O cientista político Luiz Felipe d’Avila atravessou a quinta-feira, 31, com uma certeza: neste País não se morre de tédio. Logo pela manhã soube da hipótese de o então governador João Doria (PSDB) permanecer no Palácio dos Bandeirantes. Pouco depois, chegava da campanha do ex-juiz Sérgio Moro a notícia de sua saída do Podemos e consequente desistência da corrida pelo Planalto. Os olhos de intérprete da realidade nacional se impunham às análises do pré-candidato do partido Novo. “A alta rejeição de Moro dificultava sua candidatura. E Doria sofre do mesmo mal.”
E o tucano tem ainda outro desafio: precisa pacificar o PSDB. Foi o que d’Avila fez no Novo antes do encontro nacional do partido, que lançará sua pré-candidatura à Presidência. É isso que lhe permite dizer que sua candidatura vai até o fim. “Não sou candidato a vice na chapa de ninguém.”
Ele agora se prepara para o maior de seus desafios: tentar convencer o eleitor a escolher a agenda do partido de reformas e privatizações para o País. Ele quer um regime único de Previdência Social para funcionários públicos e trabalhadores da iniciativa privada, transformar o Brasil em uma potência de carbono neutro por meio do reflorestamento de áreas degradadas e da migração para fontes renováveis de energia, privatizar todas as empresas e bancos estatais, investir no médico de família e mudar o perfil dos gastos de Defesa. Diante da polarização que ameaça dominar a eleição deste ano, d’Avila diz ter uma certeza: “O Brasil precisa de um pacificador.” Leia, a seguir, sua entrevista.
Que interpretação o senhor faz dos fatos que envolveram Sérgio Moro e João Doria. A terceira via está caminhando para onde?
Eu venho falando há um tempão que a terceira via antes de conseguir se unir, ela vai se fragmentar. Por que isso? Não tem a ver com os personagens, mas a ver com a natureza do jogo político. Os grande partidos têm como seuprincipal objetivo eleger o maior número de deputados federais porque deputado federal é o que traz recurso para os partidos: fundo partidário e fundo eleitoral. Pelas nossas estimativas, cada deputado eleito traz para o partido em torno de R$ 10 milhõespelos próximos quatro anos. O melhor retorno da política brasileira é eleger deputado federal. Quando você usa o fundo para eleger deputados federais a sua prioridade é eleição proporcional e não a majoritária. As candidaturas majoritárias só fazem sentido se a legenda puxa muito voto para a bancada. Isso acontece nas eleições para governo estadual, mas não acontece na eleição para presidente da República. Conforme vai chegando a data para a desincompatibilização vai aumentando a pressão interna no partido para que ele desista de candidaturas majoritárias, principalmente a presidencial, pois ela consome muito recurso e se não tem muita chance, ela não traz nenhuma benefício, pelo contrário, traz um péssimo resultado para o partido, pois ele poderia eleger mais deputados federais se tivesse mais recursos.Os candidatos vão desistindo e vão sobrar alguns atores e, em torno deles, tem de se tentar construir uma aliança em torno de propostas, pois os critérios de pesquisas são frágeis. Se o líder da pesquisa tem alta rejeição, ele tem pouca chance de crescer e pode inviabilizar o centro.
Esse era o problema do Moro?
Esses era o problema do Moro. Com aqueles 50% de rejeição, o teto para ele crescer era pequeno e acabava impedindo que os outros com rejeição menor pudessem subir. Apostas na menor rejeição em uma pessoa que tem 1% ou 2% é arriscado também, pois quem garante que esse candidato conseguirá chegar a um nível competitivo de 10 a 15%. O critério deve ser o de propostas, pois com elas vamos conseguir criar uma matriz onde há convergência e divergência. E o que mais falta na política hoje no Brasil é rumo, direção, um senso de prioridade para voltar a crescer, gerar rendae emprego, atrair investimento e resgatar a confiança no Brasil e a esperança nos brasileiros. Esse tecido não é uma coisa pessoal de um candidato, mas deve ser montado em torno das propostas ede um candidato com rejeição baixa e com potencial de crescimento.
A candidatura Moro não tinha futuro?
É muito difícil diminuir rejeição. A gente sabe disso em política. Você ser desconhecido e se tornar conhecido, tudo bem. Mas rejeição alta é um problema. E é o problema do Doria e é o problema do Moro. São dois candidatos da terceira via que têm umproblema difícil para enfrentar. A rejeição do João Doria no Estado de São Paulo é realmente algo que prejudica a candidatura acontecer.
