‘A terceira via deve se unir já no 1º turno’, diz Marco Antonio Villa


Para analista, a tendência é de os candidatos à Presidência do grupo apoiarem quem estiver na frente nas pesquisas

Por José Fucs

O historiador e comentarista político Marco Antonio Villa é o que se poderia chamar de um “radical de centro”. Crítico implacável do presidente Jair Bolsonaro e também do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, Villa ganhou popularidade com as análises inflamadas que faz na mídia e fora dela contra os seus desafetos na política.

Nesta entrevista ao Estadão, ele diz que a tendência é de os candidatos à Presidência da chamada “terceira via”, à exceção de Ciro Gomes, do PDT, se unirem ainda para a disputa do 1º turno das eleições, em 2 de outubro. “Se houver um candidato da terceira via com dois dígitos nas pesquisas e os demais estiverem com um dígito só, em torno de 5%, é provável que eles resolvam abandonar as suas candidaturas para apoiar quem estiver na frente.” 

Villa afirma que as fake news e as “fake pesquisas” devem marcar o processo eleitoral e que o seu “maior temor” é que a campanha “descambe para uma guerra”. Ele diz se preocupar com possíveis “ações violentas por parte de Bolsonaro e de seus aliados”, para tentar desqualificar o processo eleitoral. “Tudo indica que teremos a eleição mais sanguinolenta desde 1989.”

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O historiador e comentarista político, Marco Antonio Villa; para analista, fake news devem marcar o processo eleitoral Foto: IARA MORSELLI/ESTADÃO - 16/5/2016

Segundo Villa, Lula está tentando se mostrar “o mais confiável possível”, ao se aproximar do centro-direita e articular uma aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, mas a iniciativa ainda precisa se confirmar. Em sua visão, o petista aparece em posição confortável nas pesquisas, porque até agora está navegando sem opositores. “Quando começar a campanha para valer, o petrolão, o mensalão e as acusações de corrupção vão inundar a discussão. Aí, essa facilidade que ele tem hoje não terá mais, porque tudo isso virá à tona”. 

Além de ter de enfrentar a pandemia, o Brasil vive um quadro complicado tanto na economia quanto na política. Neste cenário, como o sr. vê eleições de 2022? 

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Eu estou muito preocupado, porque tudo indica que as grandes questões nacionais não serão o centro das atenções, mas as ações violentas por parte de Bolsonaro e de seus aliados tentando desqualificar o processo eleitoral, as urnas eletrônicas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as decisões do Supremo Tribunal Federal, ameaçando jornalistas, coagindo opositores e promovendo até – pode ser que ocorra, espero que não – ataques físicos a adversários. Ao que parece, teremos a eleição mais sanguinolenta, para citar um termo popularizado pelo Sinhozinho Malta (personagem desempenhado pelo ator Lima Duarte, na novela Roque Santeiro, em meados dos anos 1980), desde 1989. Isso vai ser muito ruim para o País, porque vamos perder uma ocasião fantástica para discutir os nossos problemas e apontar soluções para eles.

O sr. não está exagerando? Será que vai ser por aí mesmo?

O cenário é muito preocupante, porque teremos um presidente candidato à reeleição que vai usar toda a estrutura de Estado na sua campanha. Não estou falando só de inaugurações e liberações de verbas, como em outras campanhas, mas do uso da estrutura policial de Estado – a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a Polícia Federal. Além disso, as fake news vão ser um dos principais elementos da campanha. Teremos as “fake pesquisas” também. Vai aparecer instituto de pesquisa do qual a gente nunca ouviu falar e isso vai criar uma confusão na cabeça do eleitor, dificultando a escolha de candidatos, se é que teremos debate eleitoral, que é uma outra questão. Pode ser que, no primeiro turno, alguns candidatos à presidência da República digam “não, não vou comparecer a debate”. E aí, como é que vai ficar? Vamos fazer um debate com o Cabo Daciolo (ex-candidato a presidente em 2018 pelo Patriota e hoje filiado ao Partido da Mulher Brasileira)? 

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Considerando tudo isso, o sr. acredita, então, que a polarização, que já marcou as últimas eleições, vai se manter no pleito deste ano?

Infelizmente. Ela será exacerbada ao limite. Isso estará muito presente já no primeiro turno, em 2 de outubro. Pela primeira vez na história, pode acontecer de um presidente da República candidato à reeleição não chegar ao segundo turno. Pode ocorrer. Vai ser um bom teste para as instituições.

“O Lula já se considera presidente da República antes da abertura das urnas”

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O sr. falou muito de um lado. E o outro lado dessa polarização, o lado do PT, do Lula, da esquerda, como vai se portar na campanha?

Acredito que o Lula já se considera presidente da República antes da abertura das urnas. O que normalmente não dá certo no Brasil.  As coisas não são tão simples assim. Até agora, o Lula está navegando sem opositores. Quando começar a campanha para valer, o petrolão, o mensalão e as acusações de corrupção vão inundar a discussão. Essa facilidade que ele tem hoje não terá mais, porque tudo isso virá à tona. Inclusive porque um de seus opositores, o (ex-juiz Sérgio) Moro (pré-candidato pelo Podemos), foi quem apresentou parte das denúncias contra ele na Justiça e o julgou. O Lula vai ter de responder a essas acusações e vai ser duro ele negar. Como é que o Lula vai negar que houve o petrolão? Uma coisa é negar numa entrevista. Outra é negar numa campanha eleitoral, num debate eleitoral.

Como o sr. avalia a possível aliança do Lula com o Alckmin e a possibilidade de o ex-governador paulista ser o seu vice?

