Confissões ao pai de santo viram prova de corrupção


Em consultas a guia espiritual, acusado no esquema de desvios na saúde revelava intrigas e citava políticos

Por Luiz Vassallo, Marcelo Godoy e Pedro Venceslau

“Fernando, sobre o negócio do hospital. Pode dar liga a você e até render um bom dinheiro.” Termina assim o primeiro das dezenas de diálogos entre o pai de santo Diogo Luis Cardoso e o administrador de hospital Fernando Rodrigues de Carvalho. Era 2018. A bonança prevista pela divindade acabou em três anos, com a prisão de Carvalho.

O homem que decidiu consultar o sacerdote se meteu em um dos maiores esquemas de corrupção da área da saúde descobertos no País: a máfia das Organizações Sociais. A relação dele e seu guia foi parar nos autos da Operação Raio X, pois, enquanto se consultava por meio de um aplicativo de mensagens, Carvalho confessava valores, revelava intrigas na organização criminosa, citava políticos e usava parte do dinheiro desviado para agradar à entidade. “Se fechar, vou mandar 2 mil; mil para o senhor e mil para o senhor fazer um agrado a Exu”, escreveu.

Cardoso, o Pai Diogo – como é conhecido –, vive em Curitiba. O guia dizia ser mensageiro de Exu Caveira, entidade que o ajudaria a conhecer os homens e seus destinos. Ele atendia pelo WhatsApp e tinha Carvalho entre os fiéis que lhe pediam conselhos e encomendavam trabalhos contra desafetos.

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Fernando Carvalho, que tinha Pai Diogo como guia espiritual, foi preso Foto: POLICIA CIVIL SP

Aos poucos, tornou-se seu confidente após o administrador ser recrutado pelo médico Cleudson Montali, líder do esquema de corrupção que agia em quatro Estados, agora condenado a 200 anos de prisão. O grupo agiu em 27 cidades, desviando R$ 500 milhões. Quando abriram o arquivo do celular de Carvalho, os policiais comemoraram: “Conseguimos extrair um histórico cronológico de acontecimentos que giraram em torno de Fernando e da Orcrim”.

Mensagens

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A primeira das mensagens de interesse da investigação é de 2 de julho de 2018. “O senhor poderia ver com Exu como estão as coisas de negócios para mim? Eu ‘tô’ vendo um hospital em Araucária (PR)”, escreveu Carvalho. Diogo respondeu meia hora depois. “Nossa, transmissão de pensamento. Acabei de falar de você com Exu.” No dia seguinte, Carvalho consultou o guia sobre uma licitação. “Fio, pai acendeu velas de novo a Exu agora pouco pra você.” Carvalho contou que estava se acertando com Cleudson.

Em 18 de setembro, pouco antes de assumir a direção do esquema no Hospital de Carapicuíba (SP), Carvalho disse que “o secretário ligou”. O guia respondeu: “kkkkk. Eita toda sorte do mundo ‘pras’ coisas de São Paulo.” Mas o administrador queria saber se Cleudson confiava nele. “Queria ver com Exu também se o Cleudson está botando fé em mim para dividir ou se sou só funcionário pra trabalhar pra ele.” Diogo respondeu: “Tá, fio, passa o nome completo do cara”. Carvalho insistiu: “Tem coisa que gira muito dinheiro, até 70 mil por mês ‘pra’ dividir, fora o salário”.

Em outra ocasião, ele se queixou da avidez dos políticos. “O Cleudson assumiu um compromisso com uns políticos aí e nós temos que pagar o valor que nós vamos receber lá e mais um pouco para os políticos. Não vai sobrar nadica de nada para nós. É mole? Vamos ficar chupando o dedo.” 

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Os negócios cresceram e Carvalho relatou que iam pegar um hospital em Osasco. “Contrato de 9 milhões mês.” O grupo começou a atuar no Pará, onde Carvalho disse que iam “ganhar muito dinheiro”. Em abril de 2019, começaram as intrigas. Carvalho relatou que um colega estava “envolvido com o negócio do Pará e ‘tá’ saqueando o hospital de Osasco”. “Está pondo dinheiro na mão dos Cleudson ... E muito. Não se sustenta. Vai dar m...” Diogo respondeu rápido. “Vou dar um jeito nisso. Vixi, perigoso isso.” Carvalho desabafou. “Tá muito esquisito. Muito dinheiro, muito fácil. Os caras que ele pôs lá não conhecem nada.” O guia concluiu: “Logo a casa deles cai, ‘cê’ quer ver”.