Não é uma questão de traição a Doria, mas de sobrevivência das forças políticas que estão com ele?
Por causa disso. As pessoas têm de se eleger deputado federal e estadual. Aí vamos gastar uma fortuna em uma campanha presidencial que não decola. Isso vai prejudicar o número de deputados que o PSDB vai eleger. Vai reduzir a bancada? Reduzir a bancada é reduzir poder. Tem uma lógica interna do partido que a prioridade da eleição proporcional penaliza a eleição majoritária, que só é vantajosa quando puxa muito voto.
Eduardo Leite seria uma solução melhor pela rejeição?
O Eduardo Leite tem uma rejeição menor, mas o problema é: você vai implodir a legitimidade das prévias? O partido realizou as prévias. Como candidato o Eduardo Leite tem uma rejeição menor que o João Doria e um potencial de crescimento maior. Mas o problema é que o partido fez as prévias, os dois concorreram e um ganhou. O que você vai fazer? Vai cancelar? Eu vejo que a questão interna do PSDB é que venceu as prévias um candidato que tem alta rejeição.
É possível convencer o Doria a desistir?
(Risos) Essa é uma questão para o João Doria. É difícil, a gente sabe. Esse é o dilema que o PSDB vive hoje. Criou uma regra para selecionar o candidato. O candidato selecionado não decola e aí voce quer melar a regra. Aí não dá.
Os fatos não mostram para o eleitor uma terceira via instável? Até onde vai a terceira via? Ciro Gomes faz parte dela?
Vai passar a ideia de que estão reduzindo o número de players da terceira via. É a seleção natural, a depuração. Esses nomes vão diminuir e mostrar quem são os highlanders, quem vai sobreviver. O importante na terceira via hoje é a pacificação dos partidos. O João Doria está com um problema grande em seu partido hoje, que é a pacificação do partido.
Como está o Novo?
Na verdade, o único partido que conseguiu pacificar foi o novo porque nós fizemos esse trabalho desde o início: primeiro era trabalhar na pacificação do partido para ter uma candidatura competitiva. E foi o que fizemos nesses quatro, cinco meses. Enquanto todo mundo estava rifando a pré-candidatura do Novo, comoalgo que não era sólido ou para valer, nós estávamos quietos, intramuros: pacificando o partido, preparando as nominatas e recrutando pessoas. E hoje o partido está muito forte. Já temos cinco candidatos a governo estadual confirmados e podemos ter mais dois no processo. Teremos uma nominata completa, mais de 500 pessoas inscritas no processo de seleção de deputado estadual e federal e isso vai permitir ao partido superar seu primeiro desafio, que é ultrapassar a cláusula de barreira - precisamos eleger 11 deputados. Na última eleição tínhamos um candidato a governo do Estado, o (Romeu) Zema (governador de Minas), e agora vamos ter de 5 a 7, isso aumenta o poder do partido de mobilizar suas bases e montar nominatas melhores. Pacificar o partido é fundamental para ter cacife para discutircom a terceira via. Você discutir com partido rachado, você está discutindo com quem? Com a ala que apoia ou não apoia, a que vai sabotar ou não? Fica difícil. E os partidos ignoraram essa recomendação básica. É muito difícil conversar com um partido dividido. Isso é que enfraquece a terceira via, mais do que a divisão dos candidatos.
Segundo observadores, o processo de pacificação do Novo é um processo de amadurecimento do partido. Ele ficou mais com cara de partido do que comuma ONG?
Está certa a sua comparação. O novo nasceu quase como um movimento de cidadãos indignados com a política, querendo mudá-la e adotar uma agenda liberal. Ninguém tinha experiência política. Agora passou um ciclo que o Novo tem um governador, um prefeito e 45 mandatários, entre vereadores, deputados estaduais e federais com banho de realismo da política evidentemente faz com que o partido amadureça e reveja algumas regras que pareciam importantes ou imaturas.
O uso dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral pode ser revisto pelo Novo?
Por enquanto não, por duas razões. Noventa e cinco por cento da população é contra e apoia o Novo. A segunda coisa importante é que o Novo faz campanhas enxutas e baratas, o fundo partidário não faz diferença, não é isso que vai mudar nada. Se usássemos o Fundo Eleitoral não íamos dobrar, triplicar a bancada.
