O Exército vai entrar na guerra contra o crime no Rio de Janeiro, mas, até aqui, sem Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sem tanque nas ruas e sem tropas subindo os morros e trocando tiros com o “inimigo”, leia-se o crime organizado e as milícias, embolados numa coisa só, desafiando o Estado e aterrorizando a sociedade. A intenção é usar a Força Terrestre na fronteiras, sobretudo nas fronteiras do Paraná e Mato Grosso, estratégicas para esse “inimigo”. Mas com limites: a responsabilidade (e culpas) continuarão com o governo do Estado e a solução é de todos os poderes e órgãos.
O que está em estudo é a aplicação da GLO, prevista na Constituição, para a Marinha agir nos portos e a Aeronáutica nos aeroportos, também pontos nevrálgicos para o crime. Já o Exército, que lambe as feridas e tenta superar os traumas da era Bolsonaro, basta usar a Lei Complementar 97, de 1999, depois atualizada como 136. Não precisa nada novo, já que a lei estabelece “atividades subsidiárias” para o Exército em três frentes: inteligência, logística e comando e controle, inclusive com uso de blindados numa faixa de até 150km nas fronteiras.
Essa atuação das Forças Armadas, discutida na quarta-feira, 25/10, pelos ministros da Defesa e da Justiça, os três comandantes, o diretor-geral da PF e o segundo da Justiça, Ricardo Cappelli, é parte de um esforço concentrado contra o caos no Rio, que será apresentado ao presidente Lula na segunda-feira, 30/10. Envolve várias áreas do governo, até o Ministério da Fazenda, porque uma das prioridades é asfixiar financeiramente as facções e milícias.
A audácia do crime organizado é tanta que seus chefes juntam e lavam dinheiro a rodo, com a venda de gelo nas praias até a construção de prédios e condomínios, como na Zona Oeste do Rio e a Zona Sul de São Paulo, na área de Parelheiros. De gelo ao ramo imobiliário, passando por cima de leis e regras ambientais, urbanas ou qualquer outra. Vão lá, constroem em duas semanas. Vira e mexe, um prédio cai, matando uma família inteira.
Além de não assumir responsabilidades e ônus políticos que são do próprio Rio, o governo federal também tenta cuidar da própria imagem e a das FA, articulando novos modelos que não repitam as falhas e a ineficácia de antigas operações de GLO: 18 meses nos Complexos do Alemão e da Penha e 14 no Complexo da Maré nos primeiros governos Lula e nos de Dilma Rousseff, além da intervenção federal de dez meses em 2018, no Governo Temer. Até o atual comandante do Exército, general Tomas Paiva, participou de duas delas. O que sobrou disso? Nada.
Aliás, sobrou uma investigação sobre desvio de dinheiro público na intervenção, à época comandada pelo general Walter Braga Neto, depois ministro da Defesa, chefe da Casa Civil, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro e hoje, com pedido de indiciamento pela CPMI do Golpe.
Sem falar que o Arsenal do Exército em Barueri, São Paulo, foi flagrado desviando armas de longo alcance justamente para o crime organizado, inclusive no Rio. A investigação afunilou para 17 prisões administrativas e sete pedidos de prisão preventiva, até de oficiais. A punição tende a ser dura, mas a cicatriz fica.
Por isso, o Exército, as Forças Armadas, a Defesa e o próprio Lula querem, de um lado, a ação militar contra o caos no Rio e, de outro, cuidado para evitar mais frustrações e danos à imagem. É por isso, aliás, o consenso de que para frente, pode ser. , mas não é hora de retomar a Comissão da Verdade sobre a ditadura militar. Parece que nunca é hora…