BRASÍLIA - Na entrada do ginásio Nilson Nelson, espaço de eventos na região central de Brasília, um homem se colocou de joelhos com as mãos algemadas. Tinha a cara e as mãos pintadas de vermelho, para simular um sangue que escorria do corpo. Usava uma batina de padre e tinha a boca amordaçada. Atrás da cena, duas mulheres estendiam uma faixa, pedindo que a Igreja “reaja” e que “diga não ao comunismo!”, porque o Brasil corre risco de “perseguição da fé”, com aborto, pedofilia e ideologia de gênero.
As palavras do protesto teatral também ecoavam dentro do ginásio, onde apoiadores de Bolsonaro se aglomeravam para acompanhar, desde as 19h00, a “Noite de clamor pelo Brasil”, diretamente da “Terra de Santa Cruz”. O presidente Jair Bolsonaro chegaria por volta das 20h00, acompanhado da trinca religiosa que tem liderado a marcha do “bem contra o mal” nas eleições deste ano, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, a ex-ministra Damares Alves e Padre Kelmon.
Num altar montado no meio de um ginásio que sequer chegou a ter metade de suas poltronas ocupadas, padres católicos rezavam e pediam aos eleitores de Bolsonaro que o povo não abaixasse a cabeça, porque está vivendo uma “guerra espiritual”. Apesar do clamor cristão, o que se ouvia, entre músicas e orações, é o alerta reiterado de que o Brasil precisa “afastar a peste do comunismo e toda a sua ideologia nefasta”.
Bolsonaro e Michelle, que foram ovacionados quando entraram no espaço, optaram por silenciar e não deram nenhuma declaração. Padre Kelmon, que foi anunciado no microfone, também não falou. Damares Alves, que recentemente tornou pública uma denúncia sem provas de abuso infantil, não falou aos fiéis. Mas misturou-se aos católicos cumprimentando e tirando fotos.
No altar, o deputado Eros Biondini (PL-MG), que, como já mostrou o Estadão, costuma levar violão para o Congresso e fazer cultos em plenas salas de comissões, enquanto ocorrem audiências públicas, atuava como o mediador do evento, cantando e apresentando os demais convidados. “Os demônios sairão das nossas vidas pelo jejum e pela oração”, dizia Biondini, aproveitando para agradecer à presença de todos e ao “povo do Nordeste” pela importante missão que terá no dia 30 de outubro. “Uma salva de palmas para o povo do Nordeste, povo amado e católico desse país”, disse o parlamentar.
Se dentro do evento gratuito o clima era de oração para que todos estivessem preparados para um “verdadeiro combate espiritual”, lá fora a segurança tratava de revistar cada pessoa que chegava, com o uso de detectores de metal.
Bolsonaro, que não subiu ao palco e limitou-se a ficar com os demais numa área reservada de frente para o palco, viu padres e parlamentares se revezarem no microfone para dizerem que “o povo católico abraça o povo evangélico” em sua luta, e que “Deus abençoe nosso presidente Jair Bolsonaro”, livrando o País do inimigo maior. Não faltaram referências à “guerra na Nicarágua e à perseguição aos espíritos” no país latino.
Se os recados no altar eram adornados por citações bíblicas e heroicas, entre os fiéis a consagração política era mais incisiva. Diversas pessoas com pilhas de panfletos distribuíam papeis com a foto de um Bolsonaro sorrindo e o número 22. No verso da propaganda, porém, uma imagem do candidato Luiz Inácio Lula da Silva em tom jocoso e mostrando a língua. Na propaganda impressa, dizia que Bolsonaro é aquele que respeita “valores religiosos” e a vida. Já Lula é citado como o presidente que “abandonou nordestinos” e defende o aborto.
O ato em Brasília passou ao largo das ponderações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nesta segunda-feira, o primeiro vice-presidente da entidade, dom Jaime Spengler, afirmou ao Estadão que a fé dos católicos não deve ser manipulada para fins espúrios durante as eleições. Dom Jaime também disse que os cristãos não podem se “deixar levar” pelas fake news. “Isso não é digno de alguém que tem amor à pátria”. Essa foi a primeira reação de integrantes da cúpula do episcopado brasileiro, após o ato de campanha promovido pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores no Santuário Nacional de Aparecida.
Depois de três horas de orações e ataques de cunho político, o périplo de padres e políticos no altar foi se esvaziando. Bolsonaro e Michelle partiram discretamente. Padre Kelmon desapareceu por detrás do altar. Decidira que era melhor não cumprimentar os fiéis.