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O Lula está buscando alianças no centro-direita, que lhe possibilitem até vencer as eleições no primeiro turno, que é o sonho dele, mas não se sabe se vai conseguir ou não. Nos Estados, é provável que ele consiga, com o Centrão e seus aliados. Afinal, o PT ficou 13 anos no governo e ganhou quatro eleições consecutivas, o que convenhamos não é pouco. Agora, em relação a uma possível aliança na esfera federal com o Alckmin, é preciso ver como ela vai ser, se é que vai existir. Se der certo, vai dar uma chacoalhada e tanto. Do lado do Lula, até entendo o interesse nessa aliança. Do lado do Alckmin, não. Como é que o Alckmin vai entrar nessa? 

Se a aliança com o Alckmin sair, como o Lula vai lidar com a militância do PT? Será que a turma vai aceitar isso? 

A tendência é o Lula segurar seus radicais, vamos chamar assim, que não são poucos dentro do PT. O Lula vai tentar se mostrar o mais confiável possível. Mas essa história de que, vinte anos depois, o Lula vai voltar ao poder e pegar um país com uma economia relativamente equilibrada e boom de commodities, como pegou em 2003, é uma ilusão. Ele vai encontrar outro país, com crise econômica, sucessivas recessões nos últimos dez anos e um cenário internacional provavelmente ainda marcado pela pandemia.

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“Olhando o quadro hoje, é possível que o Moro consiga se construir como a terceira via”

Fazendo um paralelo futebolístico, é mais ou menos o que acontece com a torcida do Flamengo, que imagina que, com uma eventual volta do técnico Jorge Jesus, o time voltará a ter o desempenho que teve antes sob o seu comando. 

É verdade. Você fica com aquela ideia de que vai ser tudo a mesma coisa, uma espécie de continuidade, só que não é. A realidade é diferente. Normalmente, o retorno ao poder de líderes com as características do Lula termina em tragédia. Mal comparando também, porque o Lula não tem a mesma estatura, foi o que aconteceu no retorno do (ex-presidente) Getúlio Vargas, em 1950. Quando Vargas tomou posse, em 1951, era um outro Brasil, outra sociedade e outra política, com a emergência das classes médias, grande crescimento econômico, uma intelectualidade bastante viva e uma industrialização que se acentuava. E terminou como terminou.

Como o sr. está vendo essa profusão de candidatos da terceira via e a perspectiva de um deles chegar ao segundo turno?

A política é muito volátil no Brasil. Olhando o quadro hoje, é possível que o Moro consiga se construir como a terceira via e não o Ciro Gomes (ex-governador do Ceará e pré-candidato pelo PDT), que poderá ser rifado pelo partido, por causa das alianças estaduais. Em relação à candidatura do (governador de São Paulo, João) Doria, vamos ver se ele consegue, no mínimo, unir o PSDB, o que não será fácil. Em Minas e no Rio Grande do Sul, parece que ele vai ter dificuldade. O Doria também vai ter de melhorar muito o seu discurso para conseguir ganhar força, assim como o Moro. Não é condição sine qua non que o candidato tenha alianças estaduais para decolar. A eleição do Bolsonaro mostrou isso em 2018. Agora, tem de ver se a candidatura do Moro vai ser sólida até o início do processo eleitoral. Pode ser que ele não seja um tsunami eleitoral e se revele uma marolinha. A gente não sabe como isso vai se desenrolar, até porque está muito cedo. As primeiras semanas depois que o Moro se lançou como pré-candidato foram muitos boas para ele. Agora, se o Moro deslanchar, teremos uma eleição interessante, disputada por um ex-juiz que mandou prender o seu opositor, de um lado, e que foi ministro e rompeu com o presidente da República, de outro. Não conheço no mundo ocidental uma eleição recente deste tipo. Vai ser uma coisa única. 

O sr. vê a possibilidade de uma aliança entre os candidatos de terceira via já no primeiro turno?

É provável. Se, efetivamente, houver um candidato de terceira via com dois dígitos nas pesquisas e os demais estiverem com um dígito só, em torno de 5%, pode ser que eles resolvam abandonar as suas candidaturas para apoiar quem estiver na frente. Agora, o Ciro não fará isso. Pode tirar o cavalo da chuva. O Doria poderá fazê-lo. No caso do MDB, não sei se a (senadora) Simone Tebet será mesmo candidata. No máximo, acredito que ela possa fazer uma composição de vice, porque não creio que o partido vá apoiá-la. Pode até ser que a apoie na convenção, “cristianizando-a” depois, levando-a a ter uma votação pífia e inviabilizando até o futuro político dela. As peças estão se movimentando, mas como é um cenário muito complexo e ainda estamos um pouco longe da definição das candidaturas, é difícil ter uma ideia mais clara de como vai ficar o xadrez eleitoral. No Brasil, três ou quatro meses são uma eternidade. 

“Aquela onda Bolsonaro, que favoreceu muitos candidatos do PSL e de partidos próximos não vai se repetir em 2022”

Alguns analistas apontam que a questão da corrupção não terá nestas eleições o mesmo protagonismo que te,ve em 2018 e que agora as questões econômicas, como emprego e renda, é que devem ser decisivas. Na sua visão, como isso deverá afetar uma possível ascensão do Moro na campanha?

A questão é como um candidato de oposição conseguirá combinar o combate à corrupção com um programa de governo mais amplo. De qualquer forma, é inevitável que a corrupção esteja presente na campanha eleitoral, inclusive por causa do próprio Moro. O Moro vai ter de usar essa bandeira, porque isso o fortalece frente a uma parte da base bolsonarista e a uma parte dos que votariam no Lula contra o Bolsonaro. Então, esse discurso para ele é excelente. Na verdade, não sei nem se a corrupção teve o papel que lhe atribuem em 2018. Na eleição passada, havia um cansaço do PT, simbolizado pela incompetência da Dilma. A Dilma fez um trabalho excelente para os opositores do PT. Era um desastre em tudo: no governo, nas ações, no discurso, como figura pública. O melhor cabo eleitoral contra o PT foi a Dilma. Agora, houve uma variável importante em 2018, que não deve ser desprezada e que torço para que não ocorra novamente: o atentado ao Bolsonaro. Houve também a prisão do candidato opositor, que seria o Lula, em abril daquele ano, que é outra variável que presumo que não haverá em 2022. Isso transformou aquele processo eleitoral numa coisa atípica.

