Em ano eleitoral, governo Lula mantém uso do orçamento secreto apesar de proibido pelo STF


Ministérios têm repassado verbas para obras e compra de equipamentos previamente negociadas com parlamentares; pastas negam irregularidades e dizem usar critérios técnicos

Por André Shalders

BRASÍLIA – Faltando menos de seis meses para as eleições municipais, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua distribuindo recursos para aliados políticos no Congresso sem transparência, repetindo mecanismo consagrado no orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e que marcou a gestão Jair Bolsonaro (PL). Apesar da prática ter sido vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022, ministérios como os do Desenvolvimento Social, Cidades e Esportes têm repassado verbas públicas para obras ou compra de equipamentos em localidades previamente negociadas com parlamentares. As pastas, além da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Palácio do Planalto, negam irregularidades e afirmam que estão seguindo critérios técnicos para a distribuição das verbas.

Além da falta de transparência quanto aos “padrinhos” e “madrinhas” das indicações, a distribuição também é feita conforme a conveniência política do governo. Isto significa que alguns municípios e congressistas serão contemplados e outros ficarão sem nada.

Com apenas 2,2 mil habitantes, a cidade de Curral Velho (PB) é um bom exemplo de como a determinação do STF tem sido ignorada pelo governo petista. Localizada a 371 km da capital João Pessoa, o município receberá do Ministério das Cidades um total de R$ 3,3 milhões das verbas que sobraram das antigas emendas de relator – coração do orçamento secreto – e que foram repassadas para a pasta.

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A distribuição desses recursos tem sido motivo de celebração por parte de políticos nas redes sociais. Nas redes da prefeitura de Curral Velho, o dinheiro é apresentado como “emenda parlamentar” – o que não é o caso.

Versão do orçamento secreto, com recursos negociados diretamente com os parlamentares, continua existindo, mesmo com proibição do STF Foto: Eliseu Paes/Agência Brasil

Para se ter uma ideia do peso desses recursos num ano eleitoral, basta fazer uma conta simples. Se o valor reservado pelo Ministério das Cidades fosse dividido pelo número de moradores de Curral Velho, cada um receberia pouco mais de R$ 700. O dinheiro será usado para asfaltamento de vias e construção de uma praça. O prefeito da cidade, Samuel Carnaúba (MDB), é ligado ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB).

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Situação semelhante ocorre no Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ex-governador petista do Piauí Wellington Dias. A pasta herdou R$ 1,5 bilhão das antigas emendas de relator. O rateio dos recursos tem sido feito de acordo com as demandas de deputados e senadores. Assim como no caso de Curral Velho, os políticos não perdem a oportunidade de destacar o resultado alcançado em suas redes sociais.

O espólio do orçamento secreto

Depois da decisão do Supremo, no final de 2022, o governo e o Congresso foram obrigado a realocar um total de R$ 19,4 bilhões em verbas que estavam reservadas, na proposta orçamentária de 2023, como emendas de relator. Com a aprovação da chamada “PEC da Transição”, um total de R$ 9,6 bilhões viraram emendas individuais dos parlamentares. Os outros R$ 9,85 bilhões voltaram para os cofres do Poder Executivo. Esse espólio foi distribuído entre sete ministérios: Saúde, Cidades , Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Regional, Agricultura, Esporte e Educação.

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Essas verbas, seguindo a determinação do STF, deveriam ser de uso exclusivo do Poder Executivo. Mas elas continuaram sendo usadas como moeda de troca entre o Planalto e deputados e senadores da base de apoio no Congresso, repetindo o mecanismo que foi condenado publicamente pelo próprio presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022. Num evento em São Paulo, em agosto daquele ano, Lula classificou o orçamento secreto como a “fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal voltou a prestar atenção ao assunto. Entidades que atuam na fiscalização do dinheiro público como a Transparência Brasil, a seção brasileira da Transparência Internacional e a ONG Contas Abertas apontaram à Suprema Corte a possível continuidade da prática do orçamento secreto.

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Segundo as entidades, a decisão de dezembro de 2022 do STF continuou sendo violada de três formas: primeiro, com o uso dos R$ 9,85 bilhões para barganhas com o Congresso; com o uso intensivo das chamadas “emendas Pix”; e com a falta de informações efetivas sobre a distribuição das antigas emendas de relator (conhecidas tecnicamente pela sigla RP-9).

As entidades se manifestaram enquanto “amicus curiae” (”amigos da Corte”, um terceiro interessado no processo) em uma ação apresentada pelo PSOL ainda em 2021, e que resultou na proibição do orçamento secreto em 2022. Antes sob os cuidados de Rosa Weber, o caso chegou a ser arquivado, mas voltou a tramitar sob a relatoria do ministro Flávio Dino, indicado à Corte por Lula.

No dia 19 de abril, Dino abriu a possibilidade para que a Presidência da República e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestassem sobre os questionamentos apresentados ao Tribunal pelas entidades.

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Até o momento, apenas a Câmara dos Deputados se manifestou sobre o assunto. A Casa não só negou as irregularidades apontadas pelas entidades como destacou que a ação do PSOL já foi julgada. Além disso, diz a Câmara, o tipo de ação escolhido pela legenda, uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não pode ser usado para questionar uma emenda constitucional (no caso, a que resultou da “PEC da Transição”).

Curral Velho (PB): contratos permitem rastrear a verba

Além do dinheiro do Ministério das Cidades, o pequeno município paraibano de Curral Velho vai receber mais R$ 955 mil para a revitalização de uma academia ao ar livre na cidade. O dinheiro vem do espólio do orçamento secreto que ficou sob a responsabilidade do Ministério dos Esportes. A prefeitura de Curral Velho resolveu divulgar em sua conta oficial no Instagram a cópia dos contratos de repasse, o que permite rastrear a origem do dinheiro.

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A praça esportiva, por exemplo, foi atribuída a uma “emenda parlamentar” do deputado federal Mersinho Lucena (PP-PB). Em seu primeiro mandato no Congresso, Lucena não tem emendas apresentadas ao Orçamento de 2023 porque ainda não era deputado em 2022, quando a proposta orçamentária foi votada. O dinheiro que bancará a obra está sob a rubrica A4, como ficou marcado o espólio das emendas de relator.

À reportagem, Lucena disse que a comunicação da prefeitura se equivocou ao noticiar os recursos como emenda parlamentar.

“É falta de conhecimento do gestor, ou de algum secretário de comunicação. Na verdade, a gente fez essa indicação para mandar para lá, na época. Curral Velho é uma cidade que, se você verificar aí, eu tive, proporcionalmente, a maior votação (...). E o prefeito tem feito um trabalho muito forte na cidade. E aí a gente conseguiu ter a possibilidade de fazer uma indicação. Não quer dizer que seja emenda parlamentar individual. Mas aí às vezes é falta de conhecimento (...). Eles não conhecem essa questão dos códigos (orçamentários)”, diz Lucena.

Nos corredores do Congresso, este tipo de recurso é geralmente chamado de “extra”. Diferentemente das emendas, a negociação é informal, sem registros sobre os padrinhos e madrinhas e feita de acordo com a conveniência política, sem necessidade de atender igualmente a todos os deputados e senadores. Segundo Mersinho, verbas assim são às vezes negociadas diretamente com os ministros. “Hoje, o ministro (André) Fufuca, do Esporte, é do Progressistas. Eu mostrei alguns projetos para ele, no final do ano passado, de academias ao ar livre, e ele gostou do projeto”, conta.

Letreiro na praça de Curral Velho PB Foto: @prefcurralvelho via Instagram

No mesmo período, a prefeitura de Curral Velho fez outras duas postagens comemorando recursos do espólio do orçamento secreto. Em ambas, atribuiu o dinheiro a “recursos angariados pelo deputado estadual Taciano Diniz (União Brasil)” – o parlamentar estadual também é ligado a Veneziano Vital do Rêgo, com quem costuma postar fotos nas redes sociais.

Em 27 de novembro passado, a prefeitura do município paraibano assinou um contrato de repasse de R$ 437,5 mil para pavimentação de vias na cidade. Em 30 de novembro, outro contrato de R$ 960.019,00 para a construção de uma praça. Em ambos os casos, é dinheiro do antigo orçamento secreto liberado via Ministério das Cidades.

No Facebook, a prefeitura postou também o contrato para mais R$ 1,9 milhão do espólio do orçamento secreto via Ministério das Cidades para a pavimentação de vias. Mais uma vez, quem aparece ao lado do prefeito Samuel Carnaúba nas fotos foi o deputado estadual Taciano Diniz.

“Se quiser contemplar de imediato, é a van”

Em maio de 2023, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) editou a Portaria 886, com regras para o uso dos recursos do espólio do orçamento secreto. Os valores seriam liberados por critérios técnicos, após solicitações dos municípios. Na prática, a priorização tem sido definida com base em discussões com deputados e senadores. Servidores do MDS, que pediram para não ser identificados, relataram à reportagem que são frequentes as reuniões com parlamentares para tratar dos recursos da Portaria 886.

Há até registro na agenda oficial de servidores da pasta em que a portaria aparece como tema da reunião. No dia 01 de junho, o deputado Thiago Flores (MDB-RO) esteve no ministério para uma reunião com Jane Maria Cristina de Matos, então chefe da assessoria parlamentar. O assunto da reunião era a “Portaria MDS nº 886 de 18 de maio”.

Dias depois, o deputado postou em seu site a notícia da entrega de R$ 500 mil em “emenda parlamentar” para a uma associação de mães de autistas de Ariquemes (RO). “Este recurso é fruto de emenda parlamentar e será utilizado para contratação de profissionais da área de saúde, sendo eles psiquiatras, neurologistas, enfermeiros e muito mais, que atenderão as crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista”, diz o texto no site.

É impossível que Flores tenha entregue recursos de emenda individual do orçamento de 2023. Quando o projeto foi votado, em 2022, ele ainda não havia sido eleito. Segundo o que foi publicado no site do parlamentar, o recurso teria sido obtido com a ajuda do deputado estadual Cássio Gois (PSD). Por meio da assessoria, o parlamentar confirmou a reunião para tratar dos recursos, mas disse que o encontro não resultou em liberação de verbas. Disse também que o dinheiro para a associação era de uma emenda do deputado estadual.

Em maio passado, o diretor-executivo do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), José Arimateia de Oliveira, foi a uma reunião com assessores de orçamento do Congresso, e deixou claro que os pedidos de prefeituras sem o apoio de congressistas não seriam atendidos. A reunião foi revelada pelo Estadão. No encontro, ele informou aos assessores que a escolha mais rápida para a liberação de recursos seria por meio da compra de veículos do tipo “van” para a assistência social.

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“Se quer contemplar de imediato, é a van”, afirmou ele na época, de acordo com gravação do encontro que aconteceu no Congresso.

Usando o dinheiro do espólio do orçamento secreto, o MDS já reservou R$ 57,6 milhões para a compra de 186 vans, a R$ 310 mil cada, segundo informação da assessoria. Até o momento, 95 dessas vans já foram entregues. A pasta, no entanto, disse que não pode informar para quais cidades elas serão enviadas, uma vez que ainda não foram distribuídas.

