RIO – Com quase 40 anos de vida pública, a candidata do PT à prefeitura do Rio, Benedita da Silva, acredita que, caso seja eleita, não terá problemas para conversar com o presidente Jair Bolsonaro. “Temos que tratar com o presidente sem nenhum problema institucional por parte da gestora. O povo o elegeu”, afirma ela em entrevista ao Estadão.
Apesar disso, não deixa de criticá-lo. Em sua avaliação, Bolsonaro responderá a processos por “preconceito, xenofobia, perseguição” quando deixar o Planalto. O nome dela e o da ex-ministra Marina Silva foram excluídos da lista de personalidades negras do país pela Fundação Palmares, comandada por Sérgio Camargo.
Hoje deputada federal, a petista de 78 anos já ocupou os cargos de senadora, vice-governadora, governadora interina e vereadora. Também comandou um ministério no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e uma secretaria estadual na gestão de Sérgio Cabral (MDB), agora preso e condenado a cerca de 300 anos de prisão. No início deste ano, ‘Bené’, como é conhecida, era cotada para ocupar a vaga de vice na chapa de Marcelo Freixo, do PSOL. Mas ele desistiu da candidatura, após não conseguir unir outros partidos de esquerda em torno de si.
Na entrevista, concedida num estúdio da zona oeste da cidade em que a petista tem gravado seus vídeos de campanha, ela lamentou o fato de os partidos de esquerda não estarem juntos neste primeiro momento, mas disse acreditar que isso ocorrerá num eventual segundo turno. A candidata aparece empatada tecnicamente com Martha Rocha (PDT) e Marcelo Crivella (Republicanos) nas principais pesquisas eleitorais.
A máscara da candidata, que pertence ao grupo de risco da covid-19, foi retirada apenas no momento da entrevista e das fotografias, enquanto a equipe de reportagem permaneceu com a proteção. Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
Qual deve ser a prioridade do novo prefeito ou da nova prefeita no âmbito da pandemia?
É importante que a gente faça uma testagem em massa. E ela deve ser acompanhada de rastreamento, porque tem os sintomáticos e os assintomáticos. E é preciso que a gente fale com aquela pessoa que está infectada, mas também que possamos falar com o núcleo familiar. Estamos vivendo uma situação na saúde da cidade em que temos 350 mil pessoas na fila para um diagnóstico, para uma consulta. É preciso que no caso da Clínica da Família, que é a porta de entrada, a gente reabra as que estão fechadas e contrate médicos de especificidade para outras doenças, algumas das quais hoje não têm médico para tratar. As UPAs também estão sem os profissionais da Saúde.
A senhora defende o fim da administração de hospitais por meio das Organizações Sociais, envolvidas em tantos escândalos de corrupção?
Sim. Para que a gente não crie nenhum colapso na saúde, é lógico que pretendemos fazer gradativamente. A empresa municipal RioSaúde é quem vai assumir as compras, os contratos, a fiscalização. A gente vai botar a empresa para funcionar. Ela já existe, mas precisa exercer a sua função, para que a gente também tenha médicos onde esteja precisando realmente. Tem que pensar no idoso, nas mulheres, nas crianças, e cobrir os hospitais, as UPAs, as clínicas, e fornecer os remédios que estão faltando porque fecharam algumas farmácias populares.
Na sua eventual gestão, criaria uma espécie de renda básica no município?
Sim, uma renda básica carioca. Ela pretende atender a 250 mil famílias – hoje está na casa das 40 mil, 45 mil (no programa Família Carioca, que complementa o Bolsa Família). Pretendemos também acrescentar R$ 100 aos que já têm essa bolsa para equiparar ao novo programa que vamos criar, que teria um valor de R$ 300.
Mas como financiar, num contexto de crise financeira, esse e outros projetos de que a cidade precisa?
Primeiro, a gente tem o Fundo Municipal da Saúde. Outra questão é rever os contratos. A gente sabe que tem contratos abusivos; queremos auditar. É importante para que a gente possa ter as pessoas certas no lugar certo. Outra questão passa por reduzir os cargos comissionados, deixar só os que tenham a ver com a política pública de Saúde.
Como seria a relação da prefeita Benedita com o governo Bolsonaro? Chamaria ele para conversar, sendo a senhora uma petista?
A relação seria institucional, não poderia ser diferente do que se faz numa política de gestão, que acaba sendo compartilhada. Tem recursos que vêm do governo federal e que são universais: saúde, educação. Temos que tratar com o presidente sem nenhum problema institucional por parte da gestora. O povo o elegeu.
Não teme nenhuma espécie de retaliação política por parte dele, como ocorreu com o governador afastado Wilson Witzel?
Eu penso que, com esses 40 anos de vida pública, tenho aprendido a lidar com várias vertentes e perfis de gestores, de presidentes. Com certeza saberei fazer um diálogo que vai ser transparente. Não tenho nenhum interesse que não seja a favor da cidade, do que a cidade tem direito junto ao governo federal.
Depois de quase 40 anos de vida pública, como a senhora encara a atitude do Sérgio Camargo, que retirou o seu nome e o da ex-ministra Marina Silva da lista de personalidades negras da Fundação Palmares?