Na eleição de 2018, havia uma rejeição de uma parcela considerável da sociedade à chamada “velha política”, até em função da Lava Jato. Só que, de lá pra cá, o que se viu foi que a “velha política” retomou as rédeas do jogo. Nas eleições deste ano, em sua avaliação, deve haver uma consolidação da política como ela sempre foi no Brasil ou há a  rejeição à política tradicional deve se manifestar novamente?

A renovação que ocorreu no Parlamento em 2018, com boas e raras exceções, foi muito ruim. Entrou um bando de loucos no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados, que meu deus do céu. Se o nível já não era dos melhores na Câmara, piorou ainda mais, e com um extremismo, com características nazifascistas, que eu não tinha visto nem durante a ditadura militar. Sem exagero. Tem pessoas ali que, durante a ditadura militar, seriam rejeitadas pela Arena. Nesta situação, os chamados velhos políticos, muitos dos que não foram eleitos em 2018, poderão ser eleitos em 2022, e muitos dos que foram eleitos em nome de uma aparente renovação serão derrotados nas urnas. Aquela onda Bolsonaro, que favoreceu muitos candidatos do PSL e de partidos próximos não vai se repetir neste ano. A tendência é essa. A nova política não se transformou em novo. Conseguiu ser pior do que a velha. As pessoas querem outro tipo de representante. Vai haver justamente a busca dos candidatos mais conhecidos dos eleitores e que não têm essas posições marcadas pelo extremismo. Haverá muito mais uma busca pela conciliação do que pelo extremismo.

Como o sr. vê o papel dos movimentos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma em 2015 e 2016, como o MBL (Movimento Brasil Livre), o Vem Pra Rua, alguns grupos de renovação política e o próprio partido Novo, nesse processo?

Imaginava-se que o movimento pelo impeachment fosse construir uma nova política e não aconteceu nada disso. Ao contrário. Veio o Bolsonaro. Quer coisa mais velha do que o Bolsonaro? Então, acho que esses movimentos tipo MBL e Vem Pra Rua devem ter feito uma autocrítica e tudo indica que vão apoiar ou serão simpáticos à candidatura do Sérgio Moro. Agora, outros movimentos, como o RenovaBr, ficaram nas margens. É um deputado no partido X, uma deputada no partido Y. Nem sei se tinham esse objetivo, mas não conseguiram ter uma presença mais decisiva no Parlamento, mesmo tendo alguns bons deputados, que são atuantes. Em outras palavras, lembrando um antigo historiador, os fatores de conservação se sobrepuseram aos fatores de transformação. É a velha questão do Brasil. A conservação vence a mudança. 

A gente concentra muito a nossa preocupação na Presidência e fala-se muito pouco sobre a eleição do Congresso. Mas, com esse “presidencialismo de coalização” praticado no País, nenhum presidente tem condições de fazer nada sem o Congresso. Qual deve ser o perfil do novo Congresso a partir de 2023? Será muito diferente do que é hoje?

O PT deve voltar a crescer. Provavelmente, deve ser o maior partido na Câmara. Tudo indica também que o União Brasil, resultante da fusão do PSL com o DEM, vai emagrecer. Vamos ver o que vai acontecer com a terceira via. Vamos ver como será a representação parlamentar dos partidos que vão sustentar a terceira via, se ela se fortalecer. No momento, isso é um enigma, porque não se sabe sequer quem serão os candidatos a 1/3 das vagas do Senado que estarão em disputa. Nem em São Paulo, que é um colégio eleitoral importante. Quem serão os candidatos ao Senado em São Paulo? Os partidos ainda não têm candidatos. Então, hoje, é difícil se desenhar essa configuração. 

O historiador e comentarista político Marco Antonio Villa é o que se poderia chamar de um “radical de centro”. Crítico implacável do presidente Jair Bolsonaro e também do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, Villa ganhou popularidade com as análises inflamadas que faz na mídia e fora dela contra os seus desafetos na política.

Nesta entrevista ao Estadão, ele diz que a tendência é de os candidatos à Presidência da chamada “terceira via”, à exceção de Ciro Gomes, do PDT, se unirem ainda para a disputa do 1º turno das eleições, em 2 de outubro. “Se houver um candidato da terceira via com dois dígitos nas pesquisas e os demais estiverem com um dígito só, em torno de 5%, é provável que eles resolvam abandonar as suas candidaturas para apoiar quem estiver na frente.” 

Villa afirma que as fake news e as “fake pesquisas” devem marcar o processo eleitoral e que o seu “maior temor” é que a campanha “descambe para uma guerra”. Ele diz se preocupar com possíveis “ações violentas por parte de Bolsonaro e de seus aliados”, para tentar desqualificar o processo eleitoral. “Tudo indica que teremos a eleição mais sanguinolenta desde 1989.”

O historiador e comentarista político, Marco Antonio Villa; para analista, fake news devem marcar o processo eleitoral Foto: IARA MORSELLI/ESTADÃO - 16/5/2016

Segundo Villa, Lula está tentando se mostrar “o mais confiável possível”, ao se aproximar do centro-direita e articular uma aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, mas a iniciativa ainda precisa se confirmar. Em sua visão, o petista aparece em posição confortável nas pesquisas, porque até agora está navegando sem opositores. “Quando começar a campanha para valer, o petrolão, o mensalão e as acusações de corrupção vão inundar a discussão. Aí, essa facilidade que ele tem hoje não terá mais, porque tudo isso virá à tona”. 

