Em cinco anos, Lei Antiterrorismo condenou apenas 11 réus


Congresso discute a ampliação do alcance da legislação, que entrou em vigor em 2016; entidades ligadas a policiais criticam

Por Túlio Kruse

Em vigor há cinco anos, a Lei Antiterrorismo pouco tem sido utilizada em investigações da Polícia Federal e resultou na condenação de 11 pessoas. Nas maiores operações contra supostos terroristas no País houve casos em que a Justiça recusou as acusações e de suspeitos que, após prisões preventivas, não foram processados. Nas últimas semanas, porém, o governo se movimentou para reabrir a discussão de um projeto que pode ampliar o alcance das ações de contraterrorismo. 

Levantamento do Estadão com base em dados dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e procuradorias regionais chegou a apenas quatro sentenças condenatórias pelo crime no País – uma delas anulada posteriormente – com um total de 11 réus condenados. Há ações penais sob sigilo, mas sem indicação de que teriam resultado em condenação.

Esquadrão antibomba atua durante a Olimpíada do Rio em 2016 Foto: Paul Hanna/Reuters
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Desde que a Lei Antiterrorismo entrou em vigor, foram abertos 63 inquéritos para investigar suspeitas desse tipo. A média é de uma investigação iniciada por mês, um volume abaixo da produção da PF em outras áreas. Só no ano de 2020, a corporação abriu 490 inquéritos contra supostas organizações criminosas e 1.032 por suspeitas de peculato, como mostrou o Estadão na semana passada. 

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), autorizou a criação de uma comissão especial para debater a regulamentação do combate ao terrorismo no País. O texto original foi elaborado em 2016 pelo major Vitor Hugo (PSL-GO) – que à época era consultor legislativo da Casa – e apresentado pelo então deputado Jair Bolsonaro, mas foi arquivado. Em 2019, eleito deputado, Vitor Hugo fez alterações no texto e o apresentou de novo, com aval do presidente. A proposta não havia avançado até a autorização de Lira para criar a comissão. 

O projeto sugere novos mecanismos para prevenção de atos terroristas, prevê situações para a “infiltração” de agentes em grupos suspeitos, o acesso a dados de navegação na internet e à localização geográfica de celulares, e cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista. 

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O texto diz que a lei pode ser aplicada para reprimir não apenas atos tipificados como terrorismo, mas situação que “aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”.

O deputado disse que a intenção não é usar o aparato policial para perseguir movimentos sociais. “Não estamos criando um novo tipo de terrorismo”, disse o deputado Vitor Hugo. “Estamos dizendo que a mesma estrutura de prevenção e combate voltada para o terrorismo também vai se voltar para atos que, embora a lei não considere terrorismo, possam tirar vidas com o objetivo de interferir na definição de políticas públicas.”

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O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, defendeu em 2018, em entrevista ao Estadão, a tipificação de atos do MST como terrorismo. “Eles impõem o terror para ganhar um benefício. Se fosse necessário prender 100 mil pessoas, qual o problema nisso?”, disse o parlamentar na ocasião.

‘Inoportuna’. A proposta foi alvo de críticas de associações e federações que representam policiais civis, militares e federais. Em carta aberta divulgada nesta semana, dez entidades dizem que o projeto apresenta “sérias inconstitucionalidades”. 

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima considerou a comissão especial “inoportuna”. “As polícias já têm base legal e normativa criada para diálogo e cooperação entre diferentes esferas.” Ele afirmou que a Lei Antiterrorismo foi aprovada em meio à pressão internacional para que o País tipificasse o crime e pudesse implementar a legislação na segurança da Olimpíada, o que, para ele, criou distorções. “(A lei) É pouco eficiente em coibir riscos e criar contingências para que a se investiguem atentados efetivos, ou prevenir que aconteçam.”

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A Operação Hashtag, primeira investigação aberta com base na Lei Antiterrorismo, foi também o caso que terminou com o maior número de condenados. Oito pessoas foram consideradas culpadas por promover o Estado Islâmico nas redes sociais. As penas foram de 5 a 15 anos de prisão. Além deles, um suspeito da Hashtag foi condenado na Justiça Federal em Goiás, após o processo ser desmembrado. Outras duas condenações ocorreram em instâncias estaduais. 

