STF julga nesta quarta ação que questiona aumento do fundo eleitoral


Organizações da sociedade civil e partido Novo argumentam que há irregularidades constitucionais na definição do valor do 'fundão' no Congresso; Câmara e Senado negam

Por Gustavo Queiroz
Atualização:

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 16, uma ação do partido Novo que considera inconstitucional os R$ 4,9 bilhões destinados ao fundo eleitoral deste ano. A legenda argumenta que o Congresso teria cometido um “vício de iniciativa” e invadido competências do Executivo ao definir o novo valor para os repasses, mais que o dobro do executado nas últimas eleições. 

O Novo também questiona a mudança do cálculo do fundo eleitoral estabelecido em 2017. Segundo a sigla, o Congresso teria aprovado um novo modelo de forma unilateral, sem indicar com clareza a fonte dos recursos para custear a despesa.

STF julga nesta quarta ação que questiona aumento do fundo eleitoral. Foto: Dida Sampaio
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Se o STF considerar legal a tramitação do chamado “fundão”, esse será o maior volume já destinado a campanhas na história. O novo montante foi estabelecido após o Congresso aprovar uma alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que turbinou o teto previsto para essa despesa, alcançando R$ 5,7 bilhões. 

Caso o plenário forme maioria para acatar a ação, o montante pode ser reduzido a R$ 2,1 bilhões. Esse valor foi proposto pelo governo após o presidente Jair Bolsonaro vetar o aumento aprovado pelo Congresso. A Casa, porém, derrubou o veto e concordou em liberar R$ 4,9 bilhões para as campanhas deste ano na Lei Orçamentária Anual (LOA). O relator estreante da ação no STF, ministro André Mendonça, decidiu levar a decisão final ao colegiado. 

O Novo acredita que a mudança foi discricionária e questiona a derrubada do veto. O presidente do partido, Eduardo Ribeiro, defende que o máximo que poderia ser feito, agora, seria replicar o cálculo dos últimos anos com uma correção inflacionária. “Mais do que isso seria deturpado da realidade”, afirmou, em alusão ao cenário orçamentário e fiscal do País. 

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Ribeiro também acredita que, se o STF não acatar a ação, haverá uma abertura de precedente para um aumento regular do fundo ano a ano, o que, defende, leva a uma concentração de poder na mão dos caciques partidários, ao encarecimento das campanhas e à diminuição das doações de pessoas físicas.

“A partir do momento em que você tem muito recurso para as campanhas políticas, elas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística, tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias”, disse. “Porque os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos.”

Na Corte, 149 organizações da sociedade civil pediram para entrar como partes interessadas na ação - em sua maioria, associações comerciais de Santa Catarina. Até agora, três delas tiveram seu pedido para atuar como Amicus Curiae homologado por Mendonça: o movimento suprapartidário Livres, a organização sem fins lucrativos Transparência Eleitoral Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Todas serão ouvidas em plenário.

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Organizações

Diretor do MCCE, Luciano Santos defende que a decisão do Supremo será crucial porque o entendimento vai definir a forma com que o orçamento se estabelecerá no futuro. 

“A expectativa é que o Supremo possa analisar com o rigor devido, com razoabilidade necessária para evitar excessos (na distribuição do fundo)”, afirmou. A organização foi uma das responsáveis por, junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedir o fim da participação de empresas nas doações eleitorais em 2015.

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O MCCE discute agora o que Santos chama de “vícios, erros e atropelos na forma de aprovação” do novo fundo eleitoral; entre eles, o modo de se calcular o montante e a origem dos recursos. Santos também destaca que paralelo aos supostos erros procedimentais levados ao STF está a discussão sobre a conveniência do fundo turbinado. 

“O momento que nós vivemos, a crise econômica, a pandemia, os 14 milhões de desempregados. Não tem o menor sentido fazermos um aumento desse tamanho de fundo eleitoral. Não é conveniente nem oportuno”, disse.

O consultor jurídico da Associação Livres, Irapuã Santana, corrobora o entendimento de que o procedimento não foi respeitado e reclama, ainda, do calendário apertado de votação do projeto de lei. 

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O Livres já havia entrado com um mandado de segurança na ocasião da aprovação da LDO por entender que o prazo de deliberação da nova norma orçamentária não foi “razoável”. Na ocasião, Senado e Câmara aprovaram mais de 2 mil emendas em um só dia. 

“A questão foi que não tinha tempo hábil para ocorrer uma deliberação a respeito de uma mudança tão importante dentro do nosso sistema eleitoral”, aponta Santana. Ele alega, ainda, que minorias parlamentares não foram ouvidas, e que o regimento interno do Congresso e a Constituição foram feridos pela falta de espaço de discussão na votação.

A coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, ressalta que a organização irá defender em plenário que as verbas de campanha não podem ser aumentadas de forma discricionária. 

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“O Fundo Eleitoral é importante e não deve ser um elemento que desequilibre a competição eleitoral. Neste caso, concordamos com o argumento de que a competência sobre o valor é do Executivo, que é o responsável pelo equilíbrio das contas públicas”, afirmou ao Estadão. 

O temor dos representantes é que o fundo escale indefinidamente. Santos lembra que no modelo de financiamento privado a receita total de campanha deu saltos em cada eleição. Após a proibição da participação empresarial, o padrão mudou. “Ficou evidente que é possível fazer campanha com gastos módicos. O próprio presidente foi eleito com gasto muito ínfimo”, lembra o diretor do MCCE. 

Defesa

Consultados por Mendonça, Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pediram a rejeição da proposta do Novo.

O presidente da Câmara defendeu que a fonte de recursos utilizada foi indicada, que a adição de um dispositivo sobre o método de cálculo é “completamente condizente” com a prerrogativa parlamentar e acusou o Novo de “judicializar e criminalizar a política”. 

Já Pacheco escreveu que “não há vício de iniciativa de nenhuma espécie” e pontuou que a nova norma não acarreta aumento de despesa. Segundo ele, a eventual elevação do valor do fundo será deduzida do montante reservado às emendas de bancadas das unidades da federação. 

“O acréscimo de nova disposição acerca do método de cálculo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ora impugnado, é perfeitamente compatível com o poder de emendamento parlamentar e com o objeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, escreveu.

Em resposta, a Advocacia-Geral da União mostrou que Bolsonaro mudou de entendimento sobre o caso e deixou de considerar inconstitucional o aumento do fundo.

“A forma de distribuição dos recursos, por sua vez, guarda uma métrica objetiva e legalmente prevista, de modo que adotar a premissa de que quanto maior o valor for destinado para as campanhas, maior será o desvio de finalidade seria, por si só, um equívoco”, sustentou a AGU.

Também a Procuradoria-Geral da República se manifestou e disse que desde que observada a compatibilidade com o plano plurianual, os parlamentares podem apresentar emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias. 

Tramitação

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o fundo eleitoral, foi instituído em 2017 após decisão do STF, que tomou como inconstitucional o financiamento privado de campanhas. No ano seguinte, as eleições já passaram a contar com custeio da União, partindo de valores definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para 2022, a estratégia dos parlamentares para engordar o “fundão” foi incidir sobre a LDO, propondo um cálculo com base em 25% do orçamento da própria Justiça Eleitoral de 2021 e na verba proposta pelo Executivo em 2022. Além de uma estimativa de arrecadação oriunda do fim da propaganda partidária no rádio e na TV. 

O presidente Jair Bolsonaro vetou o montante e, seguindo orientação do Ministério da Economia, propôs a distribuição de R$ 2,1 bilhões aos partidos. Nos pleitos anteriores, o chamado "fundão" destinou R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

Na prática, o valor proposto pelo governo se aproximava ao de uma correção inflacionária das verbas passadas.

O veto, contudo, foi derrubado pelo Congresso. Como o Estadão/Broadcast Político mostrou, durante a aprovação do Orçamento de 2022, técnicos do Legislativo apontaram que a verba da propaganda partidária, calculada em R$ 800 milhões, já estava incorporada no orçamento da Justiça Eleitoral e a Comissão Mista de Orçamento estabeleceu um valor final de R$ 4,9 bilhões para o fundão, consolidado na LOA deste ano. 

Confira a entrevista com Eduardo Ribeiro, presidente do Novo, partido autor da ação no Supremo:

O STF vai julgar a constitucionalidade do aumento do fundo eleitoral. Quais são os argumentos do Novo para pedir a anulação do artigo que permitiu aumentar o montante distribuído?

