porém, não significa que não existam restrições quanto ao conteúdo, explica o advogado especialista em direito eleitoral Felipe Terra.

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Além das proibições mais conhecidas, como pedir votos antes do período de campanha e divulgar notícias falsas, também não é permitido fazer propaganda negativa para atacar adversários fora do que é determinado pela Justiça Eleitoral. “Há também previsão quanto à possibilidade de remoção dos podcasts que violarem as regras eleitorais.”

“A lei eleitoral se preocupa com três principais regimes de meio de comunicação: as concessionárias de rádio e TV, a imprensa escrita e a internet”, diz Terra. Para os podcasts, como não possuem lei específica, atualmente aplica-se o regime de legislação da internet. Ao contrário da televisão, não existem determinações específicas para, por exemplo, igualdade de oportunidades nos podcasts. “Eles não estão formalmente vinculados a chamar um determinado número de candidatos ou garantir acesso a outros candidatos”, explica.

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Terra lembra, ainda, que os podcasts podem ser usados para uso abusivo dos meios de comunicação – conduta considerada grave pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O TSE entendeu, em uma decisão de 2021, que qualquer meio nas plataformas digitais pode ser objeto de uso abusivo de meios de comunicação”, e que, a determinação do abuso de meios de comunicação social por um candidato pode implicar em multas e até na cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos.

Contudo, não existem critérios estabelecidos para que seja tomada essa decisão, como limite de tempo de participação de candidatos ou a quantidade de vezes que ele concedeu entrevistas em podcasts.

“Isso é avaliado caso a caso, devendo ser verificado se o veículo de comunicação foi utilizado de forma sistemática e proposital para fazer campanha para um determinado candidato em detrimento de outro, devendo haver evidências de que houve ruptura à igualdade de oportunidades no processo eleitoral.”

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O professor de ciências políticas da USP diz que deixar margem para interpretações na lei é uma ‘tendência’ da legislação brasileira, mas acrescenta que determinar o uso abusivo de meios de comunicação digitais por candidatos que possuem menores espaços na televisão é algo ‘negativo’ do ponto de vista da democracia. “Se, no sistema democrático, a sociedade quiser assegurar o direito igual de todos, tem que dar liberdade para essas pessoas que não têm os mesmos mecanismos privilegiados de ter alguma saída que permita igualar as suas condições de disputa eleitoral.”

Os podcasts não estão sujeitos a determinadas regras que são comumente aplicadas no regime de rádio e televisão, concessões do poder público, que precisam delimitar o mesmo tempo e espaço para cada candidato, por exemplo. Não existem, para as plataformas digitais, regras específicas de neutralidade desses veículos, explica Terra.

Um desses programas, que recebeu Nunes, Boulos, Tabata, Marçal e Kim Kataguiri (União), que desistiu da candidatura para que seu partido apoiasse a reeleição do atual prefeito, apresentou uma duração diferente para cada um dos concorrentes. A candidata do PSB foi a que teve o menor tempo, com cerca de uma hora e 50 minutos no total. O psolista teve tempo semelhante ao de Kim: aproximadamente duas horas e 15 minutos para cada. Já o político do MDB e o ex-coach tiveram os maiores tempos, com duas horas e 50 minutos para o emedebista e mais de três horas de programa para o influenciador.

Também especialista em direito eleitoral e mestre em direito constitucional pela USP, Antonio Carlos de Freitas avalia que não apenas os podcasts, mas a internet como um todo ainda pode ser considerada uma ‘zona cinzenta’ para a Justiça. “O uso de deepfake, que tivemos na eleição anterior, começou a ser regulado agora, por exemplo. Esse ‘mundo’ está sendo uma novidade para o direito eleitoral e tem muita coisa que acaba escapando. Tem coisa que não tem uma regulação.”

Freitas pondera que, por conta da velocidade com que as plataformas digitais avançam, existe uma demora em definir uma legislação específica para esse programas e outros assuntos que englobam o uso da internet pelos candidatos. “A melhor maneira é a sociedade discutir que tipo de qualidade de informação eleitoral quer e a Câmara dos Deputados e o Senado Federal fazerem a legislação eleitoral, sem depender só de resoluções do TSE.”

“Não vimos até agora uma jurisprudência que tenha essa interpretação de equiparar podcast a rádio. Ainda não temos isso. Acho que um dia poderemos ter”, complementa.