Mas não há pressão do governador Zema?
Não. O Zema tem uma candidatura com bastante respaldo. A pressão do Zema e com razão nisso era para rever a questão das coligações nas eleições majoritárias. Ele estava certo. O sujeito é governador. Olha a dificuldade que o Zema passou nesses quatro anos com dois deputados do Novo na Assembleia Legislativa. Poderia ter tido menos a dificuldade e avançado mais em matérias importantes se tivesse um grupo majoritário na Assembleia Legislativa. Fazer aliança na eleição majoritária é fundamental, não só para garantir a governabilidade no próximo mandato, mas para acelerar as reformas que precisavam ser feitas. Isso é maturidade política, mas a utilização do Fundo Partidário não é. Além de ele ser uma aberração que custa R$ 5 bilhões quando o Brasil gastou R$ 670 milhões para vacinar todo mundo na pandemia. Há coisas melhores para usar o dinheiro do contribuinte do que campanhas eleitorais, ainda mais no Brasil que vive uma crise econômica e social gravíssima. O segundo pontoé que o fundo partidário ajuda a oligarquizar a política ainda mais, pois como ele é usado de maneira arbitrária pelos donos do partidos, eles determinam quem será eleito ou não, pois se eu colocar um milhão na sua campanha e cem mil na minha você vai se eleger e eu não. Não é algo que estimula a democratização da política. Pelo contrário, o que é muito ruim para o País. É imoral pelo valor e é péssimo como instrumento de perpetuação de oligarquias partidárias.
Não há oposição interna em relação a isso?
Não.
O senhor disse que queria que sua candidatura fosse um instrumento para a união do centro democrático. Desse ponto de vista, a candidatura segue de pé até outubro?
Sim e por uma razão muito simples: o Brasil está polarizado. Nessa briga já temos duas figuras: Lula e Bolsonaro. O que o Brasil precisa é de um pacificador, alguém para pacificar o País, restaurar o diálogo, a confiança, o respeito e o entendimento. E isso não está sendo feito pelas candidaturas de centro. E eu sou a voz que representa isso.
Sem philia não é possível fazer política?
Não dá. Um ataca o Moro, o outro ataca o Bolsonaro. Continua-se a polarização na terceira via e não é o que o Brasil precisa. O País precisa de alguém para pacificar o País. Sem confiança não há investimento e sem este não há crescimento econômico e aumento da renda. Portanto, o Brasil vai continuar no buraco em que está. Hoje a percepção interessante - e eu ando pelo Brasil conversando com as pessoas - é que a polarização piorou a vida do cidadão. As pessoas dizem: tinha três pessoas que trabalhavam na minha casa e hoje só uma trabalha, a renda caiu e o pouco da renda que sobrou eu vou ao supermercado e a inflação está comendo a renda. Há uma percepção de que a minha vida piorou por causa da polarização. Se o brasileiro quer alguém para pacificar o País não me parece que haverá espaço para duas candidaturas que representam a polarização. Temos de construir essa alternativa e é nisso que a candidatura do Novo se diferencia dos demais candidatos da terceira via.
O senhor fala em diálogo, entendimento, que é uma postura, uma ética para se fazer política e ela passa igualdade da cidadania. Como garantir essa igualdade da cidadania em um país tão desigual como o Brasil?
