BRASÍLIA – Novo presidente da Frente Parlamentar Evangélica, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) assumiu nesta quarta-feira, dia 9, a presidência da frente pela primeira vez. Ele substituirá o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Na entrevista ao Estadão, deputado traçou o diagnóstico de uma bancada amplamente bolsonarista e disse que, se houver aval dos seus pares, não pretende receber outros presidenciáveis que almejam o apoio dos crentes. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Houve um acordo de paz para o senhor assumir a frente evangélica? Nunca houve guerra. Existiu na eleição de 2020 um acordo (de revezamento) entre mim e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Ele sempre me garantiu que seria cumprido. O que houve foram agentes externos. Tivemos uma conversa na quinta-feira passada e após a ceia vamos nos reunir e alterar o estatuto da frente parlamentar para mandato de um ano, evitando problemas futuros, e ele me transmite o cargo.
O episódio pode prenunciar opções eleitorais diferentes dos líderes religiosos e suas igrejas? Temos que diferenciar o que são os deputados e os pastores, a liderança evangélica. Assim que assumir vou apresentar a nova diretoria, convidando os ex-presidentes da frente para serem vice-presidentes. Todas as decisões serão tomadas consultado a diretoria e a bancada. São 115 deputados e 13 senadores. Não posso dizer se vai haver racha antes de consultar meus pares. Mas sinto que 90% dos deputados da frente evangélica querem apoiar a reeleição do presidente Bolsonaro. Temos duas deputadas do PT, Benedita da Silva (RJ) e Rejane Dias (PI), elas têm todo nosso carinho, e lógico que elas vão apoiar o candidato do partido delas. Fora elas, desconheço quem queira apoiar outro candidato. Com relação à liderança evangélica, entendo que a penetração do presidente é tão forte que por mais que uma liderança ou outra, denominacional, seja do tamanho que for, queira apoiar outra candidatura, ela terá problema com seus liderados. Mesmo com o desgaste da dificuldade econômica, na minha visão ele tem 70% de qualquer igreja.
A carta de princípios cristãos lançada por Sérgio Moro, pré-candidato do Podemos, conseguiu sensibilizar os evangélicos? Moro foi mal orientado. Ele precisa melhorar a assessoria se quiser se aproximar dos evangélicos. Se é pra fazer um documento aliviando o conservadorismo é melhor não fazer. Ele foi bem em vários pontos, mas deu uma derrapada. Quando acendeu uma vela dizendo que “apoia a família tradicional”, não precisava colocar “mas respeita opções sexuais”. O complemento daquele parágrafo comprometeu tudo. Por causa desse parágrafo, ele continuou enfraquecido. Acho que por causa dos bons serviços como juiz da Lava Jato ainda tem o respeito e consideração de muitos seguidores. Bolsonaro já teve uns 90% de apoio dos evangélicos, mas por causa dos problemas econômicos e outros detalhes diminuiu no seguimento e parte pode estar migrando para Moro, sim, por causa do combate à corrupção. Ele pode, se bem orientado, atrair esses votos.
Moro e seu núcleo evangélico, liderado por um advogado presbiteriano, erraram no tom? Ele precisa buscar dar uma pitada de pentecostalismo. Precisa de alguns pentecostais no time, para evitar umas deslizadas. Os pentecostais, em especial Assembleia de Deus, são 60% dos evangélicos. A Igreja Presbiteriana é considerada mais progressista do que os pentecostais. Em algum momento o progressismo presbiteriano falou mais alto e aí não tem sintonia com o segmento, na maioria, pentecostal.
Moro se manifestou contra a campanha em templos e cultos. Fato é que a Justiça só pune quando há pedido explícito de voto. A igreja é lugar para candidatos? A igreja deve receber todas as pessoas, de um cidadão delinquente à autoridade máxima do País. A presença de candidatos sempre existiu. É normal que a igreja ore pela necessidade das pessoas. Não existe na lei o que, forçadamente, o Tribunal Superior Eleitoral tentou criar, a figura do crime de abuso de poder religioso. É mais um abuso de poder do judiciário, do ministro Fachin em especial, inventar um crime eleitoral inexistente em nossa legislação. Lamento. Que eu saiba o poder Legislativo ainda existe.
Lula parece ter recebido esse ‘conselho’ de se aproximar do pentecostalismo, em especial da Assembleia de Deus. Criou um podcast com pastor, se reuniu com o bispo Manoel Ferreira, e o bispo Abner Ferreira reconheceu o “capital político” do ex-presidente. Faz mais sentido essa estratégia? Eu jamais subestimo a capacidade política do ex-presidente Lula. Entendo que os movimentos dele são assertivos. Ele pode acertar, mas não vai enganar mais o povo evangélico. Ele já se declarou uma jararaca que acertaram o rabo, mas não a cabeça. Os pentecostais entendem que toda serpente nasce para pisarmos na cabeça e matar. O segmento sabe o que foram os 14 anos de governo de PT, a afronta com relação aos valores cristãos. Como Deus é justo, houve o ataque de um vereador do PT à igreja católica em Curitiba. Deveria estar na cadeia. No mínimo, o PT deveria expulsá-lo do partido, se é que é tão simpático aos cristãos, por cometer crime de vilipêndio à igreja católica. Lula não vai conseguir esconder esse DNA do PT na eleição. Nós vamos mostrar aos evangélicos. É um DNA de afronta aos cristãos. Foi assim a partir do segundo governo de Lula e será assim se acontecer uma desgraça de voltar a governar o Brasil.