Segundo outro servidor do MDS, gravado na reunião de maio passado, os parlamentares envolvidos nas discussões sobre a liberação de vans são sempre informados quando o veículo é encaminhado para um determinado município para que ele possa realizar algum evento e tirar os proveitos políticos disso.

Em setembro passado, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) comemorou nas redes sociais a aquisição de uma das vans para a cidade de Serra do Mel, a 240 km da capital potiguar, Natal. “Nosso mandato indicou R$ 8,6 milhões para 28 municípios do RN adquirir uma Van para Assistência Social, no valor de R$ 310 mil, cada e Serra do Mel será um dos contemplados com essa moderna Van que ajudará o serviço social da cidade”, escreveu ele.

Postagem de Styvenson Valentim no Instagram Foto: Instagram via @senadorstyvensonvalentim

Procurado, Styvenson confirmou, por meio da assessoria, que não se tratava de emenda parlamentar, e sim de recursos próprios do MDS. O valor, R$ 310 mil, é o mesmo das vans compradas pela pasta com o espólio do orçamento secreto.

O prefeito Manoel Portela (PT), de Aroazes (PI), comemorou a entrega de uma van para a Assistência Social da cidade no dia 27 de fevereiro deste ano. “Gratidão ao senador Marcelo Castro que destinou a emenda para a van, que foi entregue com a presença do deputado federal Castro Neto. Esse é o nosso compromisso com o povo de Aroazes”. Mais uma vez, não há emenda individual de Marcelo Castro para o MDS no município de Aroazes, apenas uma emenda Pix.

Por meio da assessoria, Marcelo Castro também confirmou que a van foi adquirida com recursos do espólio do orçamento secreto, e não com dinheiro de emendas.

Prefeito de Aroazes comemora van e atribui benefício a "emenda" do senador Marcelo Castro Foto: Instagram via @manoelportelaaroazes

“Continuidade de más práticas”, diz Transparência Brasil

Segundo Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, ao alocar os recursos do espólio do orçamento secreto, a PEC da Transição, aprovada na transição dos governos Bolsonaro e Lula, repetiu os mesmos problemas, como a falta de transparência das indicações e de planejamento no uso do dinheiro.

“Há uma piora do monitoramento e da transparência, porque elas já entravam no meio das outras despesas discricionárias (de uso livre do Executivo). Entender o que eram essas emendas requer um conhecimento mais avançado de orçamento”, diz.

A executiva da Transparência Brasil explica que foi a continuidade das más práticas em torno da aplicação de emendas que levou a entidade a apresentar a petição junto ao Supremo para tentar impedir, de forma definitiva, a continuidade do orçamento secreto. “A gente continua fazendo as mesmas coisas que se faziam anteriormente. Infringindo a transparência, deixando de ter planejamento do orçamento e afetando negativamente as políticas públicas e o acompanhamento delas”, diz Sakai.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai Foto: Juliana Sakai/Acervo pessoal

O advogado Guilherme France, da Transparência Internacional, destaca que a continuidade do uso de mecanismos clássicos do orçamento secreto é uma afronta à legitimidade do Supremo, especialmente ao considerar que a suspensão do mecanismo foi uma decisão tomada pelo plenário da Corte.

“Não é uma decisão monocrática (tomada por um único ministro), e sim chancelada pelo plenário. E não está sendo cumprida, em diversos aspectos. Não só a questão da alocação, mas a continuidade e ampliação das emendas de transferência especial (as emendas Pix), que não possibilitam a verificação nem mesmo dos requisitos mínimos (de transparência)”, diz ele.

Ministérios negam irregularidades

Em manifestações oficiais, os ministérios que herdaram recursos do orçamento secreto e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política do Palácio do Planalto, sempre negaram que o dinheiro da antiga emenda de relator venha sendo usado para barganhas com parlamentares.

Em janeiro deste ano, a SRI, respondendo a um pedido da Lei de Acesso à Informação, disse que “não cabe” aos parlamentares indicar quais municípios serão beneficiados pelas verbas. “A seleção dos beneficiários é de responsabilidade dos órgãos executores. A esses recursos, não cabe indicação de beneficiário por parte dos parlamentares”, disse o órgão. A SRI disse também que “não dispõe” da relação de deputados e senadores que fizeram indicações de usos para o espólio do orçamento secreto.

Resposta parecida veio do Ministério do Esporte. Segundo a pasta, as verbas “são dotações orçamentárias discricionárias deste Ministério, com isso não há participação da Secretaria de Relações Institucionais – SRI, e portanto, não são de indicação parlamentar”.

Em nota à reportagem, a SRI negou irregularidades na aplicação dos recursos dos restos a pagar do orçamento secreto original, o da rubrica RP-9. Disse ainda que a aplicação do dinheiro segue a determinação do STF e é de responsabilidade dos ministérios. Não tratou, no entanto, das verbas A4, o espólio do orçamento secreto.

“O pagamento de restos a pagar para as emendas de relator têm seguido estrita e rigorosamente o que determinou o Supremo Tribunal Federal – entendimento que foi objeto de parecer de orientação da Advocacia Geral da União, distribuído a todos os órgãos da administração federal”, diz a nota.

“Conforme essa decisão, o prosseguimento da execução dos recursos que já haviam sido empenhados está sujeito à discricionariedade da pasta responsável, que pode dar prosseguimento nos casos em que as indicações estivessem de acordo com os critérios das políticas públicas. A responsabilidade pelo cumprimento dessas condições é de cada órgão executor de emendas parlamentares”, disse a pasta.

Procurado pela reportagem, o MDS disse que a Portaria 886 foi criada para atender a decisão do STF, e que a escolha dos municípios a serem contemplados se dá segundo critérios técnicos. A pasta não respondeu sobre os recursos indicados pelos senadores Styvenson Valentim e Marcelo Castro.

“O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome esclarece que a Portaria 886 de 18 de maio de 2023 é uma portaria originária da decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as emendas de relator (...) O que era emenda de relator foi transformado em recursos discricionários de cada Ministério, dando poder aos ministros para fazer portarias específicas que definam como fazer a partilha e distribuição desses recursos. A Portaria 886 possibilitou que todos os municípios pudessem realizar solicitações de pleito para o atendimento de várias demandas e possibilidades, desde investimento a custeio. Dessa forma, a escolha é feita entre aqueles municípios que, dentro de um quadro técnico, estejam caracterizados como prioritários para o atendimento dessas demandas”, diz o texto.

A reportagem também procurou os ministérios do Esporte e das Cidades, além da prefeitura de Curral Velho. Somente a pasta das Cidades respondeu, negando que esteja usando as verbas para negociações com congressistas.

“O Ministério das Cidades, por meio da Portaria MCID n° 528, de 12 de Maio de 2023, buscou definir diretrizes e procedimentos em conformidade aos previstos na Portaria SRI nº 105, de 4 de maio de 2023, com objetivo de orientar a seleção de recursos no âmbito do ministério, afastando quaisquer tipos de indicações de beneficiários”, diz a pasta. “Dessa forma, não há o que se falar em pedidos de parlamentares ou ofensa a qualquer a qualquer decisão do STF”, diz.

BRASÍLIA – Faltando menos de seis meses para as eleições municipais, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua distribuindo recursos para aliados políticos no Congresso sem transparência, repetindo mecanismo consagrado no orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e que marcou a gestão Jair Bolsonaro (PL). Apesar da prática ter sido vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022, ministérios como os do Desenvolvimento Social, Cidades e Esportes têm repassado verbas públicas para obras ou compra de equipamentos em localidades previamente negociadas com parlamentares. As pastas, além da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Palácio do Planalto, negam irregularidades e afirmam que estão seguindo critérios técnicos para a distribuição das verbas.

Além da falta de transparência quanto aos “padrinhos” e “madrinhas” das indicações, a distribuição também é feita conforme a conveniência política do governo. Isto significa que alguns municípios e congressistas serão contemplados e outros ficarão sem nada.

Com apenas 2,2 mil habitantes, a cidade de Curral Velho (PB) é um bom exemplo de como a determinação do STF tem sido ignorada pelo governo petista. Localizada a 371 km da capital João Pessoa, o município receberá do Ministério das Cidades um total de R$ 3,3 milhões das verbas que sobraram das antigas emendas de relator – coração do orçamento secreto – e que foram repassadas para a pasta.

A distribuição desses recursos tem sido motivo de celebração por parte de políticos nas redes sociais. Nas redes da prefeitura de Curral Velho, o dinheiro é apresentado como “emenda parlamentar” – o que não é o caso.

Versão do orçamento secreto, com recursos negociados diretamente com os parlamentares, continua existindo, mesmo com proibição do STF Foto: Eliseu Paes/Agência Brasil

Para se ter uma ideia do peso desses recursos num ano eleitoral, basta fazer uma conta simples. Se o valor reservado pelo Ministério das Cidades fosse dividido pelo número de moradores de Curral Velho, cada um receberia pouco mais de R$ 700. O dinheiro será usado para asfaltamento de vias e construção de uma praça. O prefeito da cidade, Samuel Carnaúba (MDB), é ligado ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB).

Situação semelhante ocorre no Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ex-governador petista do Piauí Wellington Dias. A pasta herdou R$ 1,5 bilhão das antigas emendas de relator. O rateio dos recursos tem sido feito de acordo com as demandas de deputados e senadores. Assim como no caso de Curral Velho, os políticos não perdem a oportunidade de destacar o resultado alcançado em suas redes sociais.

O espólio do orçamento secreto

Depois da decisão do Supremo, no final de 2022, o governo e o Congresso foram obrigado a realocar um total de R$ 19,4 bilhões em verbas que estavam reservadas, na proposta orçamentária de 2023, como emendas de relator. Com a aprovação da chamada “PEC da Transição”, um total de R$ 9,6 bilhões viraram emendas individuais dos parlamentares. Os outros R$ 9,85 bilhões voltaram para os cofres do Poder Executivo. Esse espólio foi distribuído entre sete ministérios: Saúde, Cidades , Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Regional, Agricultura, Esporte e Educação.

Essas verbas, seguindo a determinação do STF, deveriam ser de uso exclusivo do Poder Executivo. Mas elas continuaram sendo usadas como moeda de troca entre o Planalto e deputados e senadores da base de apoio no Congresso, repetindo o mecanismo que foi condenado publicamente pelo próprio presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022. Num evento em São Paulo, em agosto daquele ano, Lula classificou o orçamento secreto como a “fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal voltou a prestar atenção ao assunto. Entidades que atuam na fiscalização do dinheiro público como a Transparência Brasil, a seção brasileira da Transparência Internacional e a ONG Contas Abertas apontaram à Suprema Corte a possível continuidade da prática do orçamento secreto.

Segundo as entidades, a decisão de dezembro de 2022 do STF continuou sendo violada de três formas: primeiro, com o uso dos R$ 9,85 bilhões para barganhas com o Congresso; com o uso intensivo das chamadas “emendas Pix”; e com a falta de informações efetivas sobre a distribuição das antigas emendas de relator (conhecidas tecnicamente pela sigla RP-9).

As entidades se manifestaram enquanto “amicus curiae” (”amigos da Corte”, um terceiro interessado no processo) em uma ação apresentada pelo PSOL ainda em 2021, e que resultou na proibição do orçamento secreto em 2022. Antes sob os cuidados de Rosa Weber, o caso chegou a ser arquivado, mas voltou a tramitar sob a relatoria do ministro Flávio Dino, indicado à Corte por Lula.