Nosso principal argumento é que o Congresso usurpou uma competência que é do Executivo, que é propor o Orçamento, e ao mudar o cálculo do fundo eleitoral sem nenhuma previsão legal para isso eles acabam influindo em inconstitucionalidade. A fórmula do cálculo já foi definida em 2017, tanto que valeu para 2018, foi corrigida pela inflação em 2020. Deveria ser corrigida pela inflação em 2022. Essa é a lógica. Eles inventaram uma fórmula nova sem uma lei para isso. 

Onde estaria o “vício de iniciativa” no procedimento tomado pelo Congresso?

Tanto a LDO quanto a LOA são prerrogativas do Executivo, o Executivo que tem que propor. Não pode vir do Congresso. O Congresso extrapolou seus limites nesse caso. 

A sigla argumenta que a matéria foi votada de forma atropelada no Congresso. Isso também é questionado no processo de validação do PLDO?

É praxe que essas questões mais polêmicas sejam votadas a toque de caixa, porque as negociações são feitas fora do parlamento. Quando vem o projeto pronto já é para ser votado, não dá tempo de ser discutido, a sociedade não consegue se mobilizar e é aprovado. Foi assim na aprovação em junho da LDO, e no final do ano na LOA. Bolsonaro chegou a vetar esse aumento e quando a Câmara derruba o veto, nós entendemos que a inconstitucionalidade se mantém. No momento em que estamos vivendo de escassez, crise financeira, econômica e sanitária, não faz o menor sentido esse aumento à custa da população. 

A nova proposta abre um precedente para os gastos dos próximos anos?

Se considerarmos que isso é constitucional, nós atribuímos ao Congresso o poder de aumentar o fundo eleitoral em cada eleição. Hoje é 5 bilhões. Em 2024 vai ser 10 bilhões? Isso vai ter uma consequência muito ruim, porque os financiamentos são mistos. Uma parte é público, mas a sociedade e os candidatos precisam captar doações também para fazer suas campanhas, como é o caso do Novo. A gente não usa fundo eleitoral, é só à base de captação. A partir do momento que você tem muito recurso para as campanhas políticas, as campanhas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística… tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias. Os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos, porque o volume já vai ser absurdo de recursos públicos. E damos poder para os caciques partidários de dizer quem vai ser competitivo e quem não vai. Isso abre um precedente para chegar em um momento em que a nossa democracia fica ameaçada. Você tem pequenos grupos de pessoas decidindo quem vai ser eleito ou não. 

Como o Novo imagina que esse cálculo deveria ser feito?

Mantido o mesmo modelo do passado. Proporcional às emendas e corrigido a inflação. Idealmente nós defendemos a extinção do fundo. Em 2016 foi feita uma campanha sem doações de empresas, o fundo eleitoral não existia e a eleição aconteceu normalmente. Foram eleições mais baratas, todos os cargos foram ocupados. Entendemos que no momento, o máximo que poderia conhecer seria a correção da inflação. Mais do que isso seria deturpado da realidade. 

O aumento exacerbado dos gastos de campanha foi um dos motivos que levou o STF a proibir o financiamento privado de campanhas por parte das empresas. Você acredita que isso pode acontecer agora se esse cálculo se mantiver?

O que precisaria ser feito no nosso entendimento: ter regras muito claras de limite de quando cada um poderia doar e ter muita transparência nessas doações. Porque um dos argumentos contra as doações voluntárias é que os candidatos ficariam reféns de quem doou. Só que nunca se usa como argumento que os políticos eleitos passem a ficar reféns dos caciques partidários, porque são eles que vão decidir quem vai ser financiado ou não. Me parece muito mais democrático você deixar a sociedade com o poder de financiar do que meia dúzia de caciques. O Brasil tem Ministério Público, Tribunal de Contas, Corregedoria, inúmeros órgãos para fiscalizar conflitos de interesse.

Defensores do fundão argumentam que ele contribui com uma suposta democratização da política. Você acredita que existem critérios transparentes de distribuição do fundo que geram contrapartidas que garantam essa democratização? 

80% do fundo eleitoral vai para 1% dos candidatos. Certamente isso não é democrático. Candidatos que já têm mandato e vão para a reeleição, ganham sete vezes mais do que os candidatos de primeira vez. Também não é verdade que os candidatos mais pobres teriam acesso a recursos. Todos os argumentos a favor do fundo eleitoral, podem ser intuitivos, só que quando vai para a prática não é isso que acontece. Você tem uma concentração de poder para quem vai definir quem vai ser competitivo ou não e isso não tem nada a ver com trazer mais democratização ou permitir que candidatos mulheres e negros tenham mais chances de ser eleitos. 

Como a definição do Orçamento influencia os mandatos? 

Isso é uma falha do nosso modelo de Estado. Hoje nós temos um Congresso que abocanhou boa parte do orçamento em causa própria. Quando você vê a lei do fundo eleitoral, as emendas impositivas, as emendas de relator, as emendas de bancada, somado a um governo fraco acaba causando uma distorção de prioridades. Você não consegue implementar políticas públicas eficientes. A legislação também é complacente com a autopromoção desses políticos que já estão no poder. E ao mesmo tempo é restritiva para você conseguir ser um candidato do partido e se tornar conhecido. Tudo vira campanha antecipada. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 16, uma ação do partido Novo que considera inconstitucional os R$ 4,9 bilhões destinados ao fundo eleitoral deste ano. A legenda argumenta que o Congresso teria cometido um “vício de iniciativa” e invadido competências do Executivo ao definir o novo valor para os repasses, mais que o dobro do executado nas últimas eleições. 

O Novo também questiona a mudança do cálculo do fundo eleitoral estabelecido em 2017. Segundo a sigla, o Congresso teria aprovado um novo modelo de forma unilateral, sem indicar com clareza a fonte dos recursos para custear a despesa.

STF julga nesta quarta ação que questiona aumento do fundo eleitoral. Foto: Dida Sampaio

Se o STF considerar legal a tramitação do chamado “fundão”, esse será o maior volume já destinado a campanhas na história. O novo montante foi estabelecido após o Congresso aprovar uma alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que turbinou o teto previsto para essa despesa, alcançando R$ 5,7 bilhões. 

Caso o plenário forme maioria para acatar a ação, o montante pode ser reduzido a R$ 2,1 bilhões. Esse valor foi proposto pelo governo após o presidente Jair Bolsonaro vetar o aumento aprovado pelo Congresso. A Casa, porém, derrubou o veto e concordou em liberar R$ 4,9 bilhões para as campanhas deste ano na Lei Orçamentária Anual (LOA). O relator estreante da ação no STF, ministro André Mendonça, decidiu levar a decisão final ao colegiado. 

O Novo acredita que a mudança foi discricionária e questiona a derrubada do veto. O presidente do partido, Eduardo Ribeiro, defende que o máximo que poderia ser feito, agora, seria replicar o cálculo dos últimos anos com uma correção inflacionária. “Mais do que isso seria deturpado da realidade”, afirmou, em alusão ao cenário orçamentário e fiscal do País. 

Ribeiro também acredita que, se o STF não acatar a ação, haverá uma abertura de precedente para um aumento regular do fundo ano a ano, o que, defende, leva a uma concentração de poder na mão dos caciques partidários, ao encarecimento das campanhas e à diminuição das doações de pessoas físicas.

“A partir do momento em que você tem muito recurso para as campanhas políticas, elas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística, tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias”, disse. “Porque os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos.”

Na Corte, 149 organizações da sociedade civil pediram para entrar como partes interessadas na ação - em sua maioria, associações comerciais de Santa Catarina. Até agora, três delas tiveram seu pedido para atuar como Amicus Curiae homologado por Mendonça: o movimento suprapartidário Livres, a organização sem fins lucrativos Transparência Eleitoral Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Todas serão ouvidas em plenário.

Organizações

Diretor do MCCE, Luciano Santos defende que a decisão do Supremo será crucial porque o entendimento vai definir a forma com que o orçamento se estabelecerá no futuro. 

“A expectativa é que o Supremo possa analisar com o rigor devido, com razoabilidade necessária para evitar excessos (na distribuição do fundo)”, afirmou. A organização foi uma das responsáveis por, junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedir o fim da participação de empresas nas doações eleitorais em 2015.

O MCCE discute agora o que Santos chama de “vícios, erros e atropelos na forma de aprovação” do novo fundo eleitoral; entre eles, o modo de se calcular o montante e a origem dos recursos. Santos também destaca que paralelo aos supostos erros procedimentais levados ao STF está a discussão sobre a conveniência do fundo turbinado. 