A reportagem ouviu um delegado da PF que chefiou a Divisão Antiterrorismo e pediu para não ser identificado por questões de segurança. Para ele, a baixa produção de inquéritos ocorre, entre outros motivos, pela diminuição de casos de terrorismo no mundo desde que a lei foi aprovada. Questionado sobre a quantidade pequena de sentenças, o Ministério Público Federal não se manifestou. 

Ações abertas após massacre de Suzano foram anuladas

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A morte de dez pessoas há dois anos em uma escola estadual de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, levou à abertura de investigações e ações penais para reprimir ataques semelhantes. Houve ao menos três casos em que a Lei Antiterrorismo foi usada para enquadrar jovens que exaltaram o atentado ou ameaçaram fazer novos ataques. 

Cinco dias depois da tragédia em Suzano, a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pontalina, em Goiás recebeu uma representação para investigar um adolescente de 17 anos que estaria preparando um atentado em sua escola. Nas redes, o jovem publicou fotos e vídeos dos ataques da Columbine High School, nos EUA, em 1999, e do atentado a uma mesquita na Nova Zelândia, em 2019, que foi transmitido ao vivo na internet pelo atirador. Naquela semana, ele também tinha exaltado o atentado em Suzano. 

À colega que frequentava sua casa, o adolescente havia falado da intenção de praticar um atentado na escola em Pontalina, e até mostrado as roupas que pretendia usar no dia do ataque. A polícia encontrou fotos dele posando com armas de fogo. 

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A Justiça entendeu que o adolescente realizou atos preparatórios de terrorismo, crime previsto na lei de 2016, e determinou que ele fosse internado em uma unidade socioeducativa por três anos, com reavaliação periódica para determinar uma eventual mudança no regime. Seus pais passaram a ter acompanhamento psicológico, medida que também está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Dois dias após o caso de Goiás ter início, outro adolescente de 17 anos foi apreendido em Niterói, no Rio, também sob a acusação de se preparar para um atentado terrorista. Ele havia avisado colegas para não irem à escola no dia seguinte. E falou tanto em atacar a escola quanto em explodir uma passarela em frente ao Plaza Shopping de Niterói. Um dos alunos comunicou a ameaça à polícia. 

Na casa do adolescente foram encontradas máscaras e trajes vermelhos em referência à série Casa de Papel – na qual os protagonistas assaltam a Casa da Moeda em Madri, na Espanha –, mas nenhuma arma nem explosivos. O jovem disse que havia usado o traje como fantasia no carnaval, duas semanas antes. Ele foi condenado por atos de terrorismo em duas instâncias pela Justiça do Rio de Janeiro e passou oito meses em uma unidade socioeducativa. No primeiro dia, tentou suicídio e foi socorrido pelos assistentes sociais. 

Motivação. A condenação foi anulada nove meses depois pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Sebastião Reis Júnior entendeu que o Ministério Público não conseguiu comprovar que se tratava de terrorismo. A lei diz que só se configura terrorismo quando o ato é praticado “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. “O tribunal local desconsiderou a necessidade de esclarecimento da motivação para a prática dos atos preparatórios”, afirmou o ministro. 

Para o defensor público Rodrigo Azambuja, que atuou na defesa do adolescente, não havia provas robustas de que ele se preparava para um ataque. “A sociedade estava comovida por conta daquele atentado de Suzano, e aí começam a vir notícias de possível violência contra escolas”, disse. “A lei amplia o aspecto de punição, permitindo que os atos preparatórios sejam apenados. Juntou tudo isso.”

No Rio, houve outro caso com desfecho semelhante. No dia seguinte à denúncia de Niterói, um jovem de 18 anos foi preso em Campos dos Goytacazes sob acusação de preparar um ato terrorista. As evidências usadas para o indiciamento também foram publicações nas redes sociais que exaltavam o atentado em Suzano. A Justiça Federal considerou a prisão ilegal, e determinou que ele fosse solto. O juiz Fernando Henrique Silva Brito viu “flagrante violação aos direitos fundamentais à intimidade e vida privada”.