Os candidatos na disputa pela Prefeitura de São Paulo descobriram nos podcasts uma ferramenta para impulsionar suas campanhas digitais. À medida que esses programas ganham popularidade e expandem seu alcance, as plataformas de áudio (e muitas vezes vídeo também) se estabelecem como um campo privilegiado para que políticos divulguem para um grande número de pessoas suas ideias pessoais e propostas de governo sem muitas restrições de tempo ou temas.

Essa tendência rodeia um espaço da legislação eleitoral que ainda não trata de maneira específica ou eficiente os conteúdos veiculados pelos podcasts – fazendo desses programas espaços cada vez mais livres para a propaganda eleitoral. O uso dessas plataformas pode definir o futuro das estratégias das campanhas e, inclusive, da própria lei eleitoral, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão.

Essa é a primeira vez que a popularidade dos podcasts, que começaram a ganhar fama durante a pandemia da covid-19, deve ser explorada em um pleito municipal. Nas eleições de 2022, os candidatos à presidência da República eram figurinhas carimbadas nesses programas quase semanalmente. Feita durante a campanha eleitoral daquele ano, a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Flow Podcast, um dos maiores do País, já soma quase 10 milhões de visualizações. No ano anterior, uma entrevista dada ao principal concorrente do Flow, o PodPah, já ultrapassa essa marca.

A mesma coisa acontece com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sua entrevista ao Flow, realizada pouco antes do período oficial de campanhas, superou 16 milhões de visualizações.

Candidatos à Prefeitura de São Paulo devem priorizar participação em podcasts, segundo integrantes das campanhas ouvidos pelo Estadão. A importância desses programas digitais será ainda maior entre aqueles que possuem os menores tempos de propaganda eleitoral gratuita em televisão e rádio. Foto: Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Flow Podcast, Reprodução/Canal Paulo Mathias, Reprodução/Flow Podcast

Neste ano, até o momento, todos os candidatos que aparecem entre as cinco primeiras posições em pesquisas de intenção de voto participaram de algum podcast, considerando apenas os programas que não pertencem a nenhum veículo de imprensa. Pablo Marçal (PRTB) é o que mais fez uso dos canais de áudio. Nas duas últimas semanas, o ex-coach marcou presença em pelo menos seis programas – dois deles, inclusive, no mesmo dia. Tabata Amaral (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL), considerando um intervalo de três meses, apareceram em cinco e quatro podcasts pelo menos, respectivamente.

Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB) são os que menos concederam entrevistas nesse formato. O atual prefeito, em três meses diferentes, participou de três podcasts, enquanto o apresentador tucano compareceu apenas em um, no mês passado.

Integrantes de equipes das campanhas dos candidatos confirmaram ao Estadão que os podcasts são uma das prioridades dentro das estratégias dos postulantes ao comando da capital paulista neste ano. Especialmente entre aqueles que possuem os menores tempos de rádio e TV que, se dependerem dos meios tradicionais de comunicação, podem ficar desfavorecidos em relação aos adversários com mais espaço nesses canais. Marçal e Marina Helena (Novo), por exemplo, não devem aparecer no horário eleitoral. Datena e Tabata Amaral terão menos de um minuto na TV por bloco.

E a tendência é que o uso desses programas pelos candidatos cresça ainda mais, na análise do professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés. No caso de candidatos com menos espaço no horário eleitoral gratuito e, ainda, os menos conhecidos pelo público, existe uma vantagem em explorar esses formatos. “Eles têm uma série de coisas para apresentar, suas origens, suas ideias, como será o desenvolvimento da campanha, e isso não vai ser feito naquele (curto) horário de televisão. Então, tem que ser feito por outros mecanismos.”

“Os podcasts terão uma importância equivalente aos debates de TV. É uma forma de comunicação nova que está sendo muito utilizada por setores sociais que não costumam frequentar os canais tradicionais, como os mais jovens”, avalia o professor. “(A importância dos podcasts) vai crescer nas eleições deste ano e vai preparar terreno para o próximo pleito presidencial”. Ele complementa que quem souber ‘dominar’ esse espaço digital terá maiores chances de vencer o pleito ou, ao menos, avançar para o segundo turno da disputa.

Sem vedações previstas em lei, não existe qualquer restrição para candidatos usarem podcasts como meios de campanha. Isso, porém, não significa que não existam restrições quanto ao conteúdo, explica o advogado especialista em direito eleitoral Felipe Terra.