No dia 19 de abril, Dino abriu a possibilidade para que a Presidência da República e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestassem sobre os questionamentos apresentados ao Tribunal pelas entidades.

Até o momento, apenas a Câmara dos Deputados se manifestou sobre o assunto. A Casa não só negou as irregularidades apontadas pelas entidades como destacou que a ação do PSOL já foi julgada. Além disso, diz a Câmara, o tipo de ação escolhido pela legenda, uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não pode ser usado para questionar uma emenda constitucional (no caso, a que resultou da “PEC da Transição”).

Curral Velho (PB): contratos permitem rastrear a verba

Além do dinheiro do Ministério das Cidades, o pequeno município paraibano de Curral Velho vai receber mais R$ 955 mil para a revitalização de uma academia ao ar livre na cidade. O dinheiro vem do espólio do orçamento secreto que ficou sob a responsabilidade do Ministério dos Esportes. A prefeitura de Curral Velho resolveu divulgar em sua conta oficial no Instagram a cópia dos contratos de repasse, o que permite rastrear a origem do dinheiro.

A praça esportiva, por exemplo, foi atribuída a uma “emenda parlamentar” do deputado federal Mersinho Lucena (PP-PB). Em seu primeiro mandato no Congresso, Lucena não tem emendas apresentadas ao Orçamento de 2023 porque ainda não era deputado em 2022, quando a proposta orçamentária foi votada. O dinheiro que bancará a obra está sob a rubrica A4, como ficou marcado o espólio das emendas de relator.

À reportagem, Lucena disse que a comunicação da prefeitura se equivocou ao noticiar os recursos como emenda parlamentar.

“É falta de conhecimento do gestor, ou de algum secretário de comunicação. Na verdade, a gente fez essa indicação para mandar para lá, na época. Curral Velho é uma cidade que, se você verificar aí, eu tive, proporcionalmente, a maior votação (...). E o prefeito tem feito um trabalho muito forte na cidade. E aí a gente conseguiu ter a possibilidade de fazer uma indicação. Não quer dizer que seja emenda parlamentar individual. Mas aí às vezes é falta de conhecimento (...). Eles não conhecem essa questão dos códigos (orçamentários)”, diz Lucena.

Nos corredores do Congresso, este tipo de recurso é geralmente chamado de “extra”. Diferentemente das emendas, a negociação é informal, sem registros sobre os padrinhos e madrinhas e feita de acordo com a conveniência política, sem necessidade de atender igualmente a todos os deputados e senadores. Segundo Mersinho, verbas assim são às vezes negociadas diretamente com os ministros. “Hoje, o ministro (André) Fufuca, do Esporte, é do Progressistas. Eu mostrei alguns projetos para ele, no final do ano passado, de academias ao ar livre, e ele gostou do projeto”, conta.

Letreiro na praça de Curral Velho PB Foto: @prefcurralvelho via Instagram

No mesmo período, a prefeitura de Curral Velho fez outras duas postagens comemorando recursos do espólio do orçamento secreto. Em ambas, atribuiu o dinheiro a “recursos angariados pelo deputado estadual Taciano Diniz (União Brasil)” – o parlamentar estadual também é ligado a Veneziano Vital do Rêgo, com quem costuma postar fotos nas redes sociais.

Em 27 de novembro passado, a prefeitura do município paraibano assinou um contrato de repasse de R$ 437,5 mil para pavimentação de vias na cidade. Em 30 de novembro, outro contrato de R$ 960.019,00 para a construção de uma praça. Em ambos os casos, é dinheiro do antigo orçamento secreto liberado via Ministério das Cidades.

No Facebook, a prefeitura postou também o contrato para mais R$ 1,9 milhão do espólio do orçamento secreto via Ministério das Cidades para a pavimentação de vias. Mais uma vez, quem aparece ao lado do prefeito Samuel Carnaúba nas fotos foi o deputado estadual Taciano Diniz.

“Se quiser contemplar de imediato, é a van”

Em maio de 2023, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) editou a Portaria 886, com regras para o uso dos recursos do espólio do orçamento secreto. Os valores seriam liberados por critérios técnicos, após solicitações dos municípios. Na prática, a priorização tem sido definida com base em discussões com deputados e senadores. Servidores do MDS, que pediram para não ser identificados, relataram à reportagem que são frequentes as reuniões com parlamentares para tratar dos recursos da Portaria 886.

Há até registro na agenda oficial de servidores da pasta em que a portaria aparece como tema da reunião. No dia 01 de junho, o deputado Thiago Flores (MDB-RO) esteve no ministério para uma reunião com Jane Maria Cristina de Matos, então chefe da assessoria parlamentar. O assunto da reunião era a “Portaria MDS nº 886 de 18 de maio”.

Dias depois, o deputado postou em seu site a notícia da entrega de R$ 500 mil em “emenda parlamentar” para a uma associação de mães de autistas de Ariquemes (RO). “Este recurso é fruto de emenda parlamentar e será utilizado para contratação de profissionais da área de saúde, sendo eles psiquiatras, neurologistas, enfermeiros e muito mais, que atenderão as crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista”, diz o texto no site.

É impossível que Flores tenha entregue recursos de emenda individual do orçamento de 2023. Quando o projeto foi votado, em 2022, ele ainda não havia sido eleito. Segundo o que foi publicado no site do parlamentar, o recurso teria sido obtido com a ajuda do deputado estadual Cássio Gois (PSD). Por meio da assessoria, o parlamentar confirmou a reunião para tratar dos recursos, mas disse que o encontro não resultou em liberação de verbas. Disse também que o dinheiro para a associação era de uma emenda do deputado estadual.

Em maio passado, o diretor-executivo do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), José Arimateia de Oliveira, foi a uma reunião com assessores de orçamento do Congresso, e deixou claro que os pedidos de prefeituras sem o apoio de congressistas não seriam atendidos. A reunião foi revelada pelo Estadão. No encontro, ele informou aos assessores que a escolha mais rápida para a liberação de recursos seria por meio da compra de veículos do tipo “van” para a assistência social.

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“Se quer contemplar de imediato, é a van”, afirmou ele na época, de acordo com gravação do encontro que aconteceu no Congresso.

Usando o dinheiro do espólio do orçamento secreto, o MDS já reservou R$ 57,6 milhões para a compra de 186 vans, a R$ 310 mil cada, segundo informação da assessoria. Até o momento, 95 dessas vans já foram entregues. A pasta, no entanto, disse que não pode informar para quais cidades elas serão enviadas, uma vez que ainda não foram distribuídas.

Segundo outro servidor do MDS, gravado na reunião de maio passado, os parlamentares envolvidos nas discussões sobre a liberação de vans são sempre informados quando o veículo é encaminhado para um determinado município para que ele possa realizar algum evento e tirar os proveitos políticos disso.

Em setembro passado, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) comemorou nas redes sociais a aquisição de uma das vans para a cidade de Serra do Mel, a 240 km da capital potiguar, Natal. “Nosso mandato indicou R$ 8,6 milhões para 28 municípios do RN adquirir uma Van para Assistência Social, no valor de R$ 310 mil, cada e Serra do Mel será um dos contemplados com essa moderna Van que ajudará o serviço social da cidade”, escreveu ele.

Postagem de Styvenson Valentim no Instagram Foto: Instagram via @senadorstyvensonvalentim

Procurado, Styvenson confirmou, por meio da assessoria, que não se tratava de emenda parlamentar, e sim de recursos próprios do MDS. O valor, R$ 310 mil, é o mesmo das vans compradas pela pasta com o espólio do orçamento secreto.

O prefeito Manoel Portela (PT), de Aroazes (PI), comemorou a entrega de uma van para a Assistência Social da cidade no dia 27 de fevereiro deste ano. “Gratidão ao senador Marcelo Castro que destinou a emenda para a van, que foi entregue com a presença do deputado federal Castro Neto. Esse é o nosso compromisso com o povo de Aroazes”. Mais uma vez, não há emenda individual de Marcelo Castro para o MDS no município de Aroazes, apenas uma emenda Pix.

Por meio da assessoria, Marcelo Castro também confirmou que a van foi adquirida com recursos do espólio do orçamento secreto, e não com dinheiro de emendas.

Prefeito de Aroazes comemora van e atribui benefício a "emenda" do senador Marcelo Castro Foto: Instagram via @manoelportelaaroazes

“Continuidade de más práticas”, diz Transparência Brasil

Segundo Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, ao alocar os recursos do espólio do orçamento secreto, a PEC da Transição, aprovada na transição dos governos Bolsonaro e Lula, repetiu os mesmos problemas, como a falta de transparência das indicações e de planejamento no uso do dinheiro.

“Há uma piora do monitoramento e da transparência, porque elas já entravam no meio das outras despesas discricionárias (de uso livre do Executivo). Entender o que eram essas emendas requer um conhecimento mais avançado de orçamento”, diz.

A executiva da Transparência Brasil explica que foi a continuidade das más práticas em torno da aplicação de emendas que levou a entidade a apresentar a petição junto ao Supremo para tentar impedir, de forma definitiva, a continuidade do orçamento secreto. “A gente continua fazendo as mesmas coisas que se faziam anteriormente. Infringindo a transparência, deixando de ter planejamento do orçamento e afetando negativamente as políticas públicas e o acompanhamento delas”, diz Sakai.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai Foto: Juliana Sakai/Acervo pessoal

O advogado Guilherme France, da Transparência Internacional, destaca que a continuidade do uso de mecanismos clássicos do orçamento secreto é uma afronta à legitimidade do Supremo, especialmente ao considerar que a suspensão do mecanismo foi uma decisão tomada pelo plenário da Corte.

“Não é uma decisão monocrática (tomada por um único ministro), e sim chancelada pelo plenário. E não está sendo cumprida, em diversos aspectos. Não só a questão da alocação, mas a continuidade e ampliação das emendas de transferência especial (as emendas Pix), que não possibilitam a verificação nem mesmo dos requisitos mínimos (de transparência)”, diz ele.

Ministérios negam irregularidades

Em manifestações oficiais, os ministérios que herdaram recursos do orçamento secreto e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política do Palácio do Planalto, sempre negaram que o dinheiro da antiga emenda de relator venha sendo usado para barganhas com parlamentares.

Em janeiro deste ano, a SRI, respondendo a um pedido da Lei de Acesso à Informação, disse que “não cabe” aos parlamentares indicar quais municípios serão beneficiados pelas verbas. “A seleção dos beneficiários é de responsabilidade dos órgãos executores. A esses recursos, não cabe indicação de beneficiário por parte dos parlamentares”, disse o órgão. A SRI disse também que “não dispõe” da relação de deputados e senadores que fizeram indicações de usos para o espólio do orçamento secreto.

Resposta parecida veio do Ministério do Esporte. Segundo a pasta, as verbas “são dotações orçamentárias discricionárias deste Ministério, com isso não há participação da Secretaria de Relações Institucionais – SRI, e portanto, não são de indicação parlamentar”.

Em nota à reportagem, a SRI negou irregularidades na aplicação dos recursos dos restos a pagar do orçamento secreto original, o da rubrica RP-9. Disse ainda que a aplicação do dinheiro segue a determinação do STF e é de responsabilidade dos ministérios. Não tratou, no entanto, das verbas A4, o espólio do orçamento secreto.