Em vigor há cinco anos, a Lei Antiterrorismo pouco tem sido utilizada em investigações da Polícia Federal e resultou na condenação de 11 pessoas. Nas maiores operações contra supostos terroristas no País houve casos em que a Justiça recusou as acusações e de suspeitos que, após prisões preventivas, não foram processados. Nas últimas semanas, porém, o governo se movimentou para reabrir a discussão de um projeto que pode ampliar o alcance das ações de contraterrorismo. 

Levantamento do Estadão com base em dados dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e procuradorias regionais chegou a apenas quatro sentenças condenatórias pelo crime no País – uma delas anulada posteriormente – com um total de 11 réus condenados. Há ações penais sob sigilo, mas sem indicação de que teriam resultado em condenação.

Esquadrão antibomba atua durante a Olimpíada do Rio em 2016 Foto: Paul Hanna/Reuters

Desde que a Lei Antiterrorismo entrou em vigor, foram abertos 63 inquéritos para investigar suspeitas desse tipo. A média é de uma investigação iniciada por mês, um volume abaixo da produção da PF em outras áreas. Só no ano de 2020, a corporação abriu 490 inquéritos contra supostas organizações criminosas e 1.032 por suspeitas de peculato, como mostrou o Estadão na semana passada. 

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), autorizou a criação de uma comissão especial para debater a regulamentação do combate ao terrorismo no País. O texto original foi elaborado em 2016 pelo major Vitor Hugo (PSL-GO) – que à época era consultor legislativo da Casa – e apresentado pelo então deputado Jair Bolsonaro, mas foi arquivado. Em 2019, eleito deputado, Vitor Hugo fez alterações no texto e o apresentou de novo, com aval do presidente. A proposta não havia avançado até a autorização de Lira para criar a comissão. 

O projeto sugere novos mecanismos para prevenção de atos terroristas, prevê situações para a “infiltração” de agentes em grupos suspeitos, o acesso a dados de navegação na internet e à localização geográfica de celulares, e cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista. 

O texto diz que a lei pode ser aplicada para reprimir não apenas atos tipificados como terrorismo, mas situação que “aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”.

O deputado disse que a intenção não é usar o aparato policial para perseguir movimentos sociais. “Não estamos criando um novo tipo de terrorismo”, disse o deputado Vitor Hugo. “Estamos dizendo que a mesma estrutura de prevenção e combate voltada para o terrorismo também vai se voltar para atos que, embora a lei não considere terrorismo, possam tirar vidas com o objetivo de interferir na definição de políticas públicas.”

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, defendeu em 2018, em entrevista ao Estadão, a tipificação de atos do MST como terrorismo. “Eles impõem o terror para ganhar um benefício. Se fosse necessário prender 100 mil pessoas, qual o problema nisso?”, disse o parlamentar na ocasião.

‘Inoportuna’. A proposta foi alvo de críticas de associações e federações que representam policiais civis, militares e federais. Em carta aberta divulgada nesta semana, dez entidades dizem que o projeto apresenta “sérias inconstitucionalidades”. 

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima considerou a comissão especial “inoportuna”. “As polícias já têm base legal e normativa criada para diálogo e cooperação entre diferentes esferas.” Ele afirmou que a Lei Antiterrorismo foi aprovada em meio à pressão internacional para que o País tipificasse o crime e pudesse implementar a legislação na segurança da Olimpíada, o que, para ele, criou distorções. “(A lei) É pouco eficiente em coibir riscos e criar contingências para que a se investiguem atentados efetivos, ou prevenir que aconteçam.”

A Operação Hashtag, primeira investigação aberta com base na Lei Antiterrorismo, foi também o caso que terminou com o maior número de condenados. Oito pessoas foram consideradas culpadas por promover o Estado Islâmico nas redes sociais. As penas foram de 5 a 15 anos de prisão. Além deles, um suspeito da Hashtag foi condenado na Justiça Federal em Goiás, após o processo ser desmembrado. Outras duas condenações ocorreram em instâncias estaduais. 