“O momento que nós vivemos, a crise econômica, a pandemia, os 14 milhões de desempregados. Não tem o menor sentido fazermos um aumento desse tamanho de fundo eleitoral. Não é conveniente nem oportuno”, disse.

O consultor jurídico da Associação Livres, Irapuã Santana, corrobora o entendimento de que o procedimento não foi respeitado e reclama, ainda, do calendário apertado de votação do projeto de lei. 

O Livres já havia entrado com um mandado de segurança na ocasião da aprovação da LDO por entender que o prazo de deliberação da nova norma orçamentária não foi “razoável”. Na ocasião, Senado e Câmara aprovaram mais de 2 mil emendas em um só dia. 

“A questão foi que não tinha tempo hábil para ocorrer uma deliberação a respeito de uma mudança tão importante dentro do nosso sistema eleitoral”, aponta Santana. Ele alega, ainda, que minorias parlamentares não foram ouvidas, e que o regimento interno do Congresso e a Constituição foram feridos pela falta de espaço de discussão na votação.

A coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, ressalta que a organização irá defender em plenário que as verbas de campanha não podem ser aumentadas de forma discricionária. 

“O Fundo Eleitoral é importante e não deve ser um elemento que desequilibre a competição eleitoral. Neste caso, concordamos com o argumento de que a competência sobre o valor é do Executivo, que é o responsável pelo equilíbrio das contas públicas”, afirmou ao Estadão. 

O temor dos representantes é que o fundo escale indefinidamente. Santos lembra que no modelo de financiamento privado a receita total de campanha deu saltos em cada eleição. Após a proibição da participação empresarial, o padrão mudou. “Ficou evidente que é possível fazer campanha com gastos módicos. O próprio presidente foi eleito com gasto muito ínfimo”, lembra o diretor do MCCE. 

Defesa

Consultados por Mendonça, Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pediram a rejeição da proposta do Novo.

O presidente da Câmara defendeu que a fonte de recursos utilizada foi indicada, que a adição de um dispositivo sobre o método de cálculo é “completamente condizente” com a prerrogativa parlamentar e acusou o Novo de “judicializar e criminalizar a política”. 

Já Pacheco escreveu que “não há vício de iniciativa de nenhuma espécie” e pontuou que a nova norma não acarreta aumento de despesa. Segundo ele, a eventual elevação do valor do fundo será deduzida do montante reservado às emendas de bancadas das unidades da federação. 

“O acréscimo de nova disposição acerca do método de cálculo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ora impugnado, é perfeitamente compatível com o poder de emendamento parlamentar e com o objeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, escreveu.

Em resposta, a Advocacia-Geral da União mostrou que Bolsonaro mudou de entendimento sobre o caso e deixou de considerar inconstitucional o aumento do fundo.

“A forma de distribuição dos recursos, por sua vez, guarda uma métrica objetiva e legalmente prevista, de modo que adotar a premissa de que quanto maior o valor for destinado para as campanhas, maior será o desvio de finalidade seria, por si só, um equívoco”, sustentou a AGU.

Também a Procuradoria-Geral da República se manifestou e disse que desde que observada a compatibilidade com o plano plurianual, os parlamentares podem apresentar emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias. 

Tramitação

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o fundo eleitoral, foi instituído em 2017 após decisão do STF, que tomou como inconstitucional o financiamento privado de campanhas. No ano seguinte, as eleições já passaram a contar com custeio da União, partindo de valores definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para 2022, a estratégia dos parlamentares para engordar o “fundão” foi incidir sobre a LDO, propondo um cálculo com base em 25% do orçamento da própria Justiça Eleitoral de 2021 e na verba proposta pelo Executivo em 2022. Além de uma estimativa de arrecadação oriunda do fim da propaganda partidária no rádio e na TV. 

O presidente Jair Bolsonaro vetou o montante e, seguindo orientação do Ministério da Economia, propôs a distribuição de R$ 2,1 bilhões aos partidos. Nos pleitos anteriores, o chamado "fundão" destinou R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

Na prática, o valor proposto pelo governo se aproximava ao de uma correção inflacionária das verbas passadas.

O veto, contudo, foi derrubado pelo Congresso. Como o Estadão/Broadcast Político mostrou, durante a aprovação do Orçamento de 2022, técnicos do Legislativo apontaram que a verba da propaganda partidária, calculada em R$ 800 milhões, já estava incorporada no orçamento da Justiça Eleitoral e a Comissão Mista de Orçamento estabeleceu um valor final de R$ 4,9 bilhões para o fundão, consolidado na LOA deste ano. 

Confira a entrevista com Eduardo Ribeiro, presidente do Novo, partido autor da ação no Supremo:

O STF vai julgar a constitucionalidade do aumento do fundo eleitoral. Quais são os argumentos do Novo para pedir a anulação do artigo que permitiu aumentar o montante distribuído?

Nosso principal argumento é que o Congresso usurpou uma competência que é do Executivo, que é propor o Orçamento, e ao mudar o cálculo do fundo eleitoral sem nenhuma previsão legal para isso eles acabam influindo em inconstitucionalidade. A fórmula do cálculo já foi definida em 2017, tanto que valeu para 2018, foi corrigida pela inflação em 2020. Deveria ser corrigida pela inflação em 2022. Essa é a lógica. Eles inventaram uma fórmula nova sem uma lei para isso. 

Onde estaria o “vício de iniciativa” no procedimento tomado pelo Congresso?

Tanto a LDO quanto a LOA são prerrogativas do Executivo, o Executivo que tem que propor. Não pode vir do Congresso. O Congresso extrapolou seus limites nesse caso. 

A sigla argumenta que a matéria foi votada de forma atropelada no Congresso. Isso também é questionado no processo de validação do PLDO?

É praxe que essas questões mais polêmicas sejam votadas a toque de caixa, porque as negociações são feitas fora do parlamento. Quando vem o projeto pronto já é para ser votado, não dá tempo de ser discutido, a sociedade não consegue se mobilizar e é aprovado. Foi assim na aprovação em junho da LDO, e no final do ano na LOA. Bolsonaro chegou a vetar esse aumento e quando a Câmara derruba o veto, nós entendemos que a inconstitucionalidade se mantém. No momento em que estamos vivendo de escassez, crise financeira, econômica e sanitária, não faz o menor sentido esse aumento à custa da população. 

A nova proposta abre um precedente para os gastos dos próximos anos?

Se considerarmos que isso é constitucional, nós atribuímos ao Congresso o poder de aumentar o fundo eleitoral em cada eleição. Hoje é 5 bilhões. Em 2024 vai ser 10 bilhões? Isso vai ter uma consequência muito ruim, porque os financiamentos são mistos. Uma parte é público, mas a sociedade e os candidatos precisam captar doações também para fazer suas campanhas, como é o caso do Novo. A gente não usa fundo eleitoral, é só à base de captação. A partir do momento que você tem muito recurso para as campanhas políticas, as campanhas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística… tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias. Os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos, porque o volume já vai ser absurdo de recursos públicos. E damos poder para os caciques partidários de dizer quem vai ser competitivo e quem não vai. Isso abre um precedente para chegar em um momento em que a nossa democracia fica ameaçada. Você tem pequenos grupos de pessoas decidindo quem vai ser eleito ou não. 

Como o Novo imagina que esse cálculo deveria ser feito?

Mantido o mesmo modelo do passado. Proporcional às emendas e corrigido a inflação. Idealmente nós defendemos a extinção do fundo. Em 2016 foi feita uma campanha sem doações de empresas, o fundo eleitoral não existia e a eleição aconteceu normalmente. Foram eleições mais baratas, todos os cargos foram ocupados. Entendemos que no momento, o máximo que poderia conhecer seria a correção da inflação. Mais do que isso seria deturpado da realidade. 

O aumento exacerbado dos gastos de campanha foi um dos motivos que levou o STF a proibir o financiamento privado de campanhas por parte das empresas. Você acredita que isso pode acontecer agora se esse cálculo se mantiver?

O que precisaria ser feito no nosso entendimento: ter regras muito claras de limite de quando cada um poderia doar e ter muita transparência nessas doações. Porque um dos argumentos contra as doações voluntárias é que os candidatos ficariam reféns de quem doou. Só que nunca se usa como argumento que os políticos eleitos passem a ficar reféns dos caciques partidários, porque são eles que vão decidir quem vai ser financiado ou não. Me parece muito mais democrático você deixar a sociedade com o poder de financiar do que meia dúzia de caciques. O Brasil tem Ministério Público, Tribunal de Contas, Corregedoria, inúmeros órgãos para fiscalizar conflitos de interesse.

