A queda de braço entre o presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira, que ganha novos contornos e novos personagens, começa a preocupar, principalmente, a área econômica do governo. Afinal, Lira quer ministérios para o Centrão e eleger seu sucessor no cargo e Lula tem que garantir margem sólida de apoios no Congresso e, neste momento, a aprovação da âncora fiscal na Câmara.
Os dois adoram testar forças, estão armados até os dentes, sabem usar essas armas e não terão pruridos em disparar um contra o outro: Lira e Lula, governo e Câmara. Essa brincadeira, ou guerra, pode ter alto custo para ambos, e não só agora, também depois, depois e depois. Os precedentes são muitos, Dilma Rousseff e Eduardo Cunha que o digam.
Um encontro entre Lula e Lira vem sendo empurrado com a barriga desde julho, no recesso. Todo dia é anunciado para o dia seguinte, mas é “adiado”, como nesta quinta-feira, 3, quando os dois se encontraram nas posses de Celso Sabino no Turismo e de Cristiano Zanin no Supremo, mas a conversa a dois, prevista para a manhã, no Planalto, simplesmente não existiu.
Segundo Lira, Lula “está no tempo dele” (para jogar o PP de Lira e o Republicanos do governador Tarcísio Gomes de Freitas dentro do governo). Em contrapartida, pode-se dizer que Lira também “está no tempo dele” para pautar a âncora fiscal. Na própria quinta, ele descartou incluir o projeto na pauta, “por falta de consenso”.
O principal temor da área econômica, como admitiu a ministra Simone Tebet (Planejamento) numa conversa no seu gabinete, é que a Câmara altere um ponto chave do projeto de âncora fiscal aprovado no Senado: o prazo para o cálculo da inflação para o Orçamento do próximo ano.
O projeto original do governo previa a inflação realizada de janeiro a junho, com projeção de uma média até dezembro de 2023. A Câmara mudou para uma inflação de junho de 2022 a junho deste ano. O Senado voltou à proposta governista. Agora, a Câmara está com a faca e o queijo na mão, ou com a faca no pescoço de Lula. Mas ele tem reforços no MDB e no PSD, por exemplo.
A diferença entre os dois prazos pode tirar em torno de R$ 30 bilhões do Orçamento de 2024. Em vez dos R$ 128 bilhões com que Tebet e Fernando Haddad (Fazenda) trabalham, o governo teria R$ 98 bilhões para seus compromissos.
Além da perda, que é o fundamental, há um aspecto prático: Tebet já rodou a Esplanada dos Ministérios, colhendo as prioridades de cada área. Já imaginaram a crise para rever tudo, tirar daqui e por dali? Agora, é esperar para ver “o tempo”, a teimosia e a força de Lula e Lira.