As coisas começaram a degringolar em agosto de 2019, quando a polícia fez buscas em Araucária. Mas Carvalho não se deteve. Disse ao pai de santo: “Queria saber se Exu pode ajudar, porque agora quero ganhar mesmo, faço questão de ganhar o que puder ganhar do Cleudson”. Contou que o médico retirava R$ 2 milhões por semana “do hospital do Pará”. Em dezembro, perguntou: “Quando Exu fala dos negócios das vacas magras, quer dizer que meus rendimentos aqui vão diminuir e eu saio daqui? Tô preocupado”.

Mas aí chegou a pandemia de covid-19 e os lucros cresceram. Cleudson montou hospitais de campanha e “pôs no bolso dez milhões”. Carvalho comprou os equipamentos. Ele escreveu: “Pai, o Cleudson é muito safo. É bandido mais que os de Osasco. Aqui (Pará) está junto com o governador”. E revelou que cobraram R$ 107 milhões no hospital do Pará. “Não custava 50.”

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Em dezembro de 2020, ele escreveu: “Ô pai, a reunião ontem foi até uma comédia, dessa vez aqui o Exu errou feio, tá”. A polícia deflagrou a operação e, em junho de 2021, Carvalho acabou preso. E tudo foi parar no inquérito.

“Fernando, sobre o negócio do hospital. Pode dar liga a você e até render um bom dinheiro.” Termina assim o primeiro das dezenas de diálogos entre o pai de santo Diogo Luis Cardoso e o administrador de hospital Fernando Rodrigues de Carvalho. Era 2018. A bonança prevista pela divindade acabou em três anos, com a prisão de Carvalho.

O homem que decidiu consultar o sacerdote se meteu em um dos maiores esquemas de corrupção da área da saúde descobertos no País: a máfia das Organizações Sociais. A relação dele e seu guia foi parar nos autos da Operação Raio X, pois, enquanto se consultava por meio de um aplicativo de mensagens, Carvalho confessava valores, revelava intrigas na organização criminosa, citava políticos e usava parte do dinheiro desviado para agradar à entidade. “Se fechar, vou mandar 2 mil; mil para o senhor e mil para o senhor fazer um agrado a Exu”, escreveu.

Cardoso, o Pai Diogo – como é conhecido –, vive em Curitiba. O guia dizia ser mensageiro de Exu Caveira, entidade que o ajudaria a conhecer os homens e seus destinos. Ele atendia pelo WhatsApp e tinha Carvalho entre os fiéis que lhe pediam conselhos e encomendavam trabalhos contra desafetos.

Fernando Carvalho, que tinha Pai Diogo como guia espiritual, foi preso Foto: POLICIA CIVIL SP

Aos poucos, tornou-se seu confidente após o administrador ser recrutado pelo médico Cleudson Montali, líder do esquema de corrupção que agia em quatro Estados, agora condenado a 200 anos de prisão. O grupo agiu em 27 cidades, desviando R$ 500 milhões. Quando abriram o arquivo do celular de Carvalho, os policiais comemoraram: “Conseguimos extrair um histórico cronológico de acontecimentos que giraram em torno de Fernando e da Orcrim”.

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A primeira das mensagens de interesse da investigação é de 2 de julho de 2018. “O senhor poderia ver com Exu como estão as coisas de negócios para mim? Eu ‘tô’ vendo um hospital em Araucária (PR)”, escreveu Carvalho. Diogo respondeu meia hora depois. “Nossa, transmissão de pensamento. Acabei de falar de você com Exu.” No dia seguinte, Carvalho consultou o guia sobre uma licitação. “Fio, pai acendeu velas de novo a Exu agora pouco pra você.” Carvalho contou que estava se acertando com Cleudson.