Além de ter de enfrentar a pandemia, o Brasil vive um quadro complicado tanto na economia quanto na política. Neste cenário, como o sr. vê eleições de 2022? 

Eu estou muito preocupado, porque tudo indica que as grandes questões nacionais não serão o centro das atenções, mas as ações violentas por parte de Bolsonaro e de seus aliados tentando desqualificar o processo eleitoral, as urnas eletrônicas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as decisões do Supremo Tribunal Federal, ameaçando jornalistas, coagindo opositores e promovendo até – pode ser que ocorra, espero que não – ataques físicos a adversários. Ao que parece, teremos a eleição mais sanguinolenta, para citar um termo popularizado pelo Sinhozinho Malta (personagem desempenhado pelo ator Lima Duarte, na novela Roque Santeiro, em meados dos anos 1980), desde 1989. Isso vai ser muito ruim para o País, porque vamos perder uma ocasião fantástica para discutir os nossos problemas e apontar soluções para eles.

O sr. não está exagerando? Será que vai ser por aí mesmo?

O cenário é muito preocupante, porque teremos um presidente candidato à reeleição que vai usar toda a estrutura de Estado na sua campanha. Não estou falando só de inaugurações e liberações de verbas, como em outras campanhas, mas do uso da estrutura policial de Estado – a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a Polícia Federal. Além disso, as fake news vão ser um dos principais elementos da campanha. Teremos as “fake pesquisas” também. Vai aparecer instituto de pesquisa do qual a gente nunca ouviu falar e isso vai criar uma confusão na cabeça do eleitor, dificultando a escolha de candidatos, se é que teremos debate eleitoral, que é uma outra questão. Pode ser que, no primeiro turno, alguns candidatos à presidência da República digam “não, não vou comparecer a debate”. E aí, como é que vai ficar? Vamos fazer um debate com o Cabo Daciolo (ex-candidato a presidente em 2018 pelo Patriota e hoje filiado ao Partido da Mulher Brasileira)? 

Considerando tudo isso, o sr. acredita, então, que a polarização, que já marcou as últimas eleições, vai se manter no pleito deste ano?

Infelizmente. Ela será exacerbada ao limite. Isso estará muito presente já no primeiro turno, em 2 de outubro. Pela primeira vez na história, pode acontecer de um presidente da República candidato à reeleição não chegar ao segundo turno. Pode ocorrer. Vai ser um bom teste para as instituições.

“O Lula já se considera presidente da República antes da abertura das urnas”

O sr. falou muito de um lado. E o outro lado dessa polarização, o lado do PT, do Lula, da esquerda, como vai se portar na campanha?

Acredito que o Lula já se considera presidente da República antes da abertura das urnas. O que normalmente não dá certo no Brasil.  As coisas não são tão simples assim. Até agora, o Lula está navegando sem opositores. Quando começar a campanha para valer, o petrolão, o mensalão e as acusações de corrupção vão inundar a discussão. Essa facilidade que ele tem hoje não terá mais, porque tudo isso virá à tona. Inclusive porque um de seus opositores, o (ex-juiz Sérgio) Moro (pré-candidato pelo Podemos), foi quem apresentou parte das denúncias contra ele na Justiça e o julgou. O Lula vai ter de responder a essas acusações e vai ser duro ele negar. Como é que o Lula vai negar que houve o petrolão? Uma coisa é negar numa entrevista. Outra é negar numa campanha eleitoral, num debate eleitoral.

Como o sr. avalia a possível aliança do Lula com o Alckmin e a possibilidade de o ex-governador paulista ser o seu vice?

O Lula está buscando alianças no centro-direita, que lhe possibilitem até vencer as eleições no primeiro turno, que é o sonho dele, mas não se sabe se vai conseguir ou não. Nos Estados, é provável que ele consiga, com o Centrão e seus aliados. Afinal, o PT ficou 13 anos no governo e ganhou quatro eleições consecutivas, o que convenhamos não é pouco. Agora, em relação a uma possível aliança na esfera federal com o Alckmin, é preciso ver como ela vai ser, se é que vai existir. Se der certo, vai dar uma chacoalhada e tanto. Do lado do Lula, até entendo o interesse nessa aliança. Do lado do Alckmin, não. Como é que o Alckmin vai entrar nessa? 

Se a aliança com o Alckmin sair, como o Lula vai lidar com a militância do PT? Será que a turma vai aceitar isso? 

A tendência é o Lula segurar seus radicais, vamos chamar assim, que não são poucos dentro do PT. O Lula vai tentar se mostrar o mais confiável possível. Mas essa história de que, vinte anos depois, o Lula vai voltar ao poder e pegar um país com uma economia relativamente equilibrada e boom de commodities, como pegou em 2003, é uma ilusão. Ele vai encontrar outro país, com crise econômica, sucessivas recessões nos últimos dez anos e um cenário internacional provavelmente ainda marcado pela pandemia.

“Olhando o quadro hoje, é possível que o Moro consiga se construir como a terceira via”

Fazendo um paralelo futebolístico, é mais ou menos o que acontece com a torcida do Flamengo, que imagina que, com uma eventual volta do técnico Jorge Jesus, o time voltará a ter o desempenho que teve antes sob o seu comando. 

É verdade. Você fica com aquela ideia de que vai ser tudo a mesma coisa, uma espécie de continuidade, só que não é. A realidade é diferente. Normalmente, o retorno ao poder de líderes com as características do Lula termina em tragédia. Mal comparando também, porque o Lula não tem a mesma estatura, foi o que aconteceu no retorno do (ex-presidente) Getúlio Vargas, em 1950. Quando Vargas tomou posse, em 1951, era um outro Brasil, outra sociedade e outra política, com a emergência das classes médias, grande crescimento econômico, uma intelectualidade bastante viva e uma industrialização que se acentuava. E terminou como terminou.