Além das proibições mais conhecidas, como pedir votos antes do período de campanha e divulgar notícias falsas, também não é permitido fazer propaganda negativa para atacar adversários fora do que é determinado pela Justiça Eleitoral. “Há também previsão quanto à possibilidade de remoção dos podcasts que violarem as regras eleitorais.”

“A lei eleitoral se preocupa com três principais regimes de meio de comunicação: as concessionárias de rádio e TV, a imprensa escrita e a internet”, diz Terra. Para os podcasts, como não possuem lei específica, atualmente aplica-se o regime de legislação da internet. Ao contrário da televisão, não existem determinações específicas para, por exemplo, igualdade de oportunidades nos podcasts. “Eles não estão formalmente vinculados a chamar um determinado número de candidatos ou garantir acesso a outros candidatos”, explica.

Terra lembra, ainda, que os podcasts podem ser usados para uso abusivo dos meios de comunicação – conduta considerada grave pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O TSE entendeu, em uma decisão de 2021, que qualquer meio nas plataformas digitais pode ser objeto de uso abusivo de meios de comunicação”, e que, a determinação do abuso de meios de comunicação social por um candidato pode implicar em multas e até na cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos.

Contudo, não existem critérios estabelecidos para que seja tomada essa decisão, como limite de tempo de participação de candidatos ou a quantidade de vezes que ele concedeu entrevistas em podcasts.

“Isso é avaliado caso a caso, devendo ser verificado se o veículo de comunicação foi utilizado de forma sistemática e proposital para fazer campanha para um determinado candidato em detrimento de outro, devendo haver evidências de que houve ruptura à igualdade de oportunidades no processo eleitoral.”

O professor de ciências políticas da USP diz que deixar margem para interpretações na lei é uma ‘tendência’ da legislação brasileira, mas acrescenta que determinar o uso abusivo de meios de comunicação digitais por candidatos que possuem menores espaços na televisão é algo ‘negativo’ do ponto de vista da democracia. “Se, no sistema democrático, a sociedade quiser assegurar o direito igual de todos, tem que dar liberdade para essas pessoas que não têm os mesmos mecanismos privilegiados de ter alguma saída que permita igualar as suas condições de disputa eleitoral.”

Os podcasts não estão sujeitos a determinadas regras que são comumente aplicadas no regime de rádio e televisão, concessões do poder público, que precisam delimitar o mesmo tempo e espaço para cada candidato, por exemplo. Não existem, para as plataformas digitais, regras específicas de neutralidade desses veículos, explica Terra.

Um desses programas, que recebeu Nunes, Boulos, Tabata, Marçal e Kim Kataguiri (União), que desistiu da candidatura para que seu partido apoiasse a reeleição do atual prefeito, apresentou uma duração diferente para cada um dos concorrentes. A candidata do PSB foi a que teve o menor tempo, com cerca de uma hora e 50 minutos no total. O psolista teve tempo semelhante ao de Kim: aproximadamente duas horas e 15 minutos para cada. Já o político do MDB e o ex-coach tiveram os maiores tempos, com duas horas e 50 minutos para o emedebista e mais de três horas de programa para o influenciador.

Também especialista em direito eleitoral e mestre em direito constitucional pela USP, Antonio Carlos de Freitas avalia que não apenas os podcasts, mas a internet como um todo ainda pode ser considerada uma ‘zona cinzenta’ para a Justiça. “O uso de deepfake, que tivemos na eleição anterior, começou a ser regulado agora, por exemplo. Esse ‘mundo’ está sendo uma novidade para o direito eleitoral e tem muita coisa que acaba escapando. Tem coisa que não tem uma regulação.”

Freitas pondera que, por conta da velocidade com que as plataformas digitais avançam, existe uma demora em definir uma legislação específica para esse programas e outros assuntos que englobam o uso da internet pelos candidatos. “A melhor maneira é a sociedade discutir que tipo de qualidade de informação eleitoral quer e a Câmara dos Deputados e o Senado Federal fazerem a legislação eleitoral, sem depender só de resoluções do TSE.”

“Não vimos até agora uma jurisprudência que tenha essa interpretação de equiparar podcast a rádio. Ainda não temos isso. Acho que um dia poderemos ter”, complementa.

