A partir de janeiro de 2021, o vereador mais presente no plenário da Câmara Municipal de São Paulo nos últimos 20 anos deixará de marcar seu nome no painel eletrônico, pedir um aparte nos discursos dos colegas ou mesmo atender a imprensa para relatar sua mais recente representação ao Ministério Público sobre questões, geralmente, de saúde e meio ambiente. Gilberto Natalini, hoje com 68 anos, deixará a política parlamentar.
A decisão de não disputar a reeleição foi anunciada nessa quarta-feira, 2, pelas redes sociais. Segundo o vereador, o tipo de política que ele pratica, baseada em ações coletivas de bem-estar social, não encontra mais eco na Câmara Municipal.
"Sou assim desde criança e vou morrer assim. A política tinha um pouco disso, mas esvaiu-se completamente. Mal tenho com quem conversar naquela Câmara. E nos partidos e nas lideranças. Os sonhos morreram. Espero que ressuscitem", disse.
Único representante do PV na atual legislatura – Reginaldo Tripoli elegeu-se pelo partido, mas migrou para o PSDB –, Natalini diz que viu colegas que dividem a mesma ideologia também optarem por continuar no ativismo, mas fora da vida pública.
"Muitas pessoas como eu deixaram a frente de batalha, como Fabio Feldman, Ricardo Young. Já Eduardo Jorge é pré-candidato do PV à Prefeitura. Ele é um dos que eu ainda converso."
A posição política adotada pelo vereador atualmente não ajuda – ele se diz oposição ao prefeito Bruno Covas (PSDB), ao governador João Doria (PSDB) e ao presidente Jair Bolsonaro –, mas não impediria uma vitória nas urnas, acredita.
"Faz tempo que estou pensando, meses ponderando, colocando na balança o que é bom pra mim e para meus apoiadores. Achei melhor parar por vários motivos. Não adianta querer forçar uma situação. A política e os partidos estão cada vez com menos ideias, menos sonhos. A atuação individual hoje é maior que a atuação coletiva. Isso vai desanimando a gente, fazendo a gente perder o pé", afirma.
Trajetória
Médico e cirurgião, especializado em gastroenterologia, Gilberto Natalini chegou à Câmara aos 48 anos com a bandeira da saúde, da proteção ambiental e da democracia, talvez esta, sim, sua maior luta. Quando jovem, foi integrante do antigo Partido Comunista. Durante a ditadura militar, chegou a viver na clandestinidade, mas foi preso e torturado em 1972 por oficiais da Forças Armadas.
Natalini participava de movimentos estudantis em São Paulo e ficou sob o poder de torturadores por dois meses. Um dos oficiais que o torturou foi o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, diversas vezes elogiado publicamente pelo presidente Bolsonaro, que o trata como "herói". Durante esse período, o hoje vereador perdeu parte da audição dos dois ouvidos em função dos choques elétricos que sofreu.
Mas o desânimo atual não tem, segundo ele, relação com a chegada da direita ao poder, mas sim com a degradação atual da política e o famoso toma lá, dá cá. "Nem sei como as pessoas hoje se dividem entre direita e esquerda. Baseadas em quê? O loteamento de cargos, esse troca a troca, aliança com o Centrão. É tudo igual. Sou contra o PT, sempre fui, e claro contra o governo Bolsonaro."
Nos últimos 20 anos, Natalini se licenciou da Câmara apenas para assumir cargos em gestões aliadas, como em 2005 e 2017. Na primeira passagem atuou como secretário municipal de participação e parcerias e na segunda, como chefe da pasta do Meio Ambiente do então prefeito João Doria, mas só por sete meses.
"Fui secretário quando ele (Doria) não me conhecia e ele me demitiu quando me conheceu. Sou o único caso de demissão por excesso de probidade", diz.
No Parlamento, diz Natalini, a prática do toma lá, dá cá é ainda mais aguda. "São esses os motivos do meu desânimo. Cansei de dar murro em ponta de faca. Trabalhei bastante, tenho uma produção muito grande (136 leis aprovadas e mais de 2 mil discursos, por exemplo) e não vou não me aposentar. Só deixar a política parlamentar."