Como o sr. está vendo essa profusão de candidatos da terceira via e a perspectiva de um deles chegar ao segundo turno?

A política é muito volátil no Brasil. Olhando o quadro hoje, é possível que o Moro consiga se construir como a terceira via e não o Ciro Gomes (ex-governador do Ceará e pré-candidato pelo PDT), que poderá ser rifado pelo partido, por causa das alianças estaduais. Em relação à candidatura do (governador de São Paulo, João) Doria, vamos ver se ele consegue, no mínimo, unir o PSDB, o que não será fácil. Em Minas e no Rio Grande do Sul, parece que ele vai ter dificuldade. O Doria também vai ter de melhorar muito o seu discurso para conseguir ganhar força, assim como o Moro. Não é condição sine qua non que o candidato tenha alianças estaduais para decolar. A eleição do Bolsonaro mostrou isso em 2018. Agora, tem de ver se a candidatura do Moro vai ser sólida até o início do processo eleitoral. Pode ser que ele não seja um tsunami eleitoral e se revele uma marolinha. A gente não sabe como isso vai se desenrolar, até porque está muito cedo. As primeiras semanas depois que o Moro se lançou como pré-candidato foram muitos boas para ele. Agora, se o Moro deslanchar, teremos uma eleição interessante, disputada por um ex-juiz que mandou prender o seu opositor, de um lado, e que foi ministro e rompeu com o presidente da República, de outro. Não conheço no mundo ocidental uma eleição recente deste tipo. Vai ser uma coisa única. 

O sr. vê a possibilidade de uma aliança entre os candidatos de terceira via já no primeiro turno?

É provável. Se, efetivamente, houver um candidato de terceira via com dois dígitos nas pesquisas e os demais estiverem com um dígito só, em torno de 5%, pode ser que eles resolvam abandonar as suas candidaturas para apoiar quem estiver na frente. Agora, o Ciro não fará isso. Pode tirar o cavalo da chuva. O Doria poderá fazê-lo. No caso do MDB, não sei se a (senadora) Simone Tebet será mesmo candidata. No máximo, acredito que ela possa fazer uma composição de vice, porque não creio que o partido vá apoiá-la. Pode até ser que a apoie na convenção, “cristianizando-a” depois, levando-a a ter uma votação pífia e inviabilizando até o futuro político dela. As peças estão se movimentando, mas como é um cenário muito complexo e ainda estamos um pouco longe da definição das candidaturas, é difícil ter uma ideia mais clara de como vai ficar o xadrez eleitoral. No Brasil, três ou quatro meses são uma eternidade. 

“Aquela onda Bolsonaro, que favoreceu muitos candidatos do PSL e de partidos próximos não vai se repetir em 2022”

Alguns analistas apontam que a questão da corrupção não terá nestas eleições o mesmo protagonismo que te,ve em 2018 e que agora as questões econômicas, como emprego e renda, é que devem ser decisivas. Na sua visão, como isso deverá afetar uma possível ascensão do Moro na campanha?

A questão é como um candidato de oposição conseguirá combinar o combate à corrupção com um programa de governo mais amplo. De qualquer forma, é inevitável que a corrupção esteja presente na campanha eleitoral, inclusive por causa do próprio Moro. O Moro vai ter de usar essa bandeira, porque isso o fortalece frente a uma parte da base bolsonarista e a uma parte dos que votariam no Lula contra o Bolsonaro. Então, esse discurso para ele é excelente. Na verdade, não sei nem se a corrupção teve o papel que lhe atribuem em 2018. Na eleição passada, havia um cansaço do PT, simbolizado pela incompetência da Dilma. A Dilma fez um trabalho excelente para os opositores do PT. Era um desastre em tudo: no governo, nas ações, no discurso, como figura pública. O melhor cabo eleitoral contra o PT foi a Dilma. Agora, houve uma variável importante em 2018, que não deve ser desprezada e que torço para que não ocorra novamente: o atentado ao Bolsonaro. Houve também a prisão do candidato opositor, que seria o Lula, em abril daquele ano, que é outra variável que presumo que não haverá em 2022. Isso transformou aquele processo eleitoral numa coisa atípica.

Na eleição de 2018, havia uma rejeição de uma parcela considerável da sociedade à chamada “velha política”, até em função da Lava Jato. Só que, de lá pra cá, o que se viu foi que a “velha política” retomou as rédeas do jogo. Nas eleições deste ano, em sua avaliação, deve haver uma consolidação da política como ela sempre foi no Brasil ou há a  rejeição à política tradicional deve se manifestar novamente?

A renovação que ocorreu no Parlamento em 2018, com boas e raras exceções, foi muito ruim. Entrou um bando de loucos no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados, que meu deus do céu. Se o nível já não era dos melhores na Câmara, piorou ainda mais, e com um extremismo, com características nazifascistas, que eu não tinha visto nem durante a ditadura militar. Sem exagero. Tem pessoas ali que, durante a ditadura militar, seriam rejeitadas pela Arena. Nesta situação, os chamados velhos políticos, muitos dos que não foram eleitos em 2018, poderão ser eleitos em 2022, e muitos dos que foram eleitos em nome de uma aparente renovação serão derrotados nas urnas. Aquela onda Bolsonaro, que favoreceu muitos candidatos do PSL e de partidos próximos não vai se repetir neste ano. A tendência é essa. A nova política não se transformou em novo. Conseguiu ser pior do que a velha. As pessoas querem outro tipo de representante. Vai haver justamente a busca dos candidatos mais conhecidos dos eleitores e que não têm essas posições marcadas pelo extremismo. Haverá muito mais uma busca pela conciliação do que pelo extremismo.

Como o sr. vê o papel dos movimentos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma em 2015 e 2016, como o MBL (Movimento Brasil Livre), o Vem Pra Rua, alguns grupos de renovação política e o próprio partido Novo, nesse processo?