O que causa desigualdade, pobreza e miséria no País são duas coisas que temos em abundância: governo populista e corrupção. Todo país que tem essas três coisas é porque tem um governo populista ou corrupção ou as duas coisas juntas. E o Brasil é o exemplo cristalino disso. A redução da desigualdade não se dará com mais populismo ou atalhos da corrupção. É com duas coisas que estão faltando ao governo: caráter e liderança.Caráter, pessoas comprometidas com a ética pública, com o senso de dever público e servir o que o Brasil quer, a democracia, a liberdade e o livre mercador. E a lideranças, que é a capacidade de articular um time de técnicos competentes e articulação política para fazer com que as coisas sejam aprovadas. Como se reduz a desigualdade no mundo? A fórmula está dada. Somente a candidatura do Novo é que apresenta a solução concreta para esse problema. A primeira coisa é com a abertura econômica. Nenhum país do mundo diminuiu a miséria com uma economia fechada. O Brasil tem a segunda economia mais fechada do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Até a China, que é um país comunista, entendeu que para tirar 800 milhões de chineses da pobreza precisava se tornar um grande player no comércio internacional e foi justamente assim que a China conseguiu crescer ao ritmo de 8%, 10% ao ano durante tantas décadas e permitiu tirar as pessoas da pobreza. O Brasil hoje parece mais a Coreia do Norte do que a China de tão fechado que é. E para abrir a economia teremos de enfrentar a resistência do que eu chamo de Centrão empresarial. O Centrão empresarial é um grupo de empresários que não quer saber de competição de mercado e abertura econômica, quer sugar mais privilégio, reserva de mercado e subsídio do governo. Precisa ter uma pessoa com coragem e liderança para enfrentar isso. Precisamos de um governo que apoie o outro grupo, o dos empresários e empreendedores e dos trabalhadores que querem abrir a economia e competir internacionalmente e entendem que essa é a forma de gerar riqueza pelo aumento da produtividade brasileira. Essa abertura tem de ser feita com os aprendizados do Plano Real, de forma gradual e com os anúncios feitos antecipadamente para que as pessoas se adaptem ao novo contexto. A segunda coisa importante nessa agenda é que vai colocar a pressão do setor privado para o Congresso votar as reformas que estão paradas há muito no Parlamento: a reforma trabalhista, a tributária e a administrativa. Porque, se essas reformas não forem aprovadas e a economia abrir, eles quebram. Essa á pauta de modernização do Brasil. Não será com os partidos que defendem o corporativismo do estado e muito menos com os partido da esquerda que vamos avançar com essa pauta.
Recentemente o senhor articulou a redução da desigualdade com a questão ambiental. Qual é o papel do Estado nessa área?
A questão do meio ambiente tem de ser resolvida com mais mercado e mais Estado. Mais mercado porque os investidores privados decidiram que mais de 50 trilhões de dólares em investimento têm o carimbo do ESG, ou você respeita o social, o ambiental e governança ou não vai ter dinheiro. Não vai ter dinheiro para nós investirmos em saneamento básico e melhorias das estradas. Precisamos nos adequar a isso. O que precisa mais Estado é para combater o desmatamento; é Estado não é o mercado que vai resolver o desmatamento. E pra isso vamos ter de fazer três coisas: transformar o Brasil na maior potencia ambiental do século 21. Se o petróleo foi a fonte de riqueza dos países do século 20, a maior fonte de riqueza do século 21 será fixação de carbono e o mundo está indo para um mundo de baixo carbono e está disposto a pagar por isso. Não só o mercado, como também os Estados têm meta de reduzir isso até 2050. O Brasil é a superpotência ambiental, pois nós temos capacidade de fixar 50% do carbono do mundo e de um jeito que nenhum outro país pode fazer, que plantando árvore em terras degradadas, em 3 milhões de hectares como forma de garantir emprego e renda. É preciso ter embargo automático de terra onde teve queimada. Tem de quebrar a cadeia do sujeito que desmata, espera um tempo e tem conluio com cartório local e começa a empurrarali o gado e depois a soja. Temos o melhor Código Florestal do mundo, mas precisa implementar isso. Ele precisa valer. E, por fim, é preciso implementar o mercado de carbono. A ideia é taxar a Petrobras, única empresa de energia fóssil que não é taxada, para criar os green bonds brasileiros. Com eles nós vamos financiar um programa com um milhão de pequenos proprietários, pessoas que têm de um a dez hectares de terra para plantar árvores. É um programa de escala, o que é importante para fazer as regras valerem e ter toda a parte de certificação. Se isso ocorrer, eles vão receber uma renda anual de R$ 500 por hectare. A renda recorrente tem de provar que as coisas estão lá. Você organiza o mercado e faz umprograma social. E, tendo um milhão de pessoas participando, o resto o mercado toma conta e vai criar fundos específicos e investimentos próprios.
O senhor diz que a terceira via tem de se conectar com o povo. O senhor pretende manter programas como o Auxílio Brasil?
