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Opinião|Lula recuou de Holocausto e manteve genocídio como alerta para armadilha e massacre em Rafah


Alto diplomata diz que reclamar depois de um massacre na fronteira com o Egito seria como chorar “lágrimas de crocodilo” e “fazer minissérie depois, tarde demais”

Por Eliane Cantanhêde
Atualização:

A semana passada começou desastrosa, com a inaceitável comparação dos ataques a Gaza com o Holocausto, mas evoluiu bem com dois consensos importantes na reunião de chanceleres do G-20 (grupo das maiores economias globais) e encerrou com o presidente Lula modulando o discurso: deixou de lado o falatório sobre Holocausto, mas manteve a acusação de genocídio contra Israel.

A insistência no termo genocídio, polêmica, a anos-luz de qualquer consenso, tem um motivo: o temor, não apenas do Brasil, mas do mundo, de que a próxima etapa da selvageria seja em Rafah, ao sul de Gaza, na fronteira com o Egito, para onde o regime Netanyahu empurrou milhares de civis palestinos. Ou seja, de que Rafah se transforme numa imensa e macabra armadilha. Não adianta reclamar depois do massacre ou, como me disse um alto diplomata, “não venham chorar lágrimas de crocodilo e fazer minissérie depois, tarde demais”.

Lula deixou de usar a comparação com o Holocausto, mas voltou a dizer que governo de Israel pratica genocídio em Gaza Foto: Pedro Kirilos/Estadão
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Ao insistir no termo, Lula está também amparado por recente decisão da Corte Internacional de Justiça de Haia. Acionada pela África do Sul, inclusive com apoio do Brasil, para julgar Israel por violação à chamada “Convenção contra Genocídio”, de 1948, a Corte adotou medidas cautelares, ou seja, preventivas, contra o regime Netanyahu. Em bom português, reconheceu a possibilidade, ou risco real, de genocídio contra os palestinos.

Dessa forma, Lula recuou da manifestação sobre o Holocausto, uma comparação condenável sob todos os aspectos, sem deixar de assumir ostensivamente sua condenação aos ataques de Israel, desproporcionais e tendo como alvo muitos milhares de crianças e mulheres, diante da passividade do mundo e da inoperância da ONU.

Aliás, os dois consensos na reunião de chanceleres do G-20, no Rio, foram a criação de dois estados independentes, o de Israel e o da Palestina, e justamente a reforma da ONU. Com Israel dizimando famílias palestinas e a invasão da Rússia na Ucrânia completando dois anos, com crescente possibilidade de vitória russa, a hora é essa. Agora ou nunca.

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Reforma do Conselho de Segurança da ONU é um dos temas de interesse do Brasil  Foto: Mike Segar/Reuters

Sob a presidência do Brasil, os chanceleres seguiram a estratégia do anfitrião Mauro Vieira e deixaram as (muitas) discordâncias em segundo plano para focar nas convergências. Exemplo: Brasil e EUA discordam radicalmente em relação à guerra de Israel e ao uso do termo genocídio, mas concordam com a necessidade de dois estados independentes, aliás, como também defendem a Europa e a grande parte do mundo. Segundo Vieira, essa posição foi “uma virtual unanimidade” na reunião.

E quem haveria de discordar de que a ONU não está funcionando e é preciso arejar e ampliar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial? O começo tem de ser, exatamente, pelo Conselho de Segurança da ONU, porque o mundo mudou, o equilíbrio entre as nações é outro, as prioridades evoluíram, e não tem sentido manter cinco potências com direito a veto, anulando mutuamente suas posições e impedindo decisões de interesse da humanidade. Com um único voto, os EUA derrubaram a proposta de resolução do Brasil para cessar-fogo em Gaza.

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Como falar é uma coisa e fazer é outra, o Brasil e o mundo sabem que EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, os cinco membros permanentes, dizem que topam, mas vão fazer tudo para evitar a reforma. É por isso que, pela primeira vez na história, a próxima reunião de chanceleres do G20 será dentro da sede da ONU, em setembro, em Nova York, coincidindo com a abertura da Assembleia Geral. Ou seja, um confronto de ricos com ricos, para exatamente tentar ir das palavras aos atos e começar uma discussão séria, de fato, sobre a velha e agora inadiável atualização da governança global. Lula abriu pessimamente a semana, mas a consistente diplomacia brasileira botou o trem nos trilhos.

