A vitória de Jair Bolsonaro no Brasil produziu um terremoto político na Argentina. Há uma visão generalizada de que não só o que acontece aqui leva influência ao país vizinho, mas tende a se reproduzir. A frase “o que acontece no Brasil, depois acontece na Argentina” expressa essa crença e é bastante difundida na terra do tango.
O triunfo do candidato do Partido Social Liberal na segunda rodada gera enorme incerteza quanto ao relacionamento bilateral. Este abrange uma série de temas que vão desde o futuro do Mercosul, com a possibilidade de volta às antigas hipóteses de conflitos que os dois países enfrentavam na década de 1970, passando pela incerteza sobre os acordos bilaterais em vigor, tais como os da indústria automobilística. No entanto, hoje o foco principal está no impacto direto do “Estilo Bolsonaro” sobre as eleições presidenciais argentinas em 2019. Portanto, a partir do momento que os resultados eleitorais foram sendo conhecidos, os meios de comunicação do país começaram a procurar o “Bolsonaro argentino”.
A questão principal é que uma parte não menor do eleitorado argentino compartilha algumas das posições do capitão da reserva. Isto é visto na exigência de uma “mão forte”, ou seja, o pedido de uma maior repressão ao crime por parte das forças de segurança, mas que também se manifesta de forma associada a uma demanda pela imposição de “ordem” sobre os protestos sociais, cujos protagonistas costumam fechar as ruas na cidade de Buenos Aires. Não é por acaso que a ministra da Segurança, Patricia Bulrich, tenha a melhor imagem no gabinete de Mauricio Macri. Esses setores também exigem maior controle sobre a imigração, um tópico que tende a ser o cordão umbilical unindo diferentes movimentos de direita no mundo. Também é uma expressão frequente entre esses grupos que rejeitam os planos sociais e ajuda estatal aos mais pobres que foram implementadas pelos governos de Cristina Kirchner - e que continuam Mauricio Macri, e da mesma forma representam certo repúdio ao movimento feminista e uma de suas principais bandeiras: a legalização do aborto.
O problema é que um grande setor da população que defende essas demandas votou na aliança Cambiemos (Mudemos) de Mauricio Macri, tanto em 2015 como em 2017 e hoje está decepcionado por considerar que não foram resolvidas essas questões (por exemplo, Macri credenciou, embora sem apoiar, o debate de uma lei de legalização do aborto no Congresso). Macri, nos quase três anos de seu governo, tentou manter-se num centro político que corre o risco de não agradar a ninguém, por isso não são poucos os analistas para os quais ele poderia fazer uma curva à direita acompanhando o movimento brasileiro.
Além dessas considerações, a maior reivindicação de seu eleitorado não passa prioritariamente por esta agenda, mas sim por uma solução para os problemas econômicos, uma vez que a moeda perdeu mais de metade do seu valor em relação ao dólar em 2018, e as previsões do FMI indicam que a economia vai se contrair em 2,6% este ano e 1,6% no próximo.
É claro que, da parte de Cristina Kirchner, a derrota de Fernando Haddad não lhe foi indiferente, dada sua relação histórica com o PT. Ela inclusive programou estes dias uma espécie de teleconferência da reunião do G20 que acontece na Argentina, acompanhada de nada mais, nada menos que Dilma Rousseff. Cristina, com 30% das intenções de voto, faz uma jogada arriscada, mas que poderia adicionar os votos necessários para vencer nas eleições de 2019: ser ela a candidata contra o sistema, mas não contra os políticos e a burocracia do Estado, e sim contra o FMI, o sistema financeiro e o próprio Macri, que ela considera parte do establishment. Além de suas considerações próprias, na Argentina todos aprenderam alguma coisa com a ascensão de Jair Bolsonaro. / Tradução de Claudia Bozzo
* Professor de Sociologia da Opinião Pública na Universidade de Buenos Aires