A poucos meses do fim dos prazos legais para a transferência do domicílio eleitoral, o caminho do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) avalia concorrer a uma cadeira no Senado, mas também não descarta uma candidatura ao Executivo. O vice-presidente segue dividido entre o Rio Grande do Sul, seu Estado natal, onde liderou o Comando Militar do Sul, e o Rio de Janeiro, onde cresceu e mantém residência quando não está na capital federal.
Segundo interlocutores, Mourão pende hoje para uma candidatura no Rio, mas aguarda uma definição mais clara do quadro regional e o anúncio da escolha do vice de Jair Bolsonaro, embora seja dado como certo que não haverá repetição da chapa de 2018.
Qualquer que seja o cargo que Mourão escolha, porém, ele só poderá disputar um posto diferente da Vice-Presidência se não tiver sucedido ou substituído formalmente o titular nos seis meses anteriores à eleição. Bolsonaro, porém, tem uma série de viagens internacionais previstas ao longo do ano. Para entrar na corrida eleitoral, Mourão não precisa renunciar ao cargo, mas também não pode assumir interinamente a Presidência a partir de 2 de abril.
“Mourão não é obrigado a assumir o cargo. Caso o presidente viaje, por exemplo, ele pode não assumir. Quem assume são os demais na linha sucessória. Se o vice-presidente assumir interinamente, por um dia que seja, fica inelegível”, afirma o advogado especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Lucas Lazari.
Na ausência de Bolsonaro e Mourão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estão na linha sucessória. Caso também não assumam o cargo – ambos estão sujeitos às mesmas restrições de desincompatibilização – , a responsabilidade fica com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.
Para a advogada especialista em Direito Eleitoral e fundadora da Abradep Gabriela Rollemberg, a hipótese de renúncia ao cargo é improvável. “Em geral, dificilmente os vices acabam renunciando ao cargo. Eles preferem ‘artificializações’ para que não precisem renunciar”, afirma Gabriela. Um desses casos recairia em eventuais saídas do País, que não poderiam durar mais de 15 dias – caso o prazo seja maior, o Congresso teria de autorizar.
Mourão vem afirmando nas últimas semanas que vai definir sua posição em março. O vice-presidente, que vota hoje em Brasília, tem até maio para transferir o título de eleitor. Quando testado nas pesquisas eleitorais, Mourão vem apresentando bom desempenho nos dois Estados. No Sul, divide a vice-liderança na disputa para o Senado e aparece em terceiro lugar no Executivo. Já no Rio, também aparece em segundo lugar para senador e para governador.
No Rio Grande do Sul, direita inicia ano eleitoral fragmentada
Apesar da preferência pelo Rio, Mourão viajou várias vezes ao Rio Grande do Sul no ano passado. Foram, pelo menos, nove visitas oficiais. Nas idas ao Sul, teve compromissos como o espetáculo Natal Luz, em Gramado e participou da Expointer, maior feira agropecuária da América Latina, em Esteio. Em Bagé, mesmo sendo flamenguista, fez questão de usar uma máscara do Guarany, time de futebol local.
No Sul, a direita está fragmentada entre pelo menos duas candidaturas ao governo estadual. Aliados do presidente Bolsonaro, o senador Luiz Carlos Heinze (PP) e o ministro Onyx Lorenzoni (PL) devem se enfrentar na disputa ao Palácio Piratini. O governador Eduardo Leite (PSDB) já anunciou que não vai se candidatar à reeleição.
Heinze procura um nome para compor com o PP na eleição para o Senado. De saída do partido, a ex-senadora Ana Amélia Lemos, hoje secretária do governo Leite, também deve estar na disputa. A relação entre Heinze e Ana Amélia ficou estremecida desde a eleição de 2018. Para que a ex-senadora fosse indicada como candidata a vice de Geraldo Alckmin na eleição presidencial, o PSDB exigiu que o PP apoiasse a candidatura de Leite. Heinze já havia lançado seu nome ao governo e foi forçado a aceitar o acordo, desistindo da candidatura para tentar uma vaga ao Senado. Apesar do apoio oficial do partido a Alckmin, o senador rapidamente aderiu à campanha de Bolsonaro, tendo Mourão como um de seus principais cabos eleitorais.