Os programas seriam mantidos, mas é preciso aprimorá-los. É o que eu chamo de focalização do programa. Esse conceito é difundido pelo Ricardo Paes de Barros e é o jeito correto de se fazer uma política pública. temos de focar nos mais pobres e, geralmente, os mais pobres são mulheres com crianças. Esse é o programa que tem de melhorar.O maior retorno social do investimento é com mulheres e crianças pequenas. Precisa ter porta de saída dos programas para as pessoas não ficarem viciadas no programa. Dar 400 reais para qualquer pessoa não é um programadesenhado para resolver pobreza, pois se fosse você teria de dar 400 reais para uma mãe com duas crianças pequenas e 200 reais para um cara solteiro. Isso é focalização. Não é distribuir dinheiro de helicóptero. Esse é o critério que vai balizar nosso programa, mas sabemos que o maior programa social que existe é o crescimento econômico, pois ele tira a pessoa da pobreza pelos seus próprios méritos, por ter emprego e ter sua renda. Ele não vai acontecer com governos populistas. E depois é necessário resolver o problema da fome. O Brasil desperdiça hoje 30% da safra entre o transporte da fazenda ao supermercado, isso significa 55 milhões de toneladas de alimento por ano. Se reduzirmos 10% - cinco milhões de toneladas -, teríamos comida para alimentar o Brasil inteiro. Precisamos de competência na gestão pública para reduzir esse desperdício. É preciso melhorar as estradas. Não temos silos suficientes no Brasil para armazenar nossa safra. Precisamos ter embalagens melhores. Não é preciso de mágica ou cair na mentira dos populistas de que é preciso taxar mais o rico ou ter mais comida gratuita. Nada disso. Se você dá renda permanente com programas e emprego e resolve a fome combatendo desperdício, está resolvido o problema social. O resto deixa que o mercado toma conta e as pessoas vão poder desenvolver a sua própria competência e talento.
O senhor privatizaria a Petrobras?
Certamente nós vamos enquadrar todas as estatais no programa de desestatização que já existe. Precisa vender tudo. Olha a Petrobras, que absurdo. O Brasil tem uma empresa que produz petróleo, uma commodity que cada vez menos o mundo quer usar, cada vez taxa mais e perde valor e o mundo está indo para a energia renovável. Ter uma empresa petrolífera é como ter um carro que vai sair de linha de uma montadora. Cada ano ele vai valer menos, pois ninguém quer comprar aquele carro. Enquanto tem um valor de mercado percebido, o melhor é vender. O que nós queremos fazer é constituir um fundo com o dinheiro da privatização para investir parte em programa social e parte em pesquisa e desenvolvimento, algo que o Brasil abandonou há muito tempo e é fundamental para o País produzir bens de maior valor agregado e outras áreas prioritárias, como energia renovável. O Brasil será o maior exportador de energia renovável no mundo.
Dentro da agenda liberal, como fica o Sistema Único de Saúde?
Temos de melhorá-lo. Somos favorável ao SUS. É algo que funciona.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga chamou atenção recentemente para a importância do médico de família, que é um tipo de saúde que gasta muito menose é do tamanho do bolso do Brasil. Como o senhor analisa esse raciocínio do Armínio?
Ele é correto e nós apoiamos ele integralmente. Você precisa no SUS fazer duas coisas: melhorar a coordenação do governo federal com os Estados e municípios, que esse governo politizou de jeito desastroso na pandemia. Hoje o gargalo do Brasil é a saúde terciária. Então nós temos de resolver a saúde primária e secundária. A primária é o médico da família, que é algo extremamente importante. Só que para o Brasil reduzir as filas na saúde secundária e terciária, o que o Brasil precisa fazer? Precisamos de mais digitalização, tecnologia. Se o prontuário do médico de família estivesse ali com tudo descrito de seus pacientes, você pode antecipar problemas de obesidade e de saúde básica das crianças e ter um histórico e quando aquela pessoa tiver alguma crise, ela vai para a secundária e lá estará todo o seu prontuário, com o que foi feito, seu tratamento, e aí você vai desafogando a terciária. A saúde terciária é quando você falhou na prevenção. Não precisa de mais Albert Einstein. O que você precisa é de mais saúde primária e secundária para evitar que a terciária seja congestionada. E quanto mais idosa é um população, a medicina preventiva elaé vital para desafogar o custo de saúde. Endosso plenamente o plano do Armínio. É exatamente o jeito que tem de fazer. Por fim, o SUS não é um programa estatal. É um programa público com parceria privada, pois as OSs são entidades privadas, regidas pela regra privada, dá para demitir um médico incompetente e não pagar se não cumprir os contratos. E é preciso melhorar as tarifas do SUS. É ridículo o que o SUS paga às Santas Casas, que têm um papel fundamental na saúde primária e secundária. O que este plano tem a ver com uma visão liberal? É que o que vai melhorar a qualidade do serviço é o aumento das parcerias público-privadas. Tudo que dá certo no Brasil é parceria público-privada. E temos de descentralizar o poder; fazer com que os testes das políticas públicas sejam feitos nos Estados e municípios para saber o que funciona e o que não funciona. O Brasil precisa aprender mais com o Brasil, aprender com a cidade, o Estado que dá certo. Esse aprendizado não existe pela pequenez política, porque um presidente da República não quer dar crédito a alguém que fez algo certo na base. Perdemos a continuidade de boas políticas públicas a despeito de partido e governo. Essa visão só vai existir se você descentralizar o poder.
