SÃO JOÃO DA BARRA (RJ) – Uma visita de Jair Bolsonaro ao Porto do Açu, no Norte Fluminense, selou publicamente nesta segunda, 31, a aproximação do presidente da República com o clã Garotinho – que tem na região o seu principal reduto político – para as eleições de 2022. Dividindo o palco com os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho e dois filhos do casal– o prefeito de Campos dos Goytacazes, Wladimir Garotinho (PSD), e a deputada federal Clarissa Garotinho (PROS) –, Bolsonaro, como em 2018, focou no antipetismo.
O presidente atacou duramente o PT, com acusações de corrupção, na solenidade oficialmente marcada para o lançamento da pedra fundamental da Usina Termelétrica GNA II, mas transformada em comício. Além da briga com o petismo, o eleitorado evangélico ajuda a aproximar o presidente dos ex-governadores. Garotinho e Rosinha já foram aliados do PT e foram presos por fraude e desvios em um projeto de construção de casas populares – ambos negam irregularidades.
A aproximação com os Garotinho foi uma espécie de início extraoficial da campanha de Bolsonaro no Rio. Foi também um sinal da busca pelos votos na região, onde o clã ainda tem forte influência. A família também tem alguma força em outros municípios do interior e da Baixada Fluminense. Mas o nome Garotinho enfrenta rejeição alta na capital, sobretudo em bairros de classe média. Em 2018, antes de ter a candidatura ao governo cassada, o ex-governador raspava os 20% das preferências.
Mesmo sem ter cargo público, os dois ex-governadores foram convidados ao palco das autoridades. Ficaram sentados a poucos metros do presidente. Clarissa e Wladimir fizeram discursos de exaltação ao visitante.
“É uma alegria muito grande para nós recebê-lo aqui no nosso Estado, que também é seu, onde você iniciou toda a sua trajetória política e onde elegeu seu filho, Flávio Bolsonaro, como senador”, discursou Clarissa, dirigindo-se a Bolsonaro. “Obrigada por estar aqui com os seus ministros trazendo investimentos para todo o Estado do Rio de Janeiro.” Antes, Wladimir Garotinho também elogiou a presença de Bolsonaro.
Em seu discurso de pouco mais de onze minutos, porém, Bolsonaro não fez referência aos Garotinho. Focou nos governos do PT e, em especial, no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera a corrida eleitoral com vantagem. Segundo a mais recente em pesquisa Datafolha divulgada em 16 de dezembro, Lula tinha 48% das intenções de voto, e Bolsonaro, 22%.
“Só na Petrobras, foram desviados ou mal aplicados ao longo de quinze anos (dos governos Lula e Dilma, na verdade treze) na ordem de R$ 1 trilhão. Dá para imaginar? Essa foi a dívida que a Petrobras contraiu ao longo desses anos. Que voracidade tinha esse pessoal do PT em meter a mão!”, afirmou. Ele acusou ainda os governos petistas de terem provocado prejuízos de R$ 500 bilhões no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de R$ 45 bilhões na Caixa Econômica Federal (CEF).
A cerimônia no Porto do Açu anunciou o investimento de R$ 6 bilhões em três grandes obras. São elas a Usina Termelétrica GNA II, a construção de uma ferrovia privada de 41 km para conectar o Porto do Açu à malha ferroviária nacional e a ampliação de acessos rodoviários. Ainda que a Gás Natural Açu (GNA) tenha financiado R$ 3,93 bilhões junto ao BNDES, praticamente todo o investimento é privado. A exceção são R$ 396 milhões de verbas do governo do Estado.
Guerra
O estreitamento de relações com os Garotinho e o tom fortemente antipetista já tinham marcado o primeiro compromisso de Bolsonaro no Rio. Em visita ao Gaslub (ex-Comperj) da Petrobras, em Itaboraí, o presidente já tinha a companhia de Clarissa e fez um discurso de ataques a Lula. Chamou o ex-presidente de “bandido”, equiparou o PT a uma quadrilha e disse estar em “guerra”.
“O mesmo cara (Lula) que quase quebrou o País de vez, que destinou um prejuízo de quase R$ 1 trilhão à Petrobras, quer voltar à cena do crime”, disparou para uma plateia formada por poucos trabalhadores da empresa, ministros e políticos que o acompanharam ao Gaslub. O ex-Comperj receberá gás natural do pré-sal pela Rota 3, ainda em construção. “Existem milhares de pessoas melhores do que eu por aí, mas quis o destino ou Deus que eu chegasse aqui, e estamos numa guerra. Se aquele bando, aquela quadrilha voltar, não vai ser apenas a Petrobras que deve ser arrasada, vão roubar a nossa liberdade”, completou.
Bolsonaro disse ainda que, se eleito, Lula nomearia José Dirceu, que cumpriu pena no caso do mensalão, novamente para a Casa Civil, e a ex-presidente Dilma Rousseff para o Ministério da Defesa, “porque ela é mandona”.
De acordo com Bolsonaro, a única instituição que o PT não aparelhou foi o Banco Central. Ele afirmou também que teve muitos problemas para montar sua equipe por isso. O PT, porém, deixou o governo com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Desde então, o governo passou a ser chefiado pelo vice-presidente Michel Temer. Foi ele que passou o governo a Bolsonaro, em 1 de janeiro de 2019.
Sobra
Para a cientista política Carolina de Paula, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), diante da queda nas pesquisas estreitar relações com os Garotinho foi “a opção que acabou sobrando para Bolsonaro em algumas regiões, porque são candidatos que ainda têm essa aproximação com o público religioso.”
A pesquisadora advertiu, porém, que é preciso ver qual seria a finalidade da aliança entre o presidente e o grupo dos ex-governadores. A aproximação, avalia, pode estar ligada às eleições para o Poder Legislativo.
“Talvez tenha alguma coisa a ver com a eleição de deputados, com a eleição legislativa”, explicou. “Não pensando só na eleição dele (Bolsonaro), mas também em manter alguma base aqui no Rio, porque também é uma base importante para a família Bolsonaro”.
A cientista política avaliou que o eventual desgaste dos ex-governadores pode ser compensado na região de Campos dos Goytacazes, onde o clã Garotinho é forte eleitoralmente e controla a prefeitura. “Na eleição do (prefeito Marcelo) Crivella (que tentou a reeleição em 2020), ele falava que era apoio, mas foram duas, três propagandas eleitorais... né? Então, tem que ver também qual que é esse nível de exposição. Se for um apoio mais regional, mais restrito lá, isso aí pode ser bom para ele.”
Prisão
Um homem foi preso ao jogar um ovo na direção de Bolsonaro (PL), em Campos dos Goytacazes, no início da tarde desta segunda-feira, 31. O presidente não foi atingido. O preso seria um estudante universitário de 21 anos, cujo nome não havia sido divulgado até a publicação desta reportagem. O presidente desceu no aeroporto da cidade. Ao Porto do Açu, em São João da Barra, Bolsonaro chegou dez minutos antes do horário previsto. Na chegada, caminhou por um corredor de cerca de 20 metros para tirar fotos com dezenas de apoiadores, que o saudaram.
Colaboraram: Marcio Dolzan, enviado especial a São João da Barra, Vinicius Neder, Denise Luna, Bruno Villas Bôas e Wilson Tosta.