RIO – O general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército nos governos Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), revelou em livro ter planejado com o Alto Comando da Força o tuíte que foi interpretado como pressão para que o Supremo Tribunal Federal (STF) não favorecesse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018. Na ocasião, um dia antes da Corte julgar um habeas corpus ajuizado pelo petista, o chefe militar primeiro tuitou que a Força compartilhava “o anseio de todos os cidadãos de bem”. Depois, divulgou novo tuíte citando as instituições, com tom ainda mais político.
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, dizia. O texto chegou a ser interpretado como ameaça de golpe, caso Lula fosse libertado. O ex-presidente cumpria pena estabelecida pelo juiz Sérgio Moro, no processo do triplex do Guarujá. Sua libertação poderia ter influência na campanha eleitoral. A disputa foi vencida, no segundo turno, por Jair Bolsonaro, derrotando o petista Fernando Haddad.
A versão está no livro General Villas Bôas: Conversa com o Comandante, lançado pela Editora FGV a partir de uma longa entrevista dada ao pesquisador Celso Castro. Nela, o militar detalha, do seu ponto de vista, como se deu a construção daquele recado. Para ele, não foi uma ameaça, e sim um “alerta”.
“O País, desde algum tempo, vive uma maturidade institucional não suscetível a possíveis rupturas da normalidade. Ademais, eu estaria sendo incoerente em relação ao pilar da ‘legalidade’ (citado no tuíte). Tratava-se de um alerta, muito antes que uma ameaça”, afirma Villas Bôas no livro.
Segundo o general, houve duas motivações para a mensagem. Uma era o que chamou de insatisfação da população com o País. A outra era a demanda que chegava ao Exército por uma intervenção militar - Villas Bôas afirmou considerar essa medida impensável. Além de planejado com o Alto Comando, o recado, segundo o general, passou por revisão dos comandantes militares de área, seus subordinados.
O comandante alegou que não tinha a intenção de mudar o voto de nenhum ministro. Àquela altura, o mistério envolvia a posição da ministra Rosa Weber, que decidiria a votação. Para o general, poderia haver um “sentimento generalizado de insatisfação" dentro do Exército caso o resultado do julgamento fosse favorável a Lula. Mas, segundo ele, a disciplina continuaria inalterada.
Além do tuíte em si, o general contou no livro que implantou no Exército uma nova estratégia de comunicação. O objetivo era normalizar posições políticas da força. “Estabeleci como meta que o Exército voltasse a ser ouvido com naturalidade. Teríamos de romper um patrulhamento que agia toda vez que um militar se pronunciava, rotulando de imediato como quebra da disciplina ou ameaça de golpe.”
Esse planejamento se deu com o general Rêgo Barros, que era chefe do Centro de Comunicação Social do Exército (CComSEx) e depois foi porta-voz do governo de Jair Bolsonaro. Deixou o cargo em outubro de 2020, depois de ter suas funções esvaziadas, e tornou-se crítico do governo.
General fala de combate ao ‘politicamente correto’ para explicar Bolsonaro
Villas Bôas também comentou no livro a eleição de Jair Bolsonaro e seu governo, repleto de militares. Segundo o ex-comandante, a vitória eleitoral do ex-capitão do Exército se deu por causa da ênfase ao “combate ao politicamente correto”. Apesar de vago e sem lastro acadêmico, o termo tem sido usado nos últimos anos para criticar supostos filtros impostos a determinados assuntos.
“Bolsonaro deu ênfase ao combate ao politicamente correto, do qual a população estava cansada. A Globo, reino do politicamente correto, foi o mais importante cabo eleitoral do presidente eleito”, opina.
O general diz que o presidente Bolsonaro despertou entusiasmo entre os militares por manifestar certas posições até então esquecidas, “indo ao encontro da ansiedade de muitos”. Perguntado se Fernando Haddad conseguiria assumir sem problemas o governo caso vencesse a eleição, Villas Bôas garantiu que sim.
Para o comandante, o governo Bolsonaro não representa uma volta dos militares ao poder, mesmo havendo generais em altos postos. As nomeações e exonerações, diz, não têm relação com o Exército como instituição.
Demonstrando alinhamento com o governo, o general defende um dos ministros civis mais controversos: Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Para Villas Bôas, Salles é alvo de um “massacre de acusações” com origem “até mesmo no exterior”. O ex-comandante disse que o ministro “corajosamente, desde que assumiu sua pasta, vem lutando para desmontar estruturas aparelhadas, ineficientes e corrompidas, que criaram um ambiente favorável à dissipação de recursos financeiros, sem que se produzam os efeitos pretendidos”.
Villas Bôas relatou ainda insatisfação do Exército com a presidente Dilma Rousseff. Além de citar as acusações de corrupção e a deterioração econômica, mencionou com desgosto a Comissão da Verdade. O grupo foi criado para apurar os crimes do Estado brasileiro na ditadura militar.
Sem reconhecer a culpa dos militares pelo regime de exceção responsável por torturas e desaparecimento de opositores, o ex-comandante atribuiu o período à Guerra Fria e criticou a luta armada. Para Villas Bôas, a Comissão da Verdade soou como um “revanchismo” dos derrotados pelo regime militar.