No caso da educação o governo federal tem uma rede de universidades grande e uma dos temas que sempre volta a respeito das universidades públicas é a cobrança de mensalidade. O senhor acredita que isso deve ocorrer?
A meu ver, o estudante que pode pagar deve pagar. É dar a sua parte de volta ao Estado. Se o Estado te educou bem e você conseguiu chegar a uma universidade você tem dinheiro, você tem de contribuir para ajudar a quem precisa. Há jovens que precisam de transporte e alimentação. Na federais temos de fazer um programa rigoroso de avaliação dos programas para evitar desperdício de dinheiro público. Manter programas mal avaliados em uma universidade é queimar dinheiro do contribuinte. Não está melhorando a educação do País nem servindo a pessoa que vai ser formada, pois ela não vai conseguir emprego em nada. Precisamos ter avaliação plena. Precisamos ir além: avaliar todos os subsídios do orçamento, todo o gastopúblico precisa passar pelo escrutínio de uma avaliação rigorosa, se isso está mudando ou não a vida das pessoas, se está mudando a qualidade do serviço ou não e o que não estiver funcionando precisa acabar.
É suficiente a reforma da Previdência que foi feita pelo presidente Jair Bolsonaro ou o senhor pretende mudar novamente a Previdência? Pretende manter o atual sistema de repartição até um determinado teto, acima do qual seria necessário ao contribuinte procurar o sistema de capitalização e unificar os regimes de aposentadoria da previdência público e privado existentes com regras iguais para todos?
Não existe um modelo correto. Precisamos entender qual o problema do Brasil hoje. Apesar da reforma da Previdência, o gasto com ela está crescendo a 12% ao ano e a economia a 1%. Vai estourar daqui a pouco de novo. A reforma não foi suficiente para travar a curva de crescimento da Previdência. E 12% teríamos de crescer uma China por ano. É preciso resolver essa questão e o princípio do partido Novo é voltar ao básico do liberalismo e do Estado de direito: a lei é igual para todos. Tem de ter um regime previdenciário igual para todo mundo. Para o trabalhador da iniciativa privada, para o servidor público. Tudo o quevocê quiser a mais ela é complementar e você terá de pôr dinheiro do bolso. Não tem outro jeito. É assim no mundo inteiro. Toda lei no Brasil é genérica e temos os artigos que criam as exceções. Nós precisamos ter uma regra de previdência que valha para todos os brasileiros: juízes, militares, trabalhadores, empreendedores, todo mundo. E esse é evidentemente um regime modesto e qualquer outro regime você terá de bancar. Se vai ser com a empresa ou com o Estado e o cidadão, nós temos de estudar o modelo. Mas o que não pode é criar feudos de privilégio de aposentadoria. O Brasil precisa ter uma lei igual para todos. É princípio básico para resolver as distorções criadas por um Estado corporativista e clientelista. Acabar com privilégio é fundamental para termos a verdadeira democracia no País e isso o partido Novo vai enfrentar.
Como combater a corrupção sem a padronização de compras no setor público. Que outras medidas concretas o senhor acredita que podem ser tomadas na administração para acender a luz quando algo está fora do lugar?