Defensores do fundão argumentam que ele contribui com uma suposta democratização da política. Você acredita que existem critérios transparentes de distribuição do fundo que geram contrapartidas que garantam essa democratização? 

80% do fundo eleitoral vai para 1% dos candidatos. Certamente isso não é democrático. Candidatos que já têm mandato e vão para a reeleição, ganham sete vezes mais do que os candidatos de primeira vez. Também não é verdade que os candidatos mais pobres teriam acesso a recursos. Todos os argumentos a favor do fundo eleitoral, podem ser intuitivos, só que quando vai para a prática não é isso que acontece. Você tem uma concentração de poder para quem vai definir quem vai ser competitivo ou não e isso não tem nada a ver com trazer mais democratização ou permitir que candidatos mulheres e negros tenham mais chances de ser eleitos. 

Como a definição do Orçamento influencia os mandatos? 

Isso é uma falha do nosso modelo de Estado. Hoje nós temos um Congresso que abocanhou boa parte do orçamento em causa própria. Quando você vê a lei do fundo eleitoral, as emendas impositivas, as emendas de relator, as emendas de bancada, somado a um governo fraco acaba causando uma distorção de prioridades. Você não consegue implementar políticas públicas eficientes. A legislação também é complacente com a autopromoção desses políticos que já estão no poder. E ao mesmo tempo é restritiva para você conseguir ser um candidato do partido e se tornar conhecido. Tudo vira campanha antecipada. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 16, uma ação do partido Novo que considera inconstitucional os R$ 4,9 bilhões destinados ao fundo eleitoral deste ano. A legenda argumenta que o Congresso teria cometido um “vício de iniciativa” e invadido competências do Executivo ao definir o novo valor para os repasses, mais que o dobro do executado nas últimas eleições. 

O Novo também questiona a mudança do cálculo do fundo eleitoral estabelecido em 2017. Segundo a sigla, o Congresso teria aprovado um novo modelo de forma unilateral, sem indicar com clareza a fonte dos recursos para custear a despesa.

STF julga nesta quarta ação que questiona aumento do fundo eleitoral. Foto: Dida Sampaio

Se o STF considerar legal a tramitação do chamado “fundão”, esse será o maior volume já destinado a campanhas na história. O novo montante foi estabelecido após o Congresso aprovar uma alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que turbinou o teto previsto para essa despesa, alcançando R$ 5,7 bilhões. 

Caso o plenário forme maioria para acatar a ação, o montante pode ser reduzido a R$ 2,1 bilhões. Esse valor foi proposto pelo governo após o presidente Jair Bolsonaro vetar o aumento aprovado pelo Congresso. A Casa, porém, derrubou o veto e concordou em liberar R$ 4,9 bilhões para as campanhas deste ano na Lei Orçamentária Anual (LOA). O relator estreante da ação no STF, ministro André Mendonça, decidiu levar a decisão final ao colegiado. 

O Novo acredita que a mudança foi discricionária e questiona a derrubada do veto. O presidente do partido, Eduardo Ribeiro, defende que o máximo que poderia ser feito, agora, seria replicar o cálculo dos últimos anos com uma correção inflacionária. “Mais do que isso seria deturpado da realidade”, afirmou, em alusão ao cenário orçamentário e fiscal do País. 

Ribeiro também acredita que, se o STF não acatar a ação, haverá uma abertura de precedente para um aumento regular do fundo ano a ano, o que, defende, leva a uma concentração de poder na mão dos caciques partidários, ao encarecimento das campanhas e à diminuição das doações de pessoas físicas.

“A partir do momento em que você tem muito recurso para as campanhas políticas, elas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística, tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias”, disse. “Porque os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos.”

Na Corte, 149 organizações da sociedade civil pediram para entrar como partes interessadas na ação - em sua maioria, associações comerciais de Santa Catarina. Até agora, três delas tiveram seu pedido para atuar como Amicus Curiae homologado por Mendonça: o movimento suprapartidário Livres, a organização sem fins lucrativos Transparência Eleitoral Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Todas serão ouvidas em plenário.

Organizações

Diretor do MCCE, Luciano Santos defende que a decisão do Supremo será crucial porque o entendimento vai definir a forma com que o orçamento se estabelecerá no futuro. 

“A expectativa é que o Supremo possa analisar com o rigor devido, com razoabilidade necessária para evitar excessos (na distribuição do fundo)”, afirmou. A organização foi uma das responsáveis por, junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedir o fim da participação de empresas nas doações eleitorais em 2015.

O MCCE discute agora o que Santos chama de “vícios, erros e atropelos na forma de aprovação” do novo fundo eleitoral; entre eles, o modo de se calcular o montante e a origem dos recursos. Santos também destaca que paralelo aos supostos erros procedimentais levados ao STF está a discussão sobre a conveniência do fundo turbinado. 

“O momento que nós vivemos, a crise econômica, a pandemia, os 14 milhões de desempregados. Não tem o menor sentido fazermos um aumento desse tamanho de fundo eleitoral. Não é conveniente nem oportuno”, disse.

O consultor jurídico da Associação Livres, Irapuã Santana, corrobora o entendimento de que o procedimento não foi respeitado e reclama, ainda, do calendário apertado de votação do projeto de lei. 

O Livres já havia entrado com um mandado de segurança na ocasião da aprovação da LDO por entender que o prazo de deliberação da nova norma orçamentária não foi “razoável”. Na ocasião, Senado e Câmara aprovaram mais de 2 mil emendas em um só dia. 

“A questão foi que não tinha tempo hábil para ocorrer uma deliberação a respeito de uma mudança tão importante dentro do nosso sistema eleitoral”, aponta Santana. Ele alega, ainda, que minorias parlamentares não foram ouvidas, e que o regimento interno do Congresso e a Constituição foram feridos pela falta de espaço de discussão na votação.

A coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, ressalta que a organização irá defender em plenário que as verbas de campanha não podem ser aumentadas de forma discricionária. 

“O Fundo Eleitoral é importante e não deve ser um elemento que desequilibre a competição eleitoral. Neste caso, concordamos com o argumento de que a competência sobre o valor é do Executivo, que é o responsável pelo equilíbrio das contas públicas”, afirmou ao Estadão. 

O temor dos representantes é que o fundo escale indefinidamente. Santos lembra que no modelo de financiamento privado a receita total de campanha deu saltos em cada eleição. Após a proibição da participação empresarial, o padrão mudou. “Ficou evidente que é possível fazer campanha com gastos módicos. O próprio presidente foi eleito com gasto muito ínfimo”, lembra o diretor do MCCE. 

Defesa

Consultados por Mendonça, Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pediram a rejeição da proposta do Novo.

O presidente da Câmara defendeu que a fonte de recursos utilizada foi indicada, que a adição de um dispositivo sobre o método de cálculo é “completamente condizente” com a prerrogativa parlamentar e acusou o Novo de “judicializar e criminalizar a política”. 

Já Pacheco escreveu que “não há vício de iniciativa de nenhuma espécie” e pontuou que a nova norma não acarreta aumento de despesa. Segundo ele, a eventual elevação do valor do fundo será deduzida do montante reservado às emendas de bancadas das unidades da federação. 

“O acréscimo de nova disposição acerca do método de cálculo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ora impugnado, é perfeitamente compatível com o poder de emendamento parlamentar e com o objeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, escreveu.

Em resposta, a Advocacia-Geral da União mostrou que Bolsonaro mudou de entendimento sobre o caso e deixou de considerar inconstitucional o aumento do fundo.

“A forma de distribuição dos recursos, por sua vez, guarda uma métrica objetiva e legalmente prevista, de modo que adotar a premissa de que quanto maior o valor for destinado para as campanhas, maior será o desvio de finalidade seria, por si só, um equívoco”, sustentou a AGU.

Também a Procuradoria-Geral da República se manifestou e disse que desde que observada a compatibilidade com o plano plurianual, os parlamentares podem apresentar emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias. 