“O pagamento de restos a pagar para as emendas de relator têm seguido estrita e rigorosamente o que determinou o Supremo Tribunal Federal – entendimento que foi objeto de parecer de orientação da Advocacia Geral da União, distribuído a todos os órgãos da administração federal”, diz a nota.

“Conforme essa decisão, o prosseguimento da execução dos recursos que já haviam sido empenhados está sujeito à discricionariedade da pasta responsável, que pode dar prosseguimento nos casos em que as indicações estivessem de acordo com os critérios das políticas públicas. A responsabilidade pelo cumprimento dessas condições é de cada órgão executor de emendas parlamentares”, disse a pasta.

Procurado pela reportagem, o MDS disse que a Portaria 886 foi criada para atender a decisão do STF, e que a escolha dos municípios a serem contemplados se dá segundo critérios técnicos. A pasta não respondeu sobre os recursos indicados pelos senadores Styvenson Valentim e Marcelo Castro.

“O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome esclarece que a Portaria 886 de 18 de maio de 2023 é uma portaria originária da decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as emendas de relator (...) O que era emenda de relator foi transformado em recursos discricionários de cada Ministério, dando poder aos ministros para fazer portarias específicas que definam como fazer a partilha e distribuição desses recursos. A Portaria 886 possibilitou que todos os municípios pudessem realizar solicitações de pleito para o atendimento de várias demandas e possibilidades, desde investimento a custeio. Dessa forma, a escolha é feita entre aqueles municípios que, dentro de um quadro técnico, estejam caracterizados como prioritários para o atendimento dessas demandas”, diz o texto.

A reportagem também procurou os ministérios do Esporte e das Cidades, além da prefeitura de Curral Velho. Somente a pasta das Cidades respondeu, negando que esteja usando as verbas para negociações com congressistas.

“O Ministério das Cidades, por meio da Portaria MCID n° 528, de 12 de Maio de 2023, buscou definir diretrizes e procedimentos em conformidade aos previstos na Portaria SRI nº 105, de 4 de maio de 2023, com objetivo de orientar a seleção de recursos no âmbito do ministério, afastando quaisquer tipos de indicações de beneficiários”, diz a pasta. “Dessa forma, não há o que se falar em pedidos de parlamentares ou ofensa a qualquer a qualquer decisão do STF”, diz.

BRASÍLIA – Faltando menos de seis meses para as eleições municipais, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua distribuindo recursos para aliados políticos no Congresso sem transparência, repetindo mecanismo consagrado no orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e que marcou a gestão Jair Bolsonaro (PL). Apesar da prática ter sido vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022, ministérios como os do Desenvolvimento Social, Cidades e Esportes têm repassado verbas públicas para obras ou compra de equipamentos em localidades previamente negociadas com parlamentares. As pastas, além da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Palácio do Planalto, negam irregularidades e afirmam que estão seguindo critérios técnicos para a distribuição das verbas.

Além da falta de transparência quanto aos “padrinhos” e “madrinhas” das indicações, a distribuição também é feita conforme a conveniência política do governo. Isto significa que alguns municípios e congressistas serão contemplados e outros ficarão sem nada.

Com apenas 2,2 mil habitantes, a cidade de Curral Velho (PB) é um bom exemplo de como a determinação do STF tem sido ignorada pelo governo petista. Localizada a 371 km da capital João Pessoa, o município receberá do Ministério das Cidades um total de R$ 3,3 milhões das verbas que sobraram das antigas emendas de relator – coração do orçamento secreto – e que foram repassadas para a pasta.

A distribuição desses recursos tem sido motivo de celebração por parte de políticos nas redes sociais. Nas redes da prefeitura de Curral Velho, o dinheiro é apresentado como “emenda parlamentar” – o que não é o caso.

Versão do orçamento secreto, com recursos negociados diretamente com os parlamentares, continua existindo, mesmo com proibição do STF Foto: Eliseu Paes/Agência Brasil

Para se ter uma ideia do peso desses recursos num ano eleitoral, basta fazer uma conta simples. Se o valor reservado pelo Ministério das Cidades fosse dividido pelo número de moradores de Curral Velho, cada um receberia pouco mais de R$ 700. O dinheiro será usado para asfaltamento de vias e construção de uma praça. O prefeito da cidade, Samuel Carnaúba (MDB), é ligado ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB).

Situação semelhante ocorre no Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ex-governador petista do Piauí Wellington Dias. A pasta herdou R$ 1,5 bilhão das antigas emendas de relator. O rateio dos recursos tem sido feito de acordo com as demandas de deputados e senadores. Assim como no caso de Curral Velho, os políticos não perdem a oportunidade de destacar o resultado alcançado em suas redes sociais.

O espólio do orçamento secreto

Depois da decisão do Supremo, no final de 2022, o governo e o Congresso foram obrigado a realocar um total de R$ 19,4 bilhões em verbas que estavam reservadas, na proposta orçamentária de 2023, como emendas de relator. Com a aprovação da chamada “PEC da Transição”, um total de R$ 9,6 bilhões viraram emendas individuais dos parlamentares. Os outros R$ 9,85 bilhões voltaram para os cofres do Poder Executivo. Esse espólio foi distribuído entre sete ministérios: Saúde, Cidades , Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Regional, Agricultura, Esporte e Educação.

Essas verbas, seguindo a determinação do STF, deveriam ser de uso exclusivo do Poder Executivo. Mas elas continuaram sendo usadas como moeda de troca entre o Planalto e deputados e senadores da base de apoio no Congresso, repetindo o mecanismo que foi condenado publicamente pelo próprio presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022. Num evento em São Paulo, em agosto daquele ano, Lula classificou o orçamento secreto como a “fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal voltou a prestar atenção ao assunto. Entidades que atuam na fiscalização do dinheiro público como a Transparência Brasil, a seção brasileira da Transparência Internacional e a ONG Contas Abertas apontaram à Suprema Corte a possível continuidade da prática do orçamento secreto.

Segundo as entidades, a decisão de dezembro de 2022 do STF continuou sendo violada de três formas: primeiro, com o uso dos R$ 9,85 bilhões para barganhas com o Congresso; com o uso intensivo das chamadas “emendas Pix”; e com a falta de informações efetivas sobre a distribuição das antigas emendas de relator (conhecidas tecnicamente pela sigla RP-9).

As entidades se manifestaram enquanto “amicus curiae” (”amigos da Corte”, um terceiro interessado no processo) em uma ação apresentada pelo PSOL ainda em 2021, e que resultou na proibição do orçamento secreto em 2022. Antes sob os cuidados de Rosa Weber, o caso chegou a ser arquivado, mas voltou a tramitar sob a relatoria do ministro Flávio Dino, indicado à Corte por Lula.

No dia 19 de abril, Dino abriu a possibilidade para que a Presidência da República e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestassem sobre os questionamentos apresentados ao Tribunal pelas entidades.

Até o momento, apenas a Câmara dos Deputados se manifestou sobre o assunto. A Casa não só negou as irregularidades apontadas pelas entidades como destacou que a ação do PSOL já foi julgada. Além disso, diz a Câmara, o tipo de ação escolhido pela legenda, uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não pode ser usado para questionar uma emenda constitucional (no caso, a que resultou da “PEC da Transição”).

Curral Velho (PB): contratos permitem rastrear a verba

Além do dinheiro do Ministério das Cidades, o pequeno município paraibano de Curral Velho vai receber mais R$ 955 mil para a revitalização de uma academia ao ar livre na cidade. O dinheiro vem do espólio do orçamento secreto que ficou sob a responsabilidade do Ministério dos Esportes. A prefeitura de Curral Velho resolveu divulgar em sua conta oficial no Instagram a cópia dos contratos de repasse, o que permite rastrear a origem do dinheiro.

A praça esportiva, por exemplo, foi atribuída a uma “emenda parlamentar” do deputado federal Mersinho Lucena (PP-PB). Em seu primeiro mandato no Congresso, Lucena não tem emendas apresentadas ao Orçamento de 2023 porque ainda não era deputado em 2022, quando a proposta orçamentária foi votada. O dinheiro que bancará a obra está sob a rubrica A4, como ficou marcado o espólio das emendas de relator.

À reportagem, Lucena disse que a comunicação da prefeitura se equivocou ao noticiar os recursos como emenda parlamentar.

“É falta de conhecimento do gestor, ou de algum secretário de comunicação. Na verdade, a gente fez essa indicação para mandar para lá, na época. Curral Velho é uma cidade que, se você verificar aí, eu tive, proporcionalmente, a maior votação (...). E o prefeito tem feito um trabalho muito forte na cidade. E aí a gente conseguiu ter a possibilidade de fazer uma indicação. Não quer dizer que seja emenda parlamentar individual. Mas aí às vezes é falta de conhecimento (...). Eles não conhecem essa questão dos códigos (orçamentários)”, diz Lucena.

Nos corredores do Congresso, este tipo de recurso é geralmente chamado de “extra”. Diferentemente das emendas, a negociação é informal, sem registros sobre os padrinhos e madrinhas e feita de acordo com a conveniência política, sem necessidade de atender igualmente a todos os deputados e senadores. Segundo Mersinho, verbas assim são às vezes negociadas diretamente com os ministros. “Hoje, o ministro (André) Fufuca, do Esporte, é do Progressistas. Eu mostrei alguns projetos para ele, no final do ano passado, de academias ao ar livre, e ele gostou do projeto”, conta.

Letreiro na praça de Curral Velho PB Foto: @prefcurralvelho via Instagram

No mesmo período, a prefeitura de Curral Velho fez outras duas postagens comemorando recursos do espólio do orçamento secreto. Em ambas, atribuiu o dinheiro a “recursos angariados pelo deputado estadual Taciano Diniz (União Brasil)” – o parlamentar estadual também é ligado a Veneziano Vital do Rêgo, com quem costuma postar fotos nas redes sociais.

Em 27 de novembro passado, a prefeitura do município paraibano assinou um contrato de repasse de R$ 437,5 mil para pavimentação de vias na cidade. Em 30 de novembro, outro contrato de R$ 960.019,00 para a construção de uma praça. Em ambos os casos, é dinheiro do antigo orçamento secreto liberado via Ministério das Cidades.

No Facebook, a prefeitura postou também o contrato para mais R$ 1,9 milhão do espólio do orçamento secreto via Ministério das Cidades para a pavimentação de vias. Mais uma vez, quem aparece ao lado do prefeito Samuel Carnaúba nas fotos foi o deputado estadual Taciano Diniz.

“Se quiser contemplar de imediato, é a van”

Em maio de 2023, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) editou a Portaria 886, com regras para o uso dos recursos do espólio do orçamento secreto. Os valores seriam liberados por critérios técnicos, após solicitações dos municípios. Na prática, a priorização tem sido definida com base em discussões com deputados e senadores. Servidores do MDS, que pediram para não ser identificados, relataram à reportagem que são frequentes as reuniões com parlamentares para tratar dos recursos da Portaria 886.

Há até registro na agenda oficial de servidores da pasta em que a portaria aparece como tema da reunião. No dia 01 de junho, o deputado Thiago Flores (MDB-RO) esteve no ministério para uma reunião com Jane Maria Cristina de Matos, então chefe da assessoria parlamentar. O assunto da reunião era a “Portaria MDS nº 886 de 18 de maio”.