Os candidatos na disputa pela Prefeitura de São Paulo descobriram nos podcasts uma ferramenta para impulsionar suas campanhas digitais. À medida que esses programas ganham popularidade e expandem seu alcance, as plataformas de áudio (e muitas vezes vídeo também) se estabelecem como um campo privilegiado para que políticos divulguem para um grande número de pessoas suas ideias pessoais e propostas de governo sem muitas restrições de tempo ou temas.

Essa tendência rodeia um espaço da legislação eleitoral que ainda não trata de maneira específica ou eficiente os conteúdos veiculados pelos podcasts – fazendo desses programas espaços cada vez mais livres para a propaganda eleitoral. O uso dessas plataformas pode definir o futuro das estratégias das campanhas e, inclusive, da própria lei eleitoral, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão.

Essa é a primeira vez que a popularidade dos podcasts, que começaram a ganhar fama durante a pandemia da covid-19, deve ser explorada em um pleito municipal. Nas eleições de 2022, os candidatos à presidência da República eram figurinhas carimbadas nesses programas quase semanalmente. Feita durante a campanha eleitoral daquele ano, a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Flow Podcast, um dos maiores do País, já soma quase 10 milhões de visualizações. No ano anterior, uma entrevista dada ao principal concorrente do Flow, o PodPah, já ultrapassa essa marca.

A mesma coisa acontece com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sua entrevista ao Flow, realizada pouco antes do período oficial de campanhas, superou 16 milhões de visualizações.

Candidatos à Prefeitura de São Paulo devem priorizar participação em podcasts, segundo integrantes das campanhas ouvidos pelo Estadão. A importância desses programas digitais será ainda maior entre aqueles que possuem os menores tempos de propaganda eleitoral gratuita em televisão e rádio. Foto: Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Flow Podcast, Reprodução/Canal Paulo Mathias, Reprodução/Flow Podcast

Neste ano, até o momento, todos os candidatos que aparecem entre as cinco primeiras posições em pesquisas de intenção de voto participaram de algum podcast, considerando apenas os programas que não pertencem a nenhum veículo de imprensa. Pablo Marçal (PRTB) é o que mais fez uso dos canais de áudio. Nas duas últimas semanas, o ex-coach marcou presença em pelo menos seis programas – dois deles, inclusive, no mesmo dia. Tabata Amaral (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL), considerando um intervalo de três meses, apareceram em cinco e quatro podcasts pelo menos, respectivamente.

Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB) são os que menos concederam entrevistas nesse formato. O atual prefeito, em três meses diferentes, participou de três podcasts, enquanto o apresentador tucano compareceu apenas em um, no mês passado.

Integrantes de equipes das campanhas dos candidatos confirmaram ao Estadão que os podcasts são uma das prioridades dentro das estratégias dos postulantes ao comando da capital paulista neste ano. Especialmente entre aqueles que possuem os menores tempos de rádio e TV que, se dependerem dos meios tradicionais de comunicação, podem ficar desfavorecidos em relação aos adversários com mais espaço nesses canais. Marçal e Marina Helena (Novo), por exemplo, não devem aparecer no horário eleitoral. Datena e Tabata Amaral terão menos de um minuto na TV por bloco.

E a tendência é que o uso desses programas pelos candidatos cresça ainda mais, na análise do professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés. No caso de candidatos com menos espaço no horário eleitoral gratuito e, ainda, os menos conhecidos pelo público, existe uma vantagem em explorar esses formatos. “Eles têm uma série de coisas para apresentar, suas origens, suas ideias, como será o desenvolvimento da campanha, e isso não vai ser feito naquele (curto) horário de televisão. Então, tem que ser feito por outros mecanismos.”

“Os podcasts terão uma importância equivalente aos debates de TV. É uma forma de comunicação nova que está sendo muito utilizada por setores sociais que não costumam frequentar os canais tradicionais, como os mais jovens”, avalia o professor. “(A importância dos podcasts) vai crescer nas eleições deste ano e vai preparar terreno para o próximo pleito presidencial”. Ele complementa que quem souber ‘dominar’ esse espaço digital terá maiores chances de vencer o pleito ou, ao menos, avançar para o segundo turno da disputa.

Sem vedações previstas em lei, não existe qualquer restrição para candidatos usarem podcasts como meios de campanha. Isso, porém, não significa que não existam restrições quanto ao conteúdo, explica o advogado especialista em direito eleitoral Felipe Terra.