Em 18 de setembro, pouco antes de assumir a direção do esquema no Hospital de Carapicuíba (SP), Carvalho disse que “o secretário ligou”. O guia respondeu: “kkkkk. Eita toda sorte do mundo ‘pras’ coisas de São Paulo.” Mas o administrador queria saber se Cleudson confiava nele. “Queria ver com Exu também se o Cleudson está botando fé em mim para dividir ou se sou só funcionário pra trabalhar pra ele.” Diogo respondeu: “Tá, fio, passa o nome completo do cara”. Carvalho insistiu: “Tem coisa que gira muito dinheiro, até 70 mil por mês ‘pra’ dividir, fora o salário”.

Em outra ocasião, ele se queixou da avidez dos políticos. “O Cleudson assumiu um compromisso com uns políticos aí e nós temos que pagar o valor que nós vamos receber lá e mais um pouco para os políticos. Não vai sobrar nadica de nada para nós. É mole? Vamos ficar chupando o dedo.” 

Os negócios cresceram e Carvalho relatou que iam pegar um hospital em Osasco. “Contrato de 9 milhões mês.” O grupo começou a atuar no Pará, onde Carvalho disse que iam “ganhar muito dinheiro”. Em abril de 2019, começaram as intrigas. Carvalho relatou que um colega estava “envolvido com o negócio do Pará e ‘tá’ saqueando o hospital de Osasco”. “Está pondo dinheiro na mão dos Cleudson ... E muito. Não se sustenta. Vai dar m...” Diogo respondeu rápido. “Vou dar um jeito nisso. Vixi, perigoso isso.” Carvalho desabafou. “Tá muito esquisito. Muito dinheiro, muito fácil. Os caras que ele pôs lá não conhecem nada.” O guia concluiu: “Logo a casa deles cai, ‘cê’ quer ver”.

As coisas começaram a degringolar em agosto de 2019, quando a polícia fez buscas em Araucária. Mas Carvalho não se deteve. Disse ao pai de santo: “Queria saber se Exu pode ajudar, porque agora quero ganhar mesmo, faço questão de ganhar o que puder ganhar do Cleudson”. Contou que o médico retirava R$ 2 milhões por semana “do hospital do Pará”. Em dezembro, perguntou: “Quando Exu fala dos negócios das vacas magras, quer dizer que meus rendimentos aqui vão diminuir e eu saio daqui? Tô preocupado”.

Mas aí chegou a pandemia de covid-19 e os lucros cresceram. Cleudson montou hospitais de campanha e “pôs no bolso dez milhões”. Carvalho comprou os equipamentos. Ele escreveu: “Pai, o Cleudson é muito safo. É bandido mais que os de Osasco. Aqui (Pará) está junto com o governador”. E revelou que cobraram R$ 107 milhões no hospital do Pará. “Não custava 50.”

Em dezembro de 2020, ele escreveu: “Ô pai, a reunião ontem foi até uma comédia, dessa vez aqui o Exu errou feio, tá”. A polícia deflagrou a operação e, em junho de 2021, Carvalho acabou preso. E tudo foi parar no inquérito.

“Fernando, sobre o negócio do hospital. Pode dar liga a você e até render um bom dinheiro.” Termina assim o primeiro das dezenas de diálogos entre o pai de santo Diogo Luis Cardoso e o administrador de hospital Fernando Rodrigues de Carvalho. Era 2018. A bonança prevista pela divindade acabou em três anos, com a prisão de Carvalho.

O homem que decidiu consultar o sacerdote se meteu em um dos maiores esquemas de corrupção da área da saúde descobertos no País: a máfia das Organizações Sociais. A relação dele e seu guia foi parar nos autos da Operação Raio X, pois, enquanto se consultava por meio de um aplicativo de mensagens, Carvalho confessava valores, revelava intrigas na organização criminosa, citava políticos e usava parte do dinheiro desviado para agradar à entidade. “Se fechar, vou mandar 2 mil; mil para o senhor e mil para o senhor fazer um agrado a Exu”, escreveu.

Cardoso, o Pai Diogo – como é conhecido –, vive em Curitiba. O guia dizia ser mensageiro de Exu Caveira, entidade que o ajudaria a conhecer os homens e seus destinos. Ele atendia pelo WhatsApp e tinha Carvalho entre os fiéis que lhe pediam conselhos e encomendavam trabalhos contra desafetos.