Dias depois, o deputado postou em seu site a notícia da entrega de R$ 500 mil em “emenda parlamentar” para a uma associação de mães de autistas de Ariquemes (RO). “Este recurso é fruto de emenda parlamentar e será utilizado para contratação de profissionais da área de saúde, sendo eles psiquiatras, neurologistas, enfermeiros e muito mais, que atenderão as crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista”, diz o texto no site.

É impossível que Flores tenha entregue recursos de emenda individual do orçamento de 2023. Quando o projeto foi votado, em 2022, ele ainda não havia sido eleito. Segundo o que foi publicado no site do parlamentar, o recurso teria sido obtido com a ajuda do deputado estadual Cássio Gois (PSD). Por meio da assessoria, o parlamentar confirmou a reunião para tratar dos recursos, mas disse que o encontro não resultou em liberação de verbas. Disse também que o dinheiro para a associação era de uma emenda do deputado estadual.

Em maio passado, o diretor-executivo do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), José Arimateia de Oliveira, foi a uma reunião com assessores de orçamento do Congresso, e deixou claro que os pedidos de prefeituras sem o apoio de congressistas não seriam atendidos. A reunião foi revelada pelo Estadão. No encontro, ele informou aos assessores que a escolha mais rápida para a liberação de recursos seria por meio da compra de veículos do tipo “van” para a assistência social.

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“Se quer contemplar de imediato, é a van”, afirmou ele na época, de acordo com gravação do encontro que aconteceu no Congresso.

Usando o dinheiro do espólio do orçamento secreto, o MDS já reservou R$ 57,6 milhões para a compra de 186 vans, a R$ 310 mil cada, segundo informação da assessoria. Até o momento, 95 dessas vans já foram entregues. A pasta, no entanto, disse que não pode informar para quais cidades elas serão enviadas, uma vez que ainda não foram distribuídas.

Segundo outro servidor do MDS, gravado na reunião de maio passado, os parlamentares envolvidos nas discussões sobre a liberação de vans são sempre informados quando o veículo é encaminhado para um determinado município para que ele possa realizar algum evento e tirar os proveitos políticos disso.

Em setembro passado, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) comemorou nas redes sociais a aquisição de uma das vans para a cidade de Serra do Mel, a 240 km da capital potiguar, Natal. “Nosso mandato indicou R$ 8,6 milhões para 28 municípios do RN adquirir uma Van para Assistência Social, no valor de R$ 310 mil, cada e Serra do Mel será um dos contemplados com essa moderna Van que ajudará o serviço social da cidade”, escreveu ele.

Postagem de Styvenson Valentim no Instagram Foto: Instagram via @senadorstyvensonvalentim

Procurado, Styvenson confirmou, por meio da assessoria, que não se tratava de emenda parlamentar, e sim de recursos próprios do MDS. O valor, R$ 310 mil, é o mesmo das vans compradas pela pasta com o espólio do orçamento secreto.

O prefeito Manoel Portela (PT), de Aroazes (PI), comemorou a entrega de uma van para a Assistência Social da cidade no dia 27 de fevereiro deste ano. “Gratidão ao senador Marcelo Castro que destinou a emenda para a van, que foi entregue com a presença do deputado federal Castro Neto. Esse é o nosso compromisso com o povo de Aroazes”. Mais uma vez, não há emenda individual de Marcelo Castro para o MDS no município de Aroazes, apenas uma emenda Pix.

Por meio da assessoria, Marcelo Castro também confirmou que a van foi adquirida com recursos do espólio do orçamento secreto, e não com dinheiro de emendas.

Prefeito de Aroazes comemora van e atribui benefício a "emenda" do senador Marcelo Castro Foto: Instagram via @manoelportelaaroazes

“Continuidade de más práticas”, diz Transparência Brasil

Segundo Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, ao alocar os recursos do espólio do orçamento secreto, a PEC da Transição, aprovada na transição dos governos Bolsonaro e Lula, repetiu os mesmos problemas, como a falta de transparência das indicações e de planejamento no uso do dinheiro.

“Há uma piora do monitoramento e da transparência, porque elas já entravam no meio das outras despesas discricionárias (de uso livre do Executivo). Entender o que eram essas emendas requer um conhecimento mais avançado de orçamento”, diz.

A executiva da Transparência Brasil explica que foi a continuidade das más práticas em torno da aplicação de emendas que levou a entidade a apresentar a petição junto ao Supremo para tentar impedir, de forma definitiva, a continuidade do orçamento secreto. “A gente continua fazendo as mesmas coisas que se faziam anteriormente. Infringindo a transparência, deixando de ter planejamento do orçamento e afetando negativamente as políticas públicas e o acompanhamento delas”, diz Sakai.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai Foto: Juliana Sakai/Acervo pessoal

O advogado Guilherme France, da Transparência Internacional, destaca que a continuidade do uso de mecanismos clássicos do orçamento secreto é uma afronta à legitimidade do Supremo, especialmente ao considerar que a suspensão do mecanismo foi uma decisão tomada pelo plenário da Corte.

“Não é uma decisão monocrática (tomada por um único ministro), e sim chancelada pelo plenário. E não está sendo cumprida, em diversos aspectos. Não só a questão da alocação, mas a continuidade e ampliação das emendas de transferência especial (as emendas Pix), que não possibilitam a verificação nem mesmo dos requisitos mínimos (de transparência)”, diz ele.

Ministérios negam irregularidades

Em manifestações oficiais, os ministérios que herdaram recursos do orçamento secreto e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política do Palácio do Planalto, sempre negaram que o dinheiro da antiga emenda de relator venha sendo usado para barganhas com parlamentares.

Em janeiro deste ano, a SRI, respondendo a um pedido da Lei de Acesso à Informação, disse que “não cabe” aos parlamentares indicar quais municípios serão beneficiados pelas verbas. “A seleção dos beneficiários é de responsabilidade dos órgãos executores. A esses recursos, não cabe indicação de beneficiário por parte dos parlamentares”, disse o órgão. A SRI disse também que “não dispõe” da relação de deputados e senadores que fizeram indicações de usos para o espólio do orçamento secreto.

Resposta parecida veio do Ministério do Esporte. Segundo a pasta, as verbas “são dotações orçamentárias discricionárias deste Ministério, com isso não há participação da Secretaria de Relações Institucionais – SRI, e portanto, não são de indicação parlamentar”.

Em nota à reportagem, a SRI negou irregularidades na aplicação dos recursos dos restos a pagar do orçamento secreto original, o da rubrica RP-9. Disse ainda que a aplicação do dinheiro segue a determinação do STF e é de responsabilidade dos ministérios. Não tratou, no entanto, das verbas A4, o espólio do orçamento secreto.

“O pagamento de restos a pagar para as emendas de relator têm seguido estrita e rigorosamente o que determinou o Supremo Tribunal Federal – entendimento que foi objeto de parecer de orientação da Advocacia Geral da União, distribuído a todos os órgãos da administração federal”, diz a nota.

“Conforme essa decisão, o prosseguimento da execução dos recursos que já haviam sido empenhados está sujeito à discricionariedade da pasta responsável, que pode dar prosseguimento nos casos em que as indicações estivessem de acordo com os critérios das políticas públicas. A responsabilidade pelo cumprimento dessas condições é de cada órgão executor de emendas parlamentares”, disse a pasta.

Procurado pela reportagem, o MDS disse que a Portaria 886 foi criada para atender a decisão do STF, e que a escolha dos municípios a serem contemplados se dá segundo critérios técnicos. A pasta não respondeu sobre os recursos indicados pelos senadores Styvenson Valentim e Marcelo Castro.

“O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome esclarece que a Portaria 886 de 18 de maio de 2023 é uma portaria originária da decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as emendas de relator (...) O que era emenda de relator foi transformado em recursos discricionários de cada Ministério, dando poder aos ministros para fazer portarias específicas que definam como fazer a partilha e distribuição desses recursos. A Portaria 886 possibilitou que todos os municípios pudessem realizar solicitações de pleito para o atendimento de várias demandas e possibilidades, desde investimento a custeio. Dessa forma, a escolha é feita entre aqueles municípios que, dentro de um quadro técnico, estejam caracterizados como prioritários para o atendimento dessas demandas”, diz o texto.

A reportagem também procurou os ministérios do Esporte e das Cidades, além da prefeitura de Curral Velho. Somente a pasta das Cidades respondeu, negando que esteja usando as verbas para negociações com congressistas.

“O Ministério das Cidades, por meio da Portaria MCID n° 528, de 12 de Maio de 2023, buscou definir diretrizes e procedimentos em conformidade aos previstos na Portaria SRI nº 105, de 4 de maio de 2023, com objetivo de orientar a seleção de recursos no âmbito do ministério, afastando quaisquer tipos de indicações de beneficiários”, diz a pasta. “Dessa forma, não há o que se falar em pedidos de parlamentares ou ofensa a qualquer a qualquer decisão do STF”, diz.

BRASÍLIA – Faltando menos de seis meses para as eleições municipais, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua distribuindo recursos para aliados políticos no Congresso sem transparência, repetindo mecanismo consagrado no orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e que marcou a gestão Jair Bolsonaro (PL). Apesar da prática ter sido vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022, ministérios como os do Desenvolvimento Social, Cidades e Esportes têm repassado verbas públicas para obras ou compra de equipamentos em localidades previamente negociadas com parlamentares. As pastas, além da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Palácio do Planalto, negam irregularidades e afirmam que estão seguindo critérios técnicos para a distribuição das verbas.

Além da falta de transparência quanto aos “padrinhos” e “madrinhas” das indicações, a distribuição também é feita conforme a conveniência política do governo. Isto significa que alguns municípios e congressistas serão contemplados e outros ficarão sem nada.

Com apenas 2,2 mil habitantes, a cidade de Curral Velho (PB) é um bom exemplo de como a determinação do STF tem sido ignorada pelo governo petista. Localizada a 371 km da capital João Pessoa, o município receberá do Ministério das Cidades um total de R$ 3,3 milhões das verbas que sobraram das antigas emendas de relator – coração do orçamento secreto – e que foram repassadas para a pasta.

A distribuição desses recursos tem sido motivo de celebração por parte de políticos nas redes sociais. Nas redes da prefeitura de Curral Velho, o dinheiro é apresentado como “emenda parlamentar” – o que não é o caso.

Versão do orçamento secreto, com recursos negociados diretamente com os parlamentares, continua existindo, mesmo com proibição do STF Foto: Eliseu Paes/Agência Brasil

Para se ter uma ideia do peso desses recursos num ano eleitoral, basta fazer uma conta simples. Se o valor reservado pelo Ministério das Cidades fosse dividido pelo número de moradores de Curral Velho, cada um receberia pouco mais de R$ 700. O dinheiro será usado para asfaltamento de vias e construção de uma praça. O prefeito da cidade, Samuel Carnaúba (MDB), é ligado ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB).

Situação semelhante ocorre no Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ex-governador petista do Piauí Wellington Dias. A pasta herdou R$ 1,5 bilhão das antigas emendas de relator. O rateio dos recursos tem sido feito de acordo com as demandas de deputados e senadores. Assim como no caso de Curral Velho, os políticos não perdem a oportunidade de destacar o resultado alcançado em suas redes sociais.