A primeira coisa: é preciso uma revisão da Lei 8.666 (Lei das Licitações). Ela foi feita para diminuir a corrupção e melhorar a eficiência da coisa pública. As duas coisas não aconteceram.A lei engessou de tal sorteque para comprar um lápis ou fazer a licitação de uma estrada é a mesma lei. Não faz o menor sentido.Outra coisa é que você não consegue comprar as coisas que funcionam, já testadas pelo mercado e por outros governos. Programas de alfabetização existem dezenas comprovados no mundo inteiro, mas o governo municipal que quer comprar essa solução não pode fazê-lo. Está errado. A segunda coisa que precisamos fazer é aprovar a reforma administrativa, que tem um ponto importantíssimo: se você passa a valorizar os bons servidores públicos, com a avaliação de desempenho, na hora que tiver bons servidores e eliminar os ruins, é preciso dar mais autonomia ao servidor público em vez de criminalizá-lo. Se você usar mal a autonomia, você será mal avaliado e afastado do serviço público. É preciso a mudança legal e mudar a atitude do servidor. Assim conseguiremos combater a corrupção nas compras públicas e fazer a melhor compra.
Isso passa pela digitalização dos processos?
Ela é importante. Eu chamo de e empoderamento do cidadão. A hora que ele puder avaliar a política pública, marcar suas consultas médicas pelo aplicativo, saber o boletim do seu filho e a avaliação do professor de seu filho, ter todos os seus documentos, isso vai melhorar muito a vida do cidadão e vai permitir avaliar os bons e os ruins do serviço público. O governo Bolsonaro começou com isso, mas é preciso avançar mais.E aí precisamos aumentar a segurança do sistema. Na pandemia, o sistema da saúde ficou 15 dias fora do ar por causa de ataques de hacker. Nossos programas de segurança são frágeis. É preciso aumentar a segurança na transmissão de dados no Brasil.
O 31 de Março tem algum significado para a República?
O 31 de Março virou uma efeméride que é muito importante não perdemos a memória do que ele foi. O 31 de março no Brasil foi o fim da democracia, de uma democracia que estava doente. E que pode acontecer de novo. Se tivermos mais um ciclo de populistas, nós não vamos colocar em risco apenas a questão econômica e social, vamoscolocar em risco a questão institucional. O Brasil está vivendo em2022 o equivalente a 1963: ou nós tomamos juízo, fortalecemos a democracia, elegendo um presidente comprometido com a defesa da democracia ou nós vamos ter um episódio à la João Goulart, que pode descambar para o fim da democracia. A democracia no Brasil está em risco. Se quisermos lembrar o 31 de Março, a questão mais importante é saber o que ocorreu para desembocar no 31 de Março. Isso é a questão mais importante para entender o momento em que vivemos.
O mundo foi confrontado recentemente com a volta da guerra à Europa, a Alemanha a rever seus gastos com defesa. Essa discussão veio ao Brasil. Não há como garantir a soberania sem instrumentos de dissuasão para deter ameaças. Como garantir isso com a indústria nacional de defesa em crise? Como ele pode tentar garantir a continuidade de projetos como o míssil de cruzeiro e o submarino nuclear?
Política de defesa não se improvisa. Você não pode lembrar que você precisa dela quando estoura um conflito. Ela deve ser uma política de Estado e deve ser tratada como forma permanente. Isso significa que a Defesa precisa ter uma dotação orçamentária permanente e não pode estar sujeita a cortes de investimento como ocorre hoje. Não dá para começar a desenvolver um submarino nuclear e dizer que neste ano não tem dinheiro. É preciso ter continuidade orçamentária. Por isso eu sou a favor de dedicarmos 2% do orçamento à defesa nacional. Isso é fundamental para seus projetos. O que a Defesa faz hoje de ruim é não conseguir vender para a população a sua importância para o Brasil. A integração de informação da Defesa com a Polícia Federal é fundamental para a nossa segurança territorial.
É preciso rever o tipo de gasto em Defesa, hoje muito concentrado com pessoal?
Exatamente. Esse orçamento deve ser usado para ciência, tecnologia e investimento que nós vamos justificar como eles serão aproveitados pela iniciativa privada.O Ronald Reagan criou o famoso Guerra nas Estrelas que todo mundo gozava o Reagan por isso. Mas o investimento brutal causou um salto tecnológico em pesquisa e desenvolvimento que transbordou para a iniciativa privada. Houve um benefício que transbordou para o progresso, para a economia e da eficiência do mercado e democratização da tecnologia. A defesa vai muito além da guerra clássica. Há as operações de garantia de lei e ordem, a guerra cibernética e o terrorismo internacional. Quanto à questão do gasto em salário, voltamos à questão da Previdência. precisamos ter uma regra única para todos. Não podemos criar feudos de privilégios. Nem nas Forças Armadas, nem no Judiciário. Não podemos ter o Judiciário mais carodo mundo, com 1,4% do PIB brasileiro. Isso é inaceitável em um país desigual.