“Como o Mourão tem interesse em ser candidato, a ideia é que esteja na nossa chapa, até por ele estar no mesmo campo ideológico que o nosso”, afirmou Heinze ao Estadão. Ao longo do mês, Mourão vai encontrá-lo no Rio Grande do Sul para tratar de sua situação eleitoral. Para Heinze, o vice-presidente é o nome mais forte à direita na disputa ao Senado, mesmo enfrentando Ana Amélia e o senador Lasier Martins (Podemos), que deve tentar a reeleição.
Mourão pode ‘congestionar’ bolsonarismo no Rio
No Rio de Janeiro, Mourão pode “congestionar” várias candidaturas alinhadas ao bolsonarismo que devem tentar o Senado. O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) teriam pelo menos dois candidatos para apoiar: o senador Romário (PL), que deve disputar a reeleição, e o prefeito de Duque de Caxias, Washington Reis (MDB). O ex-senador Marcelo Crivella (Republicanos), que recebeu apoio ostensivo de Bolsonaro nas eleições de 2020 para a prefeitura do Rio, também cogita uma vaga ao Senado.
“Mourão sabe que a disputa ao Senado no Rio é uma briga de leão”, afirmou ao Estadão o presidente regional do PRTB, Antônio Carlos dos Santos. O dirigente se reúne a cada 15 dias com o vice-presidente, em Brasília, para analisar as condições políticas no Rio. Santos tem reorganizado o partido – que não possui nenhum prefeito no Estado – sob supervisão de Mourão.
Na disputa para o governo do Estado, Mourão esbarra na candidatura do governador Cláudio Castro (PL), que deve tentar a reeleição com o apoio de Bolsonaro e possui base eleitoral semelhante à do vice-presidente, mais alinhada à direita. Para evitar uma colisão, Castro encontrou-se com Mourão em novembro na casa de um amigo do vice. O governador expôs a situação da política regional e ouviu de Mourão que os dois estariam juntos na disputa, sem que o vice-presidente revelasse, no entanto, por qual cargo concorreria na eleição.
Santos admite a falta de musculatura da sigla caso Mourão não faça alianças e afirma manter conversas com representantes de legendas como MDB e PDT. “Não descartamos, inclusive, conversar com o governador Cláudio Castro. Estamos dialogando com todos os partidos”, afirmou o dirigente.
Falta de estrutura do PRTB dificulta planos do vice-presidente
Independentemente do cargo ou do Estado que concorrer, o principal problema para Mourão recai na falta de estrutura do PRTB nos dois Estados. No Rio Grande do Sul, a situação é mais grave, pois o partido não possui diretório desde o ano passado. Nas eleições de 2020, a legenda lançou diversas candidaturas no Estado, mas não conseguiu eleger nenhum prefeito, apesar do apoio ostensivo de Mourão. No Rio, o partido está longe de ser protagonista na política local, mas vem sendo reorganizado há um ano por Antônio Carlos dos Santos, que ocupou cargos no governo Witzel e atualmente é secretário de Ordem Pública em Itaguaí, na Baixada Fluminense. Ainda assim, também não possui prefeitos e conta apenas com um deputado estadual, Jalmir Júnior.
Com as dificuldades do partido de Mourão, outras siglas têm assediado o vice-presidente, que costuma dialogar com todos em Brasília. Nos últimos meses, emissários de partidos como PTB, Agir, Republicanos e União Brasil estiveram com Mourão. Em dezembro, a deputada Clarissa Garotinho (PROS-RJ) convidou o vice-presidente para ingressar no UB, para onde Clarissa deve migrar. “Sua experiência tem muito a agregar ao nosso Rio de Janeiro”, escreveu nas redes sociais. Para o presidente regional do PRTB, o interesse é natural: “Mourão é uma joia que qualquer partido gostaria de ter”.
Na metade de janeiro, Mourão esteve com representantes da executiva nacional do PRTB. Apesar dos problemas de estrutura, a avaliação interna é de que o vice-presidente seguirá no partido. “Nosso partido é um partido de direita, que não tem nenhum passado daqueles, tenebroso”, disse Mourão em vídeo postado nas redes sociais em novembro.
Neófito na política partidária, Mourão ingressou no PRTB em maio de 2018, a convite do então presidente da sigla, Levy Fidelix. Apesar da vitória de Bolsonaro na eleição presidencial, a presença do vice-presidente não se reverteu em resultados eleitorais para a legenda, que segue nanica. O PRTB não conseguiu nenhuma cadeira na Câmara dos Deputados e elegeu apenas cinco prefeitos em todo o País em 2020. Hoje é comandado por familiares de Fidelix, que morreu em abril do ano passado.