Tramitação

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o fundo eleitoral, foi instituído em 2017 após decisão do STF, que tomou como inconstitucional o financiamento privado de campanhas. No ano seguinte, as eleições já passaram a contar com custeio da União, partindo de valores definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para 2022, a estratégia dos parlamentares para engordar o “fundão” foi incidir sobre a LDO, propondo um cálculo com base em 25% do orçamento da própria Justiça Eleitoral de 2021 e na verba proposta pelo Executivo em 2022. Além de uma estimativa de arrecadação oriunda do fim da propaganda partidária no rádio e na TV. 

O presidente Jair Bolsonaro vetou o montante e, seguindo orientação do Ministério da Economia, propôs a distribuição de R$ 2,1 bilhões aos partidos. Nos pleitos anteriores, o chamado "fundão" destinou R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

Na prática, o valor proposto pelo governo se aproximava ao de uma correção inflacionária das verbas passadas.

O veto, contudo, foi derrubado pelo Congresso. Como o Estadão/Broadcast Político mostrou, durante a aprovação do Orçamento de 2022, técnicos do Legislativo apontaram que a verba da propaganda partidária, calculada em R$ 800 milhões, já estava incorporada no orçamento da Justiça Eleitoral e a Comissão Mista de Orçamento estabeleceu um valor final de R$ 4,9 bilhões para o fundão, consolidado na LOA deste ano. 

Confira a entrevista com Eduardo Ribeiro, presidente do Novo, partido autor da ação no Supremo:

O STF vai julgar a constitucionalidade do aumento do fundo eleitoral. Quais são os argumentos do Novo para pedir a anulação do artigo que permitiu aumentar o montante distribuído?

Nosso principal argumento é que o Congresso usurpou uma competência que é do Executivo, que é propor o Orçamento, e ao mudar o cálculo do fundo eleitoral sem nenhuma previsão legal para isso eles acabam influindo em inconstitucionalidade. A fórmula do cálculo já foi definida em 2017, tanto que valeu para 2018, foi corrigida pela inflação em 2020. Deveria ser corrigida pela inflação em 2022. Essa é a lógica. Eles inventaram uma fórmula nova sem uma lei para isso. 

Onde estaria o “vício de iniciativa” no procedimento tomado pelo Congresso?

Tanto a LDO quanto a LOA são prerrogativas do Executivo, o Executivo que tem que propor. Não pode vir do Congresso. O Congresso extrapolou seus limites nesse caso. 

A sigla argumenta que a matéria foi votada de forma atropelada no Congresso. Isso também é questionado no processo de validação do PLDO?

É praxe que essas questões mais polêmicas sejam votadas a toque de caixa, porque as negociações são feitas fora do parlamento. Quando vem o projeto pronto já é para ser votado, não dá tempo de ser discutido, a sociedade não consegue se mobilizar e é aprovado. Foi assim na aprovação em junho da LDO, e no final do ano na LOA. Bolsonaro chegou a vetar esse aumento e quando a Câmara derruba o veto, nós entendemos que a inconstitucionalidade se mantém. No momento em que estamos vivendo de escassez, crise financeira, econômica e sanitária, não faz o menor sentido esse aumento à custa da população. 

A nova proposta abre um precedente para os gastos dos próximos anos?

Se considerarmos que isso é constitucional, nós atribuímos ao Congresso o poder de aumentar o fundo eleitoral em cada eleição. Hoje é 5 bilhões. Em 2024 vai ser 10 bilhões? Isso vai ter uma consequência muito ruim, porque os financiamentos são mistos. Uma parte é público, mas a sociedade e os candidatos precisam captar doações também para fazer suas campanhas, como é o caso do Novo. A gente não usa fundo eleitoral, é só à base de captação. A partir do momento que você tem muito recurso para as campanhas políticas, as campanhas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística… tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias. Os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos, porque o volume já vai ser absurdo de recursos públicos. E damos poder para os caciques partidários de dizer quem vai ser competitivo e quem não vai. Isso abre um precedente para chegar em um momento em que a nossa democracia fica ameaçada. Você tem pequenos grupos de pessoas decidindo quem vai ser eleito ou não. 

Como o Novo imagina que esse cálculo deveria ser feito?

Mantido o mesmo modelo do passado. Proporcional às emendas e corrigido a inflação. Idealmente nós defendemos a extinção do fundo. Em 2016 foi feita uma campanha sem doações de empresas, o fundo eleitoral não existia e a eleição aconteceu normalmente. Foram eleições mais baratas, todos os cargos foram ocupados. Entendemos que no momento, o máximo que poderia conhecer seria a correção da inflação. Mais do que isso seria deturpado da realidade. 

O aumento exacerbado dos gastos de campanha foi um dos motivos que levou o STF a proibir o financiamento privado de campanhas por parte das empresas. Você acredita que isso pode acontecer agora se esse cálculo se mantiver?

O que precisaria ser feito no nosso entendimento: ter regras muito claras de limite de quando cada um poderia doar e ter muita transparência nessas doações. Porque um dos argumentos contra as doações voluntárias é que os candidatos ficariam reféns de quem doou. Só que nunca se usa como argumento que os políticos eleitos passem a ficar reféns dos caciques partidários, porque são eles que vão decidir quem vai ser financiado ou não. Me parece muito mais democrático você deixar a sociedade com o poder de financiar do que meia dúzia de caciques. O Brasil tem Ministério Público, Tribunal de Contas, Corregedoria, inúmeros órgãos para fiscalizar conflitos de interesse.

Defensores do fundão argumentam que ele contribui com uma suposta democratização da política. Você acredita que existem critérios transparentes de distribuição do fundo que geram contrapartidas que garantam essa democratização? 

80% do fundo eleitoral vai para 1% dos candidatos. Certamente isso não é democrático. Candidatos que já têm mandato e vão para a reeleição, ganham sete vezes mais do que os candidatos de primeira vez. Também não é verdade que os candidatos mais pobres teriam acesso a recursos. Todos os argumentos a favor do fundo eleitoral, podem ser intuitivos, só que quando vai para a prática não é isso que acontece. Você tem uma concentração de poder para quem vai definir quem vai ser competitivo ou não e isso não tem nada a ver com trazer mais democratização ou permitir que candidatos mulheres e negros tenham mais chances de ser eleitos. 

Como a definição do Orçamento influencia os mandatos? 

Isso é uma falha do nosso modelo de Estado. Hoje nós temos um Congresso que abocanhou boa parte do orçamento em causa própria. Quando você vê a lei do fundo eleitoral, as emendas impositivas, as emendas de relator, as emendas de bancada, somado a um governo fraco acaba causando uma distorção de prioridades. Você não consegue implementar políticas públicas eficientes. A legislação também é complacente com a autopromoção desses políticos que já estão no poder. E ao mesmo tempo é restritiva para você conseguir ser um candidato do partido e se tornar conhecido. Tudo vira campanha antecipada. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 16, uma ação do partido Novo que considera inconstitucional os R$ 4,9 bilhões destinados ao fundo eleitoral deste ano. A legenda argumenta que o Congresso teria cometido um “vício de iniciativa” e invadido competências do Executivo ao definir o novo valor para os repasses, mais que o dobro do executado nas últimas eleições. 

O Novo também questiona a mudança do cálculo do fundo eleitoral estabelecido em 2017. Segundo a sigla, o Congresso teria aprovado um novo modelo de forma unilateral, sem indicar com clareza a fonte dos recursos para custear a despesa.

STF julga nesta quarta ação que questiona aumento do fundo eleitoral. Foto: Dida Sampaio

Se o STF considerar legal a tramitação do chamado “fundão”, esse será o maior volume já destinado a campanhas na história. O novo montante foi estabelecido após o Congresso aprovar uma alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que turbinou o teto previsto para essa despesa, alcançando R$ 5,7 bilhões. 

Caso o plenário forme maioria para acatar a ação, o montante pode ser reduzido a R$ 2,1 bilhões. Esse valor foi proposto pelo governo após o presidente Jair Bolsonaro vetar o aumento aprovado pelo Congresso. A Casa, porém, derrubou o veto e concordou em liberar R$ 4,9 bilhões para as campanhas deste ano na Lei Orçamentária Anual (LOA). O relator estreante da ação no STF, ministro André Mendonça, decidiu levar a decisão final ao colegiado. 

O Novo acredita que a mudança foi discricionária e questiona a derrubada do veto. O presidente do partido, Eduardo Ribeiro, defende que o máximo que poderia ser feito, agora, seria replicar o cálculo dos últimos anos com uma correção inflacionária. “Mais do que isso seria deturpado da realidade”, afirmou, em alusão ao cenário orçamentário e fiscal do País. 