A semana passada começou desastrosa, com a inaceitável comparação dos ataques a Gaza com o Holocausto, mas evoluiu bem com dois consensos importantes na reunião de chanceleres do G-20 (grupo das maiores economias globais) e encerrou com o presidente Lula modulando o discurso: deixou de lado o falatório sobre Holocausto, mas manteve a acusação de genocídio contra Israel.

A insistência no termo genocídio, polêmica, a anos-luz de qualquer consenso, tem um motivo: o temor, não apenas do Brasil, mas do mundo, de que a próxima etapa da selvageria seja em Rafah, ao sul de Gaza, na fronteira com o Egito, para onde o regime Netanyahu empurrou milhares de civis palestinos. Ou seja, de que Rafah se transforme numa imensa e macabra armadilha. Não adianta reclamar depois do massacre ou, como me disse um alto diplomata, “não venham chorar lágrimas de crocodilo e fazer minissérie depois, tarde demais”.

Lula deixou de usar a comparação com o Holocausto, mas voltou a dizer que governo de Israel pratica genocídio em Gaza Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ao insistir no termo, Lula está também amparado por recente decisão da Corte Internacional de Justiça de Haia. Acionada pela África do Sul, inclusive com apoio do Brasil, para julgar Israel por violação à chamada “Convenção contra Genocídio”, de 1948, a Corte adotou medidas cautelares, ou seja, preventivas, contra o regime Netanyahu. Em bom português, reconheceu a possibilidade, ou risco real, de genocídio contra os palestinos.

Dessa forma, Lula recuou da manifestação sobre o Holocausto, uma comparação condenável sob todos os aspectos, sem deixar de assumir ostensivamente sua condenação aos ataques de Israel, desproporcionais e tendo como alvo muitos milhares de crianças e mulheres, diante da passividade do mundo e da inoperância da ONU.

Aliás, os dois consensos na reunião de chanceleres do G-20, no Rio, foram a criação de dois estados independentes, o de Israel e o da Palestina, e justamente a reforma da ONU. Com Israel dizimando famílias palestinas e a invasão da Rússia na Ucrânia completando dois anos, com crescente possibilidade de vitória russa, a hora é essa. Agora ou nunca.

Reforma do Conselho de Segurança da ONU é um dos temas de interesse do Brasil  Foto: Mike Segar/Reuters

Sob a presidência do Brasil, os chanceleres seguiram a estratégia do anfitrião Mauro Vieira e deixaram as (muitas) discordâncias em segundo plano para focar nas convergências. Exemplo: Brasil e EUA discordam radicalmente em relação à guerra de Israel e ao uso do termo genocídio, mas concordam com a necessidade de dois estados independentes, aliás, como também defendem a Europa e a grande parte do mundo. Segundo Vieira, essa posição foi “uma virtual unanimidade” na reunião.

E quem haveria de discordar de que a ONU não está funcionando e é preciso arejar e ampliar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial? O começo tem de ser, exatamente, pelo Conselho de Segurança da ONU, porque o mundo mudou, o equilíbrio entre as nações é outro, as prioridades evoluíram, e não tem sentido manter cinco potências com direito a veto, anulando mutuamente suas posições e impedindo decisões de interesse da humanidade. Com um único voto, os EUA derrubaram a proposta de resolução do Brasil para cessar-fogo em Gaza.

Como falar é uma coisa e fazer é outra, o Brasil e o mundo sabem que EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, os cinco membros permanentes, dizem que topam, mas vão fazer tudo para evitar a reforma. É por isso que, pela primeira vez na história, a próxima reunião de chanceleres do G20 será dentro da sede da ONU, em setembro, em Nova York, coincidindo com a abertura da Assembleia Geral. Ou seja, um confronto de ricos com ricos, para exatamente tentar ir das palavras aos atos e começar uma discussão séria, de fato, sobre a velha e agora inadiável atualização da governança global. Lula abriu pessimamente a semana, mas a consistente diplomacia brasileira botou o trem nos trilhos.