O espólio do orçamento secreto

Depois da decisão do Supremo, no final de 2022, o governo e o Congresso foram obrigado a realocar um total de R$ 19,4 bilhões em verbas que estavam reservadas, na proposta orçamentária de 2023, como emendas de relator. Com a aprovação da chamada “PEC da Transição”, um total de R$ 9,6 bilhões viraram emendas individuais dos parlamentares. Os outros R$ 9,85 bilhões voltaram para os cofres do Poder Executivo. Esse espólio foi distribuído entre sete ministérios: Saúde, Cidades , Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Regional, Agricultura, Esporte e Educação.

Essas verbas, seguindo a determinação do STF, deveriam ser de uso exclusivo do Poder Executivo. Mas elas continuaram sendo usadas como moeda de troca entre o Planalto e deputados e senadores da base de apoio no Congresso, repetindo o mecanismo que foi condenado publicamente pelo próprio presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022. Num evento em São Paulo, em agosto daquele ano, Lula classificou o orçamento secreto como a “fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal voltou a prestar atenção ao assunto. Entidades que atuam na fiscalização do dinheiro público como a Transparência Brasil, a seção brasileira da Transparência Internacional e a ONG Contas Abertas apontaram à Suprema Corte a possível continuidade da prática do orçamento secreto.

Segundo as entidades, a decisão de dezembro de 2022 do STF continuou sendo violada de três formas: primeiro, com o uso dos R$ 9,85 bilhões para barganhas com o Congresso; com o uso intensivo das chamadas “emendas Pix”; e com a falta de informações efetivas sobre a distribuição das antigas emendas de relator (conhecidas tecnicamente pela sigla RP-9).

As entidades se manifestaram enquanto “amicus curiae” (”amigos da Corte”, um terceiro interessado no processo) em uma ação apresentada pelo PSOL ainda em 2021, e que resultou na proibição do orçamento secreto em 2022. Antes sob os cuidados de Rosa Weber, o caso chegou a ser arquivado, mas voltou a tramitar sob a relatoria do ministro Flávio Dino, indicado à Corte por Lula.

No dia 19 de abril, Dino abriu a possibilidade para que a Presidência da República e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestassem sobre os questionamentos apresentados ao Tribunal pelas entidades.

Até o momento, apenas a Câmara dos Deputados se manifestou sobre o assunto. A Casa não só negou as irregularidades apontadas pelas entidades como destacou que a ação do PSOL já foi julgada. Além disso, diz a Câmara, o tipo de ação escolhido pela legenda, uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não pode ser usado para questionar uma emenda constitucional (no caso, a que resultou da “PEC da Transição”).

Curral Velho (PB): contratos permitem rastrear a verba

Além do dinheiro do Ministério das Cidades, o pequeno município paraibano de Curral Velho vai receber mais R$ 955 mil para a revitalização de uma academia ao ar livre na cidade. O dinheiro vem do espólio do orçamento secreto que ficou sob a responsabilidade do Ministério dos Esportes. A prefeitura de Curral Velho resolveu divulgar em sua conta oficial no Instagram a cópia dos contratos de repasse, o que permite rastrear a origem do dinheiro.

A praça esportiva, por exemplo, foi atribuída a uma “emenda parlamentar” do deputado federal Mersinho Lucena (PP-PB). Em seu primeiro mandato no Congresso, Lucena não tem emendas apresentadas ao Orçamento de 2023 porque ainda não era deputado em 2022, quando a proposta orçamentária foi votada. O dinheiro que bancará a obra está sob a rubrica A4, como ficou marcado o espólio das emendas de relator.

À reportagem, Lucena disse que a comunicação da prefeitura se equivocou ao noticiar os recursos como emenda parlamentar.

“É falta de conhecimento do gestor, ou de algum secretário de comunicação. Na verdade, a gente fez essa indicação para mandar para lá, na época. Curral Velho é uma cidade que, se você verificar aí, eu tive, proporcionalmente, a maior votação (...). E o prefeito tem feito um trabalho muito forte na cidade. E aí a gente conseguiu ter a possibilidade de fazer uma indicação. Não quer dizer que seja emenda parlamentar individual. Mas aí às vezes é falta de conhecimento (...). Eles não conhecem essa questão dos códigos (orçamentários)”, diz Lucena.

Nos corredores do Congresso, este tipo de recurso é geralmente chamado de “extra”. Diferentemente das emendas, a negociação é informal, sem registros sobre os padrinhos e madrinhas e feita de acordo com a conveniência política, sem necessidade de atender igualmente a todos os deputados e senadores. Segundo Mersinho, verbas assim são às vezes negociadas diretamente com os ministros. “Hoje, o ministro (André) Fufuca, do Esporte, é do Progressistas. Eu mostrei alguns projetos para ele, no final do ano passado, de academias ao ar livre, e ele gostou do projeto”, conta.

Letreiro na praça de Curral Velho PB Foto: @prefcurralvelho via Instagram

No mesmo período, a prefeitura de Curral Velho fez outras duas postagens comemorando recursos do espólio do orçamento secreto. Em ambas, atribuiu o dinheiro a “recursos angariados pelo deputado estadual Taciano Diniz (União Brasil)” – o parlamentar estadual também é ligado a Veneziano Vital do Rêgo, com quem costuma postar fotos nas redes sociais.

Em 27 de novembro passado, a prefeitura do município paraibano assinou um contrato de repasse de R$ 437,5 mil para pavimentação de vias na cidade. Em 30 de novembro, outro contrato de R$ 960.019,00 para a construção de uma praça. Em ambos os casos, é dinheiro do antigo orçamento secreto liberado via Ministério das Cidades.

No Facebook, a prefeitura postou também o contrato para mais R$ 1,9 milhão do espólio do orçamento secreto via Ministério das Cidades para a pavimentação de vias. Mais uma vez, quem aparece ao lado do prefeito Samuel Carnaúba nas fotos foi o deputado estadual Taciano Diniz.

“Se quiser contemplar de imediato, é a van”

Em maio de 2023, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) editou a Portaria 886, com regras para o uso dos recursos do espólio do orçamento secreto. Os valores seriam liberados por critérios técnicos, após solicitações dos municípios. Na prática, a priorização tem sido definida com base em discussões com deputados e senadores. Servidores do MDS, que pediram para não ser identificados, relataram à reportagem que são frequentes as reuniões com parlamentares para tratar dos recursos da Portaria 886.

Há até registro na agenda oficial de servidores da pasta em que a portaria aparece como tema da reunião. No dia 01 de junho, o deputado Thiago Flores (MDB-RO) esteve no ministério para uma reunião com Jane Maria Cristina de Matos, então chefe da assessoria parlamentar. O assunto da reunião era a “Portaria MDS nº 886 de 18 de maio”.

Dias depois, o deputado postou em seu site a notícia da entrega de R$ 500 mil em “emenda parlamentar” para a uma associação de mães de autistas de Ariquemes (RO). “Este recurso é fruto de emenda parlamentar e será utilizado para contratação de profissionais da área de saúde, sendo eles psiquiatras, neurologistas, enfermeiros e muito mais, que atenderão as crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista”, diz o texto no site.

É impossível que Flores tenha entregue recursos de emenda individual do orçamento de 2023. Quando o projeto foi votado, em 2022, ele ainda não havia sido eleito. Segundo o que foi publicado no site do parlamentar, o recurso teria sido obtido com a ajuda do deputado estadual Cássio Gois (PSD). Por meio da assessoria, o parlamentar confirmou a reunião para tratar dos recursos, mas disse que o encontro não resultou em liberação de verbas. Disse também que o dinheiro para a associação era de uma emenda do deputado estadual.

Em maio passado, o diretor-executivo do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), José Arimateia de Oliveira, foi a uma reunião com assessores de orçamento do Congresso, e deixou claro que os pedidos de prefeituras sem o apoio de congressistas não seriam atendidos. A reunião foi revelada pelo Estadão. No encontro, ele informou aos assessores que a escolha mais rápida para a liberação de recursos seria por meio da compra de veículos do tipo “van” para a assistência social.

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“Se quer contemplar de imediato, é a van”, afirmou ele na época, de acordo com gravação do encontro que aconteceu no Congresso.

Usando o dinheiro do espólio do orçamento secreto, o MDS já reservou R$ 57,6 milhões para a compra de 186 vans, a R$ 310 mil cada, segundo informação da assessoria. Até o momento, 95 dessas vans já foram entregues. A pasta, no entanto, disse que não pode informar para quais cidades elas serão enviadas, uma vez que ainda não foram distribuídas.

Segundo outro servidor do MDS, gravado na reunião de maio passado, os parlamentares envolvidos nas discussões sobre a liberação de vans são sempre informados quando o veículo é encaminhado para um determinado município para que ele possa realizar algum evento e tirar os proveitos políticos disso.

Em setembro passado, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) comemorou nas redes sociais a aquisição de uma das vans para a cidade de Serra do Mel, a 240 km da capital potiguar, Natal. “Nosso mandato indicou R$ 8,6 milhões para 28 municípios do RN adquirir uma Van para Assistência Social, no valor de R$ 310 mil, cada e Serra do Mel será um dos contemplados com essa moderna Van que ajudará o serviço social da cidade”, escreveu ele.

Postagem de Styvenson Valentim no Instagram Foto: Instagram via @senadorstyvensonvalentim

Procurado, Styvenson confirmou, por meio da assessoria, que não se tratava de emenda parlamentar, e sim de recursos próprios do MDS. O valor, R$ 310 mil, é o mesmo das vans compradas pela pasta com o espólio do orçamento secreto.

O prefeito Manoel Portela (PT), de Aroazes (PI), comemorou a entrega de uma van para a Assistência Social da cidade no dia 27 de fevereiro deste ano. “Gratidão ao senador Marcelo Castro que destinou a emenda para a van, que foi entregue com a presença do deputado federal Castro Neto. Esse é o nosso compromisso com o povo de Aroazes”. Mais uma vez, não há emenda individual de Marcelo Castro para o MDS no município de Aroazes, apenas uma emenda Pix.

Por meio da assessoria, Marcelo Castro também confirmou que a van foi adquirida com recursos do espólio do orçamento secreto, e não com dinheiro de emendas.

Prefeito de Aroazes comemora van e atribui benefício a "emenda" do senador Marcelo Castro Foto: Instagram via @manoelportelaaroazes

“Continuidade de más práticas”, diz Transparência Brasil

Segundo Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, ao alocar os recursos do espólio do orçamento secreto, a PEC da Transição, aprovada na transição dos governos Bolsonaro e Lula, repetiu os mesmos problemas, como a falta de transparência das indicações e de planejamento no uso do dinheiro.

“Há uma piora do monitoramento e da transparência, porque elas já entravam no meio das outras despesas discricionárias (de uso livre do Executivo). Entender o que eram essas emendas requer um conhecimento mais avançado de orçamento”, diz.