A reportagem ouviu um delegado da PF que chefiou a Divisão Antiterrorismo e pediu para não ser identificado por questões de segurança. Para ele, a baixa produção de inquéritos ocorre, entre outros motivos, pela diminuição de casos de terrorismo no mundo desde que a lei foi aprovada. Questionado sobre a quantidade pequena de sentenças, o Ministério Público Federal não se manifestou. 

Ações abertas após massacre de Suzano foram anuladas

A morte de dez pessoas há dois anos em uma escola estadual de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, levou à abertura de investigações e ações penais para reprimir ataques semelhantes. Houve ao menos três casos em que a Lei Antiterrorismo foi usada para enquadrar jovens que exaltaram o atentado ou ameaçaram fazer novos ataques. 

Cinco dias depois da tragédia em Suzano, a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pontalina, em Goiás recebeu uma representação para investigar um adolescente de 17 anos que estaria preparando um atentado em sua escola. Nas redes, o jovem publicou fotos e vídeos dos ataques da Columbine High School, nos EUA, em 1999, e do atentado a uma mesquita na Nova Zelândia, em 2019, que foi transmitido ao vivo na internet pelo atirador. Naquela semana, ele também tinha exaltado o atentado em Suzano. 

À colega que frequentava sua casa, o adolescente havia falado da intenção de praticar um atentado na escola em Pontalina, e até mostrado as roupas que pretendia usar no dia do ataque. A polícia encontrou fotos dele posando com armas de fogo. 

A Justiça entendeu que o adolescente realizou atos preparatórios de terrorismo, crime previsto na lei de 2016, e determinou que ele fosse internado em uma unidade socioeducativa por três anos, com reavaliação periódica para determinar uma eventual mudança no regime. Seus pais passaram a ter acompanhamento psicológico, medida que também está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Dois dias após o caso de Goiás ter início, outro adolescente de 17 anos foi apreendido em Niterói, no Rio, também sob a acusação de se preparar para um atentado terrorista. Ele havia avisado colegas para não irem à escola no dia seguinte. E falou tanto em atacar a escola quanto em explodir uma passarela em frente ao Plaza Shopping de Niterói. Um dos alunos comunicou a ameaça à polícia. 

Na casa do adolescente foram encontradas máscaras e trajes vermelhos em referência à série Casa de Papel – na qual os protagonistas assaltam a Casa da Moeda em Madri, na Espanha –, mas nenhuma arma nem explosivos. O jovem disse que havia usado o traje como fantasia no carnaval, duas semanas antes. Ele foi condenado por atos de terrorismo em duas instâncias pela Justiça do Rio de Janeiro e passou oito meses em uma unidade socioeducativa. No primeiro dia, tentou suicídio e foi socorrido pelos assistentes sociais. 

Motivação. A condenação foi anulada nove meses depois pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Sebastião Reis Júnior entendeu que o Ministério Público não conseguiu comprovar que se tratava de terrorismo. A lei diz que só se configura terrorismo quando o ato é praticado “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. “O tribunal local desconsiderou a necessidade de esclarecimento da motivação para a prática dos atos preparatórios”, afirmou o ministro. 

Para o defensor público Rodrigo Azambuja, que atuou na defesa do adolescente, não havia provas robustas de que ele se preparava para um ataque. “A sociedade estava comovida por conta daquele atentado de Suzano, e aí começam a vir notícias de possível violência contra escolas”, disse. “A lei amplia o aspecto de punição, permitindo que os atos preparatórios sejam apenados. Juntou tudo isso.”

No Rio, houve outro caso com desfecho semelhante. No dia seguinte à denúncia de Niterói, um jovem de 18 anos foi preso em Campos dos Goytacazes sob acusação de preparar um ato terrorista. As evidências usadas para o indiciamento também foram publicações nas redes sociais que exaltavam o atentado em Suzano. A Justiça Federal considerou a prisão ilegal, e determinou que ele fosse solto. O juiz Fernando Henrique Silva Brito viu “flagrante violação aos direitos fundamentais à intimidade e vida privada”.