Imaginava-se que o movimento pelo impeachment fosse construir uma nova política e não aconteceu nada disso. Ao contrário. Veio o Bolsonaro. Quer coisa mais velha do que o Bolsonaro? Então, acho que esses movimentos tipo MBL e Vem Pra Rua devem ter feito uma autocrítica e tudo indica que vão apoiar ou serão simpáticos à candidatura do Sérgio Moro. Agora, outros movimentos, como o RenovaBr, ficaram nas margens. É um deputado no partido X, uma deputada no partido Y. Nem sei se tinham esse objetivo, mas não conseguiram ter uma presença mais decisiva no Parlamento, mesmo tendo alguns bons deputados, que são atuantes. Em outras palavras, lembrando um antigo historiador, os fatores de conservação se sobrepuseram aos fatores de transformação. É a velha questão do Brasil. A conservação vence a mudança. 

A gente concentra muito a nossa preocupação na Presidência e fala-se muito pouco sobre a eleição do Congresso. Mas, com esse “presidencialismo de coalização” praticado no País, nenhum presidente tem condições de fazer nada sem o Congresso. Qual deve ser o perfil do novo Congresso a partir de 2023? Será muito diferente do que é hoje?

O PT deve voltar a crescer. Provavelmente, deve ser o maior partido na Câmara. Tudo indica também que o União Brasil, resultante da fusão do PSL com o DEM, vai emagrecer. Vamos ver o que vai acontecer com a terceira via. Vamos ver como será a representação parlamentar dos partidos que vão sustentar a terceira via, se ela se fortalecer. No momento, isso é um enigma, porque não se sabe sequer quem serão os candidatos a 1/3 das vagas do Senado que estarão em disputa. Nem em São Paulo, que é um colégio eleitoral importante. Quem serão os candidatos ao Senado em São Paulo? Os partidos ainda não têm candidatos. Então, hoje, é difícil se desenhar essa configuração. 

O historiador e comentarista político Marco Antonio Villa é o que se poderia chamar de um “radical de centro”. Crítico implacável do presidente Jair Bolsonaro e também do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, Villa ganhou popularidade com as análises inflamadas que faz na mídia e fora dela contra os seus desafetos na política.

Nesta entrevista ao Estadão, ele diz que a tendência é de os candidatos à Presidência da chamada “terceira via”, à exceção de Ciro Gomes, do PDT, se unirem ainda para a disputa do 1º turno das eleições, em 2 de outubro. “Se houver um candidato da terceira via com dois dígitos nas pesquisas e os demais estiverem com um dígito só, em torno de 5%, é provável que eles resolvam abandonar as suas candidaturas para apoiar quem estiver na frente.” 

Villa afirma que as fake news e as “fake pesquisas” devem marcar o processo eleitoral e que o seu “maior temor” é que a campanha “descambe para uma guerra”. Ele diz se preocupar com possíveis “ações violentas por parte de Bolsonaro e de seus aliados”, para tentar desqualificar o processo eleitoral. “Tudo indica que teremos a eleição mais sanguinolenta desde 1989.”

O historiador e comentarista político, Marco Antonio Villa; para analista, fake news devem marcar o processo eleitoral Foto: IARA MORSELLI/ESTADÃO - 16/5/2016

Segundo Villa, Lula está tentando se mostrar “o mais confiável possível”, ao se aproximar do centro-direita e articular uma aliança com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, mas a iniciativa ainda precisa se confirmar. Em sua visão, o petista aparece em posição confortável nas pesquisas, porque até agora está navegando sem opositores. “Quando começar a campanha para valer, o petrolão, o mensalão e as acusações de corrupção vão inundar a discussão. Aí, essa facilidade que ele tem hoje não terá mais, porque tudo isso virá à tona”. 

Além de ter de enfrentar a pandemia, o Brasil vive um quadro complicado tanto na economia quanto na política. Neste cenário, como o sr. vê eleições de 2022? 

Eu estou muito preocupado, porque tudo indica que as grandes questões nacionais não serão o centro das atenções, mas as ações violentas por parte de Bolsonaro e de seus aliados tentando desqualificar o processo eleitoral, as urnas eletrônicas, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as decisões do Supremo Tribunal Federal, ameaçando jornalistas, coagindo opositores e promovendo até – pode ser que ocorra, espero que não – ataques físicos a adversários. Ao que parece, teremos a eleição mais sanguinolenta, para citar um termo popularizado pelo Sinhozinho Malta (personagem desempenhado pelo ator Lima Duarte, na novela Roque Santeiro, em meados dos anos 1980), desde 1989. Isso vai ser muito ruim para o País, porque vamos perder uma ocasião fantástica para discutir os nossos problemas e apontar soluções para eles.

O sr. não está exagerando? Será que vai ser por aí mesmo?

O cenário é muito preocupante, porque teremos um presidente candidato à reeleição que vai usar toda a estrutura de Estado na sua campanha. Não estou falando só de inaugurações e liberações de verbas, como em outras campanhas, mas do uso da estrutura policial de Estado – a Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), a Polícia Federal. Além disso, as fake news vão ser um dos principais elementos da campanha. Teremos as “fake pesquisas” também. Vai aparecer instituto de pesquisa do qual a gente nunca ouviu falar e isso vai criar uma confusão na cabeça do eleitor, dificultando a escolha de candidatos, se é que teremos debate eleitoral, que é uma outra questão. Pode ser que, no primeiro turno, alguns candidatos à presidência da República digam “não, não vou comparecer a debate”. E aí, como é que vai ficar? Vamos fazer um debate com o Cabo Daciolo (ex-candidato a presidente em 2018 pelo Patriota e hoje filiado ao Partido da Mulher Brasileira)? 