O governo está empenhado em aumentar o tipo penal do terrorismo para incluir ações violentas por motivações político e social. Governos autoritários não têm dificuldade em encontrar provocadores para criar violência em protestos da oposição, como na Venezuela.O senhor apoiaria esse tipo de mudança legal?
Isso não tem nada a ver com terror. Isso tem a ver com a segurança pública, tem de ser preso. Muito mais grave é biopirataria, as pessoas roubando coisas da Amazônia para levar embora. Esse é o tipo de coisa que machuca o País e precisamos combater. Não é o terrorismo do século 19. Esse é um governo que tem a mania de olhar pro retrovisorquando a tendência está em outro lugar. A biopirataria é muito mais prejudicial ao País. Isso daí é o cara cometeu alguma coisa fora da lei, ele tem de ser preso e não inventar isso como defesa, como lei de segurança nacional. Isso aí são os cacoetes autoritários desse governo.
O senhor não é candidato a vice-presidente de nenhum outro candidato? O senhor pode garantir isso?
Posso garantir por uma razão muito simples: ninguém quer fazer coligação com o Novo, pois o Novo não pode usar Fundo Partidário. É por uma razão econômica. Quer ser aliado do Novo? Não vai poder usar fundo partidário ou eleitoral. Então ninguém quer. Não é por arrogância nossa. É porque as pessoas não aceitam nossas regras e condições. Além da candidatura pra valer, ninguém quer fazer aliança conosco.
Há um cenário que se desenha hoje que seria um segundo turno entre Lula e Bolsonaro.. O desejo de ter um candidato ali da terceira via seria uma coisa e a realidade parece caminhar em outro sentido, da manutenção da polarização. É isso que explica a decisão do ex-governador Geraldo Alckmin de se ligar a uma das candidaturas?
Em um dosúltimos artigos que escrevi para o Estadão, eu disse que a pior coisa aq ue você pode fazer em uma democracia é a escolhado mal menor.
A Hannah Arendt fala isso...
Sim. E você acaba rapidamente esquecendo, como ela disse, que você escolheu o mal. Escolhas de mal menor é que faz o Brasil estar onde está hoje, com o populismo e um País cada vez mais desigual e da economia estagnada com recorde de desemprego. Insistir que votar no mal menor, apoiar o mal menor , você vai tiraro atoleiro que esses políticos nos colocaram, é a velha tese do Einsteinde que fazendo as mesmas coisas e esperar resultados diferentes não vai acontecer. E é o que está acontecendo no Brasil hoje. A meu ver é a aposta errada. Nós estamos em uma fase d apolítica brasileira que você precisa acreditar em princípios e valores. Nós precisamos alvar a democracia, salvar a economiade mercado e resolver a questão da desigualdade e a pobreza do Brasil. Para fazer essas três coisas, com as fórmulas apresentadas pelos dois populistas não vai acontecer . É uma ilusão. O pragmatismo político acaba prejudicando a visão das reais prioridade do país. Se tiver esses dois, nós vamos estar na trincheira da oposição defendendo a democracia e a liberdade. E a trincheira será no Legislativo, nos governos estaduais, na imprensa livre, na sociedade civil, nós vamos estar ali evitando que haja a derrocada da democracia por uma mistura de conivência com o mal menor, omissão do cidadãoe a total desarticulação de uma oposição construtiva na defesa da democracia. E, a meu ver, a atitude do Geraldo achando que o Lula é o mal menor é um erro para uma pessoa que teve uma história construída na defesa da democracia, das instituições e da ética pública. Um erro por se associar a uma pessoa e ao partidoque sempre votaram contra as reformas modernizadoras do Estado e foi o autor do maior escândalo de corrupção da história do Brasil. Por fim, foi o responsável por eleger a presidente mais inepta da história do País, que nos deixou a maior recessão da história, um recorde de desemprego e miséria. Achar que esse partido e esse líder podem melhorar o Brasil, a democracia, a economia de mercado e combater as desigualdades, é um contrassenso. Quanto mais grave o momento, mais importante você ser fiel aos valores e princípios, porque são eles que vão nortear suas escolhas para fugir da armadilha do m al menor, que já se comprovou ser um desastre para o País.