O senhor fala nessa afronta ao cristianismo, mas, historicamente, o PT surgiu também nas comunidades eclesiais de base, bispos católicos ajudaram na organização do partido. Todos os evangélicos em algum momento acreditaram em Lula. Todos apoiaram. Acreditavam no esforço da justiça social, uma pauta cristã. Mas só quem enriqueceu no governo Lula foi banqueiro. A corrupção foi assustadora. Essas comunidades de base hoje devem ter vergonha de dizer que o PT nasceu nessas comunidades.
Qual será a prioridade da frente? Focar na eleição para ampliar a bancada com o máximo de colegas. Somos sub-representados. Somos 30% da população brasileira, e não somos 30% dos deputados, muito menos dos senadores. Precisamos melhorar a fidelização do voto de base das nossas igrejas aos nossos representantes, dar prioridade à reeleição.
Como é essa fidelização? Elegemos em 2018 somente 105 deputados da bancada. Somos 115 hoje porque dez assumiram ao longo do mandato, são primeiro e segundo suplentes. Se não temos 30% dos votos, é porque os votos estão se evadindo para pessoas que não são evangélicas. Os dados têm que chegar à liderança religiosa tem que chegar aos liderados, aos pastores e aos membros. Quando não fidelizamos e não damos prioridade no voto representativo, elegemos pessoas que não têm os mesmos valores. Estamos tendo evasão de votos no segmento. Não temos 30% da bancada e 10 deputados ficaram de fora da bancada. Os profissionais da política, em especial presidentes dos partidos, já identificaram que o voto evangélico é barato e fidelizado. Eles pegam pessoas de dentro da igreja, mas que não têm o apoio da liderança, para fragmentar voto dentro da igreja e eleger outras pessoas em nominata. Com isso, tiram 2 mil, 3 mil votos de alguém apoiado institucionalmente pelas igrejas, que acabam ficando de fora, em primeira e segunda suplência. Os presidentes de partidos aprenderam a minar o nosso segmento. Isso precisa ser verbalizado para a igreja, para que esses candidatos aventureiros colocados por presidentes de partidos deixem de existir no nosso segmento e a gente tenha candidaturas sólidas apoiadas para elegermos quem de verdade tem apoio institucional. Essa tática sutil de presidentes de partidos têm minado as nossas bases. Acontece muito em partidos pequenos.
O senhor entende, então, que estão usando o segmento evangélico? Lamentavelmente, o segmento evangélico está sendo usado por caciques da política para entrar e minar nossa base eleitoral. Temos que conscientizar a liderança e a membresia evangélica.
Como explicar que o senhor não está propondo uma espécie de voto de cabresto ou de cajado, com direcionamento pela igreja? Temos várias candidaturas que representam o segmento e são competitivas. Ninguém faz voto de cabresto em nenhuma igreja. O que queremos é conscientizar que dentro das opções no segmento, das que têm chance e competitividade, o eleitor possa escolher seu candidato. Não existe isso de dizer ‘vote neste ou naquele’. Não podemos deixar minar nossas bases. Temos um elenco de opções, pode haver orientação para os irmãos escolherem dentro do segmento os competitivos. Os sindicatos fazem isso, os empresários fazem, o agronegócio faz isso. A igreja também pode de maneira cidadã cons
Os pré-candidatos estão atrás dos parlamentares evangélicos. A frente vai receber os pré-candidatos a presidente, abrir um diálogo? A figura institucional de presidente é de amplo diálogo com todo mundo, mas não posso me dar ao luxo de abrir diálogo em ano eleitoral sem antes ouvir meus pares. Se decidirmos o alinhamento a Bolsonaro, institucionalmente, vou me negar a receber, se a bancada delegar autonomia para definir apoio a determinado candidato, que me parece ser Bolsonaro.
O que pretende fazer assim que assumir o cargo? Quero ter um termômetro da bancada como um todo. Ainda teremos muitos passos, lógico, partidários, convenções. Muita coisa pode mudar. Mas não posso ser infiel à ampla base dos meus colegas, respeitando os casos isolados.
Dá tempo de emplacar alguma pauta da bancada em 2022? No fim do ano passado votaram requerimento de urgência dos jogos de azar. Fere muito nossos interesses. Caso o presidente da Câmara, Arthur Lira, queira pautar agora, temos que nos articular. Se virarmos 25 votos, enterramos esse projeto de uma vez por todas. Se a gente quiser pautar algo, podem querer oferecer algum tipo de negociação e permuta, o que seria muito ruim em ano eleitoral.
Já houve aceno de pauta de interesse das igrejas? É natural que, no parlamento, quando querem pautar algo que contraria nossos interesses, peçam para indicarmos algo do nosso interesse. É normal. Mas neste ano não podemos abrir nenhum tipo de concessão, nem pautar nada que interfira em nossos valores, nem pedir que seja pautado nada de nosso interesse.
O senhor vai chamar Eduardo Bolsonaro e Helio Lopes para a cúpula da frente? Eles são da Igreja Batista, fazem parte da bancada, mas nunca foram ativos. Quero trazê-los para perto de algum cargo da diretoria. Pretendo convidá- los porque entendo que a maioria da bancada tem tendência de apoiar o presidente. Um é filho, e o outro é meio que “adotado”, facilitaria a interlocução com o Bolsonaro.
O pretende continuar no novo partido União Brasil? Preciso ver a definição de quem vai presidir (o diretório) no Rio. Estou presidente do DEM. O presidente do PSL é o prefeito de Belford Roxo, Waguinho. Ele tem uma ficha corrida na Justiça bastante longa. E eu não sou liderado por quem tem uma ficha corrida do tamanho da dele. Se for presidido por ele, não me submeto. Se fosse eu, e acho que não devo ser, poderia avaliar continuar. Se fosse uma terceira pessoa, precisaria saber quem comandaria, para poder ter uma interlocução.