A semana passada começou desastrosa, com a inaceitável comparação dos ataques a Gaza com o Holocausto, mas evoluiu bem com dois consensos importantes na reunião de chanceleres do G-20 (grupo das maiores economias globais) e encerrou com o presidente Lula modulando o discurso: deixou de lado o falatório sobre Holocausto, mas manteve a acusação de genocídio contra Israel.

A insistência no termo genocídio, polêmica, a anos-luz de qualquer consenso, tem um motivo: o temor, não apenas do Brasil, mas do mundo, de que a próxima etapa da selvageria seja em Rafah, ao sul de Gaza, na fronteira com o Egito, para onde o regime Netanyahu empurrou milhares de civis palestinos. Ou seja, de que Rafah se transforme numa imensa e macabra armadilha. Não adianta reclamar depois do massacre ou, como me disse um alto diplomata, “não venham chorar lágrimas de crocodilo e fazer minissérie depois, tarde demais”.

Lula deixou de usar a comparação com o Holocausto, mas voltou a dizer que governo de Israel pratica genocídio em Gaza Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ao insistir no termo, Lula está também amparado por recente decisão da Corte Internacional de Justiça de Haia. Acionada pela África do Sul, inclusive com apoio do Brasil, para julgar Israel por violação à chamada “Convenção contra Genocídio”, de 1948, a Corte adotou medidas cautelares, ou seja, preventivas, contra o regime Netanyahu. Em bom português, reconheceu a possibilidade, ou risco real, de genocídio contra os palestinos.

Dessa forma, Lula recuou da manifestação sobre o Holocausto, uma comparação condenável sob todos os aspectos, sem deixar de assumir ostensivamente sua condenação aos ataques de Israel, desproporcionais e tendo como alvo muitos milhares de crianças e mulheres, diante da passividade do mundo e da inoperância da ONU.

Aliás, os dois consensos na reunião de chanceleres do G-20, no Rio, foram a criação de dois estados independentes, o de Israel e o da Palestina, e justamente a reforma da ONU. Com Israel dizimando famílias palestinas e a invasão da Rússia na Ucrânia completando dois anos, com crescente possibilidade de vitória russa, a hora é essa. Agora ou nunca.

Reforma do Conselho de Segurança da ONU é um dos temas de interesse do Brasil  Foto: Mike Segar/Reuters

Sob a presidência do Brasil, os chanceleres seguiram a estratégia do anfitrião Mauro Vieira e deixaram as (muitas) discordâncias em segundo plano para focar nas convergências. Exemplo: Brasil e EUA discordam radicalmente em relação à guerra de Israel e ao uso do termo genocídio, mas concordam com a necessidade de dois estados independentes, aliás, como também defendem a Europa e a grande parte do mundo. Segundo Vieira, essa posição foi “uma virtual unanimidade” na reunião.

E quem haveria de discordar de que a ONU não está funcionando e é preciso arejar e ampliar a Organização Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial? O começo tem de ser, exatamente, pelo Conselho de Segurança da ONU, porque o mundo mudou, o equilíbrio entre as nações é outro, as prioridades evoluíram, e não tem sentido manter cinco potências com direito a veto, anulando mutuamente suas posições e impedindo decisões de interesse da humanidade. Com um único voto, os EUA derrubaram a proposta de resolução do Brasil para cessar-fogo em Gaza.

Como falar é uma coisa e fazer é outra, o Brasil e o mundo sabem que EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, os cinco membros permanentes, dizem que topam, mas vão fazer tudo para evitar a reforma. É por isso que, pela primeira vez na história, a próxima reunião de chanceleres do G20 será dentro da sede da ONU, em setembro, em Nova York, coincidindo com a abertura da Assembleia Geral. Ou seja, um confronto de ricos com ricos, para exatamente tentar ir das palavras aos atos e começar uma discussão séria, de fato, sobre a velha e agora inadiável atualização da governança global. Lula abriu pessimamente a semana, mas a consistente diplomacia brasileira botou o trem nos trilhos.

Opinião por Eliane Cantanhêde

Comentarista da Rádio Eldorado, Rádio Jornal (PE) e da GloboNews

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