Ribeiro também acredita que, se o STF não acatar a ação, haverá uma abertura de precedente para um aumento regular do fundo ano a ano, o que, defende, leva a uma concentração de poder na mão dos caciques partidários, ao encarecimento das campanhas e à diminuição das doações de pessoas físicas.

“A partir do momento em que você tem muito recurso para as campanhas políticas, elas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística, tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias”, disse. “Porque os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos.”

Na Corte, 149 organizações da sociedade civil pediram para entrar como partes interessadas na ação - em sua maioria, associações comerciais de Santa Catarina. Até agora, três delas tiveram seu pedido para atuar como Amicus Curiae homologado por Mendonça: o movimento suprapartidário Livres, a organização sem fins lucrativos Transparência Eleitoral Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Todas serão ouvidas em plenário.

Organizações

Diretor do MCCE, Luciano Santos defende que a decisão do Supremo será crucial porque o entendimento vai definir a forma com que o orçamento se estabelecerá no futuro. 

“A expectativa é que o Supremo possa analisar com o rigor devido, com razoabilidade necessária para evitar excessos (na distribuição do fundo)”, afirmou. A organização foi uma das responsáveis por, junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedir o fim da participação de empresas nas doações eleitorais em 2015.

O MCCE discute agora o que Santos chama de “vícios, erros e atropelos na forma de aprovação” do novo fundo eleitoral; entre eles, o modo de se calcular o montante e a origem dos recursos. Santos também destaca que paralelo aos supostos erros procedimentais levados ao STF está a discussão sobre a conveniência do fundo turbinado. 

“O momento que nós vivemos, a crise econômica, a pandemia, os 14 milhões de desempregados. Não tem o menor sentido fazermos um aumento desse tamanho de fundo eleitoral. Não é conveniente nem oportuno”, disse.

O consultor jurídico da Associação Livres, Irapuã Santana, corrobora o entendimento de que o procedimento não foi respeitado e reclama, ainda, do calendário apertado de votação do projeto de lei. 

O Livres já havia entrado com um mandado de segurança na ocasião da aprovação da LDO por entender que o prazo de deliberação da nova norma orçamentária não foi “razoável”. Na ocasião, Senado e Câmara aprovaram mais de 2 mil emendas em um só dia. 

“A questão foi que não tinha tempo hábil para ocorrer uma deliberação a respeito de uma mudança tão importante dentro do nosso sistema eleitoral”, aponta Santana. Ele alega, ainda, que minorias parlamentares não foram ouvidas, e que o regimento interno do Congresso e a Constituição foram feridos pela falta de espaço de discussão na votação.

A coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, ressalta que a organização irá defender em plenário que as verbas de campanha não podem ser aumentadas de forma discricionária. 

“O Fundo Eleitoral é importante e não deve ser um elemento que desequilibre a competição eleitoral. Neste caso, concordamos com o argumento de que a competência sobre o valor é do Executivo, que é o responsável pelo equilíbrio das contas públicas”, afirmou ao Estadão. 

O temor dos representantes é que o fundo escale indefinidamente. Santos lembra que no modelo de financiamento privado a receita total de campanha deu saltos em cada eleição. Após a proibição da participação empresarial, o padrão mudou. “Ficou evidente que é possível fazer campanha com gastos módicos. O próprio presidente foi eleito com gasto muito ínfimo”, lembra o diretor do MCCE. 

Defesa

Consultados por Mendonça, Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pediram a rejeição da proposta do Novo.

O presidente da Câmara defendeu que a fonte de recursos utilizada foi indicada, que a adição de um dispositivo sobre o método de cálculo é “completamente condizente” com a prerrogativa parlamentar e acusou o Novo de “judicializar e criminalizar a política”. 

Já Pacheco escreveu que “não há vício de iniciativa de nenhuma espécie” e pontuou que a nova norma não acarreta aumento de despesa. Segundo ele, a eventual elevação do valor do fundo será deduzida do montante reservado às emendas de bancadas das unidades da federação. 

“O acréscimo de nova disposição acerca do método de cálculo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ora impugnado, é perfeitamente compatível com o poder de emendamento parlamentar e com o objeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, escreveu.

Em resposta, a Advocacia-Geral da União mostrou que Bolsonaro mudou de entendimento sobre o caso e deixou de considerar inconstitucional o aumento do fundo.

“A forma de distribuição dos recursos, por sua vez, guarda uma métrica objetiva e legalmente prevista, de modo que adotar a premissa de que quanto maior o valor for destinado para as campanhas, maior será o desvio de finalidade seria, por si só, um equívoco”, sustentou a AGU.

Também a Procuradoria-Geral da República se manifestou e disse que desde que observada a compatibilidade com o plano plurianual, os parlamentares podem apresentar emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias. 

Tramitação

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o fundo eleitoral, foi instituído em 2017 após decisão do STF, que tomou como inconstitucional o financiamento privado de campanhas. No ano seguinte, as eleições já passaram a contar com custeio da União, partindo de valores definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para 2022, a estratégia dos parlamentares para engordar o “fundão” foi incidir sobre a LDO, propondo um cálculo com base em 25% do orçamento da própria Justiça Eleitoral de 2021 e na verba proposta pelo Executivo em 2022. Além de uma estimativa de arrecadação oriunda do fim da propaganda partidária no rádio e na TV. 

O presidente Jair Bolsonaro vetou o montante e, seguindo orientação do Ministério da Economia, propôs a distribuição de R$ 2,1 bilhões aos partidos. Nos pleitos anteriores, o chamado "fundão" destinou R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

Na prática, o valor proposto pelo governo se aproximava ao de uma correção inflacionária das verbas passadas.

O veto, contudo, foi derrubado pelo Congresso. Como o Estadão/Broadcast Político mostrou, durante a aprovação do Orçamento de 2022, técnicos do Legislativo apontaram que a verba da propaganda partidária, calculada em R$ 800 milhões, já estava incorporada no orçamento da Justiça Eleitoral e a Comissão Mista de Orçamento estabeleceu um valor final de R$ 4,9 bilhões para o fundão, consolidado na LOA deste ano. 

Confira a entrevista com Eduardo Ribeiro, presidente do Novo, partido autor da ação no Supremo:

O STF vai julgar a constitucionalidade do aumento do fundo eleitoral. Quais são os argumentos do Novo para pedir a anulação do artigo que permitiu aumentar o montante distribuído?

Nosso principal argumento é que o Congresso usurpou uma competência que é do Executivo, que é propor o Orçamento, e ao mudar o cálculo do fundo eleitoral sem nenhuma previsão legal para isso eles acabam influindo em inconstitucionalidade. A fórmula do cálculo já foi definida em 2017, tanto que valeu para 2018, foi corrigida pela inflação em 2020. Deveria ser corrigida pela inflação em 2022. Essa é a lógica. Eles inventaram uma fórmula nova sem uma lei para isso. 

Onde estaria o “vício de iniciativa” no procedimento tomado pelo Congresso?

Tanto a LDO quanto a LOA são prerrogativas do Executivo, o Executivo que tem que propor. Não pode vir do Congresso. O Congresso extrapolou seus limites nesse caso. 

A sigla argumenta que a matéria foi votada de forma atropelada no Congresso. Isso também é questionado no processo de validação do PLDO?

É praxe que essas questões mais polêmicas sejam votadas a toque de caixa, porque as negociações são feitas fora do parlamento. Quando vem o projeto pronto já é para ser votado, não dá tempo de ser discutido, a sociedade não consegue se mobilizar e é aprovado. Foi assim na aprovação em junho da LDO, e no final do ano na LOA. Bolsonaro chegou a vetar esse aumento e quando a Câmara derruba o veto, nós entendemos que a inconstitucionalidade se mantém. No momento em que estamos vivendo de escassez, crise financeira, econômica e sanitária, não faz o menor sentido esse aumento à custa da população. 

A nova proposta abre um precedente para os gastos dos próximos anos?

Se considerarmos que isso é constitucional, nós atribuímos ao Congresso o poder de aumentar o fundo eleitoral em cada eleição. Hoje é 5 bilhões. Em 2024 vai ser 10 bilhões? Isso vai ter uma consequência muito ruim, porque os financiamentos são mistos. Uma parte é público, mas a sociedade e os candidatos precisam captar doações também para fazer suas campanhas, como é o caso do Novo. A gente não usa fundo eleitoral, é só à base de captação. A partir do momento que você tem muito recurso para as campanhas políticas, as campanhas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística… tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias. Os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos, porque o volume já vai ser absurdo de recursos públicos. E damos poder para os caciques partidários de dizer quem vai ser competitivo e quem não vai. Isso abre um precedente para chegar em um momento em que a nossa democracia fica ameaçada. Você tem pequenos grupos de pessoas decidindo quem vai ser eleito ou não. 