A executiva da Transparência Brasil explica que foi a continuidade das más práticas em torno da aplicação de emendas que levou a entidade a apresentar a petição junto ao Supremo para tentar impedir, de forma definitiva, a continuidade do orçamento secreto. “A gente continua fazendo as mesmas coisas que se faziam anteriormente. Infringindo a transparência, deixando de ter planejamento do orçamento e afetando negativamente as políticas públicas e o acompanhamento delas”, diz Sakai.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai Foto: Juliana Sakai/Acervo pessoal

O advogado Guilherme France, da Transparência Internacional, destaca que a continuidade do uso de mecanismos clássicos do orçamento secreto é uma afronta à legitimidade do Supremo, especialmente ao considerar que a suspensão do mecanismo foi uma decisão tomada pelo plenário da Corte.

“Não é uma decisão monocrática (tomada por um único ministro), e sim chancelada pelo plenário. E não está sendo cumprida, em diversos aspectos. Não só a questão da alocação, mas a continuidade e ampliação das emendas de transferência especial (as emendas Pix), que não possibilitam a verificação nem mesmo dos requisitos mínimos (de transparência)”, diz ele.

Ministérios negam irregularidades

Em manifestações oficiais, os ministérios que herdaram recursos do orçamento secreto e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política do Palácio do Planalto, sempre negaram que o dinheiro da antiga emenda de relator venha sendo usado para barganhas com parlamentares.

Em janeiro deste ano, a SRI, respondendo a um pedido da Lei de Acesso à Informação, disse que “não cabe” aos parlamentares indicar quais municípios serão beneficiados pelas verbas. “A seleção dos beneficiários é de responsabilidade dos órgãos executores. A esses recursos, não cabe indicação de beneficiário por parte dos parlamentares”, disse o órgão. A SRI disse também que “não dispõe” da relação de deputados e senadores que fizeram indicações de usos para o espólio do orçamento secreto.

Resposta parecida veio do Ministério do Esporte. Segundo a pasta, as verbas “são dotações orçamentárias discricionárias deste Ministério, com isso não há participação da Secretaria de Relações Institucionais – SRI, e portanto, não são de indicação parlamentar”.

Em nota à reportagem, a SRI negou irregularidades na aplicação dos recursos dos restos a pagar do orçamento secreto original, o da rubrica RP-9. Disse ainda que a aplicação do dinheiro segue a determinação do STF e é de responsabilidade dos ministérios. Não tratou, no entanto, das verbas A4, o espólio do orçamento secreto.

“O pagamento de restos a pagar para as emendas de relator têm seguido estrita e rigorosamente o que determinou o Supremo Tribunal Federal – entendimento que foi objeto de parecer de orientação da Advocacia Geral da União, distribuído a todos os órgãos da administração federal”, diz a nota.

“Conforme essa decisão, o prosseguimento da execução dos recursos que já haviam sido empenhados está sujeito à discricionariedade da pasta responsável, que pode dar prosseguimento nos casos em que as indicações estivessem de acordo com os critérios das políticas públicas. A responsabilidade pelo cumprimento dessas condições é de cada órgão executor de emendas parlamentares”, disse a pasta.

Procurado pela reportagem, o MDS disse que a Portaria 886 foi criada para atender a decisão do STF, e que a escolha dos municípios a serem contemplados se dá segundo critérios técnicos. A pasta não respondeu sobre os recursos indicados pelos senadores Styvenson Valentim e Marcelo Castro.

“O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome esclarece que a Portaria 886 de 18 de maio de 2023 é uma portaria originária da decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as emendas de relator (...) O que era emenda de relator foi transformado em recursos discricionários de cada Ministério, dando poder aos ministros para fazer portarias específicas que definam como fazer a partilha e distribuição desses recursos. A Portaria 886 possibilitou que todos os municípios pudessem realizar solicitações de pleito para o atendimento de várias demandas e possibilidades, desde investimento a custeio. Dessa forma, a escolha é feita entre aqueles municípios que, dentro de um quadro técnico, estejam caracterizados como prioritários para o atendimento dessas demandas”, diz o texto.

A reportagem também procurou os ministérios do Esporte e das Cidades, além da prefeitura de Curral Velho. Somente a pasta das Cidades respondeu, negando que esteja usando as verbas para negociações com congressistas.

“O Ministério das Cidades, por meio da Portaria MCID n° 528, de 12 de Maio de 2023, buscou definir diretrizes e procedimentos em conformidade aos previstos na Portaria SRI nº 105, de 4 de maio de 2023, com objetivo de orientar a seleção de recursos no âmbito do ministério, afastando quaisquer tipos de indicações de beneficiários”, diz a pasta. “Dessa forma, não há o que se falar em pedidos de parlamentares ou ofensa a qualquer a qualquer decisão do STF”, diz.

BRASÍLIA – Faltando menos de seis meses para as eleições municipais, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) continua distribuindo recursos para aliados políticos no Congresso sem transparência, repetindo mecanismo consagrado no orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e que marcou a gestão Jair Bolsonaro (PL). Apesar da prática ter sido vetada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022, ministérios como os do Desenvolvimento Social, Cidades e Esportes têm repassado verbas públicas para obras ou compra de equipamentos em localidades previamente negociadas com parlamentares. As pastas, além da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do Palácio do Planalto, negam irregularidades e afirmam que estão seguindo critérios técnicos para a distribuição das verbas.

Além da falta de transparência quanto aos “padrinhos” e “madrinhas” das indicações, a distribuição também é feita conforme a conveniência política do governo. Isto significa que alguns municípios e congressistas serão contemplados e outros ficarão sem nada.

Com apenas 2,2 mil habitantes, a cidade de Curral Velho (PB) é um bom exemplo de como a determinação do STF tem sido ignorada pelo governo petista. Localizada a 371 km da capital João Pessoa, o município receberá do Ministério das Cidades um total de R$ 3,3 milhões das verbas que sobraram das antigas emendas de relator – coração do orçamento secreto – e que foram repassadas para a pasta.

A distribuição desses recursos tem sido motivo de celebração por parte de políticos nas redes sociais. Nas redes da prefeitura de Curral Velho, o dinheiro é apresentado como “emenda parlamentar” – o que não é o caso.

Versão do orçamento secreto, com recursos negociados diretamente com os parlamentares, continua existindo, mesmo com proibição do STF Foto: Eliseu Paes/Agência Brasil

Para se ter uma ideia do peso desses recursos num ano eleitoral, basta fazer uma conta simples. Se o valor reservado pelo Ministério das Cidades fosse dividido pelo número de moradores de Curral Velho, cada um receberia pouco mais de R$ 700. O dinheiro será usado para asfaltamento de vias e construção de uma praça. O prefeito da cidade, Samuel Carnaúba (MDB), é ligado ao vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rêgo (MDB).

Situação semelhante ocorre no Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ex-governador petista do Piauí Wellington Dias. A pasta herdou R$ 1,5 bilhão das antigas emendas de relator. O rateio dos recursos tem sido feito de acordo com as demandas de deputados e senadores. Assim como no caso de Curral Velho, os políticos não perdem a oportunidade de destacar o resultado alcançado em suas redes sociais.

O espólio do orçamento secreto

Depois da decisão do Supremo, no final de 2022, o governo e o Congresso foram obrigado a realocar um total de R$ 19,4 bilhões em verbas que estavam reservadas, na proposta orçamentária de 2023, como emendas de relator. Com a aprovação da chamada “PEC da Transição”, um total de R$ 9,6 bilhões viraram emendas individuais dos parlamentares. Os outros R$ 9,85 bilhões voltaram para os cofres do Poder Executivo. Esse espólio foi distribuído entre sete ministérios: Saúde, Cidades , Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Regional, Agricultura, Esporte e Educação.

Essas verbas, seguindo a determinação do STF, deveriam ser de uso exclusivo do Poder Executivo. Mas elas continuaram sendo usadas como moeda de troca entre o Planalto e deputados e senadores da base de apoio no Congresso, repetindo o mecanismo que foi condenado publicamente pelo próprio presidente Lula durante a campanha eleitoral de 2022. Num evento em São Paulo, em agosto daquele ano, Lula classificou o orçamento secreto como a “fonte do maior esquema de corrupção da história deste país”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal voltou a prestar atenção ao assunto. Entidades que atuam na fiscalização do dinheiro público como a Transparência Brasil, a seção brasileira da Transparência Internacional e a ONG Contas Abertas apontaram à Suprema Corte a possível continuidade da prática do orçamento secreto.

Segundo as entidades, a decisão de dezembro de 2022 do STF continuou sendo violada de três formas: primeiro, com o uso dos R$ 9,85 bilhões para barganhas com o Congresso; com o uso intensivo das chamadas “emendas Pix”; e com a falta de informações efetivas sobre a distribuição das antigas emendas de relator (conhecidas tecnicamente pela sigla RP-9).

As entidades se manifestaram enquanto “amicus curiae” (”amigos da Corte”, um terceiro interessado no processo) em uma ação apresentada pelo PSOL ainda em 2021, e que resultou na proibição do orçamento secreto em 2022. Antes sob os cuidados de Rosa Weber, o caso chegou a ser arquivado, mas voltou a tramitar sob a relatoria do ministro Flávio Dino, indicado à Corte por Lula.

No dia 19 de abril, Dino abriu a possibilidade para que a Presidência da República e os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se manifestassem sobre os questionamentos apresentados ao Tribunal pelas entidades.

Até o momento, apenas a Câmara dos Deputados se manifestou sobre o assunto. A Casa não só negou as irregularidades apontadas pelas entidades como destacou que a ação do PSOL já foi julgada. Além disso, diz a Câmara, o tipo de ação escolhido pela legenda, uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não pode ser usado para questionar uma emenda constitucional (no caso, a que resultou da “PEC da Transição”).

Curral Velho (PB): contratos permitem rastrear a verba

Além do dinheiro do Ministério das Cidades, o pequeno município paraibano de Curral Velho vai receber mais R$ 955 mil para a revitalização de uma academia ao ar livre na cidade. O dinheiro vem do espólio do orçamento secreto que ficou sob a responsabilidade do Ministério dos Esportes. A prefeitura de Curral Velho resolveu divulgar em sua conta oficial no Instagram a cópia dos contratos de repasse, o que permite rastrear a origem do dinheiro.

A praça esportiva, por exemplo, foi atribuída a uma “emenda parlamentar” do deputado federal Mersinho Lucena (PP-PB). Em seu primeiro mandato no Congresso, Lucena não tem emendas apresentadas ao Orçamento de 2023 porque ainda não era deputado em 2022, quando a proposta orçamentária foi votada. O dinheiro que bancará a obra está sob a rubrica A4, como ficou marcado o espólio das emendas de relator.

À reportagem, Lucena disse que a comunicação da prefeitura se equivocou ao noticiar os recursos como emenda parlamentar.

“É falta de conhecimento do gestor, ou de algum secretário de comunicação. Na verdade, a gente fez essa indicação para mandar para lá, na época. Curral Velho é uma cidade que, se você verificar aí, eu tive, proporcionalmente, a maior votação (...). E o prefeito tem feito um trabalho muito forte na cidade. E aí a gente conseguiu ter a possibilidade de fazer uma indicação. Não quer dizer que seja emenda parlamentar individual. Mas aí às vezes é falta de conhecimento (...). Eles não conhecem essa questão dos códigos (orçamentários)”, diz Lucena.