Em vigor há cinco anos, a Lei Antiterrorismo pouco tem sido utilizada em investigações da Polícia Federal e resultou na condenação de 11 pessoas. Nas maiores operações contra supostos terroristas no País houve casos em que a Justiça recusou as acusações e de suspeitos que, após prisões preventivas, não foram processados. Nas últimas semanas, porém, o governo se movimentou para reabrir a discussão de um projeto que pode ampliar o alcance das ações de contraterrorismo. 

Levantamento do Estadão com base em dados dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e procuradorias regionais chegou a apenas quatro sentenças condenatórias pelo crime no País – uma delas anulada posteriormente – com um total de 11 réus condenados. Há ações penais sob sigilo, mas sem indicação de que teriam resultado em condenação.

Esquadrão antibomba atua durante a Olimpíada do Rio em 2016 Foto: Paul Hanna/Reuters

Desde que a Lei Antiterrorismo entrou em vigor, foram abertos 63 inquéritos para investigar suspeitas desse tipo. A média é de uma investigação iniciada por mês, um volume abaixo da produção da PF em outras áreas. Só no ano de 2020, a corporação abriu 490 inquéritos contra supostas organizações criminosas e 1.032 por suspeitas de peculato, como mostrou o Estadão na semana passada. 

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), autorizou a criação de uma comissão especial para debater a regulamentação do combate ao terrorismo no País. O texto original foi elaborado em 2016 pelo major Vitor Hugo (PSL-GO) – que à época era consultor legislativo da Casa – e apresentado pelo então deputado Jair Bolsonaro, mas foi arquivado. Em 2019, eleito deputado, Vitor Hugo fez alterações no texto e o apresentou de novo, com aval do presidente. A proposta não havia avançado até a autorização de Lira para criar a comissão. 

O projeto sugere novos mecanismos para prevenção de atos terroristas, prevê situações para a “infiltração” de agentes em grupos suspeitos, o acesso a dados de navegação na internet e à localização geográfica de celulares, e cria uma Autoridade Nacional Contraterrorista. 

O texto diz que a lei pode ser aplicada para reprimir não apenas atos tipificados como terrorismo, mas situação que “aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência”.

O deputado disse que a intenção não é usar o aparato policial para perseguir movimentos sociais. “Não estamos criando um novo tipo de terrorismo”, disse o deputado Vitor Hugo. “Estamos dizendo que a mesma estrutura de prevenção e combate voltada para o terrorismo também vai se voltar para atos que, embora a lei não considere terrorismo, possam tirar vidas com o objetivo de interferir na definição de políticas públicas.”

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no entanto, defendeu em 2018, em entrevista ao Estadão, a tipificação de atos do MST como terrorismo. “Eles impõem o terror para ganhar um benefício. Se fosse necessário prender 100 mil pessoas, qual o problema nisso?”, disse o parlamentar na ocasião.

‘Inoportuna’. A proposta foi alvo de críticas de associações e federações que representam policiais civis, militares e federais. Em carta aberta divulgada nesta semana, dez entidades dizem que o projeto apresenta “sérias inconstitucionalidades”. 

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima considerou a comissão especial “inoportuna”. “As polícias já têm base legal e normativa criada para diálogo e cooperação entre diferentes esferas.” Ele afirmou que a Lei Antiterrorismo foi aprovada em meio à pressão internacional para que o País tipificasse o crime e pudesse implementar a legislação na segurança da Olimpíada, o que, para ele, criou distorções. “(A lei) É pouco eficiente em coibir riscos e criar contingências para que a se investiguem atentados efetivos, ou prevenir que aconteçam.”

A Operação Hashtag, primeira investigação aberta com base na Lei Antiterrorismo, foi também o caso que terminou com o maior número de condenados. Oito pessoas foram consideradas culpadas por promover o Estado Islâmico nas redes sociais. As penas foram de 5 a 15 anos de prisão. Além deles, um suspeito da Hashtag foi condenado na Justiça Federal em Goiás, após o processo ser desmembrado. Outras duas condenações ocorreram em instâncias estaduais. 