Considerando tudo isso, o sr. acredita, então, que a polarização, que já marcou as últimas eleições, vai se manter no pleito deste ano?

Infelizmente. Ela será exacerbada ao limite. Isso estará muito presente já no primeiro turno, em 2 de outubro. Pela primeira vez na história, pode acontecer de um presidente da República candidato à reeleição não chegar ao segundo turno. Pode ocorrer. Vai ser um bom teste para as instituições.

“O Lula já se considera presidente da República antes da abertura das urnas”

O sr. falou muito de um lado. E o outro lado dessa polarização, o lado do PT, do Lula, da esquerda, como vai se portar na campanha?

Acredito que o Lula já se considera presidente da República antes da abertura das urnas. O que normalmente não dá certo no Brasil.  As coisas não são tão simples assim. Até agora, o Lula está navegando sem opositores. Quando começar a campanha para valer, o petrolão, o mensalão e as acusações de corrupção vão inundar a discussão. Essa facilidade que ele tem hoje não terá mais, porque tudo isso virá à tona. Inclusive porque um de seus opositores, o (ex-juiz Sérgio) Moro (pré-candidato pelo Podemos), foi quem apresentou parte das denúncias contra ele na Justiça e o julgou. O Lula vai ter de responder a essas acusações e vai ser duro ele negar. Como é que o Lula vai negar que houve o petrolão? Uma coisa é negar numa entrevista. Outra é negar numa campanha eleitoral, num debate eleitoral.

Como o sr. avalia a possível aliança do Lula com o Alckmin e a possibilidade de o ex-governador paulista ser o seu vice?

O Lula está buscando alianças no centro-direita, que lhe possibilitem até vencer as eleições no primeiro turno, que é o sonho dele, mas não se sabe se vai conseguir ou não. Nos Estados, é provável que ele consiga, com o Centrão e seus aliados. Afinal, o PT ficou 13 anos no governo e ganhou quatro eleições consecutivas, o que convenhamos não é pouco. Agora, em relação a uma possível aliança na esfera federal com o Alckmin, é preciso ver como ela vai ser, se é que vai existir. Se der certo, vai dar uma chacoalhada e tanto. Do lado do Lula, até entendo o interesse nessa aliança. Do lado do Alckmin, não. Como é que o Alckmin vai entrar nessa? 

Se a aliança com o Alckmin sair, como o Lula vai lidar com a militância do PT? Será que a turma vai aceitar isso? 

A tendência é o Lula segurar seus radicais, vamos chamar assim, que não são poucos dentro do PT. O Lula vai tentar se mostrar o mais confiável possível. Mas essa história de que, vinte anos depois, o Lula vai voltar ao poder e pegar um país com uma economia relativamente equilibrada e boom de commodities, como pegou em 2003, é uma ilusão. Ele vai encontrar outro país, com crise econômica, sucessivas recessões nos últimos dez anos e um cenário internacional provavelmente ainda marcado pela pandemia.

“Olhando o quadro hoje, é possível que o Moro consiga se construir como a terceira via”

Fazendo um paralelo futebolístico, é mais ou menos o que acontece com a torcida do Flamengo, que imagina que, com uma eventual volta do técnico Jorge Jesus, o time voltará a ter o desempenho que teve antes sob o seu comando. 

É verdade. Você fica com aquela ideia de que vai ser tudo a mesma coisa, uma espécie de continuidade, só que não é. A realidade é diferente. Normalmente, o retorno ao poder de líderes com as características do Lula termina em tragédia. Mal comparando também, porque o Lula não tem a mesma estatura, foi o que aconteceu no retorno do (ex-presidente) Getúlio Vargas, em 1950. Quando Vargas tomou posse, em 1951, era um outro Brasil, outra sociedade e outra política, com a emergência das classes médias, grande crescimento econômico, uma intelectualidade bastante viva e uma industrialização que se acentuava. E terminou como terminou.

Como o sr. está vendo essa profusão de candidatos da terceira via e a perspectiva de um deles chegar ao segundo turno?

A política é muito volátil no Brasil. Olhando o quadro hoje, é possível que o Moro consiga se construir como a terceira via e não o Ciro Gomes (ex-governador do Ceará e pré-candidato pelo PDT), que poderá ser rifado pelo partido, por causa das alianças estaduais. Em relação à candidatura do (governador de São Paulo, João) Doria, vamos ver se ele consegue, no mínimo, unir o PSDB, o que não será fácil. Em Minas e no Rio Grande do Sul, parece que ele vai ter dificuldade. O Doria também vai ter de melhorar muito o seu discurso para conseguir ganhar força, assim como o Moro. Não é condição sine qua non que o candidato tenha alianças estaduais para decolar. A eleição do Bolsonaro mostrou isso em 2018. Agora, tem de ver se a candidatura do Moro vai ser sólida até o início do processo eleitoral. Pode ser que ele não seja um tsunami eleitoral e se revele uma marolinha. A gente não sabe como isso vai se desenrolar, até porque está muito cedo. As primeiras semanas depois que o Moro se lançou como pré-candidato foram muitos boas para ele. Agora, se o Moro deslanchar, teremos uma eleição interessante, disputada por um ex-juiz que mandou prender o seu opositor, de um lado, e que foi ministro e rompeu com o presidente da República, de outro. Não conheço no mundo ocidental uma eleição recente deste tipo. Vai ser uma coisa única. 

O sr. vê a possibilidade de uma aliança entre os candidatos de terceira via já no primeiro turno?