Fernando Carvalho, que tinha Pai Diogo como guia espiritual, foi preso Foto: POLICIA CIVIL SP

Aos poucos, tornou-se seu confidente após o administrador ser recrutado pelo médico Cleudson Montali, líder do esquema de corrupção que agia em quatro Estados, agora condenado a 200 anos de prisão. O grupo agiu em 27 cidades, desviando R$ 500 milhões. Quando abriram o arquivo do celular de Carvalho, os policiais comemoraram: “Conseguimos extrair um histórico cronológico de acontecimentos que giraram em torno de Fernando e da Orcrim”.

Mensagens

A primeira das mensagens de interesse da investigação é de 2 de julho de 2018. “O senhor poderia ver com Exu como estão as coisas de negócios para mim? Eu ‘tô’ vendo um hospital em Araucária (PR)”, escreveu Carvalho. Diogo respondeu meia hora depois. “Nossa, transmissão de pensamento. Acabei de falar de você com Exu.” No dia seguinte, Carvalho consultou o guia sobre uma licitação. “Fio, pai acendeu velas de novo a Exu agora pouco pra você.” Carvalho contou que estava se acertando com Cleudson.

Em 18 de setembro, pouco antes de assumir a direção do esquema no Hospital de Carapicuíba (SP), Carvalho disse que “o secretário ligou”. O guia respondeu: “kkkkk. Eita toda sorte do mundo ‘pras’ coisas de São Paulo.” Mas o administrador queria saber se Cleudson confiava nele. “Queria ver com Exu também se o Cleudson está botando fé em mim para dividir ou se sou só funcionário pra trabalhar pra ele.” Diogo respondeu: “Tá, fio, passa o nome completo do cara”. Carvalho insistiu: “Tem coisa que gira muito dinheiro, até 70 mil por mês ‘pra’ dividir, fora o salário”.

Em outra ocasião, ele se queixou da avidez dos políticos. “O Cleudson assumiu um compromisso com uns políticos aí e nós temos que pagar o valor que nós vamos receber lá e mais um pouco para os políticos. Não vai sobrar nadica de nada para nós. É mole? Vamos ficar chupando o dedo.” 

Os negócios cresceram e Carvalho relatou que iam pegar um hospital em Osasco. “Contrato de 9 milhões mês.” O grupo começou a atuar no Pará, onde Carvalho disse que iam “ganhar muito dinheiro”. Em abril de 2019, começaram as intrigas. Carvalho relatou que um colega estava “envolvido com o negócio do Pará e ‘tá’ saqueando o hospital de Osasco”. “Está pondo dinheiro na mão dos Cleudson ... E muito. Não se sustenta. Vai dar m...” Diogo respondeu rápido. “Vou dar um jeito nisso. Vixi, perigoso isso.” Carvalho desabafou. “Tá muito esquisito. Muito dinheiro, muito fácil. Os caras que ele pôs lá não conhecem nada.” O guia concluiu: “Logo a casa deles cai, ‘cê’ quer ver”.

As coisas começaram a degringolar em agosto de 2019, quando a polícia fez buscas em Araucária. Mas Carvalho não se deteve. Disse ao pai de santo: “Queria saber se Exu pode ajudar, porque agora quero ganhar mesmo, faço questão de ganhar o que puder ganhar do Cleudson”. Contou que o médico retirava R$ 2 milhões por semana “do hospital do Pará”. Em dezembro, perguntou: “Quando Exu fala dos negócios das vacas magras, quer dizer que meus rendimentos aqui vão diminuir e eu saio daqui? Tô preocupado”.

Mas aí chegou a pandemia de covid-19 e os lucros cresceram. Cleudson montou hospitais de campanha e “pôs no bolso dez milhões”. Carvalho comprou os equipamentos. Ele escreveu: “Pai, o Cleudson é muito safo. É bandido mais que os de Osasco. Aqui (Pará) está junto com o governador”. E revelou que cobraram R$ 107 milhões no hospital do Pará. “Não custava 50.”

Em dezembro de 2020, ele escreveu: “Ô pai, a reunião ontem foi até uma comédia, dessa vez aqui o Exu errou feio, tá”. A polícia deflagrou a operação e, em junho de 2021, Carvalho acabou preso. E tudo foi parar no inquérito.

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