Como o Novo imagina que esse cálculo deveria ser feito?

Mantido o mesmo modelo do passado. Proporcional às emendas e corrigido a inflação. Idealmente nós defendemos a extinção do fundo. Em 2016 foi feita uma campanha sem doações de empresas, o fundo eleitoral não existia e a eleição aconteceu normalmente. Foram eleições mais baratas, todos os cargos foram ocupados. Entendemos que no momento, o máximo que poderia conhecer seria a correção da inflação. Mais do que isso seria deturpado da realidade. 

O aumento exacerbado dos gastos de campanha foi um dos motivos que levou o STF a proibir o financiamento privado de campanhas por parte das empresas. Você acredita que isso pode acontecer agora se esse cálculo se mantiver?

O que precisaria ser feito no nosso entendimento: ter regras muito claras de limite de quando cada um poderia doar e ter muita transparência nessas doações. Porque um dos argumentos contra as doações voluntárias é que os candidatos ficariam reféns de quem doou. Só que nunca se usa como argumento que os políticos eleitos passem a ficar reféns dos caciques partidários, porque são eles que vão decidir quem vai ser financiado ou não. Me parece muito mais democrático você deixar a sociedade com o poder de financiar do que meia dúzia de caciques. O Brasil tem Ministério Público, Tribunal de Contas, Corregedoria, inúmeros órgãos para fiscalizar conflitos de interesse.

Defensores do fundão argumentam que ele contribui com uma suposta democratização da política. Você acredita que existem critérios transparentes de distribuição do fundo que geram contrapartidas que garantam essa democratização? 

80% do fundo eleitoral vai para 1% dos candidatos. Certamente isso não é democrático. Candidatos que já têm mandato e vão para a reeleição, ganham sete vezes mais do que os candidatos de primeira vez. Também não é verdade que os candidatos mais pobres teriam acesso a recursos. Todos os argumentos a favor do fundo eleitoral, podem ser intuitivos, só que quando vai para a prática não é isso que acontece. Você tem uma concentração de poder para quem vai definir quem vai ser competitivo ou não e isso não tem nada a ver com trazer mais democratização ou permitir que candidatos mulheres e negros tenham mais chances de ser eleitos. 

Como a definição do Orçamento influencia os mandatos? 

Isso é uma falha do nosso modelo de Estado. Hoje nós temos um Congresso que abocanhou boa parte do orçamento em causa própria. Quando você vê a lei do fundo eleitoral, as emendas impositivas, as emendas de relator, as emendas de bancada, somado a um governo fraco acaba causando uma distorção de prioridades. Você não consegue implementar políticas públicas eficientes. A legislação também é complacente com a autopromoção desses políticos que já estão no poder. E ao mesmo tempo é restritiva para você conseguir ser um candidato do partido e se tornar conhecido. Tudo vira campanha antecipada. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 16, uma ação do partido Novo que considera inconstitucional os R$ 4,9 bilhões destinados ao fundo eleitoral deste ano. A legenda argumenta que o Congresso teria cometido um “vício de iniciativa” e invadido competências do Executivo ao definir o novo valor para os repasses, mais que o dobro do executado nas últimas eleições. 

O Novo também questiona a mudança do cálculo do fundo eleitoral estabelecido em 2017. Segundo a sigla, o Congresso teria aprovado um novo modelo de forma unilateral, sem indicar com clareza a fonte dos recursos para custear a despesa.

STF julga nesta quarta ação que questiona aumento do fundo eleitoral. Foto: Dida Sampaio

Se o STF considerar legal a tramitação do chamado “fundão”, esse será o maior volume já destinado a campanhas na história. O novo montante foi estabelecido após o Congresso aprovar uma alteração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que turbinou o teto previsto para essa despesa, alcançando R$ 5,7 bilhões. 

Caso o plenário forme maioria para acatar a ação, o montante pode ser reduzido a R$ 2,1 bilhões. Esse valor foi proposto pelo governo após o presidente Jair Bolsonaro vetar o aumento aprovado pelo Congresso. A Casa, porém, derrubou o veto e concordou em liberar R$ 4,9 bilhões para as campanhas deste ano na Lei Orçamentária Anual (LOA). O relator estreante da ação no STF, ministro André Mendonça, decidiu levar a decisão final ao colegiado. 

O Novo acredita que a mudança foi discricionária e questiona a derrubada do veto. O presidente do partido, Eduardo Ribeiro, defende que o máximo que poderia ser feito, agora, seria replicar o cálculo dos últimos anos com uma correção inflacionária. “Mais do que isso seria deturpado da realidade”, afirmou, em alusão ao cenário orçamentário e fiscal do País. 

Ribeiro também acredita que, se o STF não acatar a ação, haverá uma abertura de precedente para um aumento regular do fundo ano a ano, o que, defende, leva a uma concentração de poder na mão dos caciques partidários, ao encarecimento das campanhas e à diminuição das doações de pessoas físicas.

“A partir do momento em que você tem muito recurso para as campanhas políticas, elas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística, tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias”, disse. “Porque os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos.”

Na Corte, 149 organizações da sociedade civil pediram para entrar como partes interessadas na ação - em sua maioria, associações comerciais de Santa Catarina. Até agora, três delas tiveram seu pedido para atuar como Amicus Curiae homologado por Mendonça: o movimento suprapartidário Livres, a organização sem fins lucrativos Transparência Eleitoral Brasil e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Todas serão ouvidas em plenário.

Organizações

Diretor do MCCE, Luciano Santos defende que a decisão do Supremo será crucial porque o entendimento vai definir a forma com que o orçamento se estabelecerá no futuro. 

“A expectativa é que o Supremo possa analisar com o rigor devido, com razoabilidade necessária para evitar excessos (na distribuição do fundo)”, afirmou. A organização foi uma das responsáveis por, junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pedir o fim da participação de empresas nas doações eleitorais em 2015.

O MCCE discute agora o que Santos chama de “vícios, erros e atropelos na forma de aprovação” do novo fundo eleitoral; entre eles, o modo de se calcular o montante e a origem dos recursos. Santos também destaca que paralelo aos supostos erros procedimentais levados ao STF está a discussão sobre a conveniência do fundo turbinado. 

“O momento que nós vivemos, a crise econômica, a pandemia, os 14 milhões de desempregados. Não tem o menor sentido fazermos um aumento desse tamanho de fundo eleitoral. Não é conveniente nem oportuno”, disse.

O consultor jurídico da Associação Livres, Irapuã Santana, corrobora o entendimento de que o procedimento não foi respeitado e reclama, ainda, do calendário apertado de votação do projeto de lei. 

O Livres já havia entrado com um mandado de segurança na ocasião da aprovação da LDO por entender que o prazo de deliberação da nova norma orçamentária não foi “razoável”. Na ocasião, Senado e Câmara aprovaram mais de 2 mil emendas em um só dia. 

“A questão foi que não tinha tempo hábil para ocorrer uma deliberação a respeito de uma mudança tão importante dentro do nosso sistema eleitoral”, aponta Santana. Ele alega, ainda, que minorias parlamentares não foram ouvidas, e que o regimento interno do Congresso e a Constituição foram feridos pela falta de espaço de discussão na votação.

A coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil, Ana Claudia Santano, ressalta que a organização irá defender em plenário que as verbas de campanha não podem ser aumentadas de forma discricionária. 

“O Fundo Eleitoral é importante e não deve ser um elemento que desequilibre a competição eleitoral. Neste caso, concordamos com o argumento de que a competência sobre o valor é do Executivo, que é o responsável pelo equilíbrio das contas públicas”, afirmou ao Estadão. 

O temor dos representantes é que o fundo escale indefinidamente. Santos lembra que no modelo de financiamento privado a receita total de campanha deu saltos em cada eleição. Após a proibição da participação empresarial, o padrão mudou. “Ficou evidente que é possível fazer campanha com gastos módicos. O próprio presidente foi eleito com gasto muito ínfimo”, lembra o diretor do MCCE. 

Defesa

Consultados por Mendonça, Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pediram a rejeição da proposta do Novo.