Além das proibições mais conhecidas, como pedir votos antes do período de campanha e divulgar notícias falsas, também não é permitido fazer propaganda negativa para atacar adversários fora do que é determinado pela Justiça Eleitoral. “Há também previsão quanto à possibilidade de remoção dos podcasts que violarem as regras eleitorais.”

“A lei eleitoral se preocupa com três principais regimes de meio de comunicação: as concessionárias de rádio e TV, a imprensa escrita e a internet”, diz Terra. Para os podcasts, como não possuem lei específica, atualmente aplica-se o regime de legislação da internet. Ao contrário da televisão, não existem determinações específicas para, por exemplo, igualdade de oportunidades nos podcasts. “Eles não estão formalmente vinculados a chamar um determinado número de candidatos ou garantir acesso a outros candidatos”, explica.

Terra lembra, ainda, que os podcasts podem ser usados para uso abusivo dos meios de comunicação – conduta considerada grave pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O TSE entendeu, em uma decisão de 2021, que qualquer meio nas plataformas digitais pode ser objeto de uso abusivo de meios de comunicação”, e que, a determinação do abuso de meios de comunicação social por um candidato pode implicar em multas e até na cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos.

Contudo, não existem critérios estabelecidos para que seja tomada essa decisão, como limite de tempo de participação de candidatos ou a quantidade de vezes que ele concedeu entrevistas em podcasts.

“Isso é avaliado caso a caso, devendo ser verificado se o veículo de comunicação foi utilizado de forma sistemática e proposital para fazer campanha para um determinado candidato em detrimento de outro, devendo haver evidências de que houve ruptura à igualdade de oportunidades no processo eleitoral.”

O professor de ciências políticas da USP diz que deixar margem para interpretações na lei é uma ‘tendência’ da legislação brasileira, mas acrescenta que determinar o uso abusivo de meios de comunicação digitais por candidatos que possuem menores espaços na televisão é algo ‘negativo’ do ponto de vista da democracia. “Se, no sistema democrático, a sociedade quiser assegurar o direito igual de todos, tem que dar liberdade para essas pessoas que não têm os mesmos mecanismos privilegiados de ter alguma saída que permita igualar as suas condições de disputa eleitoral.”

Os podcasts não estão sujeitos a determinadas regras que são comumente aplicadas no regime de rádio e televisão, concessões do poder público, que precisam delimitar o mesmo tempo e espaço para cada candidato, por exemplo. Não existem, para as plataformas digitais, regras específicas de neutralidade desses veículos, explica Terra.

Um desses programas, que recebeu Nunes, Boulos, Tabata, Marçal e Kim Kataguiri (União), que desistiu da candidatura para que seu partido apoiasse a reeleição do atual prefeito, apresentou uma duração diferente para cada um dos concorrentes. A candidata do PSB foi a que teve o menor tempo, com cerca de uma hora e 50 minutos no total. O psolista teve tempo semelhante ao de Kim: aproximadamente duas horas e 15 minutos para cada. Já o político do MDB e o ex-coach tiveram os maiores tempos, com duas horas e 50 minutos para o emedebista e mais de três horas de programa para o influenciador.

Também especialista em direito eleitoral e mestre em direito constitucional pela USP, Antonio Carlos de Freitas avalia que não apenas os podcasts, mas a internet como um todo ainda pode ser considerada uma ‘zona cinzenta’ para a Justiça. “O uso de deepfake, que tivemos na eleição anterior, começou a ser regulado agora, por exemplo. Esse ‘mundo’ está sendo uma novidade para o direito eleitoral e tem muita coisa que acaba escapando. Tem coisa que não tem uma regulação.”

Freitas pondera que, por conta da velocidade com que as plataformas digitais avançam, existe uma demora em definir uma legislação específica para esse programas e outros assuntos que englobam o uso da internet pelos candidatos. “A melhor maneira é a sociedade discutir que tipo de qualidade de informação eleitoral quer e a Câmara dos Deputados e o Senado Federal fazerem a legislação eleitoral, sem depender só de resoluções do TSE.”

“Não vimos até agora uma jurisprudência que tenha essa interpretação de equiparar podcast a rádio. Ainda não temos isso. Acho que um dia poderemos ter”, complementa.