É provável. Se, efetivamente, houver um candidato de terceira via com dois dígitos nas pesquisas e os demais estiverem com um dígito só, em torno de 5%, pode ser que eles resolvam abandonar as suas candidaturas para apoiar quem estiver na frente. Agora, o Ciro não fará isso. Pode tirar o cavalo da chuva. O Doria poderá fazê-lo. No caso do MDB, não sei se a (senadora) Simone Tebet será mesmo candidata. No máximo, acredito que ela possa fazer uma composição de vice, porque não creio que o partido vá apoiá-la. Pode até ser que a apoie na convenção, “cristianizando-a” depois, levando-a a ter uma votação pífia e inviabilizando até o futuro político dela. As peças estão se movimentando, mas como é um cenário muito complexo e ainda estamos um pouco longe da definição das candidaturas, é difícil ter uma ideia mais clara de como vai ficar o xadrez eleitoral. No Brasil, três ou quatro meses são uma eternidade. 

“Aquela onda Bolsonaro, que favoreceu muitos candidatos do PSL e de partidos próximos não vai se repetir em 2022”

Alguns analistas apontam que a questão da corrupção não terá nestas eleições o mesmo protagonismo que te,ve em 2018 e que agora as questões econômicas, como emprego e renda, é que devem ser decisivas. Na sua visão, como isso deverá afetar uma possível ascensão do Moro na campanha?

A questão é como um candidato de oposição conseguirá combinar o combate à corrupção com um programa de governo mais amplo. De qualquer forma, é inevitável que a corrupção esteja presente na campanha eleitoral, inclusive por causa do próprio Moro. O Moro vai ter de usar essa bandeira, porque isso o fortalece frente a uma parte da base bolsonarista e a uma parte dos que votariam no Lula contra o Bolsonaro. Então, esse discurso para ele é excelente. Na verdade, não sei nem se a corrupção teve o papel que lhe atribuem em 2018. Na eleição passada, havia um cansaço do PT, simbolizado pela incompetência da Dilma. A Dilma fez um trabalho excelente para os opositores do PT. Era um desastre em tudo: no governo, nas ações, no discurso, como figura pública. O melhor cabo eleitoral contra o PT foi a Dilma. Agora, houve uma variável importante em 2018, que não deve ser desprezada e que torço para que não ocorra novamente: o atentado ao Bolsonaro. Houve também a prisão do candidato opositor, que seria o Lula, em abril daquele ano, que é outra variável que presumo que não haverá em 2022. Isso transformou aquele processo eleitoral numa coisa atípica.

Na eleição de 2018, havia uma rejeição de uma parcela considerável da sociedade à chamada “velha política”, até em função da Lava Jato. Só que, de lá pra cá, o que se viu foi que a “velha política” retomou as rédeas do jogo. Nas eleições deste ano, em sua avaliação, deve haver uma consolidação da política como ela sempre foi no Brasil ou há a  rejeição à política tradicional deve se manifestar novamente?

A renovação que ocorreu no Parlamento em 2018, com boas e raras exceções, foi muito ruim. Entrou um bando de loucos no Congresso, especialmente na Câmara dos Deputados, que meu deus do céu. Se o nível já não era dos melhores na Câmara, piorou ainda mais, e com um extremismo, com características nazifascistas, que eu não tinha visto nem durante a ditadura militar. Sem exagero. Tem pessoas ali que, durante a ditadura militar, seriam rejeitadas pela Arena. Nesta situação, os chamados velhos políticos, muitos dos que não foram eleitos em 2018, poderão ser eleitos em 2022, e muitos dos que foram eleitos em nome de uma aparente renovação serão derrotados nas urnas. Aquela onda Bolsonaro, que favoreceu muitos candidatos do PSL e de partidos próximos não vai se repetir neste ano. A tendência é essa. A nova política não se transformou em novo. Conseguiu ser pior do que a velha. As pessoas querem outro tipo de representante. Vai haver justamente a busca dos candidatos mais conhecidos dos eleitores e que não têm essas posições marcadas pelo extremismo. Haverá muito mais uma busca pela conciliação do que pelo extremismo.

Como o sr. vê o papel dos movimentos que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma em 2015 e 2016, como o MBL (Movimento Brasil Livre), o Vem Pra Rua, alguns grupos de renovação política e o próprio partido Novo, nesse processo?

Imaginava-se que o movimento pelo impeachment fosse construir uma nova política e não aconteceu nada disso. Ao contrário. Veio o Bolsonaro. Quer coisa mais velha do que o Bolsonaro? Então, acho que esses movimentos tipo MBL e Vem Pra Rua devem ter feito uma autocrítica e tudo indica que vão apoiar ou serão simpáticos à candidatura do Sérgio Moro. Agora, outros movimentos, como o RenovaBr, ficaram nas margens. É um deputado no partido X, uma deputada no partido Y. Nem sei se tinham esse objetivo, mas não conseguiram ter uma presença mais decisiva no Parlamento, mesmo tendo alguns bons deputados, que são atuantes. Em outras palavras, lembrando um antigo historiador, os fatores de conservação se sobrepuseram aos fatores de transformação. É a velha questão do Brasil. A conservação vence a mudança. 

A gente concentra muito a nossa preocupação na Presidência e fala-se muito pouco sobre a eleição do Congresso. Mas, com esse “presidencialismo de coalização” praticado no País, nenhum presidente tem condições de fazer nada sem o Congresso. Qual deve ser o perfil do novo Congresso a partir de 2023? Será muito diferente do que é hoje?

O PT deve voltar a crescer. Provavelmente, deve ser o maior partido na Câmara. Tudo indica também que o União Brasil, resultante da fusão do PSL com o DEM, vai emagrecer. Vamos ver o que vai acontecer com a terceira via. Vamos ver como será a representação parlamentar dos partidos que vão sustentar a terceira via, se ela se fortalecer. No momento, isso é um enigma, porque não se sabe sequer quem serão os candidatos a 1/3 das vagas do Senado que estarão em disputa. Nem em São Paulo, que é um colégio eleitoral importante. Quem serão os candidatos ao Senado em São Paulo? Os partidos ainda não têm candidatos. Então, hoje, é difícil se desenhar essa configuração. 

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