O presidente da Câmara defendeu que a fonte de recursos utilizada foi indicada, que a adição de um dispositivo sobre o método de cálculo é “completamente condizente” com a prerrogativa parlamentar e acusou o Novo de “judicializar e criminalizar a política”. 

Já Pacheco escreveu que “não há vício de iniciativa de nenhuma espécie” e pontuou que a nova norma não acarreta aumento de despesa. Segundo ele, a eventual elevação do valor do fundo será deduzida do montante reservado às emendas de bancadas das unidades da federação. 

“O acréscimo de nova disposição acerca do método de cálculo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ora impugnado, é perfeitamente compatível com o poder de emendamento parlamentar e com o objeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias”, escreveu.

Em resposta, a Advocacia-Geral da União mostrou que Bolsonaro mudou de entendimento sobre o caso e deixou de considerar inconstitucional o aumento do fundo.

“A forma de distribuição dos recursos, por sua vez, guarda uma métrica objetiva e legalmente prevista, de modo que adotar a premissa de que quanto maior o valor for destinado para as campanhas, maior será o desvio de finalidade seria, por si só, um equívoco”, sustentou a AGU.

Também a Procuradoria-Geral da República se manifestou e disse que desde que observada a compatibilidade com o plano plurianual, os parlamentares podem apresentar emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias. 

Tramitação

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), o fundo eleitoral, foi instituído em 2017 após decisão do STF, que tomou como inconstitucional o financiamento privado de campanhas. No ano seguinte, as eleições já passaram a contar com custeio da União, partindo de valores definidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para 2022, a estratégia dos parlamentares para engordar o “fundão” foi incidir sobre a LDO, propondo um cálculo com base em 25% do orçamento da própria Justiça Eleitoral de 2021 e na verba proposta pelo Executivo em 2022. Além de uma estimativa de arrecadação oriunda do fim da propaganda partidária no rádio e na TV. 

O presidente Jair Bolsonaro vetou o montante e, seguindo orientação do Ministério da Economia, propôs a distribuição de R$ 2,1 bilhões aos partidos. Nos pleitos anteriores, o chamado "fundão" destinou R$ 1,7 bilhão para a eleição de 2018 e R$ 2 bilhões em 2020. 

Na prática, o valor proposto pelo governo se aproximava ao de uma correção inflacionária das verbas passadas.

O veto, contudo, foi derrubado pelo Congresso. Como o Estadão/Broadcast Político mostrou, durante a aprovação do Orçamento de 2022, técnicos do Legislativo apontaram que a verba da propaganda partidária, calculada em R$ 800 milhões, já estava incorporada no orçamento da Justiça Eleitoral e a Comissão Mista de Orçamento estabeleceu um valor final de R$ 4,9 bilhões para o fundão, consolidado na LOA deste ano. 

Confira a entrevista com Eduardo Ribeiro, presidente do Novo, partido autor da ação no Supremo:

O STF vai julgar a constitucionalidade do aumento do fundo eleitoral. Quais são os argumentos do Novo para pedir a anulação do artigo que permitiu aumentar o montante distribuído?

Nosso principal argumento é que o Congresso usurpou uma competência que é do Executivo, que é propor o Orçamento, e ao mudar o cálculo do fundo eleitoral sem nenhuma previsão legal para isso eles acabam influindo em inconstitucionalidade. A fórmula do cálculo já foi definida em 2017, tanto que valeu para 2018, foi corrigida pela inflação em 2020. Deveria ser corrigida pela inflação em 2022. Essa é a lógica. Eles inventaram uma fórmula nova sem uma lei para isso. 

Onde estaria o “vício de iniciativa” no procedimento tomado pelo Congresso?

Tanto a LDO quanto a LOA são prerrogativas do Executivo, o Executivo que tem que propor. Não pode vir do Congresso. O Congresso extrapolou seus limites nesse caso. 

A sigla argumenta que a matéria foi votada de forma atropelada no Congresso. Isso também é questionado no processo de validação do PLDO?

É praxe que essas questões mais polêmicas sejam votadas a toque de caixa, porque as negociações são feitas fora do parlamento. Quando vem o projeto pronto já é para ser votado, não dá tempo de ser discutido, a sociedade não consegue se mobilizar e é aprovado. Foi assim na aprovação em junho da LDO, e no final do ano na LOA. Bolsonaro chegou a vetar esse aumento e quando a Câmara derruba o veto, nós entendemos que a inconstitucionalidade se mantém. No momento em que estamos vivendo de escassez, crise financeira, econômica e sanitária, não faz o menor sentido esse aumento à custa da população. 

A nova proposta abre um precedente para os gastos dos próximos anos?

Se considerarmos que isso é constitucional, nós atribuímos ao Congresso o poder de aumentar o fundo eleitoral em cada eleição. Hoje é 5 bilhões. Em 2024 vai ser 10 bilhões? Isso vai ter uma consequência muito ruim, porque os financiamentos são mistos. Uma parte é público, mas a sociedade e os candidatos precisam captar doações também para fazer suas campanhas, como é o caso do Novo. A gente não usa fundo eleitoral, é só à base de captação. A partir do momento que você tem muito recurso para as campanhas políticas, as campanhas vão ficar muito inflacionadas. Produção de material gráfico, audiovisual, logística… tudo fica muito mais caro. Isso acaba desincentivando as doações voluntárias. Os candidatos se acostumam com um valor muito alto, receber doações não vai deixá-los mais competitivos, porque o volume já vai ser absurdo de recursos públicos. E damos poder para os caciques partidários de dizer quem vai ser competitivo e quem não vai. Isso abre um precedente para chegar em um momento em que a nossa democracia fica ameaçada. Você tem pequenos grupos de pessoas decidindo quem vai ser eleito ou não. 

Como o Novo imagina que esse cálculo deveria ser feito?

Mantido o mesmo modelo do passado. Proporcional às emendas e corrigido a inflação. Idealmente nós defendemos a extinção do fundo. Em 2016 foi feita uma campanha sem doações de empresas, o fundo eleitoral não existia e a eleição aconteceu normalmente. Foram eleições mais baratas, todos os cargos foram ocupados. Entendemos que no momento, o máximo que poderia conhecer seria a correção da inflação. Mais do que isso seria deturpado da realidade. 

O aumento exacerbado dos gastos de campanha foi um dos motivos que levou o STF a proibir o financiamento privado de campanhas por parte das empresas. Você acredita que isso pode acontecer agora se esse cálculo se mantiver?

O que precisaria ser feito no nosso entendimento: ter regras muito claras de limite de quando cada um poderia doar e ter muita transparência nessas doações. Porque um dos argumentos contra as doações voluntárias é que os candidatos ficariam reféns de quem doou. Só que nunca se usa como argumento que os políticos eleitos passem a ficar reféns dos caciques partidários, porque são eles que vão decidir quem vai ser financiado ou não. Me parece muito mais democrático você deixar a sociedade com o poder de financiar do que meia dúzia de caciques. O Brasil tem Ministério Público, Tribunal de Contas, Corregedoria, inúmeros órgãos para fiscalizar conflitos de interesse.

Defensores do fundão argumentam que ele contribui com uma suposta democratização da política. Você acredita que existem critérios transparentes de distribuição do fundo que geram contrapartidas que garantam essa democratização? 

80% do fundo eleitoral vai para 1% dos candidatos. Certamente isso não é democrático. Candidatos que já têm mandato e vão para a reeleição, ganham sete vezes mais do que os candidatos de primeira vez. Também não é verdade que os candidatos mais pobres teriam acesso a recursos. Todos os argumentos a favor do fundo eleitoral, podem ser intuitivos, só que quando vai para a prática não é isso que acontece. Você tem uma concentração de poder para quem vai definir quem vai ser competitivo ou não e isso não tem nada a ver com trazer mais democratização ou permitir que candidatos mulheres e negros tenham mais chances de ser eleitos. 

Como a definição do Orçamento influencia os mandatos? 

Isso é uma falha do nosso modelo de Estado. Hoje nós temos um Congresso que abocanhou boa parte do orçamento em causa própria. Quando você vê a lei do fundo eleitoral, as emendas impositivas, as emendas de relator, as emendas de bancada, somado a um governo fraco acaba causando uma distorção de prioridades. Você não consegue implementar políticas públicas eficientes. A legislação também é complacente com a autopromoção desses políticos que já estão no poder. E ao mesmo tempo é restritiva para você conseguir ser um candidato do partido e se tornar conhecido. Tudo vira campanha antecipada. 

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