Os candidatos na disputa pela Prefeitura de São Paulo descobriram nos podcasts uma ferramenta para impulsionar suas campanhas digitais. À medida que esses programas ganham popularidade e expandem seu alcance, as plataformas de áudio (e muitas vezes vídeo também) se estabelecem como um campo privilegiado para que políticos divulguem para um grande número de pessoas suas ideias pessoais e propostas de governo sem muitas restrições de tempo ou temas.

Essa tendência rodeia um espaço da legislação eleitoral que ainda não trata de maneira específica ou eficiente os conteúdos veiculados pelos podcasts – fazendo desses programas espaços cada vez mais livres para a propaganda eleitoral. O uso dessas plataformas pode definir o futuro das estratégias das campanhas e, inclusive, da própria lei eleitoral, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão.

Essa é a primeira vez que a popularidade dos podcasts, que começaram a ganhar fama durante a pandemia da covid-19, deve ser explorada em um pleito municipal. Nas eleições de 2022, os candidatos à presidência da República eram figurinhas carimbadas nesses programas quase semanalmente. Feita durante a campanha eleitoral daquele ano, a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Flow Podcast, um dos maiores do País, já soma quase 10 milhões de visualizações. No ano anterior, uma entrevista dada ao principal concorrente do Flow, o PodPah, já ultrapassa essa marca.

A mesma coisa acontece com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Sua entrevista ao Flow, realizada pouco antes do período oficial de campanhas, superou 16 milhões de visualizações.

Candidatos à Prefeitura de São Paulo devem priorizar participação em podcasts, segundo integrantes das campanhas ouvidos pelo Estadão. A importância desses programas digitais será ainda maior entre aqueles que possuem os menores tempos de propaganda eleitoral gratuita em televisão e rádio. Foto: Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Podcast Inteligência Ltda., Reprodução/Flow Podcast, Reprodução/Canal Paulo Mathias, Reprodução/Flow Podcast

Neste ano, até o momento, todos os candidatos que aparecem entre as cinco primeiras posições em pesquisas de intenção de voto participaram de algum podcast, considerando apenas os programas que não pertencem a nenhum veículo de imprensa. Pablo Marçal (PRTB) é o que mais fez uso dos canais de áudio. Nas duas últimas semanas, o ex-coach marcou presença em pelo menos seis programas – dois deles, inclusive, no mesmo dia. Tabata Amaral (PSB) e Guilherme Boulos (PSOL), considerando um intervalo de três meses, apareceram em cinco e quatro podcasts pelo menos, respectivamente.

Ricardo Nunes (MDB) e José Luiz Datena (PSDB) são os que menos concederam entrevistas nesse formato. O atual prefeito, em três meses diferentes, participou de três podcasts, enquanto o apresentador tucano compareceu apenas em um, no mês passado.

Integrantes de equipes das campanhas dos candidatos confirmaram ao Estadão que os podcasts são uma das prioridades dentro das estratégias dos postulantes ao comando da capital paulista neste ano. Especialmente entre aqueles que possuem os menores tempos de rádio e TV que, se dependerem dos meios tradicionais de comunicação, podem ficar desfavorecidos em relação aos adversários com mais espaço nesses canais. Marçal e Marina Helena (Novo), por exemplo, não devem aparecer no horário eleitoral. Datena e Tabata Amaral terão menos de um minuto na TV por bloco.

E a tendência é que o uso desses programas pelos candidatos cresça ainda mais, na análise do professor de ciência política na Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés. No caso de candidatos com menos espaço no horário eleitoral gratuito e, ainda, os menos conhecidos pelo público, existe uma vantagem em explorar esses formatos. “Eles têm uma série de coisas para apresentar, suas origens, suas ideias, como será o desenvolvimento da campanha, e isso não vai ser feito naquele (curto) horário de televisão. Então, tem que ser feito por outros mecanismos.”

“Os podcasts terão uma importância equivalente aos debates de TV. É uma forma de comunicação nova que está sendo muito utilizada por setores sociais que não costumam frequentar os canais tradicionais, como os mais jovens”, avalia o professor. “(A importância dos podcasts) vai crescer nas eleições deste ano e vai preparar terreno para o próximo pleito presidencial”. Ele complementa que quem souber ‘dominar’ esse espaço digital terá maiores chances de vencer o pleito ou, ao menos, avançar para o segundo turno da disputa.

Sem vedações previstas em lei, não existe qualquer restrição para candidatos usarem podcasts como meios de campanha. Isso, porém, não significa que não existam restrições quanto ao conteúdo, explica o advogado especialista em direito eleitoral Felipe Terra.