Nos corredores do Congresso, este tipo de recurso é geralmente chamado de “extra”. Diferentemente das emendas, a negociação é informal, sem registros sobre os padrinhos e madrinhas e feita de acordo com a conveniência política, sem necessidade de atender igualmente a todos os deputados e senadores. Segundo Mersinho, verbas assim são às vezes negociadas diretamente com os ministros. “Hoje, o ministro (André) Fufuca, do Esporte, é do Progressistas. Eu mostrei alguns projetos para ele, no final do ano passado, de academias ao ar livre, e ele gostou do projeto”, conta.

Letreiro na praça de Curral Velho PB Foto: @prefcurralvelho via Instagram

No mesmo período, a prefeitura de Curral Velho fez outras duas postagens comemorando recursos do espólio do orçamento secreto. Em ambas, atribuiu o dinheiro a “recursos angariados pelo deputado estadual Taciano Diniz (União Brasil)” – o parlamentar estadual também é ligado a Veneziano Vital do Rêgo, com quem costuma postar fotos nas redes sociais.

Em 27 de novembro passado, a prefeitura do município paraibano assinou um contrato de repasse de R$ 437,5 mil para pavimentação de vias na cidade. Em 30 de novembro, outro contrato de R$ 960.019,00 para a construção de uma praça. Em ambos os casos, é dinheiro do antigo orçamento secreto liberado via Ministério das Cidades.

No Facebook, a prefeitura postou também o contrato para mais R$ 1,9 milhão do espólio do orçamento secreto via Ministério das Cidades para a pavimentação de vias. Mais uma vez, quem aparece ao lado do prefeito Samuel Carnaúba nas fotos foi o deputado estadual Taciano Diniz.

“Se quiser contemplar de imediato, é a van”

Em maio de 2023, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) editou a Portaria 886, com regras para o uso dos recursos do espólio do orçamento secreto. Os valores seriam liberados por critérios técnicos, após solicitações dos municípios. Na prática, a priorização tem sido definida com base em discussões com deputados e senadores. Servidores do MDS, que pediram para não ser identificados, relataram à reportagem que são frequentes as reuniões com parlamentares para tratar dos recursos da Portaria 886.

Há até registro na agenda oficial de servidores da pasta em que a portaria aparece como tema da reunião. No dia 01 de junho, o deputado Thiago Flores (MDB-RO) esteve no ministério para uma reunião com Jane Maria Cristina de Matos, então chefe da assessoria parlamentar. O assunto da reunião era a “Portaria MDS nº 886 de 18 de maio”.

Dias depois, o deputado postou em seu site a notícia da entrega de R$ 500 mil em “emenda parlamentar” para a uma associação de mães de autistas de Ariquemes (RO). “Este recurso é fruto de emenda parlamentar e será utilizado para contratação de profissionais da área de saúde, sendo eles psiquiatras, neurologistas, enfermeiros e muito mais, que atenderão as crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista”, diz o texto no site.

É impossível que Flores tenha entregue recursos de emenda individual do orçamento de 2023. Quando o projeto foi votado, em 2022, ele ainda não havia sido eleito. Segundo o que foi publicado no site do parlamentar, o recurso teria sido obtido com a ajuda do deputado estadual Cássio Gois (PSD). Por meio da assessoria, o parlamentar confirmou a reunião para tratar dos recursos, mas disse que o encontro não resultou em liberação de verbas. Disse também que o dinheiro para a associação era de uma emenda do deputado estadual.

Em maio passado, o diretor-executivo do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), José Arimateia de Oliveira, foi a uma reunião com assessores de orçamento do Congresso, e deixou claro que os pedidos de prefeituras sem o apoio de congressistas não seriam atendidos. A reunião foi revelada pelo Estadão. No encontro, ele informou aos assessores que a escolha mais rápida para a liberação de recursos seria por meio da compra de veículos do tipo “van” para a assistência social.

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“Se quer contemplar de imediato, é a van”, afirmou ele na época, de acordo com gravação do encontro que aconteceu no Congresso.

Usando o dinheiro do espólio do orçamento secreto, o MDS já reservou R$ 57,6 milhões para a compra de 186 vans, a R$ 310 mil cada, segundo informação da assessoria. Até o momento, 95 dessas vans já foram entregues. A pasta, no entanto, disse que não pode informar para quais cidades elas serão enviadas, uma vez que ainda não foram distribuídas.

Segundo outro servidor do MDS, gravado na reunião de maio passado, os parlamentares envolvidos nas discussões sobre a liberação de vans são sempre informados quando o veículo é encaminhado para um determinado município para que ele possa realizar algum evento e tirar os proveitos políticos disso.

Em setembro passado, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) comemorou nas redes sociais a aquisição de uma das vans para a cidade de Serra do Mel, a 240 km da capital potiguar, Natal. “Nosso mandato indicou R$ 8,6 milhões para 28 municípios do RN adquirir uma Van para Assistência Social, no valor de R$ 310 mil, cada e Serra do Mel será um dos contemplados com essa moderna Van que ajudará o serviço social da cidade”, escreveu ele.

Postagem de Styvenson Valentim no Instagram Foto: Instagram via @senadorstyvensonvalentim

Procurado, Styvenson confirmou, por meio da assessoria, que não se tratava de emenda parlamentar, e sim de recursos próprios do MDS. O valor, R$ 310 mil, é o mesmo das vans compradas pela pasta com o espólio do orçamento secreto.

O prefeito Manoel Portela (PT), de Aroazes (PI), comemorou a entrega de uma van para a Assistência Social da cidade no dia 27 de fevereiro deste ano. “Gratidão ao senador Marcelo Castro que destinou a emenda para a van, que foi entregue com a presença do deputado federal Castro Neto. Esse é o nosso compromisso com o povo de Aroazes”. Mais uma vez, não há emenda individual de Marcelo Castro para o MDS no município de Aroazes, apenas uma emenda Pix.

Por meio da assessoria, Marcelo Castro também confirmou que a van foi adquirida com recursos do espólio do orçamento secreto, e não com dinheiro de emendas.

Prefeito de Aroazes comemora van e atribui benefício a "emenda" do senador Marcelo Castro Foto: Instagram via @manoelportelaaroazes

“Continuidade de más práticas”, diz Transparência Brasil

Segundo Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, ao alocar os recursos do espólio do orçamento secreto, a PEC da Transição, aprovada na transição dos governos Bolsonaro e Lula, repetiu os mesmos problemas, como a falta de transparência das indicações e de planejamento no uso do dinheiro.

“Há uma piora do monitoramento e da transparência, porque elas já entravam no meio das outras despesas discricionárias (de uso livre do Executivo). Entender o que eram essas emendas requer um conhecimento mais avançado de orçamento”, diz.

A executiva da Transparência Brasil explica que foi a continuidade das más práticas em torno da aplicação de emendas que levou a entidade a apresentar a petição junto ao Supremo para tentar impedir, de forma definitiva, a continuidade do orçamento secreto. “A gente continua fazendo as mesmas coisas que se faziam anteriormente. Infringindo a transparência, deixando de ter planejamento do orçamento e afetando negativamente as políticas públicas e o acompanhamento delas”, diz Sakai.

A diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai Foto: Juliana Sakai/Acervo pessoal

O advogado Guilherme France, da Transparência Internacional, destaca que a continuidade do uso de mecanismos clássicos do orçamento secreto é uma afronta à legitimidade do Supremo, especialmente ao considerar que a suspensão do mecanismo foi uma decisão tomada pelo plenário da Corte.

“Não é uma decisão monocrática (tomada por um único ministro), e sim chancelada pelo plenário. E não está sendo cumprida, em diversos aspectos. Não só a questão da alocação, mas a continuidade e ampliação das emendas de transferência especial (as emendas Pix), que não possibilitam a verificação nem mesmo dos requisitos mínimos (de transparência)”, diz ele.

Ministérios negam irregularidades

Em manifestações oficiais, os ministérios que herdaram recursos do orçamento secreto e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política do Palácio do Planalto, sempre negaram que o dinheiro da antiga emenda de relator venha sendo usado para barganhas com parlamentares.

Em janeiro deste ano, a SRI, respondendo a um pedido da Lei de Acesso à Informação, disse que “não cabe” aos parlamentares indicar quais municípios serão beneficiados pelas verbas. “A seleção dos beneficiários é de responsabilidade dos órgãos executores. A esses recursos, não cabe indicação de beneficiário por parte dos parlamentares”, disse o órgão. A SRI disse também que “não dispõe” da relação de deputados e senadores que fizeram indicações de usos para o espólio do orçamento secreto.

Resposta parecida veio do Ministério do Esporte. Segundo a pasta, as verbas “são dotações orçamentárias discricionárias deste Ministério, com isso não há participação da Secretaria de Relações Institucionais – SRI, e portanto, não são de indicação parlamentar”.

Em nota à reportagem, a SRI negou irregularidades na aplicação dos recursos dos restos a pagar do orçamento secreto original, o da rubrica RP-9. Disse ainda que a aplicação do dinheiro segue a determinação do STF e é de responsabilidade dos ministérios. Não tratou, no entanto, das verbas A4, o espólio do orçamento secreto.

“O pagamento de restos a pagar para as emendas de relator têm seguido estrita e rigorosamente o que determinou o Supremo Tribunal Federal – entendimento que foi objeto de parecer de orientação da Advocacia Geral da União, distribuído a todos os órgãos da administração federal”, diz a nota.

“Conforme essa decisão, o prosseguimento da execução dos recursos que já haviam sido empenhados está sujeito à discricionariedade da pasta responsável, que pode dar prosseguimento nos casos em que as indicações estivessem de acordo com os critérios das políticas públicas. A responsabilidade pelo cumprimento dessas condições é de cada órgão executor de emendas parlamentares”, disse a pasta.

Procurado pela reportagem, o MDS disse que a Portaria 886 foi criada para atender a decisão do STF, e que a escolha dos municípios a serem contemplados se dá segundo critérios técnicos. A pasta não respondeu sobre os recursos indicados pelos senadores Styvenson Valentim e Marcelo Castro.

“O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome esclarece que a Portaria 886 de 18 de maio de 2023 é uma portaria originária da decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as emendas de relator (...) O que era emenda de relator foi transformado em recursos discricionários de cada Ministério, dando poder aos ministros para fazer portarias específicas que definam como fazer a partilha e distribuição desses recursos. A Portaria 886 possibilitou que todos os municípios pudessem realizar solicitações de pleito para o atendimento de várias demandas e possibilidades, desde investimento a custeio. Dessa forma, a escolha é feita entre aqueles municípios que, dentro de um quadro técnico, estejam caracterizados como prioritários para o atendimento dessas demandas”, diz o texto.

A reportagem também procurou os ministérios do Esporte e das Cidades, além da prefeitura de Curral Velho. Somente a pasta das Cidades respondeu, negando que esteja usando as verbas para negociações com congressistas.

“O Ministério das Cidades, por meio da Portaria MCID n° 528, de 12 de Maio de 2023, buscou definir diretrizes e procedimentos em conformidade aos previstos na Portaria SRI nº 105, de 4 de maio de 2023, com objetivo de orientar a seleção de recursos no âmbito do ministério, afastando quaisquer tipos de indicações de beneficiários”, diz a pasta. “Dessa forma, não há o que se falar em pedidos de parlamentares ou ofensa a qualquer a qualquer decisão do STF”, diz.

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