Assim como o Brasil saiu de uma ditadura militar de vinte anos com uma anistia “ampla, geral e irrestrita” que perdoou indistintamente quem torturou e quem foi torturado, morto ou “desaparecido” pelo Estado, está na fase final um acordão a favor tanto de quem liderou quanto de quem foi alvo da Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção no País, quiçá no mundo.
A anistia dos dois lados da Lava Jato não foi selada em plenários do Legislativo, reuniões do Executivo ou durante sessões do Supremo e não dá para bancar se, um dia, daqui a uma semana, um ano ou uma década vamos conhecer os personagens, condições e contrapartidas. Mas, ao que tudo indica e as absolvições e anulações em série confirmam, trata-se de um acordo do “sistema”, envolvendo as cúpulas dos Três Poderes, em “reuniões informais”.
Na super terça-feira, o TSE absolveu por unanimidade o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, que assim manteve mandato de senador pelo Paraná, e uma turma do Supremo deixou para lá, por prescrição, a pena do líder petista, ex-deputado e ex-ministro José Dirceu, por corrupção passiva no contexto da Lava Jato.
A grande surpresa, porém, foi uma nova canetada audaciosa do ministro Dias Toffoli, do Supremo, anulando decisões e procedimentos penais instaurados contra o “príncipe” Marcelo Odebrecht, que comandou a principal empreiteira do País, que mudou de nome, mas não perdeu a pose nem o poder, e cumpriu pena de dois anos e meio em regime fechado.
A decisão monocrática de Toffoli salvou Marcelo, mas manteve a validade de sua delação premiada no âmbito da Lava Jato e foi com base nas revelações do empresário nessa delação que começaram as investigações contra o senador e ex-presidente do Senado Renan Calheiros e o ex-senador e ex-líder “de todos os governos” Romero Jucá, ambos do MDB.
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Na terça-feira, o presentão de Toffoli para Marcelo Odebrecht. No dia seguinte, a decisão do ministro Edson Fachin que arquivou o inquérito contra Renan e Jucá, apontados na delação do empresário como beneficiários de R$ 5 milhões em propinas em troca da aprovação de uma medida provisória vantajosa para a então Odebrecht. A delação continua válida, “ma non troppo”. Aliás, a quantas anda o acordo de leniência da empresa?
Fachin acatou a posição da PGR de Paulo Gonet, nomeado pelo presidente Lula, de que a propina teria sido em 2013 e as investigações nunca avançaram nesse tempo todo… Então, é melhor empurrar debaixo do tapete e ponto. Moro salva o mandato, Dirceu abre uma porta para disputar novo mandato, fica o dito pelo não dito no caso de Marcelo Odebrecht e não se fala mais no inquérito de Renan e Jucá. Final feliz. Mas feliz para quem, cara pálida?