A reportagem ouviu um delegado da PF que chefiou a Divisão Antiterrorismo e pediu para não ser identificado por questões de segurança. Para ele, a baixa produção de inquéritos ocorre, entre outros motivos, pela diminuição de casos de terrorismo no mundo desde que a lei foi aprovada. Questionado sobre a quantidade pequena de sentenças, o Ministério Público Federal não se manifestou. 

Ações abertas após massacre de Suzano foram anuladas

A morte de dez pessoas há dois anos em uma escola estadual de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, levou à abertura de investigações e ações penais para reprimir ataques semelhantes. Houve ao menos três casos em que a Lei Antiterrorismo foi usada para enquadrar jovens que exaltaram o atentado ou ameaçaram fazer novos ataques. 

Cinco dias depois da tragédia em Suzano, a Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pontalina, em Goiás recebeu uma representação para investigar um adolescente de 17 anos que estaria preparando um atentado em sua escola. Nas redes, o jovem publicou fotos e vídeos dos ataques da Columbine High School, nos EUA, em 1999, e do atentado a uma mesquita na Nova Zelândia, em 2019, que foi transmitido ao vivo na internet pelo atirador. Naquela semana, ele também tinha exaltado o atentado em Suzano. 

À colega que frequentava sua casa, o adolescente havia falado da intenção de praticar um atentado na escola em Pontalina, e até mostrado as roupas que pretendia usar no dia do ataque. A polícia encontrou fotos dele posando com armas de fogo. 

A Justiça entendeu que o adolescente realizou atos preparatórios de terrorismo, crime previsto na lei de 2016, e determinou que ele fosse internado em uma unidade socioeducativa por três anos, com reavaliação periódica para determinar uma eventual mudança no regime. Seus pais passaram a ter acompanhamento psicológico, medida que também está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Dois dias após o caso de Goiás ter início, outro adolescente de 17 anos foi apreendido em Niterói, no Rio, também sob a acusação de se preparar para um atentado terrorista. Ele havia avisado colegas para não irem à escola no dia seguinte. E falou tanto em atacar a escola quanto em explodir uma passarela em frente ao Plaza Shopping de Niterói. Um dos alunos comunicou a ameaça à polícia. 

Na casa do adolescente foram encontradas máscaras e trajes vermelhos em referência à série Casa de Papel – na qual os protagonistas assaltam a Casa da Moeda em Madri, na Espanha –, mas nenhuma arma nem explosivos. O jovem disse que havia usado o traje como fantasia no carnaval, duas semanas antes. Ele foi condenado por atos de terrorismo em duas instâncias pela Justiça do Rio de Janeiro e passou oito meses em uma unidade socioeducativa. No primeiro dia, tentou suicídio e foi socorrido pelos assistentes sociais. 

Motivação. A condenação foi anulada nove meses depois pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O ministro Sebastião Reis Júnior entendeu que o Ministério Público não conseguiu comprovar que se tratava de terrorismo. A lei diz que só se configura terrorismo quando o ato é praticado “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. “O tribunal local desconsiderou a necessidade de esclarecimento da motivação para a prática dos atos preparatórios”, afirmou o ministro. 

Para o defensor público Rodrigo Azambuja, que atuou na defesa do adolescente, não havia provas robustas de que ele se preparava para um ataque. “A sociedade estava comovida por conta daquele atentado de Suzano, e aí começam a vir notícias de possível violência contra escolas”, disse. “A lei amplia o aspecto de punição, permitindo que os atos preparatórios sejam apenados. Juntou tudo isso.”

No Rio, houve outro caso com desfecho semelhante. No dia seguinte à denúncia de Niterói, um jovem de 18 anos foi preso em Campos dos Goytacazes sob acusação de preparar um ato terrorista. As evidências usadas para o indiciamento também foram publicações nas redes sociais que exaltavam o atentado em Suzano. A Justiça Federal considerou a prisão ilegal, e determinou que ele fosse solto. O juiz Fernando Henrique Silva Brito viu “flagrante violação aos direitos fundamentais à intimidade e vida privada”.

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