LONDRES – O presidente Jair Bolsonaro (PL) se irritou nesta segunda-feira, 19, com uma pergunta do Estadão sobre o uso político de sua participação no funeral da rainha Elizabeth II e encerrou a entrevista que concedia em frente à residência oficial do embaixador do Brasil no Reino Unido, Fred Arruda, em Londres. Jornais britânicos disseram que a visita do brasileiro teve caráter de “comício” e foi usada como “palanque”.
“Você acha que eu vim aqui fazer política? Pelo amor de Deus, não vou te responder, não. Faz uma pergunta decente. Compara o Brasil com os Estados Unidos. Com o resto do mundo. Se eu não viesse estaria sendo criticado”, respondeu o presidente, enquanto dava as costas para apoiadores e jornalistas.
Bolsonaro criticou a reportagem do Estadão sobre o veto ao reajuste da merenda escolar para 2023. “Sabe qual foi a capa do Estado de São Paulo há três dias? ‘Bolsonaro corta ovo da merenda escolar’. É o tempo todo assim”, disse. O texto revelou que relatos de racionamento e cortes de merenda escolar se multiplicam pelo Brasil, na medida em que a verba federal está desde 2017 sem reajuste. O presidente argumentou que a situação econômica no Brasil é hoje melhor do que na Europa.
Antes, nos pouco menos de dez minutos em que atendeu o seu público e a imprensa, Bolsonaro fez críticas veladas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e chamou o candidato à Presidência pelo PT, Luiz Inácio Lula da Silva, de “ladrão”.
“Questionado sobre o que esperava da cerimônia da rainha, o presidente afirmou “não ter expectativa”, por se tratar de um dia “que vai chegar para todos”. Neste momento, aproveitou para atacar o STF. De acordo com Bolsonaro, “segundo a escritura”, todos terão o seu veredicto e que “lá não tem como alguns do Supremo para ‘descondenar’ uma pessoa e tornar ela elegível”.
Cercado por seguranças, o presidente também perguntou aos seus apoiadores sobre as condições de vida na Europa, mencionou a escassez dos alimentos, das queimadas e dos aumentos sucessivos no preço do gás. “Alguém tem dúvida que o Brasil é a terra prometida? Por que a insistência em querer botar um ladrão de volta na Presidência?”, questionou aos seus seguidores.
Sem que apoiadores ou jornalistas tocassem no assunto, trouxe à tona o caso dos 51 imóveis comprados com dinheiro vivo por sua família em 30 anos, revelado por reportagem do UOL. “Os imóveis do Bolsonaro! Canalhice a questão dos imóveis, pegaram dez parentes meus que têm vida própria. Dinheiro vivo? Onde é que tem isso na escritura? Covardia, covardia. Três anos e meio sem corrupção, qual a corrupção do meu governo? Tão com saudade daquela patifaria?”.
Bolsonaro retornou à casa do embaixador brasileiro após a cerimônia. Houve uma discussão quando Hélio Cruz Santos, de 43 anos, e apoiador de Lula, se aproximou. “Estou aqui em nome dos 700 mil que morreram de covid. Parte dessas pessoas morreram por ignorância e falta de um governo sério e que respeita a vida. E acredito que nesta parte o governo Bolsonaro falou”, exclamou Santos. Os apoiadores do presidente discutiram com o brasileiro na rua em frente à casa do embaixador.
O pastor Silas Malafaia, que fez parte da comitiva do presidente do Brasil, entrou no meio da discussão e puxou o coro “mito, mito, mito”.
Ao passar pelo local, o britânico aposentado, Chris Harvey, de 61 anos, ficou indignado e pediu para as pessoas respeitarem a morte da rainha. “Nós devemos tentar separar as coisas por um dia. Hoje é dia em que deveriam respeitar o funeral da rainha, ao invés de torná-lo em uma campanha política. Isso não é uma forma de demonstrar respeito. Especialmente hoje.”
Imprensa britânica
Os jornais estrangeiros destacaram a utilização eleitoral da participação de Bolsonaro no funeral. O The Independent divulgou o título “Bolsonaro é acusado de transformar sua visita ao funeral da rainha em comício político”. Em um trecho da reportagem, o jornal disse que “para cerca de 200 apoiadores reunidos do lado de fora da Embaixada do Brasil em Mayfair, Bolsonaro insistiu que as pesquisas estavam erradas – e que ele poderia vencer no primeiro turno”.
O The Guardian afirmou que “Bolsonaro usa a visita a Londres para o funeral da rainha como palanque eleitoral”. Segundo o jornal britânico, o presidente “voou para Londres” para discursar “aos apoiadores sobre os perigos dos esquerdistas, aborto e ideologia de gênero”. “Pessoalmente, acho que ele não é bem-vindo em solo britânico. Ele não é bem-vindo no funeral da rainha”, afirmou Clare Handford, documentarista que era amiga de Dom Phillips, jornalista britânico que foi morto em junho deste ano na Amazônia, quando fazia uma reportagem.