É uma ignorância total, uma provocação, uma perseguição. E é crime. Porque está colocada ali uma manifestação racista, porque não é só ter tirado da galeria da Fundação Palmares. Como pode colocar lá alguém que acha que a escravidão foi ótima para nós, e que o que existiu nos beneficiou? Que tem que tirar da galeria Zumbi dos Palmares, Nelson Mandela... Aí tira Benedita, tira Marina, vão tirando outros. São pessoas que na história da luta pela libertação, pelo direito dos negros, têm a sua marca lá colocada; são bandeiras que nós colocamos. Aí chega esse moço, cumprindo os sentimentos que provavelmente adquiriu na escola do presidente, e faz essa coisa tremenda. Já entrei na Justiça contra esse moço. Penso que no dia em que o Bolsonaro deixar de ser presidente ele vai ter que responder a muitos processos do Brasil inteiro contra ele: preconceito, xenofobia, perseguição. Estamos assistindo a tudo isso, e esse moço cumpre esse papel.
Benedita da Silva, candidata do PT à prefeitura do Rio
Pretende trazer o ex-presidente Lula para o Rio ainda no 1º turno?
Vai depender muito. O Lula, tanto quanto eu e outros, tem tido todo o cuidado nesse isolamento, em que pese já termos uma taxa não zerada, mas com alguns resultados promissores do ponto de vista da pandemia. Mas ele tem total interesse em que a cidade do Rio seja governada por mim.
Já manifestou interesse em vir?
Já manifestou o interesse de que quer que eu ganhe a eleição. (Disse) Que eu tenho a cara do Rio, e tenho. Que conheço os problemas do Rio, e conheço. Principalmente essas 2 milhões de pessoas que estão abaixo da linha de pobreza ou no meio. Até mesmo nossa classe média, que está num empobrecimento muito grande.
O PT foi vice do Eduardo Paes, e a senhora ocupou secretaria no governo de Sérgio Cabral. Como convencer o eleitor de que sua candidatura é de fato uma oposição àquele projeto deles para o Rio?
O papel da esquerda não é só fazer uma disputa por si. A esquerda tem um projeto de poder, de ocupação de poder. E tudo o que a esquerda tem é a preocupação com uma política pública que possa atender a todos. Principalmente os mais vulneráveis. Não é só num campo pura e simplesmente ideológico, de que sou esquerda ou direita. Para governar a cidade, tem que governar para todos. E o PT, que já foi governo nacional, já comprovou ao Brasil inteiro sua capacidade de governar para todos. E nós temos Maricá, aqui bem pertinho, que tem feito um trabalho, um modo petista de governar, que é de inserção social. É pioneira em várias políticas.
Por que fracassou a tão falada união da esquerda que se costurava para este ano?
Eu penso que não é uma questão de fracasso. Penso que o maior partido de esquerda dentro da América Latina é o PT. Temos os outros, que estão numa fase de crescimento, e agora com a política da não coligação em proporcional, da cláusula de barreira, os partidos se preocuparam em ter sua representação municipal e deixar para que a gente faça uma aliança mais sólida num segundo turno. No primeiro, cada um apresenta sua proposta, faz a sua bancada, e no segundo com certeza estaremos juntos.
Mesmo se a representante for a Martha Rocha (PDT)?
Eu me vejo no segundo turno, disputando voto e tendo o apoio da esquerda. Esse é o meu objetivo em sair candidata. Eu estava candidata a vice numa aliança com o PSOL, com o Marcelo Freixo. Como não se viabilizou, o partido então colocou a minha candidatura, e ela é para valer: uma candidatura para ir para a briga, no bom sentido, para que eu seja a candidata da esquerda no segundo turno.
Como a senhora encara a declaração do ex-senador Lindbergh Farias, que defendeu a desistência da candidatura do Jilmar Tatto em São Paulo para apoiar o Guilherme Boulos, em troca do PSOL desistir da Renata Souza no Rio para apoiar a sua candidatura?
Foi uma posição colocada pelo Lindbergh. A condução que nós temos tido é essa: procurar a aliança no primeiro momento. Mas o primeiro momento não viabilizou essa aliança, e estamos contando com o segundo turno para que nós estejamos coesos na candidatura de esquerda que lá estiver.
Não teve ali um problema de cenário nacional? Pretensões de Lula e Ciro Gomes não atrapalharam?
Acho que não, porque vai passar muita água por baixo da ponte antes de 2022. O próprio Lula tem colocado isso. Tanto que nós, do PT, temos pregado que a gente tenha um projeto para sair dessa crise. Estamos apresentando projetos de combate à fome, projetos na área de gestão; todos os nossos estudos que foram feitos na área econômica. Nós continuamos com nosso papel de apresentar propostas à Nação. E o PT sempre foi assim, independentemente de ser ou não um momento eleitoral. A coisa mais coerente que possa ter é o PT pleitear candidatura nacional. Isso é o natural para quem já governou o País, mas não impede que os outros possam apresentar sua candidatura e disputar.
A senhora avalia que a oposição de esquerda ao Bolsonaro tem sido efetiva ou uma espécie de centro político roubou o protagonismo?
Não acho (que roubou). A atuação do centro se diferencia evidentemente da nossa, da esquerda, da oposição. No Congresso Nacional nós estamos juntos, somos coerentes votando aquilo que é importante, cobrando do governo aquilo que se comprometeu a fazer e o que é importante agora. Somos o Poder Legislativo; temos uma população que elevou todos nós ao Congresso. É preciso votar projetos de interesse público. No caso do auxílio emergencial, o presidente queria pagar R$ 200, e nós passamos para R$ 600. Isso favorece a população, não algum partido de oposição. A população sabe qual foi o governo em que ela teve mais emprego, mais comida na mesa, em que teve seu reajuste salarial. Os trabalhadores, trabalhadoras, a classe média, o empresariado brasileiro… Tudo isso é uma reflexão que (a população) tem que botar na balança para 2022.