Além das proibições mais conhecidas, como pedir votos antes do período de campanha e divulgar notícias falsas, também não é permitido fazer propaganda negativa para atacar adversários fora do que é determinado pela Justiça Eleitoral. “Há também previsão quanto à possibilidade de remoção dos podcasts que violarem as regras eleitorais.”

“A lei eleitoral se preocupa com três principais regimes de meio de comunicação: as concessionárias de rádio e TV, a imprensa escrita e a internet”, diz Terra. Para os podcasts, como não possuem lei específica, atualmente aplica-se o regime de legislação da internet. Ao contrário da televisão, não existem determinações específicas para, por exemplo, igualdade de oportunidades nos podcasts. “Eles não estão formalmente vinculados a chamar um determinado número de candidatos ou garantir acesso a outros candidatos”, explica.

Terra lembra, ainda, que os podcasts podem ser usados para uso abusivo dos meios de comunicação – conduta considerada grave pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “O TSE entendeu, em uma decisão de 2021, que qualquer meio nas plataformas digitais pode ser objeto de uso abusivo de meios de comunicação”, e que, a determinação do abuso de meios de comunicação social por um candidato pode implicar em multas e até na cassação do mandato e inelegibilidade por 8 anos.

Contudo, não existem critérios estabelecidos para que seja tomada essa decisão, como limite de tempo de participação de candidatos ou a quantidade de vezes que ele concedeu entrevistas em podcasts.

“Isso é avaliado caso a caso, devendo ser verificado se o veículo de comunicação foi utilizado de forma sistemática e proposital para fazer campanha para um determinado candidato em detrimento de outro, devendo haver evidências de que houve ruptura à igualdade de oportunidades no processo eleitoral.”

O professor de ciências políticas da USP diz que deixar margem para interpretações na lei é uma ‘tendência’ da legislação brasileira, mas acrescenta que determinar o uso abusivo de meios de comunicação digitais por candidatos que possuem menores espaços na televisão é algo ‘negativo’ do ponto de vista da democracia. “Se, no sistema democrático, a sociedade quiser assegurar o direito igual de todos, tem que dar liberdade para essas pessoas que não têm os mesmos mecanismos privilegiados de ter alguma saída que permita igualar as suas condições de disputa eleitoral.”

Os podcasts não estão sujeitos a determinadas regras que são comumente aplicadas no regime de rádio e televisão, concessões do poder público, que precisam delimitar o mesmo tempo e espaço para cada candidato, por exemplo. Não existem, para as plataformas digitais, regras específicas de neutralidade desses veículos, explica Terra.

Um desses programas, que recebeu Nunes, Boulos, Tabata, Marçal e Kim Kataguiri (União), que desistiu da candidatura para que seu partido apoiasse a reeleição do atual prefeito, apresentou uma duração diferente para cada um dos concorrentes. A candidata do PSB foi a que teve o menor tempo, com cerca de uma hora e 50 minutos no total. O psolista teve tempo semelhante ao de Kim: aproximadamente duas horas e 15 minutos para cada. Já o político do MDB e o ex-coach tiveram os maiores tempos, com duas horas e 50 minutos para o emedebista e mais de três horas de programa para o influenciador.

Também especialista em direito eleitoral e mestre em direito constitucional pela USP, Antonio Carlos de Freitas avalia que não apenas os podcasts, mas a internet como um todo ainda pode ser considerada uma ‘zona cinzenta’ para a Justiça. “O uso de deepfake, que tivemos na eleição anterior, começou a ser regulado agora, por exemplo. Esse ‘mundo’ está sendo uma novidade para o direito eleitoral e tem muita coisa que acaba escapando. Tem coisa que não tem uma regulação.”

Freitas pondera que, por conta da velocidade com que as plataformas digitais avançam, existe uma demora em definir uma legislação específica para esse programas e outros assuntos que englobam o uso da internet pelos candidatos. “A melhor maneira é a sociedade discutir que tipo de qualidade de informação eleitoral quer e a Câmara dos Deputados e o Senado Federal fazerem a legislação eleitoral, sem depender só de resoluções do TSE.”

“Não vimos até agora uma jurisprudência que tenha essa interpretação de equiparar podcast a rádio. Ainda não temos isso. Acho que um dia